Introdução
Os “regimes de empreitada” referidos no título nada mais são do que os regimes de execução previstos na Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos – LLC). Utilizou-se uma expressão diferenciada por um só motivo: o objeto do presente estudo é diferenciar apenas os regimes de execução chamados de empreitada (por preço unitário, por preço global e integral), não se demorando muito sobre o regime de execução denominado tarefa nem sobre o novel instituto da contratação integrada, este último previsto na Lei nº 12.462/2011 (Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – LRDC).
Para se chegar ao objetivo proposto, inicia-se com uma definição do que vem a ser regime de execução e dos critérios para sua escolha. Depois disso, discriminam-se as características peculiares de cada regime de execução para, ao final, compilar os critérios para adoção de cada um, com base principalmente nos parâmetros fornecidos pelo Tribunal de Contas da União.
Os regimes de execução na LLC
A doutrina constata certa dificuldade em identificar qual o regime de execução cabível no caso concreto (Mendes, 2008: 133 e 137). Niebuhr, resume bem a problemática:
Há espécie de incompreensão difundida e disseminada pela jurisprudência e por parcela significativa da doutrina sobre o assunto [regime de execução], sobremodo em relação à distinção entre empreitada por preço global e unitário. Tal incompreensão produz repercussões nefastas especialmente para os contratados pela Administração Pública, impingindo a eles, em muitos casos, prejuízos robustos ou quiçá insuportáveis. (2012: 268)
Entende-se por regime de execução “a forma pela qual o objeto do contrato será executado” (TCU, 2010: 674), conforme esteja planejando a administração. O art. 6º da LLC, que trata das definições, traz em rol exaustivo (Moreira e Guimarães, 2012: 194) os regimes de execução aplicáveis aos contratos administrativos. Distingue a execução direta (feita pela própria Administração, por meio de seus órgãos e entidades) da indireta (quando a execução é atribuída a terceiros particulares).
No presente caso, apenas interessa o regime de execução “indireta”, pois é neste caso que subsiste um contrato administrativo, precedido (ou não) de licitação. No caso de execução direta, não há que se falar em contrato administrativo, porque inexistente ajuste entre a Administração Pública e um particular para a execução de determinado objeto (art. 2º, parágrafo único da LLC).
A LLC arrola quatro regimes de execução indireta, a saber: a) empreitada por preço global; b) empreitada por preço unitário; c) tarefa e d) empreitada integral. O texto aprovado no Congresso Nacional previa mais um regime de execução indireta, denominado “administração contratada”, mas ele foi vetado, embora ainda existam na LLC algumas reminiscências do instituto, como a parte final da redação do §5º do art. 7º.
Como o instituto fora vetado por representar a assunção de elevado risco para a Administração, qualquer referência a esse regime de execução deve ser tida como inexistente no ordenamento jurídico. Ratificando a não aceitação desse regime de execução pelo ordenamento jurídico e a falha no veto que permitiu escapar a referência a esse regime de execução no texto final da LLC, confira-se a LRDC, que no art. 7º, I, ao tratar do mesmo tema (indicação de marcas na licitação), não mais falou do regime de administração contratada.
Além dos quatro regimes de execução indireta trazidos pela LLC, a LRDC acresceu o regime de execução indireta denominado “contratação integrada” (art. 8º, V). Resumindo, em matéria de contratações públicas existem atualmente cinco regimes de execução indireta admitidos pela legislação, sendo um deles (contratação integrada) cabível apenas no caso de utilização do RDC. Desses regimes de execução, três são denominados empreitadas e são eles que se pretende diferenciar nesta oportunidade.
Por fim, convém destacar duas informações de imprescindível relevo para o objeto deste estudo. Primeiro, que os arts. 40 e 55, II, da LLC exigem a indicação do regime de execução como cláusulas obrigatórias no edital e no contrato. Segundo, que o conceito de regime de execução está para os serviços assim como o de forma de fornecimento está para as compras. Explica-se: no caso de compras, a LLC exige seja apresentada a forma de fornecimento, justamente porque o conceito de regime de execução é incompatível com a forma como é executado o contrato de compra e venda.
