Sumário: 1. INTRODUÇÃO; 2. DESENVOLVIMENTO; 2.1 A governança das Entidades Fechadas de Previdência Complementar à luz das Leis Complementares n. 108 e 109; 2.2 Dos efeitos do cumprimento de sanção administrativa em decorrência de infração a legislação previdenciária complementar; 2.3 – Da exegese do § 2º do artigo 12 da Lei Complementar nº 108/2001 3. CONCLUSÃO.
INTRODUÇÃO
As entidades fechadas de previdência complementar, em virtude da complexa e relevante missão de gerir recursos de terceiros para o cumprimento do contrato previdenciário privado, constituem-se de maneira organizacional sob a forma de governança societária.
Deste modo, as Leis Complementares n. 108 e 109, que disciplinam o regime de previdência complementar fechado, expressamente determinaram a composição mínima de governança da entidade, materializada nos Conselhos: Deliberativo, Fiscal e Diretoria-Executiva.
As instâncias de decisão acima possuem nos diplomas as regras mínimas de composição, notadamente o número de membros de cada conselho e diretoria, requisitos de elegibilidade ou indicação para compor tais instancias, bem como requisitos mínimos negativos (situações a serem evitadas) para própria legitimidade de manutenção nos cargos de governança da entidade previdenciária privada.
Assim o presente texto abordará tais estruturas de governança e abordará alguns aspectos polêmicos quanto a legitimidade para ingresso e permanência de membros nestas esferas de decisão das entidades fechadas de previdência complementar.
DESENVOLVIMENTO
A governança das Entidades Fechadas de Previdência Complementar à luz das Leis Complementares n. 108 e 109
A Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, no capítulo específico das Entidades Fechadas de Previdência Complementar trouxe, dentre outras disposições, aquelas que tratam da composição dos órgãos estatutários e requisitos para os que assumem a incumbência de determinar as diretrizes máximas a serem seguidas pela entidade (Conselho Deliberativo), fiscalizar os gastos e cumprimento das metas pela diretoria executiva (Conselho Fiscal) e especificamente administrar e gerir a EFPC e seus respectivos planos de benefícios (Diretoria Executiva).
Assim dispõe o dispositivo legal em comento:
Art. 35. As entidades fechadas deverão manter estrutura mínima composta por conselho deliberativo, conselho fiscal e diretoria-executiva.
(...)
§ 3o Os membros do conselho deliberativo ou do conselho fiscal deverão atender aos seguintes requisitos mínimos:
I - comprovada experiência no exercício de atividades nas áreas financeira, administrativa, contábil, jurídica, de fiscalização ou de auditoria;
II - não ter sofrido condenação criminal transitada em julgado; e
III - não ter sofrido penalidade administrativa por infração da legislação da seguridade social ou como servidor público.
§ 4º Os membros da diretoria-executiva deverão ter formação de nível superior e atender aos requisitos do parágrafo anterior. (grifou-se)
Igualmente, a Lei Complementar n. 108, de 2001, também tratou da estrutura de governança das entidades de previdência com patrocínio público, abordada ainda com maior profundidade na temática legal. Como na lei orgânica da previdência complementar (LC n. 109/2001) também estabeleceu três instâncias de governança, bem como determinou requisitos mínimos para investidura nos cargos destes conselhos e diretorias. Vejamos os dispositivos legais específicos acerca do até aqui tratado:
Art. 9o A estrutura organizacional das entidades de previdência complementar a que se refere esta Lei Complementar é constituída de conselho deliberativo, conselho fiscal e diretoria-executiva.
(...)
Art. 18. Aplicam-se aos membros dos conselhos deliberativo e fiscal os mesmos requisitos previstos nos incisos I a III do art. 20 desta Lei Complementar.
(...)
Art. 20. Os membros da diretoria-executiva deverão atender aos seguintes requisitos mínimos:
I – comprovada experiência no exercício de atividade na área financeira, administrativa, contábil, jurídica, de fiscalização, atuarial ou de auditoria;
II – não ter sofrido condenação criminal transitada em julgado;
III – não ter sofrido penalidade administrativa por infração da legislação da seguridade social, inclusive da previdência complementar ou como servidor público; e
IV – ter formação de nível superior.
