RESUMO: Num artigo anterior, consignou-se que, correspondendo em 2009 a cerca de 28% da quantidade total de benefícios emitidos anualmente, a pensão por morte, no mesmo ano, consumiu mais de R$ 50 bilhões. Agora é o momento de se estudar alternativas para diminuir esse custo. O objetivo da (re)introdução de carência mínima não é diminuir a cobertura do risco social morte para os dependentes do segurado que não alcançou o número mínimo de contribuições mensais. A proposta de alteração da forma de concessão do benefício de pensão por morte visa proteger o sistema do risco moral, isto é, do comportamento oportunista daqueles que não eram segurados obrigatórios à época do óbito, que não exerciam atividade remunerada, que não recolheram nenhuma contribuição e cujos “dependentes” possam acabar forjando um vínculo trabalhista pós-óbito para terem a pensão por morte deferida.
PALAVRAS-CHAVE: Direito previdenciário. Pensão por morte. Risco moral. Carência mínima.
I. Considerações iniciais
Num artigo anterior, consignou-se que,
correspondendo em 2009 a cerca de 28% da quantidade total de benefícios emitidos anualmente, a pensão por morte, no mesmo ano, consumiu mais de ¼ (um quarto) do gasto do Sistema Previdenciário brasileiro com o pagamento de benefícios. Em reais, está se falando de R$ 50,7 bilhões. Em termos mais amplos, no ano de 2009, o Brasil gastou 7,2% do Produto Interno Bruto (PIB) com o pagamento de benefícios previdenciários e 1,6% com o pagamento de pensão por morte. Esse dado revela-se ainda mais elevado se comparado com a média internacional. Segundo o Banco Mundial, em 2009, 12,6% do PIB brasileiro foram destinados ao pagamento de benefícios previdenciários a segurados do RGPS e de Regimes Próprios, resultado bastante superior à mediana (3,1%) e à média internacional (4,7%) para o mesmo indicador.[1]
Agora é o momento de se estudar alternativas para diminuir o custo do benefício de pensão por morte para o Sistema de Previdência brasileiro. Uma das possibilidades para tanto é a inserção de carência mínima para a sua concessão, como proteção contra o risco moral. Este é o tema deste ensaio.
II. A cláusula de proteção contra o risco moral: a estipulação de uma carência mínima para a concessão da pensão por morte.
A Lei de Benefícios brasileira (Lei nº 8.213/91), a exemplo da de outros países, define período de carência como o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências.[2] O benefício de pensão por morte, entretanto, está isento de um número mínimo de contribuições[3], bastando para a sua concessão que o instituidor mantenha a condição de segurado da Previdência Social. Caso o óbito venha a ocorrer após a perda da qualidade de segurado, os dependentes somente terão direito a pensão se o segurado falecido tiver cumprido, até o dia de sua morte, os requisitos para obtenção de aposentadoria, seja por tempo de contribuição, por idade ou por invalidez. Nesta última situação, a incapacidade deverá ser confirmada por meio de parecer da perícia médica do INSS a partir de atestados ou relatórios médicos, exames complementares, prontuários ou documentos equivalentes[4].
A aquisição da qualidade de segurado acontece com a filiação da pessoa ao Regime Geral de Previdência Social. Contudo, a lei de regência não dispõe expressamente sobre o momento em que ocorre a filiação. Em vez disso, prevê como segurados obrigatórios da Previdência Social o empregado, o empregado doméstico, o contribuinte individual, o trabalhador avulso e o segurado especial. Assim, apesar de o Sistema Previdenciário brasileiro ser contributivo, para o segurado obrigatório, em regra, a filiação (= aquisição de qualidade de segurado) ocorre com o simples início da atividade remunerada. Nesse sentido:
a filiação é a relação jurídica estabelecida entre o segurado e a Previdência Social, geradora de direitos e obrigações correspondentes. Para os segurados obrigatórios, decorre automaticamente do exercício da atividade remunerada, reconhecida pela lei como de vinculação compulsória, independente de haver ou não contribuição. Para o segurado facultativo, a filiação decorre de ato volitivo: deve haver a inscrição (ato de cadastramento do segurado e dependente junto ao RGPS) e o recolhimento da primeira contribuição previdenciária.
