A subtração de animais de um laboratório para evitar o sofrimento deles constitui uma das grandes controvérsias do mundo contemporâneo. O filósofo australiano Peter Singer se tornou mundialmente conhecido, desde pelo menos 1979, quando publicou seu livro Ética prática, de leitura obrigatória para se começar a entender a polêmica das experiências com animais em laboratório. Ele é, também, um ardoroso defensor do fim da fome humana (que ainda atinge perto de um bilhão de pessoas) e até sugere um imposto mundial para acabar com essa tragédia planetária. Para ele, as difíceis controvérsias e questões sociais (aborto, eutanásia, estatuto moral dos animais etc.) passam em primeiro lugar pela Ética. No capítulo terceiro do seu livro ele trabalha a questão da igualdade dos animais, citando Bentham, que afirmava: “A questão não é saber se são capazes de raciocinar, ou se conseguem falar, mas, sim, se são passíveis de sofrimento”.
O autor citado fundamenta todo seu raciocínio no princípio da igual consideração dos interesses, como regramento básico moral: “o fato de que os seres não pertencem à nossa espécie não nos dá o direito de explorá-los (...) não podemos deixar de levar em conta seus interesses (...) Se um ser sofre, não pode haver nenhuma justificativa de ordem moral para nos recusarmos a levar esse sofrimento em consideração (...) Quando um ser não for capaz de sofrer, nem de sentir alegria ou felicidade, não haverá nada a ser levado em consideração (...) O limite de sensibilidade é o único defensável da preocupação com os interesses alheios (...) A dor e o sofrimento são coisas más e, independentemente da raça, do sexo ou de espécie do ser que sofre, devem ser evitados ou mitigados”.
A tradição moral ocidental clássica, que fundamenta a atuação dos órgãos repressivos (polícia, promotores, juízes), tende a bloquear qualquer tipo de diálogo, porque são barreiras e não pontes, levando tudo para o campo penal. Para o autor citado (Peter Singer), caberia desobediência civil para chamar a atenção dos interesses dos que sofrem. Eventuais atos ilegais, não implicando violência contra seres humanos, podem eventualmente ser justificados (conclui o autor, p. 318 e ss.). Sendo válidos seus argumentos, no plano dogmático penal a subtração (não violenta) de animais de um laboratório poderia ser enfocada, por exemplo, como causa supralegal de exclusão da tipicidade (ofensa não intolerável). Seria uma desobediência civil para afirmar a importância de valores que ainda estão sendo negligenciados por grandes setores da população (obra citada, p. 321). Como todas as grandes questões morais, as experiências laboratoriais com animais exigem a busca de alternativas e muito diálogo. O diálogo é a mais eficaz ponte de avanço dos direitos e das questões morais nas sociedades democráticas.
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