Tratando acerca dos dispositivos legais acima, a doutrina especializada[1] disserta:
“Vários artigos da Lei Complementar n. 109, de 29-5-2001, reforçam a necessidade de a entidade fechada de previdência complementar estabelecer uma organização administrativa independente para atingir o seu objeto de administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária. Cite-se por exemplo, o art. 31, §1º, que determina “que as entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos”, e ainda o art. 31, §3º, que prevê que os responsáveis pela gestão dos recursos garantidores das reservas técnicas e provisões deverão manter segregado e totalmente isolado o seu patrimônio dos patrimônios do instituidor e da entidade fechada.”
Constata-se, portanto, que além de possibilitar uma melhor gestão e administração dos recursos de terceiros e cumprimento do contrato previdenciário, as instancias de governança das EFPC também auxiliam na independência das decisões, seja no aspecto da dominação econômica e, muitas vezes hierárquicas, do patrocinador, seja quanto a ingerência associativa ou sindical dos participantes e assistidos.
Dos requisitos mínimos para elegibilidade e manutenção nos cargos dos órgãos de governança das EFPC
Da leitura dos dispositivos acima (§3º, art. 35) se depreende que a lei estabelece requisitos mínimos que possam garantir, ao menos objetivamente, que os dirigentes das EFPCs possuam conhecimento e reputação condizentes com a relevante missão a este atribuídas. Assim é que se espera de um dirigente ou conselheiro de uma EFPC o pleno atendimento de tais requisitos mínimos essenciais, durante o curso do prazo de mandato ou gestão a estes outorgados.
A exigência de requisitos, como previsto na lei, justifica-se não apenas para acesso aos cargos, mas sim para o próprio exercício destes no decorrer do período a que o gestor estiver a frente do órgão estatutário da EFPC. Entender de forma contrária é retirar a efetividade da norma, tornando-a letra morta, esvaziando seu principal intuito: a proteção dos interesses dos participantes e assistidos, bem como zelar pelo funcionamento adequado das EFPC.
Ora, não se pode olvidar que se está diante de requisitos exigíveis das pessoas que irão compor a alta gerência das EFPC, ou seja, das instâncias responsáveis pela condução como um todo dos rumos da entidade e que, em razão do dever de fidúcia que é atribuído a estes profissionais na administração de recursos de terceiros, impõe-se que sua conduta seja pautada pelos mais elevados padrões éticos e legais.
Em linha com o exposto acima, a Resolução CGPC nº 13, de 1º de outubro de 2004, importante norma baixada pelo órgão regulador do regime de previdência complementar, traz em seu bojo normativo regras que assegurem o mínimo ético para legitimação nos cargos dos órgãos de governança da EFPC, citando textualmente a necessidade de manutenção de tais padrões éticos[2].
Destarte, se para o início do exercício do mandato é exigível a inexistência de condenação por infração administrativa por descumprimento da legislação de seguridade social, por ser requisito para a investidura em tais cargos, faz-se igualmente necessária a exigência de manutenção de tais padrões de conduta legal, moral e ética na manutenção do exercício do cargo componente da estrutura estatutária da entidade.
Em consonância com o entendimento acima esposado, leciona a doutrina de Luís Carlos Cazetta[3]:
“Para que possam habilitar-se ao exercício das atribuições cometidas ao conselho deliberativo, os indicados devem atender requisitos de capacitação técnica e de idoneidade. Objetivamente, devem comprovar experiência no exercício de atividades nas áreas financeira, administrativa, contábil, jurídica, de fiscalização ou de auditoria e satisfazer aos requisitos de não ter sofrido condenação criminal transitada em julgado ou penalidade administrativa por infração da legislação da seguridade social ou como servidor público.
Embora não haja referência expressa na legislação, a perda de qualquer das qualidades necessárias ao desempenho do cargo de membro do conselho deliberativo configura evento capaz de resultar na perda do respectivo mandato.”. (Destaquei)
É importante ressaltar, apenas, por força do princípio de presunção de não culpabilidade, que tem assento constitucional (art. 5º, LVII), que a condenação pela prática de infração administrativa a que a lei se refere, a toda evidência, é aquela não mais passível de recurso, isto é, aquela julgada em definitivo pela Câmara de Recursos da Previdência Complementar - CRPC
Em linha de desenvolvimento do raciocínio jurídico, vale destacar que a lei complementar não alcançou por bem discriminar que tipo de sanções acarretariam a ilegitimidade para o exercício do mandato. A gradação de sanções nas penalidades de advertência, multa pecuniária, suspensão e inabilitação denota a intenção de apenar segundo a gravidade da conduta objeto de apuração. Ao estabelecer nos requisitos mínimos de acesso e manutenção do cargo/mandato nas instâncias estatutárias da entidade, o diploma legal complementar não especificou quais modalidades de penas administrativas determinam a perda de legitimidade para compor tais órgãos estatutários da EFPC. Portanto, qualquer que seja a penalidade aplicada, quer nos parecer que o legislador entendeu ser ela óbice à investidura ou manutenção como membro da alta administração da entidade. Pensar de forma dissonante acarretaria o próprio esvaziamento da norma legal complementar, frustrando assim o legislador e usurpando sua função primordial.