No caso de compras, portanto, deve-se falar em forma de fornecimento, não em regime de execução, conforme discrimina a LLC e reconhece o TCU: “Para compras, o contrato deve estabelecer a forma de fornecimento do objeto, que pode ser integral ou parcelada" (2010: 674).
A escolha do regime de execução como estratégia da Administração
A definição do regime de execução relaciona-se com a estratégia de contratação prevista pela Administração, conforme já reconheceu o TCU no Acórdão nº 617/2003-Primeira Câmara:
Nas licitações e contratações diretas para a execução de obras e serviços de engenharia: efetue, preliminarmente a licitação ou a contratação direta, avaliação econômica das alternativas de forma de ajuste (execução direta ou execução indireta em regime de empreitada integral, empreitada por preço global, empreitada por preço unitário ou uma composição dos regimes de empreitada por preço global ou por preço unitário com a compra direta de materiais), justificando, desta forma, a escolha daquela que se revelar mais conveniente para o caso; (sublinhamos)
No tópico acima definiu-se brevemente o que se entende por regime de execução e quais são as espécies previstas na legislação, constatando-se que três delas são denominadas empreitadas. Calha aqui demonstrar as diretrizes gerais que orientam a escolha de um regime de execução em vez de outro.
Como bem colocam Moreira e Guimarães, “a definição do regime de execução é relevante para definir a disciplina jurídica da remuneração do contratado e as consequências de seu inadimplemento” (2012: 194). Em certa ocasião, o TCU entendeu, assim como a doutrina, que o regime de execução deveria ser escolhido em função da forma de pagamento a ser feita, exarando a seguinte recomendação: “Estabeleça o regime de execução contratual de acordo com o critério de apuração do valor a ser pago ao particular, observando os conceitos fixados no art. 6º, inciso VIII, alíneas a e b, da Lei no 8.666/1993” (Acórdão nº 337/2005 Plenário) – sublinhamos. Na mesma linha de entendimento, Altounian assevera que “a diferença básica [entre a empreitada por preço unitário e a empreitada global] está na forma em que os serviços contratados serão medidos e pagos” (2012: 187).
Mais do que as questões acima (a definição da forma de remuneração e das consequências do inadimplemento), o regime de execução tem direta relevância na disciplina jurídica aplicável aos aditivos contratuais no âmbito das obras e serviços de engenharia contratados ou executados com recursos do orçamento da União.
Confira o que dispõe o art. 14 do Decreto nº 7.983/2013, que estabelece regras e critérios para elaboração do orçamento de referência de obras e serviços de engenharia, contratados e executados com recursos dos orçamentos da União.
Art. 14. A diferença percentual entre o valor global do contrato e o preço global de referência não poderá ser reduzida em favor do contratado em decorrência de aditamentos que modifiquem a planilha orçamentária.
Parágrafo único. Em caso de adoção dos regimes de empreitada por preço unitário e tarefa, a diferença a que se refere o caput poderá ser reduzida para a preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato em casos excepcionais e justificados, desde que os custos unitários dos aditivos contratuais não excedam os custos unitários do sistema de referência utilizado na forma deste Decreto, assegurada a manutenção da vantagem da proposta vencedora ante a da segunda colocada na licitação.
(sublinhamos)
Pode-se dizer, assim, que a definição do regime de execução será determinante para a realização dos seguintes atos contratuais: a medição; por conseguinte, a forma de remuneração; as alterações de valor decorrentes de modificações quantitativas e qualitativas no objeto e, por fim, as medidas a serem adotadas em caso de inadimplemento.
