INTRODUÇÃO
A partir da segunda metade do século passado, os diversos países do mundo passaram a perceber a necessidade de preservação do meio ambiente para a manutenção da qualidade de vida na Terra e a garantia de vida para as próximas gerações. Nesse contexto, passou a repercutir pelo mundo o conceito de consciência ecológica e preservação ambiental. O Brasil, como era de se esperar, aderiu ao movimento e intensificou a produção legislativa em matéria preservacionista.
Assim, surgiram as Unidades de Conservação, espaços territorialmente protegidos para fauna e flora, em que a proteção se dá em maior ou menor escala, a depender da espécie instituída.
Ocorre que, num país como o Brasil, em que a cultura da propriedade privada estava largamente difundida desde a época do Império, inclusive sendo um direito fundamental garantido pela Constituição da República de 1988, os choques entre direito de propriedade e direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado acabaram por se mostrar inevitáveis, e, ao mesmo tempo, bastante intensos.
Isto porque, a criação de determinadas Unidades de Conservação não se limita apenas a áreas públicas, o que faz com que os proprietários de áreas privadas terminem por sofrer uma série de restrições, quando não a desapropriação.
Diante disso, o presente trabalho se presta a contextualizar os dois direitos fundamentais constitucionalmente garantidos e a estabelecer quais os limites de cada um deles quando em conflito com o outro, notadamente no que diz respeito a instituição das chamadas Unidades de Conservação.
DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
Conceito, Fundamentação Jurídica e Objetivos
A preocupação legislativa com as Unidades de Conservação teve início com a criação dos Jardins Botânicos no século passado, notadamente com o surgimento do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Contudo, só recentemente a denominação “Unidades Oficiais de Conservação” ou, simplesmente, “Unidades de Conservação” começou a ser utilizada para designar certos Espaços Especialmente Protegidos.
O inciso I do art. 2º, da Lei nº 9.985, de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, define Unidade de Conservação como
o espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.
As bases constitucionais para que o Poder Público institua unidades de conservação encontram-se no inciso III do § 1º do art. 225, da Lei Maior, que determina:
Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
[...]
III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
É de se observar que a norma constitucional estabelece uma obrigação de fazer, cujo destinatário é o Poder Público, nos seus três níveis de administração.
A demarcação das áreas protegidas é feita com base no poder de polícia e de delimitação legal do exercício dos direitos individuais em benefício da coletividade. Assim, não há que se falar em uma limitação de direitos, o que ocorre é a necessidade de seu exercício dentro das balizas traçadas pela lei.
Ademais da proteção genérica estabelecida no inciso III do § 1º do art. 225, deve-se considerar, também, que a Constituição de 1988 criou, no § 4º do mesmo artigo, um regime especial de proteção para determinadas parcelas do território nacional nos seguintes termos:
Art. 225 – [...]
[...]
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
À exceção do cerrado e da caatinga, todos os demais grandes ecossistemas brasileiros foram classificados como patrimônio nacional e contaram com expressa menção na Constituição, determinando ao legislador ordinário que, nas leis, estabeleça critérios capazes de assegurar a sustentabilidade dos mencionados ecossistemas sem que sejam vedadas atividades econômicas, sociais e recreativas lícitas, as quais venham sendo desenvolvidas, rotineiramente, nessas regiões especialmente protegidas.
Importante a ressalva trazida por Paulo de Bessa Antunes (2007, p. 555) acerca do cerrado e da caatinga:
Ainda que não constem da Constituição da República Federativa do Brasil, na forma de referência expressa, nem a caatinga nem o cerrado estão alheios ao sistema constitucional de proteção ambiental. É da própria essência do artigo 225 que nos ecossistemas essenciais, e da magnitude dos dois que foram olvidados, não fiquem apartados da especial proteção da Lei Fundamental da República. Aliás, o esquecimento dos dois ecossistemas mencionados serve para demonstrar, cabalmente, que a tendência adotada pelo constituinte não foi a mais adequada. Mais importante do que publicar uma lista de bens que merecem ser elevados à categoria de patrimônio nacional é, sem dúvida, estabelecer um contorno preciso dos bens, de forma que possam ser enquadrados em tal categoria jurídica. Com isso, assegura-se que, caso a caso, o conceito possa ser preenchido adequadamente.
As áreas protegidas são aquelas que, em virtude de características especiais que apresentam, devem permanecer preservadas. O grau de preservação, no entanto, é variável, podendo ir desde a intocabilidade até o uso diário e relativamente intenso. Elas estão contempladas em diversos diplomas legais, sendo que o principal deles é o Código Florestal. As áreas protegidas são denominadas tecnicamente de unidades de conservação.
As Unidades de Conservação, integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Unidades de Conservação – SNUC, são reguladas pela Lei nº 9.985, de 2000, de forma que todos os integrantes da Federação devem adotar o modelo preceituado pela lei federal, a qual estabelece uma hierarquia organizacional entre os diferentes níveis federativos.
Cumpre mencionar que a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação não está compreendida na competência comum para legislar sobre florestas, uma vez que estas são reguladas pelo Código Florestal e pelas leis florestais estaduais. O SNUC dispõe, especificamente, sobre áreas instituídas pelo Poder Público visando assegurar a conservação de determinadas riquezas ambientais e ecológicas tidas como relevantes pelo constituinte. Nesse sentido, leciona ÉdisMilaré (2005, p. 365) que “para a configuração jurídico-ecológica de uma unidade de conservação deve haver: a relevância natural; o caráter oficial; a delimitação territorial; o objeto conservacionista; e o regime especial de proteção e administração”.
É necessário, ainda, se ter em mente que a Lei nº 9.985, de 2000 trata de um Sistema Federal de Unidades de Conservação e não de um Sistema Nacional, uma vez que o SNUC é, na sua essência administrativa, uma norma que se destina à organização dos bens públicos federais afetados à defesa do meio ambiente, mediante a aplicação das medidas conservacionistas e preservacionistas necessárias.
Releva notar que a criação das Unidades de Conservação foi o primeiro passo concreto em direção à preservação ambiental, podendo elas ser públicas ou privadas. Seu regime jurídico, contudo, está sendo completamente reformulado, encontrando-se em tramitação no Congresso Nacional, há alguns anos, projeto de lei visando criar o Sistema Nacional das Unidades de Conservação. Todavia, por ora, este trabalho se aterá ao regime jurídico vigente das Unidades de Conservação, o que passa a ser analisado em seguida.
Regime Jurídico das Unidades de Conservação: Criação e Gestão
Da criação das Unidades de Conservação
Dispõe o art. 22, da Lei nº 9.985/2000:
Art. 22 – As unidades de conservação são criadas por ato do Poder Público.
§ 1º - (Vetado)
§ 2º - A criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade, conforme se dispuser em regulamento.
§ 3º - No processo de consulta de que trata o § 2º, o Poder Público é obrigado a fornecer informações adequadas e inteligíveis à população local e a outras partes interessadas.
[...]