Parte-se, pois, do consagrado princípio de hermenêutica jurídica segundo o qual a lei não contém palavras inúteis, tampouco a Constituição, Lei Maior. É o que se extrai do escólio de Maximiliano: “verba cum effectu, sunt accipienda: "Não se presumem, na lei, palavras inúteis." que literalmente quer dizer: "devem-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia".
Também merece destaque a evidente distinção entre efeitos da sanção administrativa eventualmente aplicada e a perda dos requisitos de elegibilidade aos órgãos estatutários da EFPC.
A impossibilidade de ser eleito ou indicado por ausência dos requisitos mínimos atinge a permanência nos conselho deliberativo e fiscal, bem como na diretoria-executiva dessas entidades e não se confunde com os efeitos de penalidade administrativa, que é mais grave e, conforme o caso, impede a atuação do apenado no regime de previdência complementar. Ou seja, conferir às penalidades de advertência e multa a perda do mandato por ausência de requisito não é a mesma coisa que aplicar suspensão ou inabilitação. Isso porque o autuado afastado nesses termos poderá continuar a exercer funções laborais no âmbito do regime de previdência complementar.
Não menos importante se afigura lembrar que a inexistência de condenação administrativa em caráter definitivo rende homenagem ao próprio princípio da moralidade que deve permear toda e qualquer estrutura institucional que de alguma forma lide com direitos de terceiros.
Logo, meu posicionamento jurídico é que as sanções aplicáveis ao membro do conselhos de gestão da EFPC, no campo do processo sancionador da previdência complementar, quando já alcançado seu caráter definitivo, isto é, julgadas também pela CRPC, acarretam a consequente ilegitimidade na permanência deste em órgão estatutário da entidade, à luz do disposto no inciso III do §3º do art. 35 da LC nº 109 de 2001.
Dos efeitos do cumprimento de sanção administrativa em decorrência de infração a legislação previdenciária complementar
O segundo ponto jurídico a ser examinado neste artigo doutrinário diz respeito à possibilidade de nova indicação para os órgãos estatutários de dirigentes já apenados no âmbito do processo administrativo sancionador. Em que medida os efeitos da condenação no processo sancionador perduram no tempo?
No que se refere ao processo administrativo sancionador, assim dispõe a Lei Complementar nº 109/2001:
Art. 65. A infração de qualquer disposição desta Lei Complementar ou de seu regulamento, para a qual não haja penalidade expressamente cominada, sujeita a pessoa física ou jurídica responsável, conforme o caso e a gravidade da infração, às seguintes penalidades administrativas, observado o disposto em regulamento:
I - advertência;
II - suspensão do exercício de atividades em entidades de previdência complementar pelo prazo de até cento e oitenta dias;
III - inabilitação, pelo prazo de dois a dez anos, para o exercício de cargo ou função em entidades de previdência complementar, sociedades seguradoras, instituições financeiras e no serviço público; e
IV - multa de dois mil reais a um milhão de reais, devendo esses valores, a partir da publicação desta Lei Complementar, ser reajustados de forma a preservar, em caráter permanente, seus valores reais.
§ 1o A penalidade prevista no inciso IV será imputada ao agente responsável, respondendo solidariamente a entidade de previdência complementar, assegurado o direito de regresso, e poderá ser aplicada cumulativamente com as constantes dos incisos I, II ou III deste artigo.
§ 2o Das decisões do órgão fiscalizador caberá recurso, no prazo de quinze dias, com efeito suspensivo, ao órgão competente.
§ 3o O recurso a que se refere o parágrafo anterior, na hipótese do inciso IV deste artigo, somente será conhecido se for comprovado pelo requerente o pagamento antecipado, em favor do órgão fiscalizador, de trinta por cento do valor da multa aplicada. (Vide Súmula Vinculante nº 21)
§ 4o Em caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro.