O Roteiro de Auditoria de Obras Públicas, cuja segunda revisão foi aprovada pela Portaria-SEGECEX nº 33, de 07 de novembro de 2012, publicada no Boletim do Tribunal de Contas de União de 11 de dezembro de 2013, traz um interessante diagnóstico sobre o tema:
321. As maiores controvérsias quanto à escolha e à operacionalização de determinado regime de execução referem-se às empreitadas. Pela letra da lei, não fica claro como e quando utilizar cada um dos regimes de execução por empreitada definidos pelo legislador.
322. A escolha do regime de execução da obra não é decisão de livre arbítrio do gestor, visto que deve ser pautada pelo interesse público e estar sempre motivada, pois impactará as relações entre contratado e contratante, as medições do contrato firmado, seus aditivos, entre outros fatores relacionados à gestão do empreendimento contratado. Decorre desse entendimento a constatação de que não existe, em tese, um regime de execução melhor que outro, e sim um regime que, no caso concreto, melhor atende ao interesse público.
(TCU, 2012: 76 – sublinhamos)
Mendes resume tudo o que foi dito até então ao afirmar que “para compreender adequadamente os regimes de execução, é indispensável ter clareza no tocante à distinção entre duas relações, a saber: encargo e remuneração” (2008: 136). Esclarece que a indicação do regime de execução mais adequado dá-se em função de um quadrinômio composto por necessidade, solução, encargo e remuneração (preço).
Só por isso já se nota a importância em definir corretamente o regime de execução aplicável aos contratos. A partir de então, passa-se a analisar e diferenciar os regimes de execução previstos na LLC, especialmente as empreitadas, abordando alguns aspectos citados acima, mormente no que toca aos efeitos práticos na remuneração e nos efeitos do inadimplemento.
Empreitada por preço unitário
O regime de empreitada por preço unitário é cabível quando a Administração tiver por intenção adquirir os serviços por unidade de medida, conforme quantitativos estimados. Moreira e Guimarães entendem que o regime é cabível “nos casos em que não for possível definir com exatidão as quantidades demandáveis ao longo da execução do contrato” (2012: 198).
O Roteiro de Auditoria de Obras Públicas do TCU também vincula a opção pela empreitada por preço unitário à impossibilidade de precisar os quantitativos, ao dizer que “é utilizada sempre que os quantitativos a serem executados não puderem ser definidos com grande precisão” (2012: 77).
Mendes explica a razão de ser desse regime quando trata da definição do encargo, ou seja, da obrigação assumida de realizar o objeto contratado:
Como regra, o encargo pode, previamente, ser estimado no seu aspecto quantitativo e no qualitativo. No entanto, existem casos em que só se pode, antecipadamente, definir o aspecto qualitativo, não sendo possível fixar a dimensão (quantidade) exata do encargo. [...].
[...], é essencialmente em razão dessa peculiaridade, mas não exclusivamente em razão dela, que foi idealizado o regime de empreitada por preço unitário.
(2008: 136)
Pelos motivos citados acima, será mais interessante contratar “a execução da obra ou serviço por preço certo de unidades determinadas”, como traz a definição expressa do art. 6º da LLC, quando a Administração souber exatamente o que ela quer (aspecto qualitativo), identificando precisamente o objeto, mas não puder precisar a quantidade necessária (aspecto quantitativo) para o atendimento de suas necessidades.
Vale advertir que “a expressão ‘unidades determinadas’ nada tem a ver com uma etapa ou parcela da obra” (Mendes, 2008: 140-141) e sim com um padrão ou unidade de medida, por exemplo, m³ (metro cúbico), km² (quilômetro quadrado), minutos/pulsos em ligações telefônicas etc.
Se não fosse assim, haveria séria confusão entre a empreitada por preço unitário e a empreitada por preço global. O preço é certo, tal qual na empreitada por preço global, mas não é total, residindo aí a diferença. Vale conferir a redação legal, com os devidos destaques:
Art. 6º. [...]
