O conceito de renúncia tanto no direito interno como no direito internacional constitui-se na abdicação voluntária e unilateral de um direito subjetivo por seu titular, o qual tem a faculdade exclusiva de suprimir, normalmente em caráter irrevogável, privilégios que lhe são conferidos pelo Direito.
Os direitos subjetivos, geralmente, são suscetíveis de renúncia. No entanto, outros são considerados irrenunciáveis quando revestidos de natureza pública, muito embora não se furtem à extinção.
O abandono dessa situação jurídica subjetiva poderá ocorrer de maneira expressa ou tácita. No primeiro caso, a desistência pode ser externada por meio de ato formal praticado pela parte legítima. Na segunda hipótese, a abdicação será entendida mediante a conduta incompatível com a pretensão de exercê-la, embora deva ser interpretada restritivamente.
No entanto, como qualquer ato de manifestação de vontade, tal pretensão não pode ser presumida, ao contrário, deve ser demonstrada de maneira inequívoca, em razão do seu caráter dispositivo.
O silêncio injustificado de um Estado, por exemplo, quando devidamente notificado a respeito de um evento jurídico que viole determinado direito, tem sido admitido como manifestação de renúncia.
A propósito do assunto, o Supremo Tribunal Federal entende que o silêncio do representante diplomático ou do próprio Estado estrangeiro em compor a relação jurídico-processual não importa em renúncia à imunidade de jurisdição[1].
Ademais, em outra ocasião, acrescentou que o silêncio do Estado-réu, que não atende ao chamamento judicial, não configura, por si só, renúncia à imunidade de jurisdição[2].
No entanto, a evolução da concepção de imunidade de jurisdição limitada tende a afirmar que a renúncia seja válida nesse sentido. De toda maneira, o alcance e a validade da renúncia, seja implícita ou explícita, dependerá da forma como aparece regulada na legislação interna de cada Estado.
Nesse sentido, alguns sistemas legais exigem a renúncia expressa, por exemplo, a United Kingdom State Inmunity Act of 1978 (SIA)[3], a Convenção Européia sobre Imunidade dos Estados de 1972[4], a Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e seus Bens[5]. Outros, por sua vez, permitem a renúncia implícita como a Foreign Sovereign Inmunity Act of 1976 (FSIA)[6], a Canadian State Inmunity Act of 1982[7] e a Australian Foreign State Inmunities Act of 1985[8].
Todavia, como a renúncia à imunidade de jurisdição implica a submissão de determinado ente estatal à jurisdição de outro Estado soberano, convém indagar se o mesmo será possível em relação a tribunal arbitral.
Ou seja, se um determinado Estado soberano eleger a via da arbitragem como alternativa de solução de uma determinada controvérsia, este comportamento pode ser entendido como renúncia implícita à sua imunidade de jurisdição?
O fundamento a ser utilizado como resposta dependerá do tratamento dispensado ao tema em cada ordenamento jurídico. Alguns sistemas consideram que a submissão de um Estado à arbitragem será interpretada como renúncia implícita à imunidade de jurisdição[9].
No entanto, as legislações não são uniformes e estabelecem certas condições para atribuir validade à jurisdição arbitral, tal como a previsão de que a arbitragem ocorra no seu território, por meio de tratados vigentes, e que a matéria objeto do litígio tenha relação com o Estado[10].
A United Kingdom State Inmunity Act of 1978 (SIA) dispõe que a participação na arbitragem implica renúncia à imunidade dos tribunais britânicos. A doutrina diverge em relação ao alcance desta cláusula. Uns entendem que se referem às questões relacionadas à arbitragem no âmbito do Reino Unido. Ao passo que outros interpretam de forma contrária. Discute-se também se abarca somente a imunidade de jurisdição ou inclui a imunidade de execução.
A Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens, por sua vez, estabelece que a adesão por escrito a fim de participar de uma arbitragem de todo litígio relacionado a uma transação comercial implica renúncia à imunidade de jurisdição em um processo relativo à validade, interpretação ou aplicação do convênio arbitral[11].
A conexão substancial entre os bens objetos da arbitragem e o Estado perante o qual tramitará a execução não é considerada como requisito relevante para o sistema do Centro Internacional de Solução para Disputas sobre Investimentos (CISDI), que foi criado por meio da Convenção para a solução de controvérsias sobre investimentos entre Estados e nacionais de outros Estados, denominada também como Convenção de Washington de 1965 (CW)[12].
Diante da previsão expressa de o Estado-parte do CISDI executar no seu próprio território as obrigações pecuniárias contidas no laudos arbitrais, vê-se que a própria Convenção de Washington de 1965 (CW) cria o vínculo necessário para assegurar a execução das obrigações de natureza pecuniária.
A imunidade de jurisdição, pois, não encontra guarida nas normas da CW. A submissão ao sistema arbitral do CISDI significa para a parte estatal a adesão a uma jurisdição diversa e a consequência de ter de cumprir a decisão inserida no laudo.
Percebe-se, portanto, que os Estados-parte do CISDI não podem, em princípio, valer-se de suas normas internas em relação à imunidade de jurisdição.
Os países que haviam adotado a Doutrina Calvo[13] consideravam inválida essa renúncia à imunidade de jurisdição no âmbito do CISDI. Posteriormente, aceitou-se a validade da renúncia e, consequentemente, a admissão da prorrogação da jurisdição em favor dos tribunais estrangeiros.