Desse modo, o segurado obrigatório mantém a qualidade de filiado, ordinariamente, com a continuidade do trabalho; já o facultativo, somente se estiver regularizado com as contribuições.[5]
Já a perda da qualidade de segurado pressupõe a situação de desemprego cumulada com a inércia do segurado em contribuir facultativamente para manter esta condição. Dispõe a Lei de Benefícios que a perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos previstos em seu texto. Os prazos são os seguintes:
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.[6]
Segundo a Lei de Custeio, o segurado facultativo está obrigado a recolher sua contribuição, por iniciativa própria, até o dia quinze do mês seguinte ao da competência. Assim, na hipótese de um segurado ser demitido no dia 07/06/2013, ele mantém esta qualidade, independente de contribuições até 07/06/2014 (12 meses); considerando que ele deverá recolher a contribuição como facultativo até o dia quinze do mês seguinte ao prazo de 12 meses, perderá a qualidade de segurado no dia 16/07/2014. Tudo isso, é claro, partindo-se da ideia de que permaneceu todo esse período sem exercer atividade remunerada.
Gize-se que o segurado em gozo de benefício mantém a qualidade de segurado independente do recolhimento de contribuições, de forma que não se inicia a contagem dos prazos acima estipulado.
Além dos prazos acima expostos, como incentivo ao exercício de atividade remunerada formal, a Lei nº 8.213/91 amplia a manutenção da qualidade de segurado durante o denominado “período de graça” e adota o mesmo procedimento, mas em prazo menor, para proteger o segurado desempregado. O “período de graça” consiste na prorrogação para até 24 (vinte e quatro) meses da condição de segurado da Previdência Social independente de contribuições para o segurado obrigatório que já tenha recolhido mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado[7]. Por sua vez, a proteção ao segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social, consiste na ampliação em 12 (doze) meses do prazo inicial - também de 12 (doze) meses - ou do próprio “período de graça” - de 24 (vinte e quatro) meses.
Somando essas duas hipóteses (“período de graça” e desemprego comprovado), a Previdência Social poderá ter que conceder o benefício de pensão por morte aos dependentes de um segurado que não recolhe contribuições ou exerce atividade remunerada há 36 (trinta e seis) meses, pois, independente das contribuições, ele teria mantido a qualidade de segurado. Mas não é nesse ponto - qualidade de segurado - que se propõe alteração. A primeira proposta de alteração da sistemática de concessão de pensão por morte no sistema brasileiro consiste na (re)introdução de um período mínimo de carência, como cláusula de proteção ao risco moral.
Considerando que, quanto mais jovem o segurado instituidor, menor é o número de contribuições que verteu para o sistema previdenciário, e, em regra, mais jovem é o dependente cônjuge, maior será a relação de deficiência entre a arrecadação e o gasto da Previdência Social, pois maior será o tempo de duração e pagamento da pensão por morte. E, como a isenção de carência aumenta o número de dependentes com direito à concessão do benefício, a fixação de uma carência mínima teria o condão de reduzir o número de “benefícios jovens”.
Imperioso consignar que a principal finalidade da (re)introdução de carência mínima não é diminuir a cobertura do risco social morte para os dependentes do segurado que não alcançou o número mínimo de contribuições mensais. Essa seria uma consequência reflexa. A proposta de alteração da forma de concessão do benefício visa proteger o sistema do risco moral, isto é, do comportamento oportunista daqueles que não eram segurados obrigatórios à época do óbito, que não exerciam atividade remunerada, que não recolheram nenhuma contribuição e cujos “dependentes” possam acabar forjando um vínculo trabalhista pós-óbito (na maioria das vezes com o recolhimento pós-óbito de uma contribuição) gerador de direitos previdenciários, em especial, do direito à pensão por morte.