Art. 66. As infrações serão apuradas mediante processo administrativo, na forma do regulamento, aplicando-se, no que couber, o disposto na Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999. (Vide Decreto nº 4.942, de 30.12.2003) (destaque)
Por sua vez, ao regulamentar a Lei Complementar orgânica da Previdência Complementar, no que respeita o processo administrativo sancionador, assim dispôs o Decreto nº 4.942/2003:
Art. 1o O processo administrativo para apuração de responsabilidade por infração à legislação no âmbito do regime da previdência complementar, operado pelas entidades fechadas de previdência complementar, e a aplicação das correspondentes penalidades são disciplinados por este Decreto.
Art. 2o O processo administrativo tratado neste Decreto é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de pessoa física ou jurídica, por ação ou omissão, no exercício de suas atribuições ou competências, e terá início com a lavratura do auto de infração ou a instauração do inquérito administrativo.
Pois bem, no que concerne aos efeitos de penalidade aplicada aos infratores, o aludido Decreto assim determinou:
Art. 60. Cinco anos depois de cumprida ou extinta a penalidade, não constará de certidão ou atestado expedido pela Secretaria de Previdência Complementar qualquer notícia ou referência a esta, salvo para a verificação de reincidência. (Grifou-se)
O dispositivo normativo acima coaduna-se com a norma constitucional que veda penas de caráter perpétuo. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal assim se posicionou:
“Pena de inabilitação permanente para o exercício de cargos de administração ou gerência de instituições financeiras. Inadmissibilidade (...).” (RE 154.134, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 15-12-1998, Primeira Turma, DJ de 29-10-1999.)
Do julgado acima colacionado, extraio trecho esclarecedor acerca deste ponto:
“A Constituição Federal, no título dedicado aos direitos e garantias fundamentais, afasta, inequivocamente, a instituição de pena de caráter perpétuo, não estabelecendo, todavia, distinção que induza ao entendimento de que ali se contemplam, especificamente, os processos criminais. Interpretação diversa, sim, estaria a afrontar os princípios que inspiraram o legislador constituinte.
Não se concebe, ademais – como já alvitrado pelo Ministério Público (fls. 90) -, preservar, no âmbito de órgão disciplinar administrativo, poder punitivo do qual não se quis dotar o Judiciário, onde mais abrangentes as prerrogativas e garantias dos acusados.
Desta maneira, se admitisse os efeitos da sanção administrativa perdurassem sem termo definido, haveria o estabelecimento de pena de caráter perpétuo, o que não se coaduna, em hipótese alguma, com o princípios constitucionais vigentes, em especial o princípio da segurança jurídica.
Reforçando o entendimento da impossibilidade de perdurarem indefinidamente os efeitos da condenação em processo judicial ou ainda, como é o caso desta análise, no âmbito do processo sancionador, cumpre trazer a exemplo o tema no âmbito do processo de falência ou recuperação judicial (Lei nº 11.101/2005), plenamente aplicável ao caso em tela:
Art. 181. São efeitos da condenação por crime previsto nesta Lei:
I – a inabilitação para o exercício de atividade empresarial;
II – o impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de administração, diretoria ou gerência das sociedades sujeitas a esta Lei;
III – a impossibilidade de gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio.
§ 1o Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença, e perdurarão até 5 (cinco) anos após a extinção da punibilidade, podendo, contudo, cessar antes pela reabilitação penal.
§ 2o Transitada em julgado a sentença penal condenatória, será notificado o Registro Público de Empresas para que tome as medidas necessárias para impedir novo registro em nome dos inabilitados. (Destaquei)
Portanto, a leitura constitucional que se deve atribuir, quanto aos efeitos da sanção imposta na seara do processo administrativo sancionador no regime de previdência complementar, é que estas somente perduram durante o prazo de 05 (cinco) anos após o cumprimento da sanção ou da extinção da punibilidade. Ou seja, após transcorrido o prazo acima, resta novamente acessível àqueles que foram apenados concorrer aos cargos da governança das EFPC.
Da exegese do § 2º do artigo 12 da Lei Complementar nº 108/2001
Por fim, carece estabelecer uma distinção entre o processo sancionador a cabo do estado e o processo administrativo disciplinar para perda do mandato no âmbitos das EFPC submetidas à lei complementar n. 108, de 2001. Assim dispõe o diploma legal:
Art. 12. O mandato dos membros do conselho deliberativo será de quatro anos, com garantia de estabilidade, permitida uma recondução.