Um dos motivos que levou os Estados-parte a considerar que isso não afetava sua soberania foi a distinção que se fez em relação à natureza e finalidade dos atos estatais segundo a doutrina da imunidade de jurisdição relativa.
Tem-se diferenciado entre aqueles casos em que o Estado atua como simples pessoa jurídica de direito privado e aqueles onde a atuação é inerente ao direito público. Na primeira situação, o Estado negocia e contrata colocando-se na mesma posição que a do particular. Portanto, não poderia utilizar-se de prerrogativas além do direito comum para alterar unilateralmente as obrigações contratuais ou protelar o seu cumprimento.
Nesses casos, se não há lei em contrário, o Estado pode celebrar arbitragem como a mesma extensão e limites que qualquer particular desde que o objeto seja suscetível de transação e se encontre no comércio.
Nenhum princípio de ordem pública, portanto, se opõe que a arbitragem seja praticada por determinado Estado, abdicando de sua jurisdição, com o necessário limite, porém, de que os árbitros não usurpem competência típica que deve pertencer ao Poder Judiciário.
REFERÊNCIAS
United Kingdom State Inmunity Act of 1978 (SIA), A. Disponível em: <http://www.legislation.gov.uk/ukpga/1978/33>. Acesso em: 11 fev. 2011.
Convenção Europeia sobre Imunidade dos Estados, de 1972. Disponível em: < http://www.dgpj.mj.pt/sections/relacoes-internacionais/copy_of_anexos/convencao-europeia-sobre3197/>. Acesso em: 27 mar. 2011.
Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e seus Bens. Disponível em:< http://www.gddc.pt/siii/im.asp?id=1892>. Acesso em: 13 fev. 2011.
Foreign Sovereign Immunity Act of 1976 (FSIA). Disponível em: http://www.law.cornell.edu/uscode/28/usc_sup_01_28_10_IV_20_97.html.>. Acesso em: 11 fev. 2011.
Canadian State Inmunity Act of 1982. Disponível em: <http://laws-lois.justice.gc.ca/eng/acts/S-18/>. Acesso em: 13 fev. 2011.
Australian Foreign State Inmunities Act of 1985. Disponível em: <http://www.comlaw.gov.au/Details/C2010C00145>. Acesso em: 11 fev. 2011.
Convenção de Washington de 1965. Disponível em: http://www.gddc.pt/siii/docs/dec15-1984.pdf. Acesso em: 11 fev. 201COSTA, Larissa Maria Lima. Arbitragem internacional e investimento estrangeiro. São Paulo: Lawbook, 2007.
[1] Apelação Cível n.º 9.684-OF, RTJ 104/90.
[2] Apelação Cível n.º 9.687-OF, RTJ 111/949.
[3] United Kingdom State Inmunity Act of 1978 (SIA), A. Disponível em: <http://www.legislation.gov.uk/ukpga/1978/33>. Acesso em: 11 fev. 2011.
[4] DIRECÇÃO GERAL DA POLÍTICA DE JUSTIÇA. Convenção Europeia sobre Imunidade dos Estados, de 1972. Disponível em: < http://www.dgpj.mj.pt/sections/relacoes-internacionais/copy_of_anexos/convencao-europeia-sobre3197/>. Acesso em: 27 mar. 2011.
[5] Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e seus Bens. Disponível em:< http://www.gddc.pt/siii/im.asp?id=1892>. Acesso em: 13 fev. 2011.
[6] Foreign Sovereign Immunity Act of 1976 (FSIA). Disponível em: http://www.law.cornell.edu/uscode/28/usc_sup_01_28_10_IV_20_97.html.>. Acesso em: 11 fev. 2011.
[7] Canadian State Inmunity Act of 1982. Disponível em: <http://laws-lois.justice.gc.ca/eng/acts/S-18/>. Acesso em: 13 fev. 2011.
[8] Australian Foreign State Inmunities Act of 1985. Disponível em: <http://www.comlaw.gov.au/Details/C2010C00145>. Acesso em: 11 fev. 2011.
[9] Art. 12 da Convenção Européia de imunidade dos Estados; sec, 9, 1, SIA; sec, 1605, a),1, FSIA; sec. 17, 1, da Lei Australiana; art. 17 da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e seus Bens.
[10] Sec. 1605, a), 6, FSIA.
[11] Art. 17.
[12] Convenção de Washington de 1965. Disponível em: http://www.gddc.pt/siii/docs/dec15-1984.pdf. Acesso em: 11 fev. 2011.
[13] COSTA, Larissa Maria Lima. Arbitragem internacional e investimento estrangeiro. São Paulo: Lawbook, 2007, p. 60-63.
Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Brasília. Chefe de Licitações, Contratos Administrativos e Matéria de Pessoal da Procuradoria Federal junto à Agência Nacional de Transportes Aquaviários em Brasília/DF. Ex-Chefe da Seção de Consultoria e Assessoramento da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em São Luís/MA. Ex-Chefe da Divisão de Patrimônio Imobiliário da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em Brasília/DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TARCíSIO GUEDES BASíLIO, . A eleição pela via arbitral e a renúncia à imunidade de jurisdição Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jul 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35913/a-eleicao-pela-via-arbitral-e-a-renuncia-a-imunidade-de-jurisdicao. Acesso em: 22 nov 2024.
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