VIII – [...]
a) empreitada por preço global - quando se contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo e total;
b) empreitada por preço unitário - quando se contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo de unidades determinadas;
(sublinhamos)
Como o preço da unidade de medida é certo e foi objeto de julgamento, a Administração fará os pagamentos conforme consumir, por isso a importância de utilizar o regime de empreitada por preço unitário quando houver contratação por demanda. Especificamente nesses casos (contratação por demanda), é imprescindível que o regime seja o de empreitada por preço unitário, pois assim fica claro para ambas as partes (Administração e contratado), que o parâmetro de remuneração e o compromisso de consumo é a unidade, não o todo.
São típicos exemplos de contrato sob regime de empreitada por preço unitários os de telefonia e manutençãAo. No primeiro, embora o critério de julgamento normalmente seja o todo (PREÇO GLOBAL), aí incluindo a assinatura e os diversos tipos de chamada, o regime de execução é o de empreitada por preço unitário, uma vez que a Administração contrata os serviços por preços de unidades: chamadas locais, interurbanas, fixo-fixo, fixo-móvel etc. Da mesma forma num contrato de manutenção, a administração paga pelo que solicitar (unidades) e for executado, conforme demandas surgidas, embora o julgamento seja, em regra, pelo todo orçado (GLOBAL).
Cumpre registrar que, em se tratando de obras, a definição do regime de execução como empreitada por preço unitário ou global dependerá essencialmente da possibilidade de se identificar com precisão ou não os quantitativos necessários para a conclusão do objeto. Assim se dá porque essa precisão tem direto impacto na forma como a obra será medida e paga, como se comprova dos seguintes julgados do TCU:
9.2. notificar ao [...], que:
[...]
9.2.3. a contratação sob o regime de preços unitários vincula a remuneração do contratado às quantidades de serviço efetivamente executadas, conforme disposto no art. 6º, inciso VIII, alínea "b", c/c o art. 65, todos da Lei 8.666/1993;
(Acórdão nº 1.516/2013-Plenário - sublinhamos)
9.1. determinar à [...] que oriente às unidades técnicas desta Corte a observarem as seguintes disposições em suas fiscalizações de obras e serviços de engenharia executadas sob o regime de empreitada por preço global, a serem aplicadas de acordo com as circunstâncias de cada caso concreto:
[...]
9.1.2. os instrumentos convocatórios devem especificar, de forma objetiva, as regras sobre como serão realizadas as medições, a exemplo de pagamentos após cada etapa conclusa do empreendimento ou de acordo com o cronograma físico-financeiro da obra, em atendimento ao que dispõe o art. 40, inciso XIV, da Lei 8.666/93;
9.1.3. a empreitada por preço global, em regra, em razão de a liquidação de despesas não envolver, necessariamente, a medição unitária dos quantitativos de cada serviço na planilha orçamentária, nos termos do art. 6º, inciso VIII, alínea 'a', da Lei 8.666/93, deve ser adotada quando for possível definir previamente no projeto, com boa margem de precisão, as quantidades dos serviços a serem posteriormente executados na fase contratual; enquanto que a empreitada por preço unitário deve ser preferida nos casos em que os objetos, por sua natureza, possuam uma imprecisão inerente de quantitativos em seus itens orçamentários, como são os casos de reformas de edificação, obras com grandes movimentações de terra e interferências, obras de manutenção rodoviária, dentre outras;
(Acórdão nº 1.977/2013-Plenário)
Pelos julgados, constata-se que a fiscalização é bem mais rigorosa, e por isso mais difícil, no caso de empreitada por preço unitário, dada a necessidade de verificar os quantitativos executados de forma detalhada para, assim, evitar pagamento a maior (Mendes, 2008: 150).
Esclarecido, pois, o regime de empreitada por preço unitário, convém agora mencionar, até para diferenciar-lhes, o regime de empreitada por preço global.
