INTRODUÇÃO
A Constituição Federal veda, em regra, a acumulação remunerada de cargos públicos. Todavia, alguns casos expressamente consignados são admitidos: dois cargos de professor, um cargo de professor com outro técnico científico e dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.
Para as hipóteses em que a acumulação é admitida, a única exigência constitucional é a compatibilidade de horários. Entretanto, há quem defenda que a limitação da carga horária também é um requisito para que a cumulação seja considerada legal.
Esse, contudo, não parece ser o entendimento conforme ao ordenamento jurídico nacional. É o que se exporá a seguir.
DA IMPOSSILIDADE DE LIMITAÇÃO DA CARGA HORÁRIA NA ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS
A respeito da acumulação de cargos remunerados, a Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso XVI, especialmente em nome do princípio da moralidade, elenca a seguinte regra geral:
Art. 37 (...)
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: (...)
A doutrina ensina que a vedação atinge a acumulação remunerada de cargos, empregos e funções na Administração Direta e Indireta, seja dentro de cada uma, seja entre os dois setores da Administração entre si[1].
Por outro lado, o mesmo diploma normativo, nas alíneas do inciso XVI, artigo 37, ressalvou três casos específicos e taxativos em que a acumulação é permitida:
a) dois cargos de professor;
b) um cargo de professor com outro de técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.
Veja-se, desde já, que não existe restrição constitucional no que tange especificamente ao limite de carga horária semanal. A única exigência constitucional para a acumulação de cargos nas hipóteses autorizadas pela Carta de 1988 é a compatibilidade de horários. Não se exige máximo de horas, nem tipos de regime, mas tão somente compatibilidade.
CRETELLA JÚNIOR assim leciona:
Compatibilidade de horários é, ao contrário do que parece, o desencontro de horários, a inajustabilidade de horários, a descoincidência ou não de horários, ocorrida quando houver possibilidade do exercício de dois cargos, em horários diversos, sem prejuízo do número regulamentar das horas de trabalho dedicadas a cada emprego.[2]
Assim, carga horária compatível é aquela em que haja desencontro dos dois horários, de forma que um não se sobreponha ao outro. Sendo essa a única exigência da Constituição Federal, não se pode pretender acrescentar qualquer outra, como, por exemplo, um limite máximo de carga horária.
Isto porque, nos termos do artigo 5º, inciso II da Carta da República, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar alguma coisa senão em virtude de lei”. Se a Constituição, a Lei Maior, não impôs obstáculos ou limitações para a compatibilidade, justamente por entender que se trata de questão a ser averiguada no caso concreto, não poderá a Administração ou o Poder Judiciário fazê-lo, sob pena de ofender o princípio da legalidade!
Esse, inclusive, foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal em dois julgados recentes a seguir ementados:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS RECONHECIDA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. REGULARIDADE CONSTITUCIONAL DE ACUMULAÇÃO. PODER REGULAMENTAR. CRIAÇÃO DE NOVA REGRA. IMPOSSIBILIDAE. AGRAVO IMPROVIDO.
I - Para se chegar à conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 279 do STF. Precedentes.
II – Impossibilidade de se criar regra não prevista no texto da Constituição Federal, a pretexto de regulamentar dispositivo constitucional. III - Agravo regimental improvido.
(RE 565917 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 19/10/2010, DJe-215 DIVULG 09-11-2010 PUBLIC 10-11-2010 EMENT VOL-02428-01 PP-00096)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. EXISTÊNCIA DE NORMA INFRACONSTITUCIONAL QUE LIMITA A JORNADA SEMANAL DOS CARGOS A SEREM ACUMULADOS. PREVISÃO QUE NÃO PODE SER OPOSTA COMO IMPEDITIVA AO RECONHECIMENTO DO DIREITO À ACUMULAÇÃO. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS RECONHECIDA PELA CORTE DE ORIGEM. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
I - A existência de norma infraconstitucional que estipula limitação de jornada semanal não constitui óbice ao reconhecimento do direito à acumulação prevista no art. 37, XVI, c, da Constituição, desde que haja compatibilidade de horários para o exercício dos cargos a serem acumulados.