§ 6º - A ampliação dos limites de uma unidade de conservação, sem modificação dos seus limites originais, exceto pelo acréscimo proposto, pode ser feita por instrumento normativo do mesmo nível hierárquico do que criou a unidade, desde que obedecidos os procedimentos de consulta estabelecidos no § 2º deste artigo.
§ 7º - A desafetação ou redução dos limites de uma unidade de conservação só pode ser feita mediante lei específica.
Observa-se, pois, que a Lei nº 9.985, de 2000 não exigiu que as unidades de conservação fossem criadas por lei, de forma que, para alguns, essa criação pode dar-se mediante leis ou decretos. Para outros, no entanto, a delimitação das áreas especialmente protegidas só pode se feita através de lei. Todavia, nos termos da norma constitucional, a supressão e a alteração das áreas protegidas somente poderá ser feita por lei em sentido formal e específica.
Essa proibição já estava prevista no inciso III do § 1º do art. 225, da Constituição Federal, que dispõe que incumbe ao Poder Público
definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
Consoante José Cretella Júnior (CRETELLA JÚNIOR apud MACHADO, 2007, p. 801), “a desafetação é o fato ou manifestação de vontade do poder público, mediante o qual o bem de domínio público é subtraído à dominialidade pública para ser incorporado ao domínio privado do Estado ou do administrado. O oposto da desafetação é a afetação”. Isto quer dizer, portanto, que o pressuposto para que haja desafetação é que a unidade de conservação já esteja no domínio público.
Todavia, nem só a desafetação e a redução dos limites de uma área de conservação exigem lei específica, a alteração das finalidades dessa unidade também. Nem a lei ordinária pode alterar as normas que protejam a integridade dos atributos que justifiquem a proteção da Unidade de Conservação. A própria Lei nº 9.985, de 2000, em seu art. 28, caput, proíbe alterações, atividades ou modalidades de utilização em desacordo com os objetivos, o Plano de Manejo e os regulamentos da Unidade de Conservação.
Cumpre destacar, por oportuno, que o constituinte não proibiu que todas as áreas merecedoras de proteção legal pudessem ser utilizadas e exploradas economicamente, mas proibiu o uso que alterasse as características e os atributos que deram fundamento à especial proteção.
No entanto, conservados ou apenas ampliados os limites originais das Unidades de Conservação, sem que ocorra a sua desnaturação ou deterioração, é possível que essa alteração seja feita por decreto, e não por lei específica. Mas, se houver potencialidade de dano, a alteração pretendida passa a necessitar de lei específica.
A regulamentação da Lei nº 9.985, de 2000 foi feita pelo Decreto nº 4.320, de 2002, que estabeleceu os critérios a serem aplicados para a criação das unidades de conservação. Assim é que o art. 2º do referido decreto dispôs que:
Art. 2º - O ato de criação de uma unidade de conservação deve indicar:
I – a denominação, a categoria de manejo, os objetivos, os limites, a área da unidade e o órgão responsável por sua administração;
II – a população tradicional beneficiária, no caso de Reservas Estrativistas e das Reservas de Desenvolvimento Sustentável;
III – a população tradicional residente, quando couber, no caso das Florestas Nacionais, Florestas Estaduais ou Florestas Municipais; e
IV – as atividades econômicas, de segurança e de defesa nacional envolvidas.
É condição de validade de constituição de uma Unidade de Conservação que ela seja precedida de estudos técnicos elaborados pelo órgão competente para a sua criação, recomendando-se a convocação de uma consulta pública destinada a conhecer a opinião da comunidade envolvida.
Com efeito, estabelece o art. 5º, do Decreto nº 4.320, de 2002:
Art. 5º - A consulta pública para a criação de unidade de conservação tem a finalidade de subsidiar a definição da localização, da dimensão e dos limites mais adequados para a unidade.
§ 1º - A consulta consiste em reuniões públicas ou, a critério do órgão ambiental competente, outras formas de oitiva da população local e de outras partes interessadas.
§ 2º - No processo de consulta, o órgão executor competente deve indicar, de modo claro e em linguagem acessível, as implicações para a população residente no interior e no entorno da unidade de conservação.
Da redação do artigo acima transcrito, depreende-se que a consulta pública não tem forma definida em lei, contudo, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça já se manifestaram no sentido da obrigatoriedade de sua realização, sob pena de nulidade, uma vez que cuida-se de direito subjetivo público da população, principalmente daqueles indivíduos que tenham posses ou propriedades nas áreas a serem abrangidas pelas futuras unidades de conservação.
Da gestão das Unidades de Conservação
Nos termos do art. 3º, da Lei nº 9.985, de 2000, o Sistema de Unidades de Conservação – SNUC – é constituído pelo conjunto das unidades de conservação federais, estaduais e municipais e tem como objetivos expressos no art. 4º:
I – contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos no território nacional e nas águas jurisdicionais;
II – proteger as espécies ameaçadas de extinção no âmbito regional e nacional;
III – contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de ecossistemas naturais;
IV – promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais;
V – promover a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de desenvolvimento;
VI – proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica;
VII – proteger as características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural;
VIII – proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos;
IX – proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental;
X – valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica;
XI – favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico;
XII – proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente.
Por sua vez, consoante o disposto no art. 5º, do mesmo decreto, a gestão do Sistema Nacional de Unidades de Conservação deve ser feita mediante a adoção das seguintes diretrizes:
I – garantias que assegurem que, no conjunto das unidades de conservação, estejam representadas amostras significativas e ecologicamente viáveis das diferentes populações, habitats e ecossistemas do território nacional e das águas jurisdicionais, salvaguardando o patrimônio biológico existente;
II – garantias que assegurem os mecanismos e procedimentos necessários ao envolvimento da sociedade no estabelecimento e na revisão da política nacional de unidades de conservação;
III – garantias que assegurem a participação efetiva das populações locais na criação, implantação e gestão das unidades de conservação;
IV – busca de apoio e cooperação de organizações não-governamentais, de organizações privadas e pessoas físicas para o desenvolvimento de estudos, pesquisas científicas, práticas de educação ambiental, atividades de lazer e de turismo ecológico, monitoramento, manutenção e outras atividades de gestão das unidades de conservação;
V – incentivo às populações locais e às organizações privadas a estabelecerem e administrarem unidades de conservação dentro do sistema nacional;
VI – garantia, quando possível, da sustentabilidade econômica das unidades de conservação;
VII – permissão de uso das unidades de conservação para a conservação in situ de populações das variantes genéticas selvagens dos animais e plantas domesticados e recursos genéticos silvestres;
VIII – garantia de que o processo de criação e gestão das unidades de conservação sejam feitos de forma integrada com as políticas de administração das terras e águas circundantes, considerando as condições e necessidades sociais e econômicas locais;
IX – consideração das condições e necessidades das populações locais no desenvolvimento e adaptação de métodos e técnicas de uso sustentável dos recursos naturais;
X – garantia para as populações tradicionais suja subsistência dependa da utilização de recursos naturais existentes no interior das unidades de conservação meios de subsistência alternativos ou a justa indenização pelos recursos perdidos;
XI – garantia de alocação adequada dos recursos financeiros necessários para que, uma vez criadas, as unidades de conservação possam ser geridas de forma eficaz e atender aos seus objetivos;
XII – busquem conferir às unidades de conservação, nos casos possíveis e respeitadas as conveniências da administração, autonomia administrativa e financeira; e
XIII – proteção de grandes áreas por meio de um conjunto integrado de unidades de conservação de diferentes categorias, próximas ou contíguas, e suas respectivas zonas de amortecimento e corredores ecológicos, integrando as diferentes atividades de preservação da natureza, uso sustentável dos recursos naturais e restauração e recuperação dos ecossistemas.
