I - Introdução -
O negócio jurídico encontra na manifestação de vontade a sua mola propulsora, sendo que essa que deve se exteriorizar de forma livre e consciente, devendo também corresponder exatamente à vontade interna dos agentes. A dizer, quando as partes entabulam um negócio jurídico se vinculam nos exatos termos das manifestações de vontade de ambas as partes.
Ocorre que, algumas vezes, existe divergência entre a vontade manifestada e a vontade interna do agente, podendo ser essa discrepância unilateral ou bilateral. Sendo bilateral, ter-se-á no caso o vício social denominado simulação, no qual ambos os contratantes se reúnem em conluio para fraudar a lei ou prejudicar terceiros. Mas, se a dessemelhança das vontades interna e declarada for unilateral, estar-se-á diante da reserva mental de uma das partes, que é o tema desse breve ensaio.
A reserva mental, que não foi contemplada no Código Civil de 1916, estava presente no projeto Beviláqua (art. 105), mas foi suprimida pela Comissão Especial do Senado sob o entendimento de que estava inserida na ideia maior de simulação.
Após sua ausência no Código Civil de 1916, os projetos que lhe sucederam fizeram a ela referência expressa, como é o caso do Anteprojeto do Código das Obrigações (1941), de autoria de Orozimbo Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimarães, que lhe situava no artigo 17, inspirado no conceito do direito alemão (parágrafo 116 do BGB). Caio Mario da Silva Pereira, por seu turno, também a ela fez referência no seu Anteprojeto de Código das Obrigações (artigo 61)[1].
Por sua vez, o Código Civil de 2002 acabou por contemplar a reserva mental em seu artigo 110, com poucas alterações com relação àquela sugestão de redação contida no Anteprojeto de Caio Mario da Silva Pereira.
II - Reserva mental
II.a) Conceito
Nas palavras de Luiz da Cunha Gonçalves “diz-se reserva mental o desacôrdo entre a vontade íntima e a vontade declarada, mas sendo aquela ignorada pela outra parte. É o que sucede nas promessas ilusórias ou de favor, simples evasivas ou feitas por cortesia ou mera amabilidade: quem promete não faz tenção de cumprir, porque não há meio de o obrigar. É vulgar isso na sedução de mulheres de maior idade, com promessa de casamento[2]”.
Com efeito, o artigo 110 do Código Civil é categórico ao afirmar que a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento, deixando claro que se trata de hipótese muito próxima à simulação mas que com ela não se confunde, porquanto na reserva mental essa divergência entre a vontade interna e a manifestação é unilateral, enquanto que naquela o desacordo é bilateral.
Assim, pode-se dizer que a reserva mental é um artifício do qual se vale uma pessoa no momento de manifestar a sua vontade no sentido de não pretender a eficácia do negócio jurídico que está praticando, com o objetivo de se beneficiar, em momento futuro, dessa restrição mental, significando, pois, uma reserva íntima de não querer aquilo que se está afirmando querer.
Noutras palavras, a parte declara a vontade no sentido de entabular determinado negócio jurídico, mas, na verdade, não tem a intenção de cumprir o que foi declarado. Essa divergência pode ter variadas motivações e não encontra limites, pois a mente humana é prodigiosa na ciência de buscar disfarces em suas manifestações afetivas e sociais[3].
Convém também recordar José de Oliveira Ascensão para quem a reserva mental é a divergência intencional da vontade unilateral, bastando para a sua configuração a mera intenção de enganar, não sendo necessário o intuito de prejudicar, já que a lei não exige o prejuízo, mas apenas a vontade de ludibriar. Ao reverso, se houver divergência da vontade, mas sem o propósito de enganar, não haverá reserva mental[4].
Dentre nós, registre-se, também, o magistério de Orlando Gomes, que cuidou do tema anotando: “Na reserva mental oculta-se vontade contrária à declarada. O declarante mantém na mente o verdadeiro propósito - propositum in mente relentum - e o propósito oculto não deixa de ser oculto por ter sido comunicado a terceiro[5]”, realçando, assim, a divergência entre a vontade declarada e o verdadeiro propósito, sendo que esse fica internalizado na mente do agente.
Dessa forma, pode-se concluir que a reserva mental é uma restrição interna da vontade do agente, por meio da qual não concorda com os termos de sua própria manifestação de vontade. Ou seja, a pessoa declara a vontade no sentido de entabular o negócio jurídico, mas, internamente, não pretende cumprir com o que declarou[6].
