Resumo: Cuida salientar que o reconhecimento voluntário se materializa de maneira desejada, espontânea, sem que haja qualquer imposição ou constrangimento daquele que perpetra o ato. Assim, o reconhecimento é o ato pelo qual o pai, a mãe ou ambos, declaram o vínculo que os une ao filho nascido, conferindo-lhe o status familiae correspondente. Frise-se, oportunamente, a desnecessidade de que o reconhecimento seja feito simultaneamente, sendo admitida a modalidade em conjunto ou sucessiva. Ao lado disso, em que pese se tratar de ato personalíssimo, podendo ser realizado o reconhecimento voluntário por meio de procurador, o qual deverá está munido com poderes específicos, outorgados por escritura pública ou particular. Ademais, em razão da natureza personalíssima e o tratamento constitucional da matéria, obstando qualquer discriminação aos filhos, mister deixar patente que em se tratando de reconhecimento de filho havido fora do casamento é completamente desnecessário a anuência do cônjuge do reconhecente. Ancorado no artigo 1.613 da Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, que institui o Código Civil, o reconhecimento é ato livre, irrevogável e irretratável, não podendo estar submetido à condição, termo ou encargo, bem assim qualquer outra modalidade que tenha por escopo restringir o reconhecimento filiatório.
Palavras-chaves: Reconhecimento de Paternidade. Identidade Genética. Direito de Personalidade.
Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Breve Escorço Histórico sobre o Reconhecimento de Paternidade; 2 O Reconhecimento Voluntário; 3 Modalidades Diversas de Reconhecimento Voluntário de Paternidade: 3.1 Reconhecimento no Registro de Nascimento; 3.2 Reconhecimento por Escritura Pública ou Escrito Particular; 3.3 Reconhecimento por Cédula Testamentária; 3.4 Reconhecimento por Manifestação Direta e Expressa perante o Juiz; 3.5 Reconhecimento Voluntário do artigo 2º da Lei Nº. 8.560/1992; 4 Distinções entre o Reconhecimento de Paternidade de Filho Maior e Filho Menor de Idade.
1 Comentários Introdutórios: Breve Escorço Histórico sobre o Reconhecimento de Paternidade
Em sede de ponderações inaugurais, cuida salientar que o reconhecimento de paternidade é um ato, voluntário ou forçado, por meio do qual é estabelecida a relação de parentesco em primeiro grau em linha reta. Como bem destacam Farias e Rosenval, “pode decorrer de um ato espontâneo praticado pelos genitores ou mesmo contra a sua vontade, através da decisão do Poder Judiciário, proferida em ação investigatória de paternidade”[1]. Durante a vigência do revogado Estatuto de 1916, no qual a família era concebida exclusivamente por meio do casamento, o instituto do reconhecimento de paternidade era destinado tão somente aos filhos denominados ilegítimos, isto é, àqueles nascidos de pais não casados, já que os filhos de pessoas casados, chamados de legítimos, estavam subordinados à presunção de paternidade, sendo, portanto, dispensado o reconhecimento.
Em harmonia com o artigo 363 da Lei Nº. 3.073, de 1º de Janeiro de 1916[2], que institui o Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, o filho de uma mulher não casada tinha de ser reconhecido, de maneira voluntária, pelo seu genitor ou investigar a sua paternidade, caso aquele se negasse a fazer o reconhecimento. Ao lado disso, quadra pontuar que o direito em comento não subsistia para os filhos incestuosos ou adulterinos, em razão da vedação expressa agasalhada. Os filhos espúrios, por seu turno, poderiam ser adulterinos, se algum ou ambos os genitores fossem casados, ou incestuosos, caso os pais tivessem vínculos próximos de parentesco, tal como pai e filha, o irmão e a irmã produzindo descendência. Quanto aos nomeados filhos espúrios, Maria Helena Diniz firma magistério no sentido que:
Espúrios, os oriundos da união de homem e mulher entre os quais havia, por ocasião da concepção, impedimento matrimonial. Assim, são espúrios: a) os adulterinos, que nascem de casal impedido de casar em virtude de casamento anterior, resultando de um adultério. O filho adulterino pode resultar de duplo adultério, ou seja, de adulterinidade bilateral, se descender de homem casado e mulher casada; ou, ainda, de adulterinidade unilateral, se gerado por homem casado e mulher livre ou solteira, caso em que é adulterino a patre, ou por homem livre ou solteiro e mulher casada, sendo, então, adulterino a matre; os provenientes de genitor separado não são adulterinos, mas simplesmente naturais [...]; b) os incestuosos, nascidos de homem e de mulher que, ante parentesco natural, civil ou afim, não podiam convolar núpcias à época de sua concepção. Hoje, juridicamente, só se pode falar em filiação matrimonial e não matrimonial; vedadas estão, portanto, quaisquer discriminações[3].
Na arcaica estruturada contida pelo Estatuto de 1916, apenas os filhos nascidos do casamento poderiam, de maneira plena, exercer os direitos oriundos da filiação. Desta maneira, subsistia uma hierarquização por meio da qual o filho casamentário obtinha manifestos privilégios. Tratava-se da denominada filiação legítima. Convém mencionar que, sob a égide da Lei Nº. 3.073, de 1º de Janeiro de 1916[4], que institui o Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, o pai, enquanto estivesse casado, não podia reconhecer a prole ilegítima. Ainda que quisesse, as disposições conservadoras que orientavam a aplicação da norma proibia o reconhecimento de paternidade de filhos havidos fora do patrimônio, o que só poderia ser feito caso enviuvasse, eis que o casamento era indissolúvel. “Somente em 1942 foi permitido o reconhecimento de filhos nascidos de uma relação extraconjugal pelo homem. Todavia, somente era possível este reconhecimento se o pai já estivesse desquitado de sua esposa”[5]. Salta aos olhos, neste cenário, que sempre foram estabelecidos obstáculos ao exercício pleno do direito filiatório, em detrimento dos filhos de pessoas não casadas. Ora, os marcos limitadores defluiam da concepção individualista e patrimonial, a qual predominava no Direito Civil naquele momento histórico. À sombra do pontuado, é possível anotar que o ideário vigente estava alicerçado na acepção que o Direito de Família estava cingido no casamento, único modelo familiar concebido, obstando, por via reflexa, o exercício de direitos pelos filhos não matrimoniais.
Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, foram suprimidas quaisquer discriminações, conquanto tenha se admitido a incidência da presunção de paternidade (pater is est) no casamento. Afastou-se, desta maneira, eventual preceito eivado de aspecto discriminatório, tem-se que, nas situações em que não se subsume à presunção de paternidade, é plenamente possível investigar a paternidade, sem limitações. Verifica-se, no novel cenário inaugurado, a paulatina, porém, imprescindível, reconhecimento e valoração do direito fundamental à busca pela identidade genética, o qual se encontra implícito na rubrica dos direitos da personalidade de um ser, de maneira a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive no que concerne às qualificações, bem como o corolário da paternidade responsável. Colaciona-se, oportunamente, o entendimento jurisprudencial que se coaduna com o explicitado:
Ementa: Recurso Especial. Processual Civil. Civil. Direito de Família. Investigação de paternidade. Anulação de registro civil. Coisa julgada. Extinção de processo anterior sem resolução de mérito (CPC, art. 267, VI). Carência de ação. Possibilidade de ajuizamento de nova ação (CPC, art. 268). Vícios anteriores sanados. Multa do art. 538, parágrafo único do CPC. Afastamento. Recurso parcialmente provido. [...] 4. Não se deve perder de vista que a pretensão deduzida na investigação fundamenta-se no direito personalíssimo, indisponível e imprescritível de conhecimento do estado biológico de filiação, consubstanciado no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), encontrando apoio na busca da verdade real. Destarte, máxime em ações de estado, não se apresenta aconselhável privilegiar a coisa julgada formal em detrimento do direito à identidade genética, consagrado na Constituição Federal como direito fundamental, relacionado à personalidade. 5. Descabe, assim, na espécie, recusar o ajuizamento da nova ação (CPC, art. 268), quando há apenas coisa julgada formal decorrente da extinção do processo anterior e a ação posteriormente proposta atende aos pressupostos jurídicos e legais necessários ao seu processamento. [...] 7. Recurso especial parcialmente provido, apenas para afastar a multa aplicada no julgamento dos embargos de declaração. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 1.215.189/RJ/ Relator: Ministro Raul Araújo/ Julgado em 02.12.2010/ Publicado no DJe 01.02.2011).
Ementa: Direito civil. Família. Ação de declaração de relação avoenga. Busca da ancestralidade. Direito personalíssimo dos netos. Dignidade da pessoa humana. Legitimidade ativa e possibilidade jurídica do pedido. Peculiaridade. Mãe dos pretensos netos que também postula seu direito de meação dos bens que supostamente seriam herdados pelo marido falecido, porquanto pré-morto o avô. - Os direitos da personalidade, entre eles o direito ao nome e ao conhecimento da origem genética são inalienáveis, vitalícios, intransmissíveis, extrapatrimoniais, irrenunciáveis, imprescritíveis e oponíveis erga omnes. - Os netos, assim como os filhos, possuem direito de agir, próprio e personalíssimo, de pleitear declaratória de relação de parentesco em face do avô, ou dos herdeiros se pré-morto aquele, porque o direito ao nome, à identidade e à origem genética estão intimamente ligados ao conceito de dignidade da pessoa humana. - O direito à busca da ancestralidade é personalíssimo e, dessa forma, possui tutela jurídica integral e especial, nos moldes dos arts. 5º e 226, da CF/88. - O art. 1.591 do CC/02, ao regular as relações de parentesco em linha reta, não estipula limitação, dada a sua infinitude, de modo que todas as pessoas oriundas de um tronco ancestral comum, sempre serão consideradas parentes entre si, por mais afastadas que estejam as gerações; dessa forma, uma vez declarada a existência de relação de parentesco na linha reta a partir do segundo grau, esta gerará todos os efeitos que o parentesco em primeiro grau (filiação) faria nascer. - A pretensão dos netos no sentido de estabelecer, por meio de ação declaratória, a legitimidade e a certeza da existência de relação de parentesco com o avô, não caracteriza hipótese de impossibilidade jurídica do pedido; a questão deve ser analisada na origem, com a amplitude probatória a ela inerente. [...] - As relações de família tal como reguladas pelo Direito, ao considerarem a possibilidade de reconhecimento amplo de parentesco na linha reta, ao outorgarem aos descendentes direitos sucessórios na qualidade de herdeiros necessários e resguardando-lhes a legítima e, por fim, ao reconhecerem como família monoparental a comunidade formada pelos pais e seus descendentes, inequivocamente movem-se no sentido de assegurar a possibilidade de que sejam declaradas relações de parentesco pelo Judiciário, para além das hipóteses de filiação. - Considerada a jurisprudência do STJ no sentido de ampliar a possibilidade de reconhecimento de relações de parentesco, e desde que na origem seja conferida a amplitude probatória que a hipótese requer, há perfeita viabilidade jurídica do pleito deduzido pelos netos, no sentido de verem reconhecida a relação avoenga, afastadas, de rigor, as preliminares de carência da ação por ilegitimidade de parte e impossibilidade jurídica do pedido, sustentadas pelos herdeiros do avô. - A respeito da mãe dos supostos netos, também parte no processo, e que aguarda possível meação do marido ante a pré-morte do avô dos seus filhos, segue mantida, quanto a ela, de igual modo, a legitimidade ativa e a possibilidade jurídica do pedido, notadamente porque entendimento diverso redundaria em reformatio in pejus. Recurso especial provido. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Seção/ REsp 807.849/RJ/ Relatora: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 24.03.2010/ Publicado no DJe 06.08.2010).
