A Lei n.º 8.666/1993, no seu artigo 87, incisos III e IV, prevê a aplicação das sanções administrativas de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração e de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, respectivamente.
Como decorrência constitucional, a incidência das penalidades depende de observância de processo, no qual seja assegurado o contraditório e a ampla defesa. A primeira penalidade tem a duração máxima de dois anos, ao passo que a última, impõe-se enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação (possível após o decurso do prazo de dois anos) perante a própria autoridade que a aplicou, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e depois de decorrido o prazo da sanção aplicada.
Nesse sentido, cabe a citação do dispositivo em tela:
Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
I- (...)
III- suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
§ 1o (...)
§ 2o As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis.
§ 3o A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação.
Feito esse breve introito, mister expor a controvérsia que cerca o âmbito de eficácia das sanções.
Há três correntes acerca da abrangência das penalidades de suspensão temporária do direito de participar de licitação e impedimento de contratar com a Administração e da declaração de inidoneidade.
A primeira tese adota uma concepção restritiva, na medida em que nas duas situações, suspensão temporária do direito de participar de licitação e impedimento de contratar com a Administração e da declaração de inidoneidade, a sanção circunscreve-se ao ente federativo que a aplicou. A base desse argumento é a autonomia do ente federativo (artigo 2º da Constituição Federal), assim como o fomento ao princípio da competividade, inscrito no artigo 3º, §1º, I, Lei n.º 8.666/1993.
O segundo posicionamento biparte-se. Desse modo, para a sanção de suspensão temporária do direito de participar de licitação e impedimento de contratar com a Administração, adota-se posição mais estrita, haja vista que a limita ao órgão ou unidade administrativa que a aplicou. De outro lado, a penalidade de declaração de inidoneidade comporta uma extensão a todos os entes federativos, independentemente de quem lhe aplicou a penalidade.
A justificativa para essa cisão tem lastro no artigo 6º, incisos XI e XII, da Lei n.º 8.666/1993, in verbis:
Art. 6o Para os fins desta Lei, considera-se:
(...)
XI - Administração Pública - a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas;
XII - Administração - órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente;
De clareza solar que a lei conceituou Administração e Administração Pública, bem como as empregou nos incisos III e IV, do art. 87, da Lei n.º 8.666/1993, que tratam das sanções de suspensão temporária do direito de participar de licitação e impedimento de contratar com a Administração e da declaração de inidoneidade. Logo, essa doutrina utiliza-se, unicamente, dos conceitos legais.
Por último, a terceira corrente, cujos defensores, dentre outros, destacam-se José dos Santos Carvalho Filho, Marçal Justen Filho e Lucas Furtado, entendem que ambas irradiam seus efeitos para todos os entes federativos indistintamente (corrente extensiva), porquanto o motivo ensejador da penalidade e o risco que ela representa ao interesse público não se diferencia em razão do ente da Federação que aplicou ou não a medida. Ademais, rechaça, por carência de fundamentação jurídica, a dicotomia entre Administração e Administração Pública.
Esse é o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no precedente REsp 151567/RJ, relator Ministro Francisco Peçanha Martins (Segunda Turma):
ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – LICITAÇÃO – SUSPENSÃO TEMPORÁRIA – DISTINÇÃO ENTRE ADMINISTRAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - INEXISTÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DE LICITAÇÃO PÚBLICA – LEGALIDADE – LEI 8.666/93, ART. 87, INC. III.
- É irrelevante a distinção entre os termos Administração Pública e Administração, por isso que ambas as figuras (suspensão temporária de participar em licitação (inc. III) e declaração de inidoneidade (inc. IV) acarretam ao licitante a não-participação em licitações e contratações futuras.
- A Administração Pública é una, sendo descentralizadas as suas funções, para melhor atender ao bem comum.
- A limitação dos efeitos da “suspensão de participação de licitação” não pode ficar restrita a um órgão do poder público, pois os efeitos do desvio de conduta que inabilita o sujeito para contratar com a Administração se estendem a qualquer órgão da Administração Pública.
- Recurso especial não conhecido.
É evidente que a celeuma se estendeu ao Tribunal de Contas da União, porém com a ressalva de que não se discute essa questão no tocante à declaração de inidoneidade prevista na Lei n.º 8.666/1993, na medida em que essa penalidade é aplicada com base em outro diploma normativo (a Lei n.º 8.443/1192).
Assim, a questão ainda é divergente no âmbito do Tribunal de Contas da União, que no informativo 100 (2012), encampou o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, ou seja, a terceira corrente. Todavia, nos informativos 134, 136 e 139 adotou a solução preconizada pela segunda corrente. Quando a questão parecia se firmar em um sentido, no informativo 147 (2013), reduziu-se a aplicação da sanção de suspensão temporária do direito de participar de licitação e impedimento de contratar com a Administração apenas ao órgão.
Por derradeiro, indene de dúvida a atualidade do tema e a necessidade de acompanhamento da jurisprudência dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União, motivo pelo qual não há até o fechamento do presente artigo, entendimento sedimento apto a consagrar uma diretriz segura para os operadores do direito.
FONTE DE PESQUISA
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2012.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012.
FILHO, Marçal Justen. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2009.
SOUTO, Marcos Juruena Vilela. Licitações e contratos administrativos. Rio de Janeiro: Esplanada, 2000.
SANTOS, Márcia Walquiria Batista dos. Temas Polêmicos sobre licitações e contratos. São Paulo: Malheiros, 1995.
MILESKI, Helio Saul. O controle da gestão externa. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011.
CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de direito administrativo. Salvador: Editora Juspodivm, 2009.
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