Empreitada por preço global
No regime de empreitada por preço global, à Administração interessa o todo, não as unidades que compõem as partes, por isso que a LLC o define como aquele regime no qual a Administração “contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo e total” (art. 6º, VIII, a – sublinhamos). A planilha de orçamento é aberta somente para fins de medição e pagamento das etapas, de análise dos custos unitários e também pela exigência legal de orçamento detalhado quando da licitação (art. 7º, §2º, II, LLC).
Não se deve afastar o regime de empreitada por preço global pelo simples fato de a Administração ter que efetuar medições e pagamentos no curso do contrato, pois esses atos acontecem com frequência nas obras. A medição, no caso de empreitada por preço global, é feita sem tanta vinculação às unidades medidas. Na verdade, mede-se a etapa do cronograma; interessa saber não quantas unidades de cada item da planilha foram alocadas na execução, mas se aquela fase foi concluída. Trata-se, por assim dizer, mais de uma verificação de atingimento das metas do cronograma do que propriamente de uma medição.
Portanto, a empreitada por preço global não é incompatível com o pagamento conforme as medições (Pereira Júnior, 2003: 100-101). A diferença subsiste apenas quanto ao detalhe da medição e à forma como será paga, como já reconheceu o TCU no Acórdão nº 1.977/2013-Plenário, parcialmente transcrito no tópico anterior.
Na empreitada por preço global, não interessa à Administração, por exemplo, ter a fundação e a estrutura de um prédio se não lhe é entregue a edificação com a rede lógica, elétrica e tudo o mais que lhe agregue a funcionalidade inicialmente vislumbrada. Não obstante o objeto venha sendo pago conforme as medições, continua a interessar o todo, o produto final. Eventual não entrega do objeto completo configura inadimplemento parcial grave, a ser devidamente considerado na aplicação da penalidade.
Eis aqui uma diferença essencial entre os regimes de empreitada por preço unitário e por preço global. Enquanto na primeira a Administração quer justamente a contratação e prestação das unidades (partes) dos serviços licitados, na empreitada por preço global somente interessa o todo. Essa distinção tem diferença considerável em matéria de inadimplemento e aplicação de penalidade.
Outro exemplo que facilitará o entendimento: suponha que a administração deseje fazer o levantamento topográfico de determinada área. Se para ela somente interessa a entrega do perímetro da Gleba X fechado, o regime deve ser o de empreitada por preço global. No entanto, se a administração deseja medir áreas na Gleba X até o limite de Z km (quilômetros), prevalece o regime de empreitada por preço unitário, fazendo-se solicitações e pagamentos conforme sejam os quilômetros medidos.
No mesmo exemplo supracitado, se a intenção for a entrega do perímetro da Gleba X fechado, mas não houver exata precisão de seus limites, o regime adequado é o de empreitada por preço unitário, mas caso não seja entregue o objeto final (perímetro fechado), as penalidades devem ser severas, porque inútil para a Administração a entrega parcial.
Note-se, assim, que é determinante para a indicação do regime de execução a forma como a Administração pretende que o objeto seja entregue, medido e pago, devendo fundamentar a escolha, como já ponderou o TCU no Acórdão nº 1977/2013-Plenário: “a) a escolha do regime de execução contratual pelo gestor deve estar fundamentada nos autos do processo licitatório, em prestígio ao definido no art. 50 da Lei nº 9.784/1999”.
Empreitada integral
Há quem considere a empreitada integral uma espécie da empreitada por preço global (Moreira e Guimarães, 2012:200). Para Justen Filho, trata-se de “uma variação da empreitada por preço global” (2009, 128). Para melhor entendimento do específico regime de empreitada integral, convém mencionar o nome em língua estrangeira que se lhe costuma dar, que explica por si só o que se deseja com a adoção desse regime de execução. Chama-se de “turn key” (Niebuhr, 2012: 271 e Mendes, 2008: 161), traduzindo literalmente “virar a chave˜.