Nesta toada, é possível pontuar que, com clareza solar, o artigo 227 da Constituição Federal, em seu parágrafo 6º, hasteia o princípio da isonomia entre os filhos, afixando que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”[6]. Cuida evidenciar que o ideário de igualdade, enquanto flâmula orientadora, tem o condão de obstar as distinções entre filhos, cujo argumento de fundamentação é a união que estabelece o liame entre os genitores, casamento ou união estável, além de repudiar as diferenciações alocadas na origem biológica ou não. “Não há mais, assim, a possibilidade de imprimir tratamento diferenciado aos filhos em razão de sua origem. Sequer admite-se qualificações indevidas dos filhos”[7].
Ora, com a promulgação da Carta de 1988, verifica-se que o Constituinte, sensível ao cenário contemporâneo apresentado, bem como impregnado pela mutabilidade, passou a valorar as relações familiares enquanto emolduradas pelo aspecto de afetividade. Desta feita, com supedâneo em tal sedimento, é plenamente possível anotar que todo e qualquer filho gozará dos mesmos direitos e proteção, seja em órbita patrimonial, seja em âmbito pessoa. Destarte, todos os dispositivos legais que, de maneira direta ou indireta, acinzelem algum tratamento diferenciado entre os filhos deverão ser rechaçados do Ordenamento Pátrio. Operou-se, desta sorte, a plena e total equiparação entre os filhos tanto na constância da entidade familiar como aqueles tidos fora de tal entidade, bem assim os adotivos. Ademais, não mais prosperam as regras discriminatórias que antes nomeavam os filhos como sendo ilegítimos. Trata-se, com efeito, da promoção da dignidade da pessoa humana, superprincípio hasteado pelo Ordenamento Pátrio como pavilhão, que fora, em razão dos costumes e dogmas adotados pelo Códex de 1916 olvidados. Colaciona-se, além disso, o entendimento jurisprudencial que obtempera:
Ementa: Direito de Família. Filiação Adulterina. Investigação de Paternidade. Possibilidade Jurídica. I - Em face da nova ordem constitucional, que abriga o princípio da igualdade jurídica dos filhos, possível é o ajuizamento da ação investigatória contra genitor casado. II – Em se tratando de direitos fundamentais de proteção a família e a filiação, os preceitos constitucionais devem merecer exegese liberal e construtiva, que repudie discriminações incompatíveis com o desenvolvimento social e a evolução jurídica. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 7.631/RJ/ Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira/ Julgado em 17.09.1991/ Publicado no DJ em 04.11.1991, p. 15.688).
Nesse diapasão, a mais proeminente consequência da afirmação do corolário da isonomia entre os filhos é tornar o interesse menorista o essencial critério de solução de conflitos que envolvam crianças ou adolescentes, inserindo robustas alterações no poder familiar. Ao lado disso, cuida citar as ponderações de Madaleno, “embora ainda não tenha sido atingido o modelo ideal de igualdade absoluta da filiação, porque esquece a lei a filiação socioafetiva, ao menos a verdade biológica e a adotiva não mais encontram resquício algum de diferenciação e tratamento”[8]. Sobreleva ponderar que a isonomia propalada no Texto Constitucional compreende a prole havida ou não durante a constância do matrimônio, bem como “os filhos adotivos e aqueles havidos por inseminação artificial heteróloga (com material genético de terceiro)”[9], como bem destacam Flávio Tartuce e José Fernando Simão. Neste sentido, é possível colacionar que “a licença maternidade conferida às mães adotantes encontra-se embasada no princípio da isonomia insculpido na Carta Magna, que garantiu tratamento igualitário aos filhos naturais e adotivos, consoante disposto no art. 227, da CR/88”[10]. Com toda a propriedade e pertinência, as modificações propiciadas pelos anseios da coletividade e pela contemporaneidade, as quais influenciaram o Constituinte na elaboração da Carta Cidadã, permitiram que fossem extirpadas do Ordenamento Pátrio as discriminatórias expressões de filho adulterino e filho incestuoso, tal como a nomenclatura de filho espúrio ou filho bastardo, que refletiam o tratamento diferenciador existente durante o Estatuto Civil de 1916, o qual privilegiava a família pautada no conservadorismo e no patrimônio. Ora, a norma abrigada no Texto Constitucional estabelece a isonomia entre toda a prole, consagrando, por mais uma vez, os aspectos de afetividade, não permitindo mais a diferenciação que vigia.
2 O Reconhecimento Voluntário
Envolto nas ponderações estruturadas até o momento, cuida salientar que o reconhecimento voluntário se materializa de maneira desejada, espontânea, sem que haja qualquer imposição ou constrangimento daquele que perpetra o ato. “Assim, o reconhecimento é o ato pelo qual o pai, a mãe ou ambos, declaram o vínculo que os une ao filho nascido, conferindo-lhe o status familiae correspondente”[11], como evidenciam Farias e Rosenvald. Frise-se, oportunamente, a desnecessidade de que o reconhecimento seja feito simultaneamente, sendo admitida a modalidade em conjunto ou sucessiva. Ao lado disso, em que pese se tratar de ato personalíssimo, podendo ser realizado o reconhecimento voluntário por meio de procurador, o qual deverá está munido com poderes específicos, outorgados por escritura pública ou particular. Ademais, em razão da natureza personalíssima e o tratamento constitucional da matéria, obstando qualquer discriminação aos filhos, mister deixar patente que em se tratando de reconhecimento de filho havido fora do casamento é completamente desnecessário a anuência do cônjuge do reconhecente.