O SNUC será regido pelo Órgão Consultivo e Deliberativo, o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, com as atribuições de acompanhar a implementação do Sistema; pelo Órgão Central, o Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de coordená-lo; e pelos Órgãos Executores, órgãos federais, estaduais e municipais com a função de implementar o SNUC, subsidiar as propostas de criação e administrar as Unidades de Conservação federais, estaduais e municipais nas respectivas esferas de atuação.
O CONAMA tem a função de fiscalizar a aplicação das regras da Lei nº 9.985, de 2000, e o funcionamento do SNUC. Para isso, pode requisitar informações a qualquer Unidade de Conservação ou visitá-las, sejam elas federais, estaduais ou municipais. Excepcionalmente, o CONAMA terá como mister decidir sobre a classificação das Unidades de Conservação. A competência para acompanhar a implementação do SNUC não concede ao CONAMA, porém, poder para criar unidades de conservação nem para estabelecer regras para o funcionamento de outros tipos de conservação.
Ao exercer o papel de coordenador do Sistema, não significa, porém, que o Ministério do Meio Ambiente passa a ter uma supremacia hierárquica sobre as Unidades de Conservação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Como coordenador do SNUC, promoverá reuniões formais ou informais entre as administrações das diferentes Unidades de Conservação, incentivará estudos para a criação de novas unidades, estará presente na formulação do zoneamento ambiental do País ou de seu ordenamento territorial, visando ao planejamento das unidades de conservação, e articulará o planejamento do combate a incêndios nessas unidades.
Na área federal, o órgão executor será o Instituto Chico Mendes com competência para administrar as Unidades de Conservação. Os órgãos executores estaduais e municipais não estão indicados no art. 6º, III, do Decreto, uma vez que esta é uma tarefa de competência dos próprios Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Releva destacar, como o faz Paulo Affonso Leme Machado (2007, p. 828), que
A Lei 9.985 não fechou totalmente a porta da desconcentração da administração das unidades de conservação, mas não foi suficientemente incisiva para prever que as unidades de conservação poderiam ter autonomia, passando a ter personalidade de direito público (nas figuras de autarquia e de fundação) e de direito privado (como sociedade de economia mista e de empresa pública).
De conformidade com o art. 34, da Lei nº 9.985, de 2000,
Art. 34 – Os órgãos responsáveis pela administração das unidades de conservação podem receber recursos ou doações de qualquer natureza, nacionais ou internacionais, com ou sem encargos, provenientes de organizações privadas ou públicas ou de pessoas físicas que desejarem colaborar com a sua conservação.
Parágrafo único – A administração dos recursos obtidos cabe ao órgão gestor da unidade, e estes serão utilizados exclusivamente na sua implantação, gestão e manutenção.
Ocorre, contudo, que, pelo sistema instituído, não se pode afirmar que o recurso financeiro ou a doação recebida serão aplicados exclusivamente numa determinada unidade de conservação. No âmbito federal, o recurso é dirigido para o Instituto Chico Mendes, que fica encarregado de redistribuí-lo. No âmbito estadual a situação é ainda mais complicada, uma vez que é possível encontrar, em determinados Estados, o setor da administração das Unidades de Conservação diretamente vinculado a uma Secretaria, o que faz com que os recursos financeiros sejam direcionados para o tesouro estadual, dificultando a separação da verba.
A gestão das Unidades de Conservação é colegiada, participando, organizadamente, a sociedade, a Administração Pública e as populações das áreas diretamente vinculadas às unidades. Essa gestão compartilhada e plural se materializa em Conselhos Consultivos ou Deliberativos, que serão presididos pelo chefe da Unidade de Conservação, o qual designará os demais conselheiros indicados pelos setores a serem representados.
Consoante o disposto no art. 17, do Decreto nº 4.320, de 2002, a representação dos órgãos públicos deve contemplar, quando possível, os órgãos ambientais dos três níveis da Federação e outros órgãos de áreas afins como pesquisa científica, educação, defesa nacional, cultura, turismo, paisagem, arquitetura, arqueologia e povos indígenas e assentamentos agrícolas.
No que pertine à representação da sociedade civil, ela deve contemplar, quando couber, a comunidade científica e as organizações não-governamentais ambientalistas com atuação comprovada na região da unidade, a população residente e do entorno, a população tradicional, os proprietários de imóveis no interior da unidade, os trabalhadores e setor privado atuantes na região e os representantes dos Comitês da Bacia Hidrográfica
Observa-se, pois, que o Decreto busca estabelecer uma paridade entre a representação social e a governamental, embora não haja qualquer obrigação para que assim seja, adotado o critério da conveniência e oportunidade. Os integrantes do conselho são denominados conselheiros e têm mandato de dois anos.
As unidades de conservação podem, ainda, ser geridas por organizações da sociedade civil de interesse público com objetivos afins aos da unidade, mediante instrumento a ser firmado com o órgão responsável por sua gestão, consoante preceitua o art. 30, da Lei nº 9.985, de 2000. Sobre a seleção da organização da sociedade civil de interesse público, dispõe o art. 23, do Decreto nº 3.100, de 1999:
Art. 23 – A escolha da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, para a celebração do Termo de Parceria, poderá ser feita por meio de publicação de edital de concursos de projetos pelo órgão estatal parceiro para obtenção de bens e serviços e para realização de atividades, eventos, consultorias, cooperação técnica e assessoria.
Parágrafo único – Instaurado o processo de seleção por concurso, é vedado ao Poder Público celebrar Termo de Parceria para o mesmo objeto, fora do concurso iniciado.
Foi o Decreto nº 4.340, de 2002, todavia, que criou a expressão “gestão compartilhada com OSCIP”. Conforme o art. 21 desse Decreto, “a gestão compartilhada da unidade de conservação por OSCIP é regulada por termo de parceria com o órgão executor, nos termos da Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999”.
A gestão compartilhada de uma unidade de conservação supõe que tanto a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP – como o órgão público gestor têm poderes de administração. O termo de parceria, por sua vez, objetiva formar um vínculo de cooperação entre as partes para o fomento e a execução das atividades de interesse público, tais como defesa, preservação e conservação do meio ambiente (art. 9º c/c art. 3º, VI, da Lei nº 9.790, de 1999). É ele que deve discriminar direitos, responsabilidades e obrigações das partes, dividindo as atribuições. Aí se encontra a gestão compartilhada.
