Sumário: 1. Introdução;2. A representação da União sob a ótica do STF: Reclamação 8025; 3.A título de conclusão; 4. Referências bibliográficas.
Resumo:Este artigo pretende fazer breves comentários acerca da concepção adotada pelo Supremo Tribunal Federal sobre a representação judicial da União pela Advocacia-Geral da União, à luz das discussões travadas no julgamento da Reclamação 8025.
Palavras-chave:Advocacia-Geral da União. Supremo Tribunal Federal. Constituição Federal. Reclamação.
1. Introdução
A Advocacia-Geral da União (AGU) foi inserida no Capítulo IV do Título IV da Constituição Federal de 1988, integrando as Funções Essenciais à Justiça. Segundo a doutrina (AMORIM, 2012; GUEDES, 2009), o legislador constituinte originário não inseriu, portanto, a instituição dentro de nenhum dos Poderes da República, mas sim num capítulo à parte, juntamente com o Ministério Público (Seção I), a Advocacia e a Defensoria Pública (Seção III) e a Advocacia Pública (Seção II), na qual foi disposta.
Estabeleceu a Lei Maior, na primeira parte de seu artigo 131, que“a Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente.” Disciplinou, ainda, que cabe à AGU, “nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.”Estão aí inseridas as duas grandes missões constitucionais estabelecidas para a Instituição.
Nesse contexto, este artigo visa perquirir a interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao alcance do aludido dispositivo constitucional, em especial sobre sua primeira parte no que toca à representação dos três Poderes da República e das Funções Essenciais à Justiça, a partir da análise da decisão proferida pela Corte no julgamento da Reclamação 8025.
Além de contribuir para o resgate da memória da jurisprudência da Corte, o trabalho busca colaborar com as discussões doutrinárias sobre o tema.
2. A representação da União sob a ótica do STF: Reclamação 8025
Segundo a exposição feita pelo Min. Eros Grau[1], atuando na relatoria do caso, a Reclamação 8025 foi proposta pela Desembargadora Suzana de Camargo em face de ato emanado do Tribunal Regional Federal da 3a Região (TRF3), que declarou vencedor de eleição para o cargo de Presidente daquele Tribunal o Desembargado Otávio Batista Pereira.
Foi feita então uma sustentação oral por um causídico privado que, a princípio, se imaginava que teria ele falado em nome do TRF3. Durante os debates, foi levantada a discussão sobre a possibilidade de o Tribunal ser representado pelo aludido defensor e não pela Advocacia-Geral da União.
Nesse ínterim, o advogado esclareceu que falava, na verdade, em nome da Presidência do Tribunal.Seguiu-se então intenso debate sobre a legitimidade da representação da Presidência do Tribunal pelo causídico privado, tendo os Ministro Marco Aurélio, Cezar Peluso e Eros Graudito que imaginaram que ele estivesse representando o reclamado, no caso o TRF3.
Considerando que essa legitimidade não teria sido alegada oportunamente – já que não houve contestação prévia à sustentação oral – o Min. Ricardo Lewandowski entendeu que a matéria teria precluído, não sendo possível trazê-la em questão de ordem.
Acerca da eventual preclusão do tema, o Min. Cezar Peluso esclareceu que se tratava de debate sobre “(...) legitimidade, que pode ser examinado ex officio[2], pois a lei processual é expressa: ‘a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição’”[3]. Destacou que o ato reclamado não é do Presidente do Tribunal, mas sim do colegiado, já que a eleição é ato coletivo e então afirmou que “poderia admitir que, a despeito de ser órgão despersonalizado juridicamente, ele teria a capacidade de estar em juízo, a título de personalidade judiciária, nos mesmos e exatos termos da concepção do Ministro Victor Nunes Leal[4]”. Concluiu que a melhor “solução que me parece do ponto de vista técnico, e isso sem implicar nenhum formalismo exagerado, é desconsiderar como tal a intervenção do ilustre advogado (...), o que, na prática, não significa que vá esquecer o que foi dito.”
Por sua vez, o Min. Marco Aurélio, indagando se poderiam conceber a representação de Tribunal da União por Advogado estranho aos quadros da AGU, respondeu de forma negativa. Endossou o voto anterior no sentido da desconsideração da sustentação oral, bem como no tocante à não configuração de preclusão no caso.
O relator compreendeu que a matéria não estava preclusa e incorporou ao seu voto a observação de que não caberia a oitiva do causídico privado por não integrar os quadros da AGU, juntando-se aos votos anteriores exarados pelos Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso.
Salientando que o TRF3 não tem personalidade jurídica, o Min. Celso de Mello afirmou reconhecer, em certas hipóteses, sua capacidade processual, na linha do trabalho sobre personalidade judiciaria das câmaras municipais do Min. Victor Nunes Leal. Ressaltou, entretanto, que o ato impugnado é imputado à própria União – sem prejuízo das informações prestadas nos autos pela Presidência daquela Corte Regional –, a quem caberia a promoção da sustentação oral em nome do TRF3.
Acrescentando mais um dado à discussão, o Min. Carlos Britto lembrou de um procedimento de controle administrativo “que tramitou pelo Conselho Nacional de Justiça, recentemente, e o CNJ afastou norma regimental do Tribunal Regional do Trabalho da 24a Região que previa a contratação de advogado para defender o Tribunal, afastando, portanto, a representação legal da AGU.”Assim, segundo compreendeu, o voto do Min. Celso de Mello encontrava respaldo em decisão do CNJ.
O então Presidente da Corte, Min. Gilmar Mendes, também manifestou sua preocupação, em especial sobre a procuração outorgada nos autos pela Presidente do Tribunal, tendo acompanhado as manifestações dos Ministros Cezar Peluso, Marco Aurélio e Eros Grau.O Min. Marco Aurélio então interveio para definir que “a doutrina que fica assentada é esta: de início, em se tratando de órgão da União, a representação se faz pela Advocacia-Geral.”
Após ler procuração constante dos autos em que a Presidente do Tribunal outorga procuração ao causídico privado, afirmou o Min. Ricardo Lewandowski que o STF teria que abrir vista à AGU, para que pudesse defender aquela Corte. Em contraponto, o Min. Celso de Mello afirmou que o ato impugnado foi extensamente sustentado pela Presidente do TRF3, que prestou, nessa condição, as informações solicitadas.
Nesse momento, em nome da Advocacia-Geral da União, a Secretária-Geral de Contencioso, Grace Mendonça, assumiu a tribuna para destacar que, por força do art. 131 da Carta de 1988, compete à AGU promover a defesa de todos os órgãos integrantes dos Poderes da República, inserido aí o TRF3. Ressaltou que não se desconhece a personalidade judiciária desses órgãos despersonalizados, quando se estiver diante de defesa de prerrogativas institucionais. Frisou, ainda, que, quando se está diante de eventual conflito de interesses entre esses entes despersonalizados ou entre eles e a União, a AGU tem designado advogados ad hoc para atuar no caso, ou seja, advogados públicos, do quadro da AGU. Por fim, informou que a União não teria sido intimada de nenhum ato do processo em discussão e que teria tomado ciência do feito na própria sessão de julgamento.
Em seguida, manifestou o então Presidente que “fica definido que a União representa, ou as pessoas jurídicas de direito público, a não ser que surjam incompatibilidades, que poderão ser encaminhadas”. E arrematou, frisando que não excluía “nem a possibilidade de eventualmente se contratar advogado privado em casos específicos, mas se pode também adotar a situação desse eventual advogado ad hoc, pois me parece que o feito tem muitas peculiaridades.”
Na sequência, houve discussões sobre a proposta feita pelo Min. Ricardo Lewandowski no sentido de se abrir vista para que a AGU se manifestasse, em querendo; no que foi acompanhado, no ponto, pelo Min. Britto que embasou seu voto nos termos do art. 131 da CF/88. Os demais Ministros, por sua vez, não acataram aludida proposta.
Dessas breves anotações sobre o julgamento proferido pelo STF na Reclamação 8025, pode-se concluir que, segundo a Corte, cabe à AGU a representação judicial da União, incluídos aí os três Poderes da República.
Não se desconhece, por óbvio, os casos em que estiver em jogo questões relacionadas às prerrogativas dos entes despersonalizados, conforme mencionado pelos Ministros Cezar Peluso e Celso de Mello, destacado também pela representante da AGU na tribuna.