Ancorado no artigo 1.613 da Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002[12], que institui o Código Civil, o reconhecimento é ato livre, irrevogável e irretratável, não podendo estar submetido à condição, termo ou encargo, bem assim qualquer outra modalidade que tenha por escopo restringir o reconhecimento filiatório. Com efeito, o reconhecimento voluntário de paternidade possui de eficácia declaratória, confessando, por via de consequência, uma situação previamente existente. Caso o filho já estiver registrado em nome de outrem, necessário será o aforamento de ação para discutir, em juízo, o estado filiatório, em observância ao devido processo legal (dwe processo of law) e com farta produção de provas, de maneira a evidenciar, com clareza solar, o vínculo paterno-filial que se mostrou mais robusto em cada caso concreto, consideradas as possibilidades biológicas e socioafetivas. Uníssono é o entendimento jurisprudencial:
Ementa: Apelação Cível. Ação anulatória de reconhecimento de paternidade. Alegação de indução em erro ao declarar-se pai. Inocorrência. Reconhecimento voluntário de paternidade e isento de qualquer vício. Irrevogabilidade. Inteligência do art. 1.609 do CCB. Posse de estado de filiação ostentada por mais de 10 anos. 1. O reconhecimento voluntário de paternidade é ato irrevogável, nos termos do art. 1.609 do CCB, somente podendo ser desconstituído mediante comprovação de vício (erro, dolo ou coação) na sua origem. Nesse contexto, evidenciado que o reconhecimento operado pelo autor decorreu de ato unilateral de vontade praticado de forma livre e consciente, não cabe sua anulação. 2. Outrossim, indubitavelmente consolidou-se vínculo parental socioafetivo entre os agora litigantes, pela posse de estado de filiação - caracterizada pela ostentação dos elementos nome, tratamento e fama -, por ao menos 10 anos, devendo ser prestigiado tal vínculo em detrimento da verdade biológica. 3. À míngua de prova de qualquer vício de consentimento que viesse a macular o reconhecimento voluntário de paternidade operado, bem como diante da evidente posse de estado de filiação consolidada, não merece reparos a sentença de improcedência. Negaram provimento. Unânime. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Oitava Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70053663449/ Relator: Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos/ Julgado em 02.05.2013).
Ementa: Agravo de instrumento. Revisional de alimentos e investigação de paternidade. Relativização da coisa julgada. Impossibilidade reconhecimento voluntário de paternidade sem qualquer alegação de vício de vontade. Ausência de elementos para aferir eventual desequilíbrio no binômio alimentar a autorizar a redução liminar dos alimentos. 1. Irrevogável o reconhecimento voluntário de paternidade, à míngua de qualquer alegação de vício de vontade, não calha a pretensão de relativização da coisa julgada para possibilitar a realização de exame de DNA apenas para dirimir a dúvida que restou ao agravante. 2. Ausentes elementos que informem alteração no binômio alimentar, descabe a redução liminar dos alimentos postulada em ação revisional. Negaram provimento. Unânime. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Oitava Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº 70045019775/ Relator: Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos/ Julgado em 15.12.2011).
De qualquer sorte, subsistindo interesse em reconhecer um filho que já está registrado em nome de outrem, bastará a propositura de uma única ação, na qual serão formulados os pedidos de desconstituição do primeiro registro e, por conseguinte, a declaração do estado filiatório. Em aludida hipótese, a desconstituição do registro anterior será um simples efeito anexo do ato sentencial, sequer se reclamando a cumulação expressa de pedidos. “O reconhecimento voluntário de filhos tem natureza de ato jurídico stricto sensu, consoante a dicção do art. 185 da Lei Civil”[13], consoante magistério de Farias e Rosenvald. Logo, em decorrência de tal aspecto caracterizador, é possível evidenciar que o reconhecimento de filhos é irrevogável e irretratável. Doutra maneira, não há que se olvidar acerca da possibilidade de invalidação, em razão do reconhecimento de nulidade ou anulação, do ato, em decorrência de um dos motivos determinantes que invalidam o negócio jurídico. Ao lado disso, o reconhecimento produz efeitos erga omnes, tratando-se de uma manifesta confissão do vínculo parental.
3 Modalidades Diversas de Reconhecimento Voluntário de Paternidade
Com efeito, o artigo 1.609, em seu parágrafo único, da Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002[14], que institui o Código Civil, contempla uma série de modalidades de reconhecimento voluntário de paternidade. Ora, os filhos havidos fora do casamento devem ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, porém para que o assento de nascimento contenha a identificação do pai ou da mãe, ou promovem o registro em conjunto, ou separadamente, sendo possível esse reconhecimento quando comparecer diretamente no registro de nascimento; por escritura pública ou escrito particular, o qual ficará arquivado em cartório; por cédula testamentária, ainda que manifestado incidentalmente; e, por manifestação direta e expressa perante o juiz, conquanto o reconhecimento não seja o objeto único e principal do ato que o contém. “A discrepância no tratamento decorre da condição matrimonial dos pais, porque sendo casados o registro do nascimento do filho conjugal é obrigatório e pode ser procedido pela iniciativa de qualquer um dos cônjuges”[15], eis que existe regra expressa de presunção da paternidade debitada ao marido no curso do casamento.
Trata-se de situação em que há presunções passíveis de serem desconstruídas pelo marido, porém a relação de filiação é decorrência natural do matrimônio contraído e se o filho não foi registrado pelos pais casados, tem a prole ação de prova de filiação, conforme espanca o artigo 1.606 da Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002[16], que institui o Código Civil. Entrementes, essa presunção não acontece com relação aos filhos havidos fora do casamento, conquanto a jurisprudência acene a sua aplicação analógica. Apenas com o escopo de ilustrar a situação vertida nos autos, é possível trazer à colação o paradigmático posicionamento explicitado pelo Ministro Athos Gusmão Carneiro, ao relatoriar o Recurso Especial Nº. 23/PR, quando explicitou que:
Além desta ponderável linha de argumentação, outra já agora se poderá opor relativamente ao tema filiação: a que resulta da equiparação, que a nova ordem constitucional fez, entre todos os filhos, os quais, “havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” – Constituição Federal, art. 227, §6º. Numerosos dispositivos das leis civis, alusivo ao Direito de Família, terão agora necessariamente de ser repensados ou interpretados sob esta nova visão, pois ampliados aos filhos nascidos fora do casamento civil aqueles direitos ou posições antes reservados àqueles nascidos de justas núpcias. [...] Incontestada a vida “more uxório”, sob o pálio do casamento eclesiástico, induvidosa a “união estável” que a vigente Constituição protege e define como entidade familiar, tenho em que presumem-se (sic) filhos do casal os nascidos durante a aludida união estável, aplicando-se-lhes a antiga parêmia do pater est [...] Negar esta presunção aos filhos nascidos de “união estável”, sob o pálio de casamento religioso, com vivência como marido e mulher, será manter funda discriminação, que a Constituição não quer e proíbe, entre filhos nascidos da relação de casamento civil, e filhos nascidos da união estável que a vigente Lei Maior igualmente tutela[17].
Mencionar faz-se necessário que o reconhecimento pode ser feito a qualquer tempo, mesmo antes do seu nascimento, durante a vida deste ou até após o seu óbito, observadas, imperiosamente, as ressalvas encartadas no parágrafo único do artigo 1.609 da Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002[18], que institui o Código Civil, para o qual há restrições para efeitos sucessórios, notadamente quando este reconhecimento de filho já falecido só ocorre para fins claramente patrimoniais, situação em que o perfilhado tenha deixado descendentes, porque então estes serão os seus herdeiros, em razão da lógica ordem de vocação hereditária adotada pela sistemática vigente.
3.1 Reconhecimento no Registro de Nascimento
A partir do pontuado, o ascendente cujo nome ainda não consta do registro do nascimento pode comparecer diante do Oficial do Registro e, acompanhado de testemunhas, promover o reconhecimento formal do filho havido fora do casamento. “É essa a forma ordinária de realizar o reconhecimento espontâneo dos filhos, sendo obrigatório o registro de todo o nascimento ocorrido no território nacional, no prazo de quinze dias em até o máximo de três meses para os lugares distantes mais de trinta quilômetros”[19], consoante ventila o artigo 50 da Lei Nº. 6.015, de 31 de Dezembro de 1973[20], que dispõe sobre os registros públicos e dá outras providências. Ao lado disso, quando se trata de reconhecimento de filho não-matrimonial, o diploma legislativo supracitado traz expressa vedação[21] de que seja declarado o nome do pai sem ele autorizar, de maneira expressa, e comparecer pessoalmente ou por meio de procurador com poderes especiais no ato do registro. Deveras, a lei traz proibição tão somente no que se refere à mãe declarar o nome do pai, sem a presença deste, permitindo, por omissão, que este último declare o nome da genitora, mesmo estando ela ausente o ato. Com efeito, o regramento deflui da parêmia mater sempre certa est.
3.2 Reconhecimento por Escritura Pública ou Escrito Particular
Previa a Codificação de 1916 a possibilidade do reconhecimento de filho extramatrimonial por escritura pública, sendo sintetizada tal disposição no Diploma de 2002, em seus artigos 1.607 e 1.609. Com efeito, a escritura pública não precisa ser específica para declarar a paternidade, podendo ser um reconhecimento de modo incidental, bastando que ocorra no testamento o reconhecimento dos laços de filiação de modo incidental, tal como o reconhecimento pode ser procedido perante o juiz, de qualquer grau de jurisdição, mesmo que não seja o objeto único e principal do ato que o contém. Desta maneira, o reconhecimento da filiação havida fora do matrimônio não precisa ser específico, com esse único escopo, podendo o documento conter outros atos notariais, ou desses constituir-se em uma única manifestação incidental e acessória, eis que o importante está na intenção do reconhecimento da paternidade, que pode e deve ser retirada das circunstâncias que envolvem a situação concreta.
Ao lado disso, cuida conferir especial destaque ao corolário que, nas declarações de vontade, reclama observação a intenção, em detrimento do sentido da linguagem, maiormente em defesa do registro e da identidade de uma criança nascida adiante da relação de casamento, a qual não desfruta dos privilégios oriundos da presunção de paternidade. Com efeito, o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao dispor acerca do reconhecimento, sustenta que poderá ser efetuado mediante escritura pública ou outro documento público, cujas expressões não são encaradas como sinônimos, porquanto a vinculação ao termo outro documento público desborda o reconhecimento incidental e acessório, no qual o ato de reconhecer um filho não é o escopo do instrumento, havendo tão somente uma referência incidental do reconhecimento da filiação. Acerca da modalidade em comento, é possível transcrever o entendimento jurisprudencial:
Ementa: Apelação. Agravo retido. Prejuízo. Investigação de paternidade. Procedência. Adequação. Agravo retido que pedia realização de novo exame de DNA. Recurso que resta prejudicado, pelo fato de tal providência probatória ter sido realizada em segundo grau, através da conversão do julgamento em diligência. Caso de investigação de paternidade manifestamente procedente, porquanto a paternidade está demonstrada por dois exames de DNA, e foi até reconhecida pelo investigado através de escritura pública. Julgaram prejudicado o agravo retido, e negaram provimento ao apelo. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Oitava Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70036026888/ Relator: Desembargador Rui Portanova/ Julgado em 26.05.2011).