Por oportuno, vale transcrever a crítica que faz Paulo Affonso Leme Machado (2007, p. 831):
Cumpriria ao Decreto nº 4.340/2002 ser mais específico em apontar quais responsabilidades serão divididas entre o Poder Público e a OSCIP. O órgão público ambiental, ao assinar um termo de parceria, está entregando um patrimônio público natural para ser administrado por quem não exerce função pública. Está delegando uma tarefa que é uma função do Instituto Chico Mendes, quanto às unidades de conservação federais. Não se pode negar que é uma grande transformação na ciência da administração, que necessita ser bem conduzida para ter êxito ou para não acarretar sérios prejuízos para o patrimônio natural. Trata-se da gestão de recursos que não estão sendo suficientemente identificados, como os recursos genéticos, e que podem ser apossados ou alienados ilegitimamente por OSCIP não idôneas.
A Organização da Sociedade Civil de Interesse Público elegível para a gestão das Unidades de Conservação é aquela que atenda aos seguintes requisitos estipulados no art. 22, do Decreto nº 4.340, de 2002: tenha dentro de seus objetivos institucionais a proteção do meio ambiente ou a promoção do desenvolvimento sustentável e comprove a realização de atividades de proteção do meio ambiente ou desenvolvimento sustentável, preferencialmente na Unidade de Conservação ou no mesmo bioma.
No diploma legal acima mencionado não existe o requisito da juntada, no pedido de inscrição, da informação sobre a composição da OSCIP. Contudo, o conhecimento sobre a qualificação profissional, a experiência e a idoneidade moral dos membros dessas organizações é fundamental para a escolha da organização parceira, visando evitar a admissão de uma OSCIP que não tenha capacidade gerencial e só busque lucros.
Os resultados alcançados com a execução do termo de parceria deverão ser avaliados por uma comissão, de forma que havendo notícia de qualquer irregularidade ou ilegalidade na utilização de recursos ou bens de origem pública pela organização parceira, o responsáveis pela fiscalização deverão dar imediata notícia ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público, sob pena de responsabilidade solidária, conforme estabelecido pelos arts. 11 e 12, da Lei nº 9.970, de 1999. Isto implica que não só a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público e seus dirigentes responderão com seus bens, mas também os integrantes da própria Administração Pública, sem que esta venha a arcar, em primeiro lugar, com os danos. Os funcionários públicos poderão ser processados diretamente, sem necessidade de aguardar a condenação para posterior ação de regresso.
Como no caso das Unidades de Conservação trata-se de gestão de bens ambientais, todos os que causarem danos à essas unidades responderão de acordo com o regime da responsabilidade civil objetiva, isto é, sem necessidade de comprovação de culpa do infrator da legislação ambiental (art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938, de 1981).
Conforme ressalta Paulo Affonso Leme Machado,
A Lei nº 9.985/2000 não trata da delegação do poder de polícia para as organizações sociais civis de interesse público. Parece-me que a delegação de uma parte do poder de polícia necessitaria de modificação da lei, reservando-se o mesmo poder para o órgão delegante. A aplicação de algumas penalidades, como a suspensão ou a proibição da entrada de visitantes infratores – como sanção restritiva de direitos (art. 72, X, da Lei nº 9.605/98), não pode deixar de ser concedida à ONG que irá gerir a unidade de conservação, sob pena de essa gestão tornar-se ineficiente e desastrosa.
Até que a modificação legal seja feita, sugere-se que o órgão público, que venha a fazer contrato de parceria com a organização social civil de interesse público, faça a lotação de um funcionário público na unidade de conservação objeto do contrato, e esse funcionário público possa lavrar o auto de infração, de acordo com a Lei 9.605/1998 (art. 70, § 1º). A sugestão é emergencial, pois precisariam ser normatizadas as relações entre os funcionários públicos e os administradores da organização da sociedade civil de interesse público.
Espécies de Unidades de Conservação e Regramento Jurídico
As Unidades de Conservação dividem-se em dois grandes grupos com características específicas: Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável. As primeiras são espaços protegidos que têm por objetivo básico a preservação da natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos na própria lei que estabeleceu o SNUC, tais como pesquisas científicas e visitas, assim mesmo, sujeitas a condicionamentos e restrições. As segundas, por sua vez, também são espaços protegidos, porém com intensidade de proteção menor, e destinam-se à compatibilização entre a conservação da natureza e o uso sustentável de uma parte de seus recursos naturais objetivando poupar recursos para gerações futuras, que é o que está na base do conceito de desenvolvimento e uso sustentáveis. Assim, as Unidades de Uso Sustentável ficam submetidas à proteção parcial dos atributos naturais, admitida a exploração de parte dos recursos disponíveis em regime de manejo sustentável, entre outras restrições legais.
O ordenamento jurídico brasileiro inclui no grupo de Unidades de Proteção Integral as seguintes categorias: Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre.
No ordenamento jurídico brasileiro, as Unidades de Uso Sustentável compreendem as seguintes categorias: Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural.
Unidades de Conservação e Plano de Manejo
Todas as Unidades de Conservação acima mencionadas devem dispor de um Plano de Manejo que, conforme preceitua o inciso XVII do art. 2º da Lei nº 9.985, de 2000,
é o documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas e necessárias à gestão da unidade.
O plano de manejo deve ser elaborado no prazo de 05 (cinco) anos a partir da criação da Unidade de Conservação, consoante determinado no art. 27 da mesma lei. Passado esse prazo, os órgãos executores e, se não tiverem personalidade jurídica, os próprios governos poderão figurar como réus em eventuais ações civis públicas.
Havendo necessidade permanente de se modificar os atributos de uma Unidade de Conservação, o instrumento adequado não é a simples alteração do plano de manejo, mas sim a desafetação da unidade, que deverá ser feita por lei.
Os objetivos de cada Unidade de Conservação devem ser observados quando da elaboração de seu plano de manejo. Assim, há matérias que devem estar presentes em determinados planos de manejo, como, por exemplo, a visitação pública deve ser analisada nos planos de manejo da Estação Ecológica, do Parque Nacional, do Refúgio Silvestre e da Reserva Extrativista; no da Reserva de Desenvolvimento Sustentável devem estar previstas zonas de proteção integral, de uso sustentável e de amortecimento e corredores ecológicos.
O plano de manejo deve abranger a área da Unidade de Conservação, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas que visem promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas. Nesse sentido, a Lei nº 9.985, de 2000, esclarece em seu art. 2º:
Art. 2º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
[...]
XVIII – zona de amortecimento: o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade; e
XIX – corredores ecológicos: porções de ecossistemas naturais ou seminaturais, ligando unidades de conservação, que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando a dispersão das espécies e a recolonização de áreas degradadas, bem como a manutenção de populações que demandam para sua sobrevivência áreas com extensão maior do que aquela das unidades individuais.
Embora o interesse pela correta elaboração do plano de manejo transcenda os limites da Unidade de Conservação, não houve a previsão de participação pública em todos os planos de manejo, possibilitando transparência permanente na gestão das unidades. A participação pública somente é tida como obrigatória no plano de manejo das reservas extrativistas, das reservas de desenvolvimento sustentável e das áreas de proteção ambiental.
O plano de manejo, na prática, é a lei interna das Unidades de Conservação. A ele deve ser aplicado o princípio da precaução quando houver dúvida ou discrepância de opinião ou entendimento científico sobre seu e sobre as atividades, obras e zoneamento projetados ou levados a efeito em uma unidade de Conservação. Não se faz necessário o Estudo de Impacto Ambiental ou o Relatório de Impacto Ambiental para todos os planos de manejo, somente devendo ser realizados quando houver potencialidade de dano significativo ao meio ambiente.
A instalação e a manutenção de unidades militares e policiais, a instalação e a manutenção de equipamentos para fiscalização e apoio à navegação aérea e marítima, como a construção de vias de acesso serão compatibilizadas com o plano de manejo, quando as Unidades de Conservação estiverem situadas fora da faixa de fronteira.
Por sua vez, na faixa de fronteira, haverá um outro sistema de elaboração do plano de manejo, consoante dispõe o art. 2º, do Decreto nº 4.411, de 2002:
Art. 2º - O Ministério da Defesa participará da elaboração, da análise e das atualizações do plano de manejo das unidades de conservação localizadas na faixa de fronteira.
Parágrafo único – Os planos de manejo e respectivas atualizações, referidos no caput, serão submetidos à anuência prévia do Conselho de Defesa Nacional, por meio de sua Secretaria Executiva.
Direito de Propriedade e Unidades de Conservação
É inquestionável que o Poder Público, através do plano de manejo, pode restringir o uso da propriedade pública, tendo como limite principal a idéia de que o meio ambiente é bem de uso comum do povo.
A regularização fundiária das Unidades de Conservação é tratada pela Lei nº 9.985, de 2000, que, em seu art. 45, excluiu das indenizações derivadas ou não de desapropriação as espécies arbóreas declaradas imunes ao corte pelo Poder Público; as expectativas de ganhos e lucros cessantes; o resultado do cálculo efetuado mediante a operação de juros compostos e áreas que não tenham prova de domínio inequívoco e anterior à criação das Unidades de Conservação.
As zonas de amortecimento e os corredores ecológicos não fazem parte do domínio público, estando, pois, no domínio privado, de forma que gozam da proteção da Constituição Federal, que garante o direito de propriedade. Assim, a limitação ao direito de propriedade pode ser imposta nas zonas de amortecimento e nos corredores ecológicos, “de tal ordem que não inviabilize a propriedade, sob pena de acarretar apossamento administrativo com o conseqüente dever de indenizar o proprietário, por parte do Poder Público”, como ressaltado por Saint Clair Honorato Santos (SANTOS apud MACHADO, 2007, p. 817).
Entre as Unidades de Conservação, estão obrigadas a ter zonas de amortecimento a Estação Ecológica, a Reserva Biológica, o Parque Nacional, o Monumento Natural, o Refúgio de Vida Silvestre, a Área de Relevante Interesse Ecológico, a Floresta Nacional, a Reserva Extrativista, a Reserva da Fauna e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável. Diante disso, essas unidades não poderão realizar plenamente seus objetivos se não houver uma separação gradativa entre o meio ambiente trabalhado pelo homem e o meio ambiente natural.
De outro lado, não estão obrigadas a instituir zonas de amortecimento a Área de Proteção Ambiental e a Reserva Particular do Patrimônio Natural.
As zonas de amortecimento das Unidades de Conservação de Proteção Integral, uma vez definidas formalmente, não podem ser transformadas em zonas urbanas, pois, de acordo com o caput do art. 49, da Lei nº 9.985, de 2000, as zonas de amortecimento e as Unidades de Conservação integram a zona rural.
O mesmo diploma legal previu, no § 1º do art. 49, que as normas de ocupação e o uso dos recursos da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos serão estabelecidos pelo órgão responsável pela administração da Unidade de Conservação. Entretanto, ao estabelecer essas normas, é necessário perquirir sobre a existência de normas anteriores da União sobre planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social e dos Estados sobre as regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização e a execução de funções públicas de interesse comum.
Cumpre ressaltar que o objetivo básico das Unidades de Conservação é a proteção ambiental no seu sentido mais abrangente e, por isso, a propriedade privada acaba sofrendo diversas restrições. Assim, é que o art. 31 da Lei nº 9.985, de 2000, proíbe a introdução de espécies não-autóctones, isto é, exóticas, nas Unidades de Conservação, excetuando dessa restrição as Áreas de Proteção Ambiental, as Florestas Nacionais, as Reservas Extrativistas e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável, bem como os animais e plantas necessários à administração e às atividades das demais categorias de Unidades de Conservação, consoante o disposto no regulamento e no plano de manejo da unidade. Também são permitidas nas áreas particulares localizadas em Refúgios de Vida Silvestre e em Monumentos Naturais a criação de animais domésticos e o cultivo de plantas exóticas, desde que compatíveis com as finalidades da unidade.
Todavia, dependerá de autorização e pagamento a exploração comercial de produtos, subprodutos ou serviços obtidos ou desenvolvidos a partir dos recursos naturais, biológicos, cênicos ou culturais ou da exploração da imagem da Unidade de Conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva Particular do Patrimônio Natural.
A mesma proteção é que restringe a visitação pública e a pesquisa científica nas Unidades de Conservação. Releva notar, entretanto, que a pesquisa científica pode até ser incentivada caso se efetive segundo as restrições previstas em cada Unidade, mas, acentua José Afonso da Silva (2007, p. 259):
Há, porém, normas gerais no art. 32 da lei sobre o tema, que prevêem que os órgãos executores do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (IBAMA e órgãos estaduais e municipais com funções de implementar o SNUC) devem articular-se com a comunidade científica com o propósito de incentivar o desenvolvimento de pesquisa sobre a fauna, a flora e a ecologia das Unidades de Conservação e sobre formas de uso sustentável dos recursos naturais, valorizando-se o conhecimento das populações tradicionais. Mas essa pesquisa não pode colocar em risco a sobrevivência das espécies integrantes dos ecossistemas protegidos. Por isso é que – exceto em Área de Proteção Ambiental e Reserva do Patrimônio Natural – ela depende de prévia autorização e está sujeita à fiscalização do órgão responsável pela administração da unidade. Prevê-se também que a aprovação da realização dessa pesquisa científica pode ser atribuída a instituições de pesquisa nacional.
Contudo, as atividades agrícolas e pecuárias existentes anteriormente na área de entorno da unidade de conservação, que se tornará zona de amortecimento, não podem ser impedidas, sob pena de se proceder a uma desapropriação indireta. A zona de amortecimento e a Unidade de Conservação devem ter usos que coexistam harmonicamente, pois o meio ambiente não pode ser contrário aos seus vizinhos ou dissonante de seus anseios e de suas necessidades. Vê-se, portanto, que a legislação brasileira seguiu a orientação da União Internacional de Conservação da Natureza, promovendo a interdependência dos espaços protegidos, da economia e da vida da população local.
