PALAVRAS CHAVES: Contribuições à Seguridade Social. Prévia Fonte de Custeio. Equilíbrio Financeiro e Atuarial. Exceções.
RESUMO: O princípio da prévia fonte de custeio estabelece a necessidade de que, para a criação ou majoração de benefícios ou serviços à seguridade social, tenham a indicação da forma como serão financiados. A norma tem como objetivo garantir a sustentabilidade do regime e a necessidade de que as políticas públicas de Seguridade Social sejam criadas com responsabilidade.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A seguridade social, consoante o disposto no artigo 194 do Anexo I do Decreto n° 3.048/1999, é financiada de forma direta e indireta por receitas provenientes da União, dos Estados, dos Municípios, das contribuições sociais e de outras fontes. Cita-se:
Art. 194. A seguridade social é financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de contribuições sociais.
Art. 195. No âmbito federal, o orçamento da seguridade social é composto de receitas provenientes:
I - da União;
II - das contribuições sociais; e
III - de outras fontes.
Parágrafo único. Constituem contribuições sociais:
I - as das empresas, incidentes sobre a remuneração paga, devida ou creditada aos segurados e demais pessoas físicas a seu serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
II - as dos empregadores domésticos, incidentes sobre o salário-de-contribuição dos empregados domésticos a seu serviço;
III - as dos trabalhadores, incidentes sobre seu salário-de-contribuição;
IV - as das associações desportivas que mantêm equipe de futebol profissional, incidentes sobre a receita bruta decorrente dos espetáculos desportivos de que participem em todo território nacional em qualquer modalidade desportiva, inclusive jogos internacionais, e de qualquer forma de patrocínio, licenciamento de uso de marcas e símbolos, publicidade, propaganda e transmissão de espetáculos desportivos;
V - as incidentes sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural;
VI - as das empresas, incidentes sobre a receita ou o faturamento e o lucro; e
VII - as incidentes sobre a receita de concursos de prognósticos.
O financiamento da Seguridade Social, no âmbito federal, é feito mediante orçamento da União, contribuições sociais e outras fontes. No que tange às contribuições à Seguridade Social, indispensável mencionar que possuem natureza tributária de contribuições sociais. Como contribuições sociais que são, possuem delineamento normativo específico e destinação previamente estabelecida.
1 PRÉVIA FONTE DE CUSTEIO
A CF prevê, no artigo 195, o regramento específico atribuído às contribuições à Seguridade Social e a competência para as instituir. Nesse delineamento, ressalta a importância do disposto no § 5° do artigo 195, que prevê o princípio da prévia fonte de custeio. A norma é consagrada de forma a fortalecer a ideia de proteção do regime da Seguridade Social. Em outras palavras, ao lado do princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, chama a atenção para o fato de que a Seguridade Social deve ser sustentável e impede, assim, a criação ou a majoração de novos benefícios ou serviços sem a indicação de sua fonte de financiamento. Cita-se:
Art. 195 (...)
§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
Zambite (2007, p. 108) afirma que “o dispositivo vem ressaltar a importância do equilíbrio financeiro e atuarial da previdência social, evitando-se a concessão ou aumento irresponsável de benefícios”. Fortes e Paulsen (2005, p.334) explicam que o princípio não só proíbe a criação de novos benefícios, como reafirmam a destinação das contribuições previdenciárias:
O § 5° do art. 195, em verdade, se, de um lado, estabelece uma vinculação necessária entre as ações públicas de seguridade social e os seu custeio, de outro, não impede que se possa instituir ou aumentar contribuição sem benefício novo.
(...)
O que não se pode, pois, isso sim, é aumentar o custeio sem que se guarde necessariamente a finalidade justificadora do exercício da competência tributária, qual seja, a aplicação dos recursos na seguridade social.
Em tempos de ativismos judiciais e criação de benefícios previdenciários que estão longe de se enquadrarem no conceito de contingência, o dispositivo merece ter sua importância refletida, especialmente porque não foi inserido na Carta Cidadã à toa. É preciso lembrar que a criação e majoração desarrazoada de benefícios já teve e tem suas consequências no Regime de Previdência, por exemplo, o que, aliado com a mudança da pirâmide demográfica (aumento da expectativa de vida e a estabilização da população economicamente ativa), poderá tornar o modelo atual de Seguridade Social inviável.