Ementa: Apelação Cível. Retificação de registro civil de nascimento em virtude de reconhecimento de paternidade feito em cartório extrajudicial. País estrangeiro. Desnecessidade de homologação. Deve ser deferido o pedido de alteração do registro de nascimento do menor, independentemente de homologação pelo STJ, prevista nos arts. 221, da Lei dos Registros Públicos, e 105, inc. I, letra "i", da Constituição Federal, uma vez que a alteração do assento de nascimento resultou não de sentença proferida em país estrangeiro, mas de reconhecimento de paternidade por escritura pública, elaborada em tabelionato de país estrangeiro. Recurso provido. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Oitava Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70034756320/ Relator: Desembargador Claudir Fidelis Faccenda/ Julgado em 10.06.2010).
Por seu turno, o escrito particular está atrelado a uma declaração expressa de reconhecimento específico, “consignando o progenitor a sua clara, inequívoca e expressa declaração de reconhecimento do vínculo de filiação, não exigindo a lei se trate de documento manuscrito, ou seja, escrito de próprio punho”[22], como já fora exigido em tempo pretérito no que se refere ao testamento hológrafo, tal como a lei silencia quanto à exigência da presença de testemunhas para assinarem a declaração, ainda que seja de todo o recomendável. Da mesma forma, inexiste qualquer apontamento para o reconhecimento das firmas lançadas, embora seja salutar, com o escopo de conferir maior autenticidade ao documento, sobremaneira se as firmas forem reconhecidas por autenticidade e não por similaridade, demonstrando, desta maneira, que o subscritos da declaração de paternidade foi ao tabelionato para reconhecer a autenticidade do documento por ele estruturado de livre e espontânea vontade.
O reconhecimento por escrito particular não se confunde com escritos do genitor, tal como bilhetes, dedicatórias e cartas, não declarando, expressamente o reconhecimento da filiação. “Estes constituem meios de prova na ação investigatória. O escrito particular deve ser suficiente por si só, como forma autônoma de reconhecimento”[23]. Ao lado do anotado, quadra sublinhar que o escrito público direto ou incidental, ou mesmo o escrito particular redigido com a exclusiva intenção de declarar o liame biológico de filiação extramatrimonial dispensando qualquer precedente procedimento de índole judicial, porquanto detém suficiente autonomia para permitir a averbação direta e de ofício, da paternidade declarada inequivocadamente, dispensando, por extensão, o acionamento da máquina burocrática e redundante do Poder Judiciário.
3.3 Reconhecimento por Cédula Testamentária
Em sede de ponderações introdutórias, cuida afiançar que o artigo 1.862 da Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002[24], que institui o Código Civil, prevê três formas ordinárias de testamento, tal como no artigo 1.866[25], entalha acerca de três modalidades especiais, sendo que todas, na atualidade, são instrumentos que se prestam ao reconhecimento direto ou incidental da paternidade ou da maternidade, eis que a cédula testamentária não se presta apenas para manifestações de cunho patrimonial, sendo, portanto, validadas as disposições não patrimoniais. Assim, poderá o testador, ao utilizar o testamento, reconhecer voluntariamente um filho não-matrimonial, não sendo necessário dispor de nenhuma outra cláusula de aspecto patrimonial. “O testamento em qualquer uma de suas espécies é mais uma das formas de voluntário reconhecimento de paternidade dos filhos havidos fora do matrimônio e nesse aspecto é irrevogável”[26]. Colhe-se, oportunamente, o aresto que sustenta o entendimento apresentado:
Ementa: Anulação de testamento. Ausência de vícios de consentimento e de forma. 1. O testamento feito com a observância dos requisitos legais é um ato jurídico válido, perfeito e acabado, que ganha eficácia com o óbito, desencadeando os efeitos dele decorrentes. 2. O fato de ter sido ajuizada anterior ação de investigação de paternidade, que foi julgada improcedente, não constitui óbice ao reconhecimento do liame parental entre investigante e investigado através de testamento feito por este. 3. Inexiste afronta à coisa julgada, pois a improcedência da ação investigatória de paternidade não afirma que o réu não era o pai da autora, significando apenas que ela não conseguiu comprovar o liame parental, impedindo apenas a propositura de nova ação. Recurso desprovido. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul - Sétima Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70026445676/ Relator: Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves/ Julgado em 18.02.2009).
Reconhecida a paternidade ou a maternidade por meio de testamento, sem embargos a cédula seja sempre revogável enquanto não falecer o testador, a invalidação do testamento não inquina o reconhecimento da filiação nele contido. O único receio existente está atrelado à revogação involuntária de paternidade reconhecida por meio de ato de disposição de última vontade, eis que há a possibilidade de alguns deles serem dolosamente destruídos pela ação do homem, quando não emoldurados da forma pública de testar, porquanto as cédulas testamentárias na sua modalidade particular e cerrado não guardam transcrição de seu inteiro teor e dependem de serem conservados intactos para a sua posterior apresentação em Juízo, por ocasião do óbito do testador.
3.4 Reconhecimento por Manifestação Direta e Expressa perante o Juiz
A rigor, o ordenamento pátrio silencia qual o juiz competente para colher e reduzir a termo o reconhecimento voluntário da paternidade, seja esta pessoa parte ou testemunha de um processo, tal como não esclarece se há identidade ou conexão do processo e do declarante com a sua manifestação. Concretamente, não faz nenhuma distinção se o juiz é familista, criminal, trabalhista de primeiro ou de segundo grau, ou de qualquer instância superior, já que o reconhecimento da paternidade pode ser realizado perante qualquer autoridade judicante e em qualquer grau ou instância de jurisdição. O objeto do processo não é importante, revelando-se bastante plausível de um reconhecimento incidental sucedido em face do ingresso de uma ação isolada de alimentos, esquecendo-se de cumulá-la com investigatória de paternidade, bastando que o reconhecimento seja lavrado em ato. Com efeito, a assentada é documento hábil para o Oficial do Registro Civil de Nascimento averbar o patronímico paterno no assento de nascimento.