Da População Tradicional das Unidades de Conservação
O fim da preservação do meio ambiente não é a proteção pela proteção, mas sim a sadia qualidade de vida, conforme preceituado no art. 225, da Constituição Federal. Por isso, a proteção do meio ambiente deve fazer-se, tanto quanto possível, com o menor sacrifício das populações tradicionais diretamente afetadas pela intervenção do Poder Público.
Isto porque as Unidades de Conservação produzem benefícios sociais em forma de serviços ambientais para toda a região. Contudo, há áreas em que a intensidade da proteção ambiental não se faz compatível com a presença humana.
Dessa forma, as Unidades de Conservação podem ser divididas em três tipos: aquelas em que a presença humana poderá ser proibida, tais como a Estação Ecológica e a Reserva Biológica; aquelas em que a visitação pública é permitida, como é o caso do Parque Nacional, do Monumento Natural, do Refúgio da Vida Silvestre, da Reserva da Fauna, e da Reserva Particular do Patrimônio Natural; e, ainda, aquelas em que a ocupação humana, parcial ou total, faz parte de suas finalidades, como na Área de Proteção Ambiental, na Área de Relevante Interesse Ecológico, na Floresta Nacional, na Reserva Extrativista e na Reserva do Desenvolvimento Sustentável.
A Lei nº 9.985, de 2000, não definiu o que sejam as populações tradicionais, mas no inciso X do seu art. 5º determinou que
Art. 5º - O SNUC será regido por diretrizes que:
[...]
X – garantam às populações tradicionais cuja subsistência dependa da utilização de recursos naturais existentes no interior das unidades de conservação meios de subsistência alternativos ou a justa indenização pelos recursos perdidos;
[...]”.
Nos dizeres de Paulo Affonso Leme Machado (2007, p. 820)
A população tradicional é a população que exista numa área antes da criação da unidade de conservação, cuja existência seja baseada em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais.
Temos duas condições para analisar uma população encontrada no espaço territorial a ser conservado: tempo de presença e modo como vem utilizando os recursos naturais. Uma das acepções aceitas para o termo “tradição”, é daquilo (bem, idéias, etc.) que se transmite de uma geração para outra. Assim, a população tradicional seria aquela que estaria na área, desde pelo menos seus pais. A tradição exigiria a prova dos ascendentes ligados à área ou ali presentes. Além dos laços de parentesco, leva-se em conta a população “que opta por adotar ou concertar uma série de práticas que são pouco invasivas, que são pouco destruidoras, ou que faz opção por um certo tipo de uso de recursos”. Caso contrário, pessoas recentemente chegadas de fora, ou forasteiros, isto é, populações adventícias estariam apresentando-se falsamente como populações tradicionais. Se a farsa fosse aceita, fomentar-se-ia a “indústria das indenizações”.
É preciso ainda perguntar: toda a população da área da nova unidade de conservação estaria abrangida no conceito? Temos duas situações: a população que vive numa área em que a situação fundiária esteja legalmente definida, tratando-se de empregados em relação aos proprietários da área e a situação em que as pessoas estejam na condição de posseiros. Não é admissível a confusão entre as duas situações, pois, do contrário, haveria duas indenizações ao mesmo tempo: aos proprietários das terras e aos seus empregados.
Constatada, pois, a presença de população tradicional em uma área, na qual se vislumbre a necessidade de criação de uma Unidade de Conservação, essa população não poderá ser expulsa ou levada a sair do local sem qualquer indenização ou sua adequada realocação pelo Poder Público. Assim, é que a Lei nº 9.985, de 2000, estabelece em seu art. 42:
Art. 42 – As populações tradicionais residentes em unidades de conservação, nas quais sua permanência não seja permitida, serão indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias existentes e devidamente realocadas pelo Poder Público, em local e condições acordadas pelas partes.
§ 1º - O Poder Público, por meio do órgão competente, priorizará o reassentamento das populações tradicionais a serem realocadas.
§ 2º - Até que seja possível efetuar o reassentamento de que trata este artigo, serão estabelecidas normas e ações específicas destinadas a compatibilizar a presença das populações tradicionais residentes com os objetivos da unidade, sem prejuízo dos modos de vida, das fontes de subsistência e dos locais de moradia destas populações, assegurando-se a sua participação na elaboração das referidas normas e ações.
§ 3º - Na hipótese prevista no § 2º, as normas regulando o prazo de permanência e suas condições serão estabelecidas em regulamento.
As populações tradicionais das Reservas Extrativistas e das Reservas de Desenvolvimento Sustentável estão obrigadas a participar da preservação, recuperação, defesa e manutenção dessas unidades. Mas, em qualquer espécie de Unidade de Conservação, as populações tradicionais não poderão fazer uso das espécies localmente ameaçadas de extinção, nem utilizar práticas ou atividades que impeçam a regeneração natural dos ecossistemas, de acordo com o disposto no art. 23, §§ 1º e 2º, da Lei nº 9.985, de 2000. A violação dolosa dessas normas, causando dano direto ou indireto, configura o crime do caput do art. 40, da Lei nº 9.605, de 1998, punido com reclusão de 01 (um) a 05 (cinco) anos. Já a transgressão culposa, por imprudência, negligência ou imperícia, acarretará a redução da pena pela metade (art. 40, § 3º).
A COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Do exposto até o momento no presente trabalho, depreende-se que a criação de Unidades de Conservação quando abrange áreas de domínio particular, ainda que seja apenas nas zonas de amortecimento ou nos corredores ecológicos, acaba por implicar em restrições ao direito de propriedade. Conforme visto, tanto o meio ambiente quanto a propriedade são considerados pelo ordenamento jurídico como direitos fundamentais, o primeiro de terceira geração, e o segundo, de primeira geração, merecendo ambos a devida proteção pelo Direito.
Ocorre que, quando da instituição das Unidades de Conservação em áreas particulares, o que se verifica é o nascimento de um conflito entre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o direito à propriedade.
Nos dizeres de Robert Alexy (1998, p. 02)
O conceito de colisão de direitos fundamentais pode ser desenvolvido de forma estrita ou ampla. Se concebido de forma estrita, então devem ser consideradas apenas aquelas situações que envolvam colisões de direitos fundamentais. Aqui se pode falar de colisões de direitos fundamentais em sentido estrito. Uma concepção mais ampla permite considerar as colisões de direitos fundamentais com outras normas ou princípios que tenham por objeto a proteção de interesse comum. É o conceito de direito fundamental em sentido amplo. [...] Não existe catálogo de direitos fundamentais sem colisão. Nem isso pode existir. Isso se aplica tanto a colisões de direitos fundamentais em sentido estrito, quanto em sentido amplo.