Todavia, o que mais interessa saber sobre a reserva mental é o que toca aos seus efeitos, ou seja, essa manifestação de vontade reservada é válida ou não? Essa é a questão mais relevante para o operador do direito e que será analisada em seguida.
II.b) Os seus efeitos
A norma do artigo 110 do Código Civil fornece os critérios técnicos, que serão utilizados pelo operador do direito para a solução dos conflitos que se apresentarem versando sobre a reserva íntima que uma das partes pode ter feito.
Deve-se, antes de avançar nesse exame, buscar compreender qual é o valor a ser assegurado na análise de um negócio contestado sob a alegação de reserva mental de uma das partes. Nesse particular, a doutrina é uníssona no sentido de identificar a proteção da boa-fé do destinatário da manifestação de vontade como o fim a ser atingido.
José de Oliveira Ascensão ensina que “a vontade do declarante não merece nenhuma proteção, porque teve a consciência de emitir o que se apresentava como declaração negocial e o fez com o intuito de enganar”, mas a validade da declaração se baseia na “confiança do declaratário e responsabilidade do declarante[7]”.
Nesse sentido, a necessidade de se preservar a confiança incutida no declaratário recomenda a manutenção do negócio jurídico, até mesmo como uma medida de proteção da boa-fé e da probidade, que são os princípios norteadores do atual direito privado.
Sendo assim, deve-se proteger o destinatário da declaração - nada obstante a declaração reservada do declarante - desde que essa proteção encontre respaldo na conduta do destinatário. Noutras palavras, a sua proteção está condicionada à circunstância de não conhecer a reserva mental do declarante. Por outro lado, se o destinatário tomou ciência da vontade reservada não há motivos para protegê-lo, pois, nesse caso, ter-se-ia uma divergência bilateral da vontade, o que muito se aproxima da simulação.
Pode-se ver, então, que os efeitos da reserva mental - a validade ou a invalidade do negócio jurídico - variarão conforme o destinatário tenha ou não o conhecimento a respeito da reserva mental do agente.
De fato, a validade do negócio jurídico feito com reserva mental subsistirá desde que a outra parte, destinatária da declaração da vontade reservada, não tenha conhecimento da reserva mental. Reitere-se, por oportuno, que a validade do negócio assim entabulado se justifica em homenagem à confiança do destinatário, como um tributo à boa-fé e à probidade[8].
Assim, pode-se afirmar que a manutenção do negócio se faz tendo em vista o destinatário e não o declarante, pois essa vontade reservada não mereceria qualquer consideração, mas o declaratário que confiou e acreditou na manifestação de vontade deve ter o seu interesse legítimo preservado.
Aliás, é exatamente esse o sentido e o alcance que se extrai da norma insculpida no artigo 110 do Código Civil, ao afirmar que a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento, brilha claro como o sol mediano a validade do negócio celebrado com reserva mental, salvo se dela [reserva mental] o destinatário tinha conhecimento.
Dessa forma, o ato deve ser considerado válido em todos os seus termos, como se reserva não houvesse, por ser irrelevante ao direito. Por outro lado, se o destinatário da declaração tiver conhecimento da reserva mental, como dito, haverá a divergência bilateral da vontade, aproximando-se a hipótese da simulação e como tal o negócio não subsistirá[9].
Todavia, os autores divergem a respeito da qualificação do negócio praticado com reserva mental conhecida pela outra parte: se nulo, como o ato simulado, ou, se inexistente, por lhe faltar a intenção negocial.
Moreira Alves[10] entende que o negócio jurídico celebrado com reserva mental conhecida da outra parte é um negócio inexistente por ausência de vontade, com o que concorda Pontes de Miranda[11]. Em sentido contrário, entendendo que esse negócio não é inexistente, cerram fileiras outros autores, dentre os quais Orlando Gomes[12], Álvaro Villaça Azevedo[13] e Pablo Stolze Gagliano[14].
Com base nessa breve exposição, e antes de analisar a reserva mental no direito alienígena, podemos dizer que a reticência internalizada na mente do agente não terá relevância jurídica, devendo subsistir a vontade declarada independentemente da reserva. Por outro lado, e diferentemente, se a reserva mental for conhecida da outra parte entendemos que haverá simulação, e como tal o ato será invalidado (art. 167, 1a parte). Agora, passar-se-á ao exame da reserva mental no direito comparado.
III) A reserva mental no Código Civil português e no alemão
Após a análise da reserva mental no Código Civil brasileiro (art. 110) e de seus elementos caracterizadores e efeitos a ela inerentes, passa-se ao exame em alguns Códigos estrangeiros para perceber semelhanças e dessemelhanças do instituto lá e cá.