É claro que, especialmente na realidade do Brasil, é preciso manter certos direitos que promovam a inserção social das camadas mais pobres. Também não se questiona a necessidade de se promover um Regime de Previdência forte com a garantia da universalidade de cobertura e do atendimento. O que se aponta, na verdade, é que todas essas garantias possuem um custo e que esse custo é suportado por toda a sociedade[1]. Assim, é necessário que se pense as políticas públicas de Seguridade Social com responsabilidade.
Nesse sentido, há destacar a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal em um dos casos mais paradigmáticos em matéria previdenciária, qual seja, “cotas de pensão”. A tese tinha como objeto a pretensão de revisar os benefícios de pensão por morte com base na lei nova mais benéfica. Na ocasião, o STF manifestou-se no sentido de que as políticas públicas de Seguridade Social não podem estar dissociadas de suas bases contributivas. Note-se:
O cumprimento das políticas públicas previdenciárias, exatamente por estar calcado no princípio da solidariedade (CF, art. 3º, I), deve ter como fundamento o fato de que não é possível dissociar as bases contributivas de arrecadação da prévia indicação legislativa da dotação orçamentária exigida (CF, art. 195, § 5º). (Voto da Ministra Ellen Gracie) (RE 415.454 e 416.827, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 8-2-2007, Plenário, DJ de 26-10-2007.)
O STF, no mesmo julgado, manifestou ainda que a aplicação de novos critérios de cálculo mais benéficos para a revisão de benefícios depende da indicação de prévia fonte de custeio e que a concessão dos benefícios se rege pela lei vigente naquela data. Cita-se:
"Benefício previdenciário: pensão por morte (Lei 9.032, de 28 de abril de 1995). No caso concreto, a recorrida é pensionista do INSS desde 4-10-1994, recebendo, através do benefício 055.419.615-8, aproximadamente o valor de R$ 948,68. Acórdão recorrido que determinou a revisão do benefício de pensão por morte, com efeitos financeiros correspondentes à integralidade do salário de benefícios da previdência geral, a partir da vigência da Lei 9.032/1995. Concessão do referido benefício ocorrida em momento anterior à edição da Lei 9.032/1995. No caso concreto, ao momento da concessão, incidia a Lei 8.213, de 24 de julho de 1991. (...) Na espécie, ao reconhecer a configuração de direito adquirido, o acórdão recorrido violou frontalmente a Constituição, fazendo má aplicação dessa garantia (CF, art. 5º, XXXVI), conforme consolidado por esta Corte em diversos julgados: RE 226.855/RS, Plenário, maioria, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 13-10-2000; RE 206.048/RS, Plenário, maioria, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ ac. Min. Nelson Jobim, DJ de 19-10-2001; RE 298.695/SP, Plenário, maioria, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 24-10-2003; AI 450.268-AgR/MG, Primeira Turma, unânime, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 27-5-2005; RE 287.261-AgR/MG, Segunda Turma, unânime, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 26-8-2005; e RE 141.190/SP, Plenário, unânime, Rel. Ilmar Galvão, DJ de 26-5-2006. De igual modo, ao estender a aplicação dos novos critérios de cálculo a todos os beneficiários sob o regime das leis anteriores, o acórdão recorrido negligenciou a imposição constitucional de que lei que majora benefício previdenciário deve, necessariamente e de modo expresso, indicar a fonte de custeio total (CF, art. 195, § 5º). Precedente citado: RE 92.312/SP, Segunda Turma, unânime, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 11-4-1980. Na espécie, o benefício da pensão por morte configura-se como direito previdenciário de perfil institucional cuja garantia corresponde à manutenção do valor real do benefício, conforme os critérios definidos em lei (CF, art. 201, § 4º). Ausência de violação ao princípio da isonomia (CF, art. 5º, caput) porque, na espécie, a exigência constitucional de prévia estipulação da fonte de custeio total consiste em exigência operacional do sistema previdenciário que, dada a realidade atuarial disponível, não pode ser simplesmente ignorada. O cumprimento das políticas públicas previdenciárias, exatamente por estar calcado no princípio da solidariedade (CF, art. 3º, I), deve ter como fundamento o fato de que não é possível dissociar as bases contributivas de arrecadação da prévia indicação legislativa da dotação orçamentária exigida (CF, art. 195, