Enfim dá-se efetividade, parcialmente. Um processo penal velho e ainda não sincrético, com lacunas terrificantes a partir de um diploma codificado que de tão amadurecido já se encontram pontos de insofismável apodrecimento. Batalhas em plenário foram travadas em âmbito processual quando se chegou a optar pela aplicação de parte vetusta de um Regimento Interno (RISTF) que o ordenamento sob uma exegese sistemática não haveria de tolerar, pela ausência de um código que se fizesse hábil instrumento para a dação de segurança jurídica às contendas que deveria regular. Um sem número de decisões tiveram de ser tomadas de inopino pelos nobres ministros pela ausência de um diploma processual eficiente e adequado aos hodiernos dias. É nesta atmosfera que, o julgamento da AP. 470 caminha na direção de seu fim. Depois de discorrer profundamente em diversos artigos (encontrados em grande parte em minha obra: "A Judicialização da Política e o Estado Democrático de Direito"), iniciam-se os retoques para que se alcance um desfecho. O propósito deste não é exauri qualquer questão como se primou em minha obra, mas aventar pequenos desvios percebidos nos últimos atos desta mega produção com momentos "trash" de um sistema que se apresenta bambo, recalcitrante, e que precisa ser refrigerado sob ares de um direito mais moderno aos clamores trazidos pela contemporaneidade. A demora desarrazoada em uma prestação jurisdicional não pode mais ser a regra.
A regra não pode ser mais a perpetuidade de processos quando se observa precipuamente aos bem financiados por uma das partes focada no desserviço da procrastinação. Temos que retirar de nossas entranhas o reducionismo do "garantismo penal" acima do bem e do mal, para entender, por exemplo, que contraditório e ampla defesa não se obtém através da possibilidade recursal "ad infinitum", que isso sim, gera uma "não justiça" que garante sim, a impunidade. O julgamento da AP. 470 passou por esse constrangimento quando foi discutida a questão do recurso de Embargos Infringentes, que neste caso possui mais natureza jurídica de "pedido de reconsideração colegiada", de um sucedâneo recursal, que propriamente recurso, tendo em vista a necessidade de ser analisado pela segunda vez pelo mesmo plenário do STF que acabara de proferir acórdão meritório. Nem o duplo grau de jurisdição há em verdade, mas por amor ao "garantismo" desmedido foi conferido valor a este monstro processual nos termos de um RI tratante de matéria processual, mesmo esse recurso tendo sido propositalmente esquecido por lei específica que trata de processo nos tribunais superiores, mesmo o STJ, instância que se pode dizer inferior ao STF, não ter esta possibilidade recursal, quando uma decisão de sua lavra não mais caberá referida procrastinação recursal, o que fez criar um paradoxo de que a palavra de um ministro do STF deve ser revista, enquanto que a de um ministro do STJ deve ser imediatamente acatada sem possibilidade revisional.
A demora prestacional além de só favorecer aos réus bem patrocinados pelas grandes corporações privadas de advogados, que logram êxito de chegarem às últimas instâncias recursais, o garantismo deixa o hipossuficiente jurisdicionado desguarnecido desta possibilidade na prática, o que reflete uma ausência de isonomia odiosa, proporciona o aumento substancial das possibilidades de alcance das malversadas extintivas de punibilidade, como são a prescrição e a decadência, que estão a socorrer os que possuem condições financeiras para garantir suas impunidades. Se existentes para oferecer segurança jurídica aos réus para quem o decurso do tempo pode lhes presentear com a impunidade de seus crimes, para sociedade em sua esmagadora porção resta somente a sensação de uma justiça censitária e inatingível pela maioria.
A redução do número de possibilidades recursais deveria ser uma tendência para uma prestação jurisdicional mais eficiente e isonômica, mas o lobby das grandes corporações de advogados, somado ao lobby dos beneficiados reais pela manutenção desta estrutura, somado aos árduos defensores deste garantismo desmedido, como a OAB, com seus dirigentes-sócios de muitas daquelas grandes corporações de advogados, esta alteração fundamental vizando a construção de uma justiça que guarde o primado constitucional de uma razoável duração do processo (direito qualificado por sua fundamentalidade) fica sempre postergada para uma outra oportunidade.
Neste caso do julgamento da AP. 470, a admissão do recurso dos Embargos Infringentes ainda representa a possibilidade de casuisticamente se alterar condenações em litígio com o princípio do juiz natural. Com a aposentadoria compulsória de alguns membros, outros restaram empossados nos termos da Constituição, que lamentavelmente privilegia a função executiva de poder, que tem a substancial tarefa de indicar quem será o novo membro da "Casa Constitucional" nos termos da ideologia de Governo praticada, sendo notório que a ratificação pelo Senado Federal revela-se apenas tarefa proforma e despida de qualquer função prática. São nestes termos que se podem nomear ministros "desde que" comprometidos com a "causa garantista" de se perpetrar impunidades em meio a outros que trabalharam arduamente no processo na busca do melhor juízo, do melhor direito. Garantistas ortodoxos, que defendem, que impedem que se faça cumprir o acórdão proclamado pela maior Casa de Justiça do nosso país, pois há que se analisar os Embargos Infringentes inexoravelmente protelatórios, por exemplo, pela divergência não haver alcançado o mínimo de 4 votos pela absolvição, nos termos do RISTF que se acolheu exatamente para a aceitação dos Embargos Infringentes no STF. Nestes termos, protrai-se ainda mais o início do cumprimento da pena em mais uma vitória do garantismo exacerbado.
A demora procrastinatória no processo ainda propicia situações como a que se sucede neste peculiar julgamento, de fuga do país para escapar do cumprimento da pena, mais um artifício muito bem utilizado não pelo criminoso comum, mas pelo criminoso de "colarinho branco". Ao menos se avançou parcialmente ao se permitir o imediato cumprimento da pena aos crimes que não se postergou com o recurso de Embargos Infringentes, com decisões definitivas, ainda que os notoriamente protelatórios, como dito, tenham servido ainda como subterfúgio garantista de "tutela de crimes censitários". "De lege ferenda" um processo que confirmasse uma decisão condenatória por meio de um colegiado dever-se-ia revelar suficiente para que se alcançasse a autoridade de coisa julgada. Para o caso de o órgão colegiado produzir decisão divergente do juízo originário, possibilitar-se-ia nova apreciação colegiada para o alcance da coisa julgada para reduzir o risco da ocorrência de "error in judicando". Nesta toada, STJ e o STF ficariam sobremaneira menos sobrecarregados como todo o judiciário, produziriam decisões com maior celeridade sem comprometimento da qualidade, aptas a se tornarem verdadeiramente paradigmas para as instâncias inferiores. As contendas produziriam a pacificação também com maior celeridade podendo o acódão produzido, sem delongas procastinatórias, atingir seus devidos efeitos na forma do ordenamento posto.
Se finda clamando por uma leitura mais razoável e de acordo do garantismo penal, uma leitura que não impeça o Estado de exercer seu "ius puniendi" pautando-se em privilégios censitários, mas um garantismo que realize seu verdadeiro e profícuo papel de tutelar o acusado dos excessos de um Estado que verdadeiramente não respeite o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal em suas porções necessárias, com uma prestação eficiente, de uma justiça de celeridade adequada ao caso concreto nos termos do comando constitucional.
Precisa estar logado para fazer comentários.