Inicie-se o estudo pelo Código Civil português, cujo artigo 244 cuida expressamente da reserva mental, nos seguintes termos: “1. Há reserva mental, sempre que é emitida uma declaração contrária à vontade real com o intuito de enganar o declaratário. 2. A reserva não prejudica a validade da declaração, excepto se for conhecida do declaratário; nesse caso, a reserva tem os efeitos da simulação”.
Comentando o Código Civil português, Pires de Lima e Antunes Varela anotaram: “A relevância jurídica da reserva mental depende do conhecimento que dela tenha o declaratário. O que se passa apenas no foro íntimo do declarante não prejudica a declaração, embora ela não corresponda àquilo que se quer. Se a reserva for, porém, conhecida do declaratário, já a divergência entre a vontade real e a vontade declarada produz a nulidade da declaração, como se essa divergência resultasse de um acordo e se se tratasse de um acto simulado[15]”, o que revela a nítida semelhança da nossa legislação com a portuguesa nesse particular.
Note-se, pela clareza da lei portuguesa, que a reserva mental não conhecida da outra parte não terá qualquer relevância na conclusão ou execução do negócio jurídico. Enquanto que se for conhecida do declaratário, a reserva mental ganha juridicidade pois se assemelha à simulação, e como tal se submeterá aos seus efeitos[16].
Também é relevante a doutrina de Manuel A. Domingues de Andrade, segundo a qual a reserva mental poderá ser inocente, se houver apenas o desejo de enganar, ou fraudulenta se presente também a intenção de prejudicar o declaratário, além de relativa ou absoluta, a exemplo da simulação. Quanto aos efeitos, é irrelevante se for desconhecida da outra parte, mas, ao reverso, se conhecida, o seu efeito será o de invalidar o negócio jurídico, realçando que é necessário o efetivo conhecimento por parte do destinatário da declaração, “não bastando que este devesse conhecê-la[17]”.
Como o Código Civil português determina que se aplique o regime da simulação à reserva mental conhecida da outra parte, é indene de dúvidas de que a sua sorte será a nulidade, podendo ser arguida até mesmo pelo declarante em face do declaratário, mas não se admitido a sua invocação contra o terceiro de boa-fé, nos termos do artigo 242, I e 243, I, ambos do mesmo Código[18].
Nada obstante a semelhança do regime luso com o brasileiro, é de se notar que o legislador português, no tocante aos seus efeitos, foi além: declarou expressamente que, se conhecida, se aplicarão os efeitos da simulação.
Dessa forma, não há dúvidas no direito português sobre qual é o regime a se aplicar em caso de reserva conhecida: simulação! No direito brasileiro, como visto, há divergência a respeito do efeito da reserva conhecida: se de ato inexistente se tratará, ou se de simulação?
Além do Código Civil português, há também a previsão expressa da reserva mental no parágrafo 116 do BGB, o Código Civil alemão, cuja norma está assim disposta: “Não é nula uma declaração de vontade simplesmente porque a pessoa, de que ela emana, tenha entendido, por meio de reserva mental, não querer aquilo que declarou. Em se tratando, porém, de declaração que deva ser dirigida a outrem, é nula, se este teve conhecimento da reserva mental do declarante”.
De se ver, também, que o Código alemão caminha na mesma trilha do brasileiro, no sentido de não admitir juridicidade à restrição interna feita por um dos contratantes em detrimento do outro. Por outro lado, o BGB foi mais explícito do que o Código Civil brasileiro ao cominar a pena de nulidade para o caso de o destinatário da declaração reservada dela tiver conhecimento[19].
Pontes de Miranda, por sua vez, menciona a crítica de J. Kohler a respeito da solução de nulidade dada pelo BGB à reserva mental conhecida da outra parte. Preferiam a conclusão pela inexistência à nulidade[20].
IV) Conclusão
Diante das considerações feitas, podemos concluir que nos ordenamentos alienígenas que cuidaram da reserva mental há uma semelhança relevante com o ordenamento jurídico brasileiro.
Em verdade, a exemplo do nosso artigo 110, nos ordenamentos comparados a reserva mental não conhecida da outra parte também é irrelevante para o direito, pois razões de segurança e o respeito à confiança do declaratário são suficientes para desconsiderá-la por completo.