§ 1o O membro do conselho deliberativo somente perderá o mandato em virtude de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou processo administrativo disciplinar.
§ 2o A instauração de processo administrativo disciplinar, para apuração de irregularidades no âmbito de atuação do conselho deliberativo da entidade fechada, poderá determinar o afastamento do conselheiro até sua conclusão.
§ 3o O afastamento de que trata o parágrafo anterior não implica prorrogação ou permanência no cargo além da data inicialmente prevista para o término do mandato.
§ 4o O estatuto da entidade deverá regulamentar os procedimentos de que tratam os parágrafos anteriores deste artigo.
Conforme antecipado, o dispositivo legal acima não se confunde com o processo sancionador para apuração de infrações à legislação previdenciária. Tal processo, de competência exclusiva para instauração pela autarquia fiscalizadora, diz respeito às condutas comissivas ou omissivas que resultem em descumprimento ou afronta às determinações legais e normativas.
Para melhor ilustração quanto ao âmbito do processo sancionador, colacionamos a definição de JOSE SUAY RINCÓN[4] para sanção administrativa:
“Cualquier mal infligido por la Admnistración a um administrado como consecuencia de uma conduta ilegal a resultar de um procedimiento administrativo y com uma finalidade puramente repressora”
Assim é que a sanção administrativa impingida pelo Poder Estatal decorre naturalmente de uma afronta à norma legal, não sendo aplicável para correção de eventuais condutas gravosas no seio de uma governança estatutária.
Da leitura o dispositivo legal (caput do artigo) trata da duração do mandato, estabilidade e recondução dos membros do Conselho Deliberativo de entidades submetidas à Lei Complementar nº 108/2001, ou seja, aquelas com patrocínio estatal ou público. Em virtude da estabilidade outorgada pela lei aos mandatos de tais membros da governança das EFPCs, somente mediante um procedimento administrativo escorreito e que se observe o devido processo legal com seus consectários lógicos, ampla defesa e contraditório, poderá o membro ser afastado do Conselho e eventualmente, em casos mais graves, perder o mandato de conselheiro.
Neste diapasão, o parágrafo 4º do artigo em exame determina que o procedimento administrativo disciplinar a que se refere os parágrafos anteriores, deva ser regulamentado pelo estatuto da entidade. Tal menção, de clareza indubitável, indica que tal procedimento é de competência do Conselho máximo da EFPC, no caso o Conselho Deliberativo. Outra conclusão não poderia ser em virtude da lógica de que cabe ao próprios pares do conselho aferir e julgar condutas gravosas que afrontem normas estatutária.
A Resolução CGPC nº 13, de 1º de outubro de 2004, inclusive dispõe quanto a observância de premissas que garantam a eficiência e lisura dos procedimentos no âmbito dos órgãos estatutários das EFPCs, e por conseguinte, a consecução de seu objetivo primordial[5]:
Art. 3° Os conselheiros, diretores e empregados das EFPC devem manter e promover conduta permanentemente pautada por elevados padrões éticos e de integridade, orientando-se pela defesa dos direitos dos participantes e assistidos dos planos de benefícios que operam e impedindo a utilização da entidade fechada de previdência complementar em prol de interesses conflitantes com o alcance de seus objetivos.
(...)
Art. 5° Com relação aos órgãos estatutários, observado o disposto em lei:
I - o estatuto da EFPC deve prever claramente suas atribuições, composição, forma de acesso, duração e término do mandato dos seus membros;
II - todos os seus membros devem manter independência de atuação, buscando permanentemente a defesa e a consecução dos objetivos estatutários da EFPC;
III- poderá ser adotado regimento interno, que discipline suas reuniões ordinárias e extraordinárias, seu sistema de deliberação e de documentação, hipóteses e modo de substituição temporária de seus membros.
Importante ressaltar que a competência do Conselho Deliberativo para instaurar o processo administrativo disciplinar para apuração de condutas irregulares de seus membros não obsta a instauração de processo sancionador no âmbito da Previc se esta mesma conduta amoldar-se em violação à legislação previdenciária complementar[6].