Num estudo comparativo com demais países da América Latina (Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela), constatou-se que,
em termos de períodos contributivos mínimos estabelecidos para a concessão do benefício aos dependentes, o Brasil se distancia significativamente da maioria: enquanto no país não há qualquer exigência de cumprimento de carência, aproximadamente 78% do total de países possuem regras nesse sentido. Quando considerados apenas os países com ao menos um componente de Seguro Social (85% dos casos considerados, tal como mencionado anteriormente), este percentual - já bastante elevado - chega a impressionantes 87%. Vale ressaltar que a exigência de carência, que em geral não passa de um número limitado de meses, está bastante associada à ocorrência de risco moral. Muito poucos são os países que não incorporam em seus regulamentos previdenciários alguma medida capaz de minimizar o comportamento oportunista no âmbito do sistema.[8]
Por fim, também é importante esclarecer que a proposta de (re)introdução de um período mínimo de carência para concessão do benefício de pensão por morte no Sistema Previdenciário brasileiro está de acordo com a Convenção nº 102 da OIT, na medida em que o seu artigo 63, alínea “a”, prevê que a pensão por morte deverá ser assegurada a uma pessoa amparada pelo chefe de família que houver completado um período de carência consistente em 15 (quinze) anos de contribuição, ou de emprego, ou 10 (dez) anos de residência.[9]
Com base nesses fundamentos, portanto, propõe-se nova redação aos artigos 25 e 26 da Lei nº 8.213/91, para fixar em 12 (doze) contribuições mensais, a exemplo do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez, o período de carência para concessão do benefício de pensão por morte. A alteração legislativa seria a seguinte:
Redação atual:
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:
I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;
(...)
Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
I - pensão por morte, auxílio-reclusão, salário-família e auxílio-acidente;
(...)
Proposta de nova redação:
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:
I - pensão por morte, auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;
(...)
Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
I - auxílio-reclusão, salário-família e auxílio-acidente;
(...)
Em parcas linhas, essa é a alteração legislativa que se propõe com a intenção de proteger do Sistema de Previdência brasileiro contra o risco moral na concessão do benefício de pensão por morte.
III. Considerações finais
Diante dos fundamentos apresentados, destaca-se que a principal finalidade da (re)introdução de carência mínima não é diminuir a cobertura do risco social morte para os dependentes do segurado que não alcançou o número mínimo de contribuições mensais. A proposta de alteração da forma de concessão do benefício visa proteger o sistema do risco moral, isto é, do comportamento oportunista daqueles que não eram segurados obrigatórios à época do óbito, que não exerciam atividade remunerada, que não recolheram nenhuma contribuição e cujos “dependentes” possam acabar forjando um vínculo trabalhista pós-óbito.
Nessa linha e considerando ainda que aproximadamente 80% dos países da América Latina exigem o cumprimento de carência mínima para concessão do benefício de pensão por morte, considera-se salutar e necessária ao Sistema de Previdência brasileiro a inserção desta cláusula como proteção contra o risco moral.
[1] JARDIM, Rodrigo Guimarães. O custo do benefício de pensão por morte no sistema de seguridade social brasileiro. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 ago. 2013. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.44838>. Acesso em: 25 ago. 2013.
[2] BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 28 mar. 2013, artigo 24.
[3] BRASIL. Lei nº 8.213, op. cit., artigo 26, I.
[5] SERAFIM DE OLIVEIRA. Renata Alice Bernardo. Questões controvertidas sobre a qualidade de segurado, como pressuposto da pensão por morte. Disponível em <http://www4.jfrj.jus.br/seer/index.php/revista_sjrj/article/viewFile/46/44>. Acesso em: 24 mar. 2013.
[6] BRASIL. Lei nº 8.213, op. cit., artigo 15.
[7] BRASIL. Lei nº 8.213, op. cit., artigo 15, § 1º.
[8] SILVA PEREIRA, Eduardo; ANSILIERO, Graziela; CONTANZI, Rogério Nagamine. Rediscutindo a Pensão por Morte no Âmbito do Regime Geral de Previdência Social. Ministério da Previdência Social, p. 32.
[9] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 102, de 1952: Normas mínimas da seguridade social. Disponível em <http://www.oitbrasil.org.br/>. Acesso em: 22 mar 2013.
Procurador Federal. Chefe da Divisão de Patrimônio Imobiliário e Coordenador-Geral de Matéria Administrativa Substituto da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, Direção Central em Brasília/DF. Especialista em Direito Público pela Universidade Potiguar (UnP). Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais - Direito - pela Universidade de Passo Fundo, RS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JARDIM, Rodrigo Guimarães. A cláusula de proteção contra o risco moral: a estipulação de uma carência mínima para a concessão da pensão por morte Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 ago 2013, 07:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36443/a-clausula-de-protecao-contra-o-risco-moral-a-estipulacao-de-uma-carencia-minima-para-a-concessao-da-pensao-por-morte. Acesso em: 26 nov 2024.
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