O engodo da política puramente repressiva do Estado brasileiro (uma das políticas públicas mais irresponsáveis em toda a América Latina) está estatisticamente evidenciado. Puro populismo penal demagógico, mesclado, às vezes, com charlatanismo (que ocorre quando o populista atua com má-fé). No campo da prevenção penal reside uma das grandes mentiras que são contadas para o povo brasileiro que, desorientado e desolado, não se rebela coletivamente contra elas. Passividade conformista (a vida é assim mesmo e nada posso fazer para modificá-la).
Nenhuma reforma penal do legislador brasileiro, de 1940 a 2013, fez reduzir a criminalidade, a médio prazo. Nenhuma! Nenhum crime diminuiu sistematicamente. Passado o efeito sedativo da nova lei, em seguida retorna a criminalidade. Para isso muito contribui a falência da estrutura estatal punitiva, esgarçada, sucateada (apenas 8% dos homicídios são apurados).
Enquanto discutimos (no campo da dogmática penal) se o dolo está no tipo ou na culpabilidade, se esta é psicológica ou normativa, se a pena tem sentido retributivo ou preventivo etc. (o debate dogmático é relevante, sem sombra de dúvida, mas insuficiente), o povo pobre está morrendo nas filas dos hospitais ou sendo amassado como sardinha nos ônibus e trens lotados ou ficando mais ignorante nas escolas públicas (porque não prestigiam o professor, não têm estrutura etc.); nossa infraestrutura continua esgarçada, os desonestos continuam "roubando" o dinheiro público, o brasileiro continua achando que nossa terra vai dar certo só porque foi abençoada inicialmente por Deus e por aí vai.
O mais grave em tudo isso: 270 pessoas são massacradas diariamente no Brasil (130 no trânsito e 140 assassinadas). Enquanto o legislador penal insiste na sua política penal rigorista e populista, nos últimos 73 anos, 2 milhões e 300 mil pessoas perderam a vida no trânsito e por causa das mortes intencionais (dolosas)! São “mortes antecipadas”, como diz Zaffaroni. Sem que tenha havido nunca qualquer tipo de revolução! É a marcha da nossa insensatez. O dilema barbárie ou civilização continua sendo um enigma no continente latino-americano!
Para cada reforma penal (foram 149, em 73 anos), foram 17 mil cadáveres! Mortes nunca reduzidas. Isso significa que deveríamos viver sem leis? Não. Impossível. As leis são necessárias. O que estou dizendo é que as reformas penais populistas e demagógicas não estão diminuindo os crimes! O povo brasileiro continua, no entanto, pedindo mais leis, mais dureza, mais política de “mão-dura”. É a guerra contra o crime. A criminalidade crescente é uma realidade. A guerra como consequência única é questionável. Desorientação popular e midiática. Que Sempre achará um legislador disposto a atender essa demanda. As reformas das leis não custam nada (já dizia o utilitarista Bentham, 1782-1875).
Contra essa velha e ultrapassada política reativa temos que lutar por algo diferente, por uma campanha da “pena certa”, certa no sentido de infalível (tanto quanto possível). Isso já era sustentado por Beccaria em 1764 (na sua clássica obra Dos delitos e das penas). Mas nunca colocamos essa sugestão em prática. Continuamos fazendo a mesma coisa, o tempo todo, do mesmo jeito (não há como esperar resultado diferente, diria Einstein). Mesmo sabendo-se da ineficácia da política populista punitiva, por que o legislador insiste nela?
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