Este artigo busca analisar a hipótese se eventual alegação de conflito de interesses presente em decisão de Conselho Diretor de Empresa – patrocinadora de Plano de Benefícios Previdenciários de seus empregados – ao rever a decisão anteriormente tomada no sentido de alterar um Plano de Benefício para a estipulação de um teto remuneratório (base de cálculo do salário de participação), seria suficiente a justificar uma intervenção da Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC.
O conflito residiria no fato de que os membros do Conselho Diretor (Governança Corporativa) seriam imediatamente beneficiados com a decisão, pois a ausência de teto remuneratório permitiria que o valor do benefício de aposentadoria pudesse ser calculado com base no honorário (parcela única) definido pela Assembleia Geral de Acionistas da Empresa, bem como no caso da reversão de valores da reserva especial.
Uma das possibilidades de análise da questão seria o entendimento de que teria havido a inobservância do art. 156 da Lei 6.404, de 1976 – Lei das Sociedades por Ações.
Entendo, contudo, que a análise acerca do conflito de interesses é um assunto que escapa a competência da PREVIC.
Digo isso, com base, inclusive, no tratamento legal específico dispensado à matéria. Topograficamente, tanto o art. 156 (que trata do conflito de interesses) como o art. 159 (que trata da responsabilidade dos administradores) encontram-se na mesma seção (Seção VI – Deveres e Responsabilidades) do mesmo capítulo (Capítulo XII – Conselho de Administração e Diretoria) da Lei das S.A..
Essa disposição topográfica aponta para assuntos que dizem respeito aos deveres e responsabilidades da alta administração da companhia. Observando o conteúdo do art. 159, transcrito abaixo, resta estreme de dúvida que a eventual apuração de responsabilidade dos administradores das Sociedades por Ações deve ser tratada internamente (interna corporis). E não poderia ser diferente, pois os maiores interessados em apurar eventual irregularidade que possa acarretar prejuízos para a companhia são os seus acionistas. Eles dispõem das melhores condições para levar a efeito essa avaliação, cuja carga de subjetividade é expressiva. Vejamos:
“Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembléia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.
§ 1º A deliberação poderá ser tomada em assembléia-geral ordinária e, se prevista na ordem do dia, ou for conseqüência direta de assunto nela incluído, em assembléia-geral extraordinária.
§ 2º O administrador ou administradores contra os quais deva ser proposta ação ficarão impedidos e deverão ser substituídos na mesma assembléia.
§ 3º Qualquer acionista poderá promover a ação, se não for proposta no prazo de 3 (três) meses da deliberação da assembléia-geral.
§ 4º Se a assembléia deliberar não promover a ação, poderá ela ser proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento), pelo menos, do capital social.
§ 5° Os resultados da ação promovida por acionista deferem-se à companhia, mas esta deverá indenizá-lo, até o limite daqueles resultados, de todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive correção monetária e juros dos dispêndios realizados.
§ 6° O juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia.
§ 7º A ação prevista neste artigo não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador.” – grifei.
Assim, cumpre à Assembleia Geral, órgão máximo de deliberação de uma sociedade por ações, deliberar acerca da necessidade de promover-se ação de responsabilidade em desfavor de seus administradores. A opção legislativa afigura-se apropriada, pois a congregação dos acionistas garante inquestionável legitimidade às suas deliberações. A par disso, a sistemática legal não restringe à assembleia geral a eventual adoção de medida judicial contra o administrador, abrindo um leque de possibilidades, tanto por inação da assembleia geral, como, também, por contrariedade à deliberação no sentido de não agir judicialmente. Isso tudo corrobora o entendimento de que o assunto deve ser tratado interna corporis.
Conforme dispõe a Lei das S.A., o acionista deve exercer o seu direito de votar no interesse da companhia, essa a regra legal. Não há, pois, como se admitir que exista um fórum mais apropriado que a assembleia geral para tratar de eventual conflito de interesses. Torna-se necessário, apenas, que supostas irregularidades cheguem ao conhecimento dos órgãos próprios da Empresa Patrocinadora para que adotem as providências que julgar pertinentes.
Neste ponto, o Estatuto da Empresa, por força de lei, deve reunir as ferramentas de monitoramento que alinham o comportamento dos executivos ao interesse dos acionistas, como o Conselho de Administração, Auditoria Independente e Conselho Fiscal.
Desse modo, não há como se vislumbrar a PREVIC como terceira interessada. Daí porque, entendo que não compete à PREVIC avaliar eventual conflito de interesses no âmbito da administração dos patrocinadores dos planos de benefícios, mas remeter, se entender pertinente, para quem tem a competência efetiva para apurar e adotar as medidas cabíveis.
Notas:
“Art. 156. É vedado ao administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse.” – grifei.
“Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.(Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)” – grifei.
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