II -Para se chegar à conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido quanto à compatibilidade de horários entre os cargos a serem acumulados, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 279 do STF.
III - Agravo regimental improvido.
(STF, SEGUNDA TURMA, RE 633298/MG, REL. MIN. RICARDO LEWANDOWSKI, J. 13/12/2011, DJE. 14/02/2012)
Das ementas colacionadas acima, observa-se que a única exigência constitucional é a compatibilidade, nenhuma outra.Desse modo, qualquer limitação consubstancia-se em afronta à Constituição Federal. É que, por se tratar de norma proibitiva, não se concebe qualquer interpretação extensiva, porquanto inconstitucional.
Da impossibilidade de se interpretar extensivamente uma norma constitucional de proibição
Como já foi dito, a norma prevista no artigo 37, inciso XVI é proibitiva, eis que limita direitos, estabelecendo balizas para a acumulação de cargos públicos.
As doutrinas da hermenêutica constitucional e de Introdução ao Estudo de Direito ensinam que, em se tratando de normas constitucionais limitativas de direitos, a interpretação deve ser sempre restritiva, de modo a não estender ou alargar os sacrifícios e exigências das limitações legalmente impostas.
Isto decorre, inclusive, da própria interpretação da cláusula pétrea constante do artigo 60, IV, que proíbe a deliberação e até mesmo a criação de qualquer proposta tendente a abolir ou mesmo mitigar os direitos e garantias individuais.
Ora, o que o artigo 37, XVI, da Carta Magna faz é exatamente limitar, em nome do princípio da eficiência e da moralidade, o pleno exercício da profissão e da liberdade de escolha do servidor, numa verdadeira ponderação de princípios.
A interpretação dessa norma limitativa, portanto, não pode ser extensiva, sob pena de ferir frontalmente a esfera de liberdade, direitos e garantias individuais do servidor público que já se sacrificou para cumprir as exigências exatas da Constituição.
Assim, para a acumulação de cargos públicos nas hipóteses autorizadas pela Carta de 1988, a única exigência é a compatibilidade de horários, não havendo falar em limitação da carga horária.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, tem-se que as acumulações de cargos permitidas pela Constituição Federal de 1988 estão limitadas, tão-somente, pela compatibilidade de horários. Não há qualquer outra exigência expressa no artigo 37, inciso XVI.
Tratando-se de norma restritiva de direitos, não cabe interpretação extensiva, sob pena de afronta ao princípio da legalidade e aos direitos e garantias assegurados ao servidor público.
Desse modo, a exigência de limite de carga horária para acumulação de cargos pelo servidor público configura-se em ampliação da restrição constitucionalmente prevista, o que, conforme o ordenamento jurídico pátrio, não pode ser admitido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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________; ________. Comentários à Constituição do Brasil, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, v.4, tomo IV, arts. 127 a 135.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <http//: www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 jun 2013.
________. Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. DOU 12 dez 1990. Disponível em <http//: www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 jun 2013.
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 26ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição 1988. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, v. 4, arts. 23 a 37.
________. Comentários à Constituição 1988. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, v. 5, arts. 38 a 91.
DINIZ, Paulo de Matos Ferreira. Lei n. 8.112: Regime Jurídico Único. 6ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2001.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2012.
FERREIRA, Wolgran Junqueira. Comentários ao Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União. Estatuto dos Funcionários Públicos. 4ª ed. São Paulo: Edipro, 1995.
GONÇALVES, Marcos César. Acumulação (i)legal de cargos públicos. Disponível em <http//: http://ultimainstancia.uol.com.br>. Acesso em 24 jun 2013.
[1]CARVALHO FILHO, José dos Santos, Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 565.
[2]Comentários à Constituição de 1988, 1991, p. 2215, v. 4, arts. 23 a 37
Procuradora Federal. Pós-graduada em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NAVES, Silvia Costa. Limite de carga horária na acumulação de cargos públicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jun 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35744/limite-de-carga-horaria-na-acumulacao-de-cargos-publicos. Acesso em: 22 nov 2024.
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