3.5 Reconhecimento Voluntário do artigo 2º da Lei Nº. 8.560/1992
A doutrina contemporânea diante da nova modalidade, sensível com as modificações introduzidas no ordenamento brasileiro, por meio da Lei Nº 8.560, de 29 de Dezembro de 1992[27], que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dá outras providências, na qual o Oficial do Registro Civil, ao deparar com certidão de nascimento de menor contendo apenas a maternidade, encaminhará ao juiz certidão integral do registro e o nome e prenome, profissão, identidade e residência do suposto pai, com o escopo de averiguar oficiosamente a procedência da alegada paternidade. Com efeito, os dados pessoais do suposto genitor só poderão ser repassados ao magistrado se forem fornecidos pela mãe da criança por ela registrada, o que nem sempre será possível, porquanto, com frequência, em decorrência de razões de ordem pessoal e até de valorização própria, do parceiro rejeitado, se tornam maciços óbices para o registro do nome paterno. Acerca do tema, pode-se colacionar o entendimento jurisprudencial:
Ementa: Agravo de instrumento. Averiguação oficiosa de paternidade. Decisão que indefere a realização de prova pericial. Procedimento eminentemente administrativo. Impossibilidade de interposição de agravo de instrumento. Recurso não conhecido. 1. A averiguação oficiosa de paternidade ocorre em procedimento estritamente administrativo. Tanto que, nos termos do § 4° do art. 2º da Lei 8.560/92, se o suposto pai não atender no prazo de trinta dias a notificação judicial, ou negar a alegada paternidade, o juiz remeterá os autos ao representante do Ministério Público para que intente, havendo elementos suficientes, a ação de investigação de paternidade. Ou seja, o procedimento da averiguação oficiosa se encerra, no caso, no momento em que o suposto pai, notificado, não reconheceu espontaneamente a paternidade que lhe é imputada. Não cabe nesse procedimento qualquer decisão judicial. Assim sendo, não havendo processo judicial, não se cogita de interposição de recurso de agravo de instrumento. Agravo não conhecido, em decisão monocrática. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Oitava Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº 70051907954/ Relator: Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos/ Julgado em 08.11.2012).
Entrementes, em recebendo os dados, o juiz sempre procederá a oitiva a da genitora acerca da maternidade alegada e mandará, em qualquer caso, notificar o suposto pai, independente de seu estado civil, com o escopo de se manifestar a respeito da paternidade que lhe é atribuída, “podendo determinar que esta diligência se realize em segredo de justiça, certamente quando o indigitado pai for casado ou mantenham alguma relação estável”[28]. Caso o suposto pai não atender no prazo de trinta dias a notificação judicial, ou negar a paternidade apontada, deverá o juiz remeter os autos ao representante do Ministério Público para que promova o ajuizamento da competente ação de investigação de paternidade, desde que haja elementos probatórios suficientes[29].
4 Distinções entre o Reconhecimento de Paternidade de Filho Maior e Filho Menor de Idade
Apresenta-se como condição legal para o reconhecimento de filho maior de idade o consentimento dele com a perfilhação, sendo possível o menor impugnar o reconhecimento nos quatros seguintes à maioridade ou à emancipação. Com clareza solar, “o artigo 4º da Lei nº. 8.560/92 quando cuida da averiguação oficiosa da paternidade estabelece que o filho maior precisa consentir com o seu reconhecimento”[30], como leciona Rolf Madaleno. Com destaque, o ato de perfilhação deve materializar um liame de duas vias e expressar a verdade biológica, quando não for proveniente de uma relação de filiação adotiva ou socioafetiva, como acontece comumente na denominada adoção à brasileira, na qual o filho de outrem é registrado como próprio, pelo cônjuge ou parceiro da mãe do perfilhado.
A criança ou o adolescente tem o direito de impugnar a sua paternidade, no prazo decadencial dos quatros anos que se seguirem à sua maioridade, ou à emancipação, o que não obsta de se opor ao reconhecimento antes, mas deverá judicialmente está representado se tiver idade inferior a dezesseis anos e assistido após a esta idade e antes de atingir os dezoito anos de idade ou ser emancipado. É direito de o perfilhado buscar a sua real vinculação biológica, rechaçando a paternidade estabelecida pelas conveniências de sua genitora, que não tenha querido vincular o seu filho a um relacionamento que lhe fora frustrante ou trouxera decepções amorosas ou mesmo que tenha sido breve.
Referências:
BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Disponível em: < http://daleth.cjf.jus.br>. Acesso em 24 mai. 2013.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mai. 2013.
BRASIL. Lei Nº. 3.071, de 1º de Janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mai. 2013.
BRASIL. Lei Nº. 6.015, de 31 de Dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24 mai. 2013.
BRASIL. Lei Nº. 8.560, de 29 de Dezembro de 1992. Regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24 mai. 2013.
BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24 mai. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 24 mai. 2013.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. v. 05. 27 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 24 mai. 2013.
RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em 24 mai. 2013.
TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito de Família. v. 5. 7 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2012.
[1] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 522.
[2] BRASIL. Lei Nº. 3.071, de 1º de Janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mai. 2013: “Art. 363. Os filhos ilegítimos de pessoas que não caibam no art. 183, ns. I a VI, têm ação contra os pais, ou seus herdeiros, para demandar o reconhecimento da filiação: I - Se o tempo da concepção a mãe estava concubinada com o pretendido pai. II - Se a concepção do filho reclamante coincidiu com o rapto da mãe pelo suposto pai, ou suas relações sexuais com ela. III - Se existir escrito daquele a quem se atribui a paternidade, reconhecendo-a expressamente”.