De acordo com o doutrinador, as colisões de direitos fundamentais em sentido estrito são aquelas que têm início quando o exercício do direito fundamental de determinado titular produz efeitos negativos sobre os direitos fundamentais de outro. Nesse caso, os direitos fundamentais podem ser idênticos ou diversos.
Sendo idênticos os direitos fundamentais, é possível diferenciar quatro tipos básicos de colisões. Assim, tem-se: a) colisão de um direito fundamental enquanto direito liberal de defesa, que se verifica quando, por exemplo, dois grupos adversos planejam realizar uma demonstração na mesma praça pública; b) colisão de direito de defesa de caráter liberal e o direito de proteção, que ocorre, por exemplo, quando desfere-se tiros no seqüestrador para proteger a vida da vítima; c) colisão do caráter negativo de um direito com o caráter positivo desse mesmo direito, que se observa, por exemplo, com a liberdade religiosa, que tanto pressupõe a prática de uma religião, quanto o ateísmo; d) colisão do aspecto jurídico de um direito fundamental e o seu aspecto fático, comum ao direito de igualdade, quando, por exemplo, se prevê a concessão de auxílio aos hipossuficientes.
Na colisão de direitos fundamentais de diversos titulares, merece destaque a colisão entre a liberdade de opinião e os direitos fundamentais atingidos pela manifestação da opinião.
Por sua vez, a colisão em sentido amplo é aquela que ocorre com direitos fundamentais com valores protegidos pelo interesse público ou pelo interesse coletivo, cujo exemplo é a colisão entre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o direito de propriedade, objeto do presente trabalho.
Diante da colisão entre direitos fundamentais, a pergunta que, inevitavelmente, surge é qual direito fundamental deve prevalecer nesse conflito. A resposta, contudo, não pode ser dada de pronto. Isto porque todas as colisões somente podem ser superadas se se impõem a um dos lados ou aos dois lados envolvidos na questão restrições ou sacrifícios.
O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes (2004, p. 36), ressalta que
É possível que uma das fórmulas aviltradas para a solução de eventual conflito passe pela tentativa de estabelecimento de uma hierarquia entre direitos individuais.
Embora não se possa negar que a unidade da Constituição não repugna a identificação de normas de diferentes pesos numa determinada ordem constitucional, é certo que a fixação de rigorosa hierarquia entre diferentes direitos individuais acabaria por desnaturá-los por completo, desfigurando também a Constituição como complexo normativo unitário e harmônico. Uma valoração hierárquica diferenciada de direitos individuais somente é admissível em casos especialíssimos.
Conforme Robert Alexy (1998, p. 04-05), tem-se na teoria dos princípios a melhor solução para a colisão de direitos fundamentais. É que as colisões de direitos fundamentais devem ser consideradas segundo a teoria dos princípios, como uma colisão de princípios, tendo como forma de resolução a ponderação. Leciona que
A grande vantagem da teoria dos princípios reside no fato de que ela pode impedir o esvaziamento dos direitos fundamentais sem introduzir uma rigidez excessiva. Nos seus termos, a pergunta sobre a legitimação de uma restrição há de ser respondida mediante ponderação. O postulado da ponderação corresponde ao terceiro subprincípio da proporcionalidade no direito constitucional alemão. O primeiro é o postulado da adequação do meio utilizado para a persecução do fim desejado. O segundo é o postulado da necessidade desse meio. O meio não é necessário se se dispõe de um mais suave ou menos restritivo. Constitui um fortíssimo argumento, tanto para a força teórica quanto prática da teoria do princípio que os três subprincípios do postulado da proporcionalidade decorram logicamente da estrutura principiológica das normas de direitos fundamentais e estas da própria idéia de proporcionalidade. [...]
O postulado da proporcionalidade em sentido estrito pode ser formulado como uma lei de ponderação, cuja fórmula mais simples voltada para os direitos fundamentais diz: “quanto mais intensa se revelar a intervenção em um dado direito fundamental, maiores hão de se revelar os fundamentos justificadores dessa intervenção”.
Segundo a lei da ponderação, esta há de se fazer em três planos. No primeiro plano, há de se definir a intensidade da intervenção. No segundo, trata-se de saber a importância dos fundamentos justificadores da intervenção. No terceiro plano, então se realiza a ponderação em sentido específico estrito.
Desse modo, passa-se, agora, à análise do princípio da proporcionalidade.
Pois bem. O princípio da proporcionalidade se desenvolveu notadamente após as discussões jus-filosóficas do pós II Guerra Mundial, na Alemanha. Os horrores do regime nacional-socialista, praticados geralmente em obediência a determinações legais, fizeram com que se evidenciasse a dimensão valorativa do Direito, bem como que se buscasse em outras fontes, que não apenas a legislativa, os critérios para sua correta aplicação. Em contrapartida, o Positivismo trouxe também grande contribuição para o pensamento jurídico, ao preconizar sua formulação dentro dos padrões rigorosos e racionais da ciência. Dessa forma, a Metodologia Jurídica tem ocupado lugar de destaque na filosofia do direito contemporâneo, visando explicar essa ciência sem abdicar de sua dimensão valorativa, nem cair no subjetivismo irracionalista que sói ser apontado como conseqüência do desrespeito à neutralidade axiológica.
Deconseqüência, surgiram diversas manifestações no sentido de que o Direito deve ser tratado de acordo com a racionalidade específica, não-cartesiana, o que conduziu a revalorização de disciplinas pré-modernas como a Retórica e a Tópica.
Assim, conforme destaca Willis Santiago Guerra Filho (2005, p. 101)
Os valores jurídicos perdem sua conotação subjetiva e pessoal na medida em que se expressam em normas, dentro de um ordenamento objetivo, passíveis de serem harmonizadas em um sistema coerente que, apesar de abstrato, volta-se para a resolução dos problemas práticos da vida jurídica. O sistema normativo, portanto, não é mais concebido como um conjunto fechado de regras, que, para cada fato, apresentaria a conseqüência jurídica decorrente, mas sim como um sistema aberto, para dar conta das peculiaridades de cada caso concreto. Isso significa uma abertura para, em certas hipóteses, tomar decisões sobre problemas jurídicos lançando mão de recursos outros, que não o das proposições normativas (Rechtssätze), com seu esquema lógico-deôntico reducionista, de estabelecimento de uma relação vinculativa entre uma hipótese legal (Tablestand) e sua conseqüência (Rechtsfolge), como são os princípios fundamentais (Rechtsgrundsätze) e as máximas universais de justiça (topoi), os quais apesar de terem uma carga valorativa muito maior, são dotados da necessária existência objetiva e independente da vontade individual.
Nesse contexto, a proporcionalidade revela-se como o mais importante princípio jurídico fundamental, um verdadeiro topos argumentativo, capaz de expressar um pensamento aceito como justo e razoável, útil na solução de questões práticas, não apenas jurídicas, mas também de outras disciplinas, em ordem a descobrir o meio mais adequado para alcançar determinado objetivo.