Pela definição acima e pelo nome em língua inglesa pode-se dizer que o regime de empreitada integral é cabível em obras e serviços de maior complexidade, com integração entre determinados equipamentos de modo que à Administração interesse seu funcionamento, não a sua mera construção e entrega. Assim o reconhece o TCU:
I.4.2.3 – Empreitada integral
339. A empreitada integral é especialmente indicada para a implantação de projetos complexos, que exigem conhecimentos e tecnologias que não estão disponíveis a uma única empresa. O proprietário contrata o projeto global com uma empresa “integradora” e recebe o projeto concluído, pronto para operação.
(2012: 78)
É certo que em obras mais simples, como um prédio para sediar um órgão público, deseja-se igualmente que esteja tudo em pleno funcionamento, mas no caso da empreitada por preço integral isso é inerente ao próprio objeto e, por isso, fundamental. Para que o objeto esteja entregue, deve-se, por assim dizer, “virar a chave” e todo o complexo de construções e equipamentos funcionar, sem o que toda ou boa parte desse objeto contratado restará prejudicado, não se prestará à finalidade inicialmente vislumbrada. “É a amplitude e complexidade do encargo que autoriza a adoção da empreitada integral” (Mendes, 2008: 160).
Em seu Roteiro de Auditoria de Obras Públicas (2012: 78), o TCU equipara a empreitada integral (“turn-key”) ao regime comum na seara privada denominado EPC (Engineering-Procurement-Construction). A doutrina mais recente tem buscado nesse tipo de contrato (EPC) os fundamentos para o regime de contratação integrada introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela LRDC (Moreira e Guimarães, 2012:204-205).
De fato, ambos os regimes (empreitada integral e contratação integrada) assemelham-se bastante, pois definem sem tanto detalhe o objeto pretendido, deixando a critério do contratado responsabilidades como o planejamento, o recrutamento de parceiros e dos meios para a execução[1] e a construção do objeto. Nesses casos, transferem-se bem mais riscos para o contratado do que os regimes anteriormente estudados, havendo tendência natural de tornar o contrato mais oneroso.
Tarefa
O regime denominado tarefa foi deixado por último porque se constata sua pouca utilização na prática. A LLC já veicula na sua definição o cerne dessa contratação que é a alocação da mão-de-obra, para pequenos trabalhos por preço certo, com ou sem fornecimento de materiais.
A LLC não trouxe a definição de pequenos trabalhos, deixando um pouco indefinido esse regime de execução. A LRDC repetiu a definição, sem avançar no sentido e alcance da expressão “pequenos trabalhos”, mantendo, portanto, a incerteza e dificuldade de aplicação prática.
Como se fala em “alocação de mão-de-obra”, há uma tendência natural em identificar o regime com os atuais contratos de terceirização, objeto do Decreto nº 2.271/97, no entanto, ainda que se entenda que o regime denominado tarefa seria cabível nos casos de terceirização, fica difícil adotá-lo sem uma definição do que vem a ser “pequenos trabalhos”.
Atualmente, a depender do órgão contratante, a prestação de serviços terceirizados alcança valores e complexidade consideráveis. Basta observar a disciplina da Instrução Normativa nº 02/2008, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão sobre o tema para afastar qualquer contratação enquadrada como serviço com dedicação exclusiva de mão-de-obra como sendo um “pequeno trabalho”. Cita-se como exemplo a complexa disciplina do instrumento denominado Acordo de Níveis de Serviço (ANS).
Por isso, cita-se aqui esse regime de execução apenas a título de informação, porque consta da LLC e da LRDC, sem tanta utilidade prática.
Conclusão
Constata-se, portanto, que a indicação do regime de execução, segundo parâmetros da doutrina e do TCU, dá-se em função da forma como a Administração pretende licitar e executar o objeto contratado. O regime de execução é o instituto que orientará a prática de alguns importantes atos de execução contratual tais como medição, pagamento, acréscimos quantitativos e qualitativos, aplicação de penalidade, inexecução total e parcial e termo de recebimento definitivo.