[3] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. v. 05. 27 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 515-516.
[4] BRASIL. Lei Nº. 3.071, de 1º de Janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mai. 2013.
[5] FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 523.
[6] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mai. 2013.
[7] FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 41.
[8] MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 67.
[9] TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito de Família. v. 5. 7 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2012, p. 13.
[10] MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento N° 1.0433.11.022098-8/001. Agravo de instrumento. Tutela antecipada. Licença maternidade. Servidora municipal. Constituição da República. Prorrogação do benefício. Possibilidade. Cediço é que a licença maternidade conferida às mães adotantes encontra-se embasada no princípio da isonomia insculpido na Carta Magna, que garantiu tratamento igualitário aos filhos naturais e adotivos, consoante disposto no art. 227, da CR/88. A norma constitucional que instituiu o benefício da licença maternidade (art. 7º, inciso XVIII, da CF/88) não se limita apenas à proteção da mãe (biológica ou adotante), mas, sobretudo à proteção do filho recém-nascido. Nos termos dos arts. 41 do ECA, não há que se falar entre diferença de direitos para filhos adotados ou não. Recurso ao qual se nega provimento. Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível. Relator: Desembargador Dídimo Inocêncio de Paula. Julgado em 22.03.2012. Publicado no DJe em 30.03.2012. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br>. Acesso em 24 mai. 2013.
[11] FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 524.
[12] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24 mai. 2013.
[13] FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 526.
[14] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24 mai. 2013.
[15] MADALENO, 2008, p. 423.
[16] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24 mai. 2013: “Art. 1.606. A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz”.
[17] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão proferido em Recurso Especial Nº. 23/PR. Recursos Especiais. Ação de anulação de atos jurídicos translativos de propriedade em condomínio. Legitimidade “ad causam” ativa de filhos não reconhecidos de condômino já falecido. A regra “pater est...” aplica-se também aos filhos nascidos de companheira, casada eclesiasticamente com o extinto, suposta união estável e prolongada. Defesa oposta pelo réu adquirente, de aquisição por usucapião ordinário. O usucapião é forma originária de adquirir. O usucapiente não adquire de outrem; simplesmente, adquire. Assim, são irrelevantes vícios de vontade ou defeitos inerentes a eventuais atos causais de transferência da posse. No usucapião ordinário, bastam o tempo e a boa-fé, aliados ao justo título, hábil em tese à transferência do domínio. Bem divisível. Os prazos de suspensão do tempo para usucapir (Código Civil, art. 553), que beneficiam os autores menores impúberes, aproveitam aos demais herdeiros do falecido condômino, mas não beneficiam outros condôminos: regra da “personalidade dos efeitos”. Artigo 169, I e 171 do Código Civil. Tese do interesse da anulação dos atos jurídicos, face ao usucapião obtido frente àqueles antigos condôminos não favorecidos pela suspensão do prazo de prescrição aquisitiva. Nulidades de ordem processual afastadas. Recurso especial dos autores não conhecido, e recurso especial dos recorrentes provido em parte. Órgão Julgador: Quarta Turma. Relator: Ministro Athos Gusmão Carneiro. Julgado em 19.09.1989. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mai. 2013.
[18] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24 mai. 2013: “Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: [omissis] Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes”.
[19] MADALENO, 2008, p. 424.
[20] BRASIL. Lei Nº. 6.015, de 31 de Dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24 mai. 2013: “Art. 50. Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a registro, no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar da residência dos pais, dentro do prazo de quinze dias, que será ampliado em até três meses para os lugares distantes mais de trinta quilômetros da sede do cartório”.
[21] BRASIL. Lei Nº. 6.015, de 31 de Dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24 mai. 2013: “Art. 59. Quando se tratar de filho ilegítimo, não será declarado o nome do pai sem que este expressamente o autorize e compareça, por si ou por procurador especial, para, reconhecendo-o, assinar, ou não sabendo ou não podendo, mandar assinar a seu rogo o respectivo assento com duas testemunhas”.
[22] MADALENO, 2008, p. 425.
[23] FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 530.
[24] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24 mai. 2013: “Art. 1.862. São testamentos ordinários: I - o público; II - o cerrado; III - o particular”.
[25] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24 mai. 2013: “Art. 1.886. São testamentos especiais: I - o marítimo; II - o aeronáutico; III - o militar”.
[26] MADALENO, 2008, p. 428.
[27] BRASIL. Lei Nº. 8.560, de 29 de Dezembro de 1992. Regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24 mai. 2013.
[28] MADALENO, 2008, p. 430.
[29] BRASIL. Lei Nº. 8.560, de 29 de Dezembro de 1992. Regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24 mai. 2013: “Art. 2° Em registro de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida, o oficial remeterá ao juiz certidão integral do registro e o nome e prenome, profissão, identidade e residência do suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente a procedência da alegação. [omissis] §4° Se o suposto pai não atender no prazo de trinta dias, a notificação judicial, ou negar a alegada paternidade, o juiz remeterá os autos ao representante do Ministério Público para que intente, havendo elementos suficientes, a ação de investigação de paternidade”.
[30] MADALENO, 2008, p. 431.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VERDAN, Tauã Lima. Ponderações às Modalidades de Reconhecimento de Paternidade à luz da Tábua Principiológica Constitucional: A Concreção ao Direito Fundamental à Busca pela Identidade Genética Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 maio 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35288/ponderacoes-as-modalidades-de-reconhecimento-de-paternidade-a-luz-da-tabua-principiologica-constitucional-a-concrecao-ao-direito-fundamental-a-busca-pela-identidade-genetica. Acesso em: 27 set 2024.
Por: Bruno Sposito Berjas
Por: Júlia Gato Santana
Por: Lívia Batista Sales Carneiro
Precisa estar logado para fazer comentários.