As instâncias de apuração de fatos tanto gravosos em face do estatuto da entidade, quanto em relação a possível descumprimento da legislação previdenciária gozam de completa independência. Não há liame jurídico de dependência entre tais os processos disciplinares de controle, podendo até mesmo serem deflagrados concomitantemente por cada órgão ou instituição competente.
Cumpre todavia alertar que a EFPC em questão encontra-se em mora no atendimento à legislação, tendo em vista que o §4º do art. 12 determina que a entidade regulamente os procedimentos que tratam do processo administrativo disciplinar. Assim é que deve a EFPC ser instada pela fiscalização para que proceda a regularização com a implementação de regras claras e objetivas no estatuto da mesma.
Em que pese o alerta acima, entende-se que não há óbice na instauração do procedimento pelo Presidente do Conselho Deliberativo em face da omissão estatutária. A eficácia da regra legal não pode ser obstada sob o pálio de leniência na implantação dos dispositivos no estatuto. Assim sendo, deve o Presidente do Conselho assegurar que o devido processo legal será fielmente observado, especialmente no que diz respeito à ampla defesa e o contraditório ofertado aos possíveis demandados.
CONCLUSÃO
Os aspectos que envolvem a governança das entidades fechadas de previdência complementar possuem matizes os mais variados, tratando este artigo doutrinário de alguns aspectos atinentes a requisitos mínimos de elegibilidade, perda da legitimidade e processo administrativo de perda do mandato nas EFPC com patrocínio público.
Assim, os estudos acerca do tema deve sempre pautar-se pela busca da intenção legislativa de dar a independência necessária às instancias de governança dos Fundos de Pensão para a correta e efetiva gestão do patrimônio de participantes e assistidos do plano de benefícios previdenciário.
Ademais, se a independência da governança ganha destaque, não se pode olvidar ainda que as normas legais e de regulação buscaram também assegurar que as pessoas que almejam ou se apresentam para o exercício de tais cargos, possuam um mínimo de conhecimentos técnico e que se pautem por uma conduta ética e moral condizente com o gestor de bens de terceiros.
A discussão acerca do tema ainda exigirá um debate aprofundado sobre outras nuanças jurídicas pertinentes à governança nos Fundos de Pensão no sistema jurídico brasileiro.
BIBLIOGRAFIA
CAZETTA, Luis Carlos. Previdência Privada – O regime jurídico das entidades fechadas. Porto Alegre, Ed. Sérgio Antonio Fabris, 2006.
CORREIA, Marcus Orione Gonçalves (Org.). Previdência Privada – Doutrina e Comentários à Lei Complementar n. 109/01. São Paulo: LTr, 2005.
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 83.
[1] CORREIA, Marcus Orione Gonçalves (Org.). Previdência Privada – Doutrina e Comentários à Lei Complementar n. 109/01. São Paulo: LTr, 2005, p.293.
[2] Art. 3º Os conselheiros, diretores e empregados das EFPC devem manter e promover conduta permanentemente pautada por elevados padrões éticos e de integridade, orientando-se pela defesa dos direitos dos participantes e assistidos dos planos de benefícios que operam e impedindo a utilização da entidade fechada de previdência complementar em prol de interesses conflitantes com o alcance de seus objetivos. (Resolução CGPC nº 13/2004)
[3] CAZETTA, Luis Carlos. Previdência Privada – O regime jurídico das entidades fechadas. Porto Alegre, Ed. Sérgio Antonio Fabris, 2006, p.144.
[4] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 83.
[5] Art. 32. As entidades fechadas têm como objeto a administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária. (LC nº 109/2001)
[6] Art. 90. Descumprir cláusula do estatuto da entidade fechada de previdência complementar ou do regulamento do plano de benefícios, ou adotar cláusula do estatuto ou do regulamento sem submetê-la à prévia e expressa aprovação da Secretaria de Previdência Complementar.
Penalidade: multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), podendo ser cumulada com suspensão pelo prazo de até cento e oitenta dias. (Decreto nº 4.942/2003)
Procurador Federal, Coordenador-Geral de Estudos e Normas da Procuradoria Federal junto à PREVIC, Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL, Membro da Câmara de Recursos da Previdência Complementar - CRPC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HENRIQUE, Adriano Cardoso. Governança das Entidades Fechadas de Previdência Complementar: Elegibilidade, Perda da Legitimidade e Processo Administrativo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 nov 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37142/governanca-das-entidades-fechadas-de-previdencia-complementar-elegibilidade-perda-da-legitimidade-e-processo-administrativo. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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