Dessa forma, no pensamento jurídico contemporâneo, tem-se por superado o legalismo do positivismo normativista, em que as normas do direito positivo se limitariam às regras – “normas que, diante da ocorrência do seu suposto de fato, exigem, proíbem ou permitem algo em termos categóricos” (CANOTILHO apud BRANCO, 2007, p. 07) – passando-se a admitir, também, a existência dos princípios – “normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas” (ibidem, p. 07) – dentre eles, o princípio da proporcionalidade.
No Brasil, todavia, ao contrário de Constituições de outros países que constitucionalizaram o princípio da proporcionalidade no segundo pós-guerra, a atual Constituição não traz previsão expressa desse princípio. Contudo, isso não impede que seja reconhecido em vigor também aqui, com base no § 2º do art. 5º da Constituição de 1988 que preceitua que “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Cumpre, pois, questionar se o princípio em tela corresponde a um direito ou a uma garantia fundamental, ao que Willis Santiago Guerra Filho (2005, p. 85-87) esclarece:
Aqui cabe indagar se o princípio da proporcionalidade corresponderia a um direito ou garantia fundamental, podendo a mesma questão ser colocada em face do princípio da isonomia. Nossa resposta é afirmativa, considerando que tanto o princípio da proporcionalidade como o princípio da isonomia são necessários ao aperfeiçoamento daquele “sistema de proteção organizado pelos autores de nossa lei fundamental em segurança da pessoa humana, da vida humana, da liberdade humana”, como refere Rui Barbosa às garantias constitucionais em sentido estrito (Comentários à Constituição brasileira, vol. I, p. 278, apud Manoel Gonçalves Ferreira Filho, 1990, p. 24) – as quais, para nós, não são essencialmente diversas dos direitos fundamentais propriamente ditos, que sem esse sistema de tutela, essa dimensão processual, não se aperfeiçoam enquanto direitos.
É, assim, o princípio da proporcionalidade que permite fazer o sopesamento dos princípios e direitos fundamentais, bem como dos interesses e bens jurídicos em que se expressam, quando se encontram em contradição, solucionando-a de maneira a maximizar o respeito a todos os envolvidos no conflito. Desse modo, esse princípio passa a figurar como uma exigência na interpretação constitucional, notadamente no que tange à concordância prática.
O princípio da proporcionalidade deve ser entendido, portanto, como um mandamento de máximo respeito aos direitos fundamentais em situação de conflito com outros. Seu conteúdo se divide em três princípios parciais: princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou máxima do sopesamento; princípio da adequação e princípio da exigibilidade, ou do meio mais suave.
O princípio da proporcionalidade em sentido estrito determina que se estabeleça uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma norma e o meio a ser empregado, de forma que ela seja juridicamente a melhor possível, sem que se atente contra o conteúdo essencial do direito fundamental e contra a dignidade da pessoa humana. Assim, as vantagens para o interesse de determinada pessoa, individual ou coletivamente considerada, acarretadas pela disposição normativa em apreço, devem superar as desvantagens causadas para o interesse de outra.
Os subprincípios da adequação e da exigibilidade ou indispensabilidade, por sua vez, determinam que, dentro do faticamente possível, o meio escolhido se preste a atingir o fim visado, mostrando-se, assim, adequado. Ademais, esse meio deve se mostrar exigível, ou seja, não pode haver outro igualmente eficaz e menos danoso ao direito fundamental atingido.
Nessa esteira, diante de uma colisão entre direitos fundamentais, tal qual se verifica entre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, simbolizado pela instituição de uma Unidade de Conservação, e o direito à propriedade, a saída que o ordenamento jurídico apresenta é a análise do caso concreto mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade e de seus subprincípios, devendo ser observada, pois, a relação entre o fim a ser alcançado e o meio a ser empregado, a necessidade e a adequação desse meio e a ocorrência da menor lesão possível pelo seu emprego. Abstratamente falando, mostra-se impossível afirmar qual direito fundamental deve prevalecer na hipótese de um conflito.
Nesses termos, inclusive, têm se posicionado os tribunais pátrios, como demonstra a jurisprudência pátria colhida e transcrita no anexo deste trabalho.
CONCLUSÃO
Do exposto neste trabalho, depreende-se que tanto a propriedade quanto o meio ambiente ecologicamente equilibrado são direitos fundamentais que devem ser protegidos pelo ordenamento jurídico. A propriedade, de primeira geração e o meio ambiente, de terceira geração.
Contudo, deve-se ressaltar que, atualmente, a propriedade não é mais um direito absoluto, como outrora o foi, impondo-se o cumprimento efetivo de sua função social para ser resguardada. Conforme o disposto no art. 186 da Constituição de 1988, a propriedade rural cumpre sua função social quando, entre outros requisitos, atende as exigências de preservação do meio ambiente e utilização adequada dos recursos naturais.
Em contrapartida, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e que se perpetue para as futuras gerações levou à criação de espaços territorialmente protegidos – as Unidades de Conservação – que podem ser de preservação integral ou de uso sustentável, conforme o grau de proteção mediante o qual foi criada. As Unidades de Conservação podem ser instituídas tanto em áreas públicas quanto em áreas privadas e sua criação pode submetê-las a uma série de restrições, tais como a proibição ou a redução da visitação pública e da pesquisa científica e, até mesmo, a desapropriação das áreas particulares cujo uso fosse incompatível com a preservação.
Neste contexto de colisão de direitos fundamentais, permanece a pergunta: qual dos direitos fundamentais deve prevalecer: a propriedade ou o meio ambiente ecologicamente equilibrado, interesse afeto a toda a coletividade? A resposta, todavia, não pode ser obtida de pronto. Depende de uma análise acurada do caso concreto mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade, pois, nem sempre a tutela do meio ambiente deverá prevalecer.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Colisão e ponderação como problema fundamental da dogmática dos direitos fundamentais. Material da 6ª aula da Disciplina Direitos e Garantias Fundamentais, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional – UNISUL – IDP – REDE LFG.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumenúris, 2007.
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Aspectos de teoria geral dos direitos fundamentais. Material da 2ª aula da Disciplina Direitos e Garantias Fundamentais, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional – UNISUL –IDP – REDE LFG.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. (Org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumenúris, 2007.
GUERRA FILHO. Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 4. ed. São Paulo: RCS Editora, 2005.
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
MENDES, Gilmar. Direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. Material da 4ª aula da Disciplina Direitos e Garantias Fundamentais, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional – UNISUL – IDP – REDE LFG.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade no Direito Administrativo Brasileiro. Coleção Temas de Direito Administrativo. v. 6. São Paulo: Malheiros, 2006.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
______. Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
Procuradora Federal. Pós-graduada em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NAVES, Silvia Costa. Unidades de conservação: um limite ao direito de propriedade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jun 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35726/unidades-de-conservacao-um-limite-ao-direito-de-propriedade. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: gabriel de moraes sousa
Por: Thaina Santos de Jesus
Por: Magalice Cruz de Oliveira
Precisa estar logado para fazer comentários.