Em relação especificamente aos regimes de execução mencionados pela LLC, os parâmetros da doutrina e do TCU que balizam a adoção do regime mais adequado podem ser resumidos nas seguintes orientações:
a) Caso não seja possível definir com adequado nível de precisão a quantidade do objeto a ser executado ou demandado, é recomendável o regime de empreitada por preço unitário, pagando-se conforme a utilização e se apurando o valor devido por meio da medição de cada unidade utilizada. Nestes casos, eventual inexecução parcial do objeto (inadimplemento parcial) deve ser considerado de menor monta para fins de penalidade, pois o cerne da contratação está no fornecimento das unidades;
b) Caso a Administração consiga definir com adequado nível de precisão os quantitativos necessários para a execução do objeto, interessando-lhe a entrega de tudo aquilo que compõe as partes (unidades de medida/custos unitários), mais adequada será a utilização do regime de empreitada por preço global. Nesse caso, os quantitativos unitários executados têm menor importância no momento da medição e pagamento. Estes atos serão praticados mais em função das etapas concluídas do que das unidades de medida. Ainda que executado parcialmente o objeto, se não for entregue em sua completude, o inadimplemento parcial ganha maior relevância e tem maior peso quando se for prever e aplicar a penalidade;
c) Diante das constatações acima, recomenda-se o adequado planejamento e quantificação do objeto necessário para execução de um contrato, utilizando-se a empreitada por preço global como regra e a empreitada por preço unitário apenas quando absolutamente impossível, do ponto de vista técnico, a identificação do preço e dos quantitativos totais necessários à prestação do serviço/obra desejado;
d) Nos casos mais complexos, de contratação de uma solução que integre variados serviços, de modo a se concluir um projeto que funcione como um todo, de forma integrada, o regime de empreitada integral será o mais adequado. Nesses casos, as medições serão definidas de forma semelhante à empreitada por preço global, mas a não entrega do objeto final aproxima-se mais de um inadimplemento total do que de um parcial, revelando ilícito contratual ainda mais grave do que nos outros regimes. Por se referir a projetos mais complexos, também é regime excepcional, a ser devidamente justificado;
e) O regime de execução denominado tarefa, apesar de previsto na legislação, deve ser evitado, uma vez que a Lei não traz a definição do que se entende por pequenos trabalhos, dificultando a utilização do referido regime de execução. Sendo assim, sua eventual utilização em detrimento daqueles regimes mais comumente adotados pode ser facilmente objeto de questionamento por parte dos órgãos de controle.
REFERÊNCIAS
ATOUNIAN, Cláudio Sarian. Obras públicas: licitação, contratação, fiscalização e utilização. 3 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
MENDES, Renato Geraldo. O regime jurídico da contratação pública. Curitiba: Zênite, 2008.
MOREIRA, Egon Bockman, e GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação pública: a Lei Geral de Licitações/LGL e o Regime Diferenciado de Contratações/RDC. São Paulo: Malheiros, 2012.
NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública. 6 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
Tribunal de Contas da União (TCU). Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU /Tribunal de Contas da União. 4. ed. rev., atual. e ampl. Brasília: TCU, Secretaria-Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010.
________. Portaria-SEGECEX Nº 33, de 7 de dezembro de 2012: Roteiro de auditoria de obras públicas. Brasília: TCU, 2012.
[1] Essa obrigação é interessante porque, como reconhece o próprio TCU: “nesse regime são comuns vários subcontratos, celebrados pela empresa de engenharia principal com diversos fornecedores, prestadores de serviço, projetistas e subempreiteiros” (2012: 78).
Procurador Federal. Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DINIZ, Braulio Gomes Mendes. Os regimes de empreitada na Lei nº 8.666/93 e os critérios para sua adoção: parâmetros do TCU e da doutrina Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 nov 2013, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37311/os-regimes-de-empreitada-na-lei-no-8-666-93-e-os-criterios-para-sua-adocao-parametros-do-tcu-e-da-doutrina. Acesso em: 22 nov 2024.
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