Por consequência, como a razão principal para o desprezo da reserva mental é a confiança do destinatário da declaração de vontade, se ele tomou conhecimento da reserva não haverá mais motivos para a manutenção do negócio, pois o declaratário, nesse caso, não faz jus à proteção. E por essa razão, o negócio será invalidado, pois assemelhado estará com a simulação, divergindo, no direito brasileiro, os autores apenas a respeito da penalidade que se deva atribuir a esse ato negocial: se inexistência ou nulidade?
Por outro lado, o Código Civil português, ao reverso do nosso, prevê expressamente que a consequência da reserva mental conhecida pela outra parte será a aplicação dos efeitos da simulação, enquanto que no Código Civil alemão a penalidade à reticência conhecida será a nulidade do ato. Nesses ordenamentos, reitere-se, não viceja a dúvida existente em nosso ordenamento, porquanto acolá os legisladores foram taxativos e expressos a respeito dos efeitos para o caso de reserva conhecida.
Dessa forma, podemos concluir que há um padrão, válido tanto no direito brasileiro quanto no direito comparado examinado, que considera a reserva mental, por si só, insuficiente para invalidar o negócio, em homenagem ao destinatário; mas, se da outra parte conhecida, invalidado estará o negócio jurídico, seja por se tratar de ato nulo, seja por se considerar ato inexistente como prefere parte da doutrina.
Por derradeiro, acreditamos que a reserva mental – se do conhecimento da outra parte – por se assemelhar essencialmente com o instituto da simulação como ela deverá ser tratada, incidindo a hipótese do artigo 167, 1a parte, do Código Civil brasileiro, o que ensejará a nulidade do negócio jurídico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: teoria geral, vol. 2: ações e fatos jurídicos, São Paulo: Ed. Saraiva, 2010.
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Código Civil comentado, vol. II, São Paulo: Ed. Atlas, 2003.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro, vol. I, São Paulo: Ed. Saraiva, 2011.
GAGLIANO, Pablo Stolze e Pamplona Filho, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil, vol. I, São Paulo: Ed. Saraiva, 2003.
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PIRES DE KIMA Fernando Andrade e Antunes Varela, João de Matos. Código Civil anotado, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 1967.
PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, tomo IV, Campinas: Ed. Bookseller, 2000.
[1] Conforme lições de Moacyr de Oliveira, (Reserva mental, Enciclopédia Saraiva de Direito, vol. 65, São Paulo: Ed. Saraiva, ps. 266-71) a sugestão legislativa de Caio Mario da Silva Pereira era a que trazia o texto mais claro e mais preciso tecnicamente. Estava assim disposto o art. 61 do seu Anteprojeto do Código das Obrigações (1963): “A declaração de vontade subsiste ainda que seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que declarou, salvo se o destinatário tiver prévia ciência da reserva”.
[2] Luiz da Cunha Gonçalves, Princípios de Direito Civil luso-brasileiro, vol. I, São Paulo: Max Limonad, 1951, p. 214. Para Maria Helena Diniz, (Curso de Direito Civil brasileiro, vol. I, São Paulo: Ed. Saraiva, 2013, 30a edição, p. 529) “é a emissão de uma intencional declaração não querida em seu conteúdo, tampouco em seu resultado, pois o declarante tem por único objetivo enganar o declaratário”. Consulte também Manuel A. Domingues de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, vol. II, Coimbra: Ed. Almedina, p. 215.
[3] Nesse sentido, é a lição de Moacyr de Oliveira (Enciclopédia Saraiva de Direito, ob. cit., p. 266) que deixou ainda anotado: “A reserva ou restrição mental, também considerada como reticência, na doutrina, uma das formas simulatórias lato sensu, consiste na celebração de negócio jurídico, sem a vontade real de se obrigar ou de criar um direito, tendo em vista o declarante somente iludir ou esperançar a pessoa a quem se dirige”.
[4] José de Oliveira Ascensão, Direito Civil: teoria geral, vol. 2: ações e fatos jurídicos, São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, ps.184-85. Vide, também, Maria Helena Diniz, (Curso de Direito Civil brasileiro, ob. cit., p. 530) ao afirmar que “na reserva mental pode haver ou não prejuízo; o importante é a intenção de enganar”.
[5] Orlando Gomes, Introdução ao Direito Civil, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001, p. 430. Consulte-se também Álvaro Villaça Azevedo, Código Civil comentado, vol. II, São Paulo: Ed. Atlas, 2003, p. 64.
[6] Maria Helena Diniz, (Curso de direito Civil brasileiro, ob citada, p. 529) oferece interessante exemplo de reserva mensal. É o caso de uma pessoa que para ajudar um amigo, que pretende cometer suícidio por dificuldades financeiras, empresta-lhe dinheiro (contrato de mútuo), mas sem a real intenção de efetivar esse contrato. O “mutuário” somente pretendia socorrer o amigo. O seu desejo interno, a sua real vontade, não terá relevância jurídica, no caso versado.
