O uso público da razão quer fazer crer que sociedade clamaria pela redução da menoridade penal. No entanto, sustenta-se que há impedimento para esta redução segundo uma visão bilateral do suporte fático, fundamentada nos elementos consequenciais jurídico e econômico-sociológico, ao analisar o artigo 228, da Constituição Federal de 1988, que diz “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.
Ao discutir a redução da menoridade penal em conexão com custos do direito, faz-se inserir o tema no paradigma consequencialista, sem que possa, com isso, excluir outras perspectivas paradigmáticas. Esse paradigma sustenta a aplicação ilimitada dos direitos individuais (paradigma protetivo), somada a uma profunda desconexão entre o público e o privado, ao qual gera um alto conflito, a impossibilitar uma vida em comum. Este paradigma consequencialista aproxima-se do coletivo, tendo este como ponto de partida limitações e restrições a certos direitos.
A análise da redução da menoridade centra-se na soma do custo que essa redução implicará no social (bolso do contribuinte), a considerar a população carcerária já existente.
A pretensão do uso público da razão é a redução de 18 anos idade para 16 anos ou 14 anos de idade a imputabilidade penal, sob o argumento de reduzir a incidência de atos infracionais (nome que se dá às infrações penais) cometidos pelos menores de idade. Este argumento (internar para reduzir atos infracionais) ainda que fosse considerado legítimo, carece de análise dos custos que implicarão no âmbito econômico-social da efetivação dessa realização da internação dos adolescentes.
A razão da inviabilidade da redução da menoridade penal parte-se das premissas: jurídico, com base no princípio do efeito cliquet anti-retour (ou da vedação ao retrocesso social) em conexão com o aspecto econômico-sociológico, lastreado no alto custo (tributos suportados pela sociedade) em alocação de recursos no custo da estrutura para suportar e viabilizar a internação dos adolescentes (construções de locais apropriados, contratação de servidores públicos especializados, etc.).
O princípio da vedação ao retrocesso social tem como apanágio a proteção e preservação de um conteúdo mínimo ou essencial, não podendo retroceder na sua densificação. Assim, a dogmática jurídica permite reduzir quantitativamente o critério cronológico “18 anos”, presente no elemento do suporte fático da norma, visto que tal critério não seria abolido.
No entanto, qualitativamente, ao considerar a bilateralidade desse suporte fático, a acoplar elementos consequenciais jurídico e econômico-sociológico, é inviável tal redução sem considerar os custos.
Primeiro, quanto ao custo econômico, informa o Ministério da Justiça, cada cidadão preso (recluso ou provisório) tem o custo de R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais) mensais, e 876 (oitocentos e setenta e seis) milhões de reais mensais para uma população carcerária de 548.003 presos, em dezembro de 2012. Dessa população, mais da metade é composta por jovens.
Segundo, quanto ao custo sociológico, segundo o artigo 2º, caput, do Estatuto da Criança e Adolescente – ECA – (Lei n. 8.069/90), a adolescência é considerada entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade. Ora, a finalidade desta Lei é não privar o adolescente de parte de sua vida (efetivar a convivência e a liberdade), embora disponha de medida socioeducativa de internação, mas provocar/incitar uma (re)educação e alteração no modo de conduta social, evitando-se, assim, o desenvolvimento do adulto criminoso/criminalizado.
Terceiro, ao analisar o custo dos direitos sociais vs liberdades públicas, estas são gozadas por todos, ao passo que a realização daqueles são setoriais, aproveitáveis apenas pelos setores restritos, suas estruturas ainda deverão ser criadas para dar efetividade ao que fixado, ou seja, “a criação das condições de exercício dos direitos sociais é, pura e simplesmente, mais cara”. Assim, há que se analisar a alocação prioritária dos recursos escassos disponíveis.
Neste contexto, alterar a menoridade penal é desconsiderar a perspectiva pública da proteção aos menores de 18 anos de idade, a evidenciar ausência de maturidade em discutir os reais problemas do país: a irresponsabilidade tradicional em não exigir da família, da sociedade e do Estado o que já está previsto na Constituição Federal de 1988 e no ECA quanto aos seus deveres. Não há direitos sem a correspectiva bilateralidade com os deveres, embora assimétrica essa correspectividade: maiores deveres à família, sociedade e Estado na construção do ser humano em idade de desenvolvimento que é o adolescente.
A redução da menoridade penal em conexão com os custos do direito é inviável: (a) tanto pela consequência jurídica com a conquista social ao patamar de 18 anos de idade a limitação etária à imputação penal, (b) quanto pela consequência econômico-sociológica, (b.1) evidenciando alto custo tributário, financeiro que demandará na alocação de recursos e o (b.2) sacrifício de encarceramento (medidas socioeducativa de internação) do adolescente.
O uso da razão pública do senso comum implica a concretização machadiana do O alienista, no contexto, é uma ilusão que seja mais fácil encarcerar que educar.
REFERÊNCIAS
FREITAS, Luiz Fernando Calil de. Direitos fundamentais: limites e restrições. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
LORENZETTI, Ricardo Luiz. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito. Tradução de Bruno Miragem. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
SILVA, Luis Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. (2. t.). São Paulo: Malheiros, 2011.
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