Tal entendimento foi inicialmente concebido pelo Ministro Victor Nunes Leal em 1949, quando elaborou estudo sobre as câmaras municipais, em que propõe esses entes despersonalizados, a despeito de não possuírem personalidade jurídica, seriam dotados de capacidade de estar em juízo, quando em discussão questões atinentes às suas prerrogativas. Sugeriu então o termo personalidade judiciária para designar a situação. Cabe transcrever parte das conclusões apresentadas no aludido estudo:
“(...) se o direito deve servir ao homem e não aos esquemas; se há evidente conveniência pública em abrandar as disputas políticas pelo seu progressivo enquadramento judiciário; e se há numerosos casos em que o direito positivo reconhece personalidade jurídica a interêsses ou associações não dotadas de personalidade jurídica, é perfeitamente legítima a tese da personalidade judiciaria das câmaras municipais, cuja compatibilidade com o nosso regime político está evidenciada pela orientação judiciarista da Constituição vigente.” (LEAL, 1997, p. 439).
Essa concepção já foi adotada algumas vezes pela Suprema Corte, cabendo citar interessante discussão travada no âmbito da apreciação da medida cautelar na ADI 1557[5], ajuizada Associação Nacional dos Procuradores de Estado em face de norma que criava a Procuradoria-Geral da Câmara Legislativa, com funções destacadas das atribuídas à Procuradoria-Geral do Distrito Federal.
Nesse sentido, restou fixado na ementa do acórdão o “(...) reconhecimento, pela jurisprudência do Supremo Tribunal, da constitucionalidade da manutenção de assessoria jurídica própria, por Poder autônomo (mesmo não personalizado), bem como de capacidade processual das Casas Legislativas.”A Corte ponderou, entretanto, que essa representação judicial ficaria restrita “(...) às hipóteses em que compareça a Câmara a Juízo em nome próprio, não se estendendo às demandas em que deva ser parte a pessoa jurídica Distrito Federal, como, por exemplo, a cobrança de multas, mesmo porventura ligadas à atividade do Legislativo distrital.”
3. A título de conclusão
Da análise dos debates travados pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal no curso da apreciação da Reclamação 8025, observa-se que a Corte fixou a compreensão de que, a princípio, quando estiver litigando algum órgão da União, caberá à Advocacia-Geral da União a tarefa de representar o aludido ente. Essa seria, portanto, a regra geral.
Se estiveremem jogo, por outro lado, questões ligadas às prerrogativas dos órgãos integrantes da União, ainda que sejam considerados entes despersonalizados, poderá ser-lhes conferida capacidade para estar em juízo, ou personalidade judiciária, nos termos concebido inicialmente por Victor Nunes Leal (1997).
4. Referências bibliográfica
AMORIM, Filipo Bruno Silva. A construção da AGU e a história da orientação jurídica e da representação judicial do Estado brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3414, 5 nov. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22950>. Acesso em: 2 jun. 2013.
GUEDES, Jefferson Carús. Anotações sobre a história dos cargos e carreiras da Procuradoria e da Advocacia Pública no Brasil: começo e meio de uma longa construção. In: GUEDES, Jefferson Carús; SOUZA, Luciane Moessa de (Coord.). Advocacia de Estado: questões institucionais para a construção de um Estado de Justiça: estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto e José Antonio Dias Toffoli. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
LEAL, Victor Nunes. Personalidade judiciária das Câmaras Municipais. In: LEAL, Victor Nunes. Problemas de direito público e outros problemas. Brasília: Ministério da Justiça, 1997-. p. 424-439, v.1.
[1] STF. Reclamação 8025, Relator Min. Eros Grau, Plenário, julgamento em 09.12.2009, DJ de 05.08.2010. As citações foram todas retiradas do acórdão do julgamento.
[2] Grifos no original.
[3] Trata-se de norma prevista no § 3o do art. 267 do CPC: “§ 3o O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e VI; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que lhe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento.” E o inciso VI prevê que “extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (…) VI - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;”.
[4] Trata-se de célebre trabalho elaborado pelo Ministro Victor Nunes Leal, no qual sugere uma personalidade judiciária das Câmaras Municipais, publicado inicialmente em 1949 e republicado em 1997 (LEAL, 1997).
[5] STF. ADI 1557 MC, Rel. Min. Octavio Galloti, Plenário, julgamento em 20.03.1997, DJ de 20.06.1997.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Constitucional.Diretora do Departamento de Acompanhamento Estratégico da Secretaria-Geral de Contencioso da Advocacia-Geral da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, Fabiola Souza. Advocacia-Geral da União e a representação judicial e extrajudicial dos Poderes da República: breve análise da Reclamação 8025 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jun 2013, 07:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35506/advocacia-geral-da-uniao-e-a-representacao-judicial-e-extrajudicial-dos-poderes-da-republica-breve-analise-da-reclamacao-8025. Acesso em: 22 nov 2024.
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