[7] José de Oliveira Ascensão, (Direito Civil: teoria geral, ob. cit., p. 185) leciona ainda que “necessidades inelutáveis de segurança impõem a validade da declaração, não obstante não corresponder a nenhuma vontade real de negociar”.
[8] Moacyr de Oliveira, (Reserva mental, Enciclopédia Saraiva de Direito, ob. cit., p. 268) deixou assentado: “Todas as teorias nesse campo (as teorias da vontade, da declaração, da confiança e da responsabilidade) são concordes em recusar qualquer efeito ao que ficou in menti retenti de quem contrai o vínculo obrigacional por ato entre vivos. De acordo com o princípio da responsabilidade - o mais lógico, justo e concordante com o direito escrito, segundo a apreciação de H. Cámara - assegura-se a proteção do que confia na boa-fé do declarante. Nesse ponto assenta-se o fundamento da ineficácia da declaração enganosa”.
[9] Orlando Gomes, (Introdução ao Direito Civil, ob. cit., p. 430) também entendia nesse mesmo sentido: “Evidentemente, a reserva mental não pode ser invocada pelo declarante para invalidar o contrato, mas a invalida se a outra parte tinha conhecimento. Se concordara, a reserva é bilateral, equivalendo à simulação. Reger-se-á, então, pelas regras aplicáveis a esta.” No mesmo sentido, Álvaro Villaça Azevedo, Código Civil comentado, ob. cit., p. 64. Vide, também, Moacyr de Oliveira, Reserva mental, Enciclopédia Saraiva de Direito, ob. cit., p. 268.
[10] Apud Renan Lotufo, Código Civil comentado, ob. cit., p. 299.
[11] Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, tomo IV, Campinas: Ed. Bookseller, 2000, p. 481.
[12] Orlando Gomes, Introdução ao Direito Civil, ob. cit., p. 430.
[13] Álvaro Villaça Azevedo, (Código Civil comentado, ob. cit., p. 65) entende que a reseva mental conhecida pela outra parte considera-se simulação, atraindo a incidência do artigo 167, caput, 1a parte do Código Civil.
[14] Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, (Novo curso de Direito Civil, vol. I, São Paulo: Ed. Saraiva, p. 374) entendem que, no caso da reserva íntima conhecida da outra parte, se tem exemplo típico de simulação.
[15] Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 1967, p. 157.
[16] José de Oliveira Ascensão, (Direito Civil: teoria geral, ob. cit., p. 186) oferece interessante exemplo de reserva conhecida da outra parte: “Imaginemos que Abel escutou uma conversa telefônica em que Bento confidenciava a um amigo que iria negociar com Abel mas não queria ficar vinculado; não obstante, Abel celebra o negócio com Bento. Já não merece proteção maior do que Abel (...) A lei só contempla o conhecimento efetivo. Não há que entrar em conta a mera possibilidade de conhecimento pelo destinatário. Se há intenção de enganar, só é relevante a circunstância de o destinatário não ter sido efetivamente enganado”.
[17] Manuel A. Domingues de Andrade, (Teoria geral da relação jurídica, ob. cit., p. 217) comenta ainda reforçando o seu entendimento: “E, na verdade, seria o cúmulo da injustiça e da insegurança na contratação admitir que uma declaração negocial afectada de reserva mental fosse nula só por esse motivo”.
[18] Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, Código Civil anotado, ob. cit., p. 158. Vide artigo 242 do Código Civil português: “1. Sem prejuízo do disposto no artigo 286, a nulidade do negócio simulado pode ser arguida pelos próprios simuladores entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta.” Enquanto o artigo 243 do mesmo Código está assim descrito: “1. A nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé”.
[19] Marcos Bernardes de Mello, (Teoria do fato jurídico: plano da validade, São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 167) anota que o BGB, no caso de reserva mental conhecida do destinatário, acaba por equipará-la à simulação.
[20] Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, ob. cit., p. 481.
Advogado, Mestre e Doutorando em Direito Civil comparado junto à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Professor de Direito Civil na Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso do Sul - ESMAGIS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAGNONCELLI, André de Carvalho. Reserva mental no Código Civil brasileiro e nos Códigos português e alemão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 set 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36540/reserva-mental-no-codigo-civil-brasileiro-e-nos-codigos-portugues-e-alemao. Acesso em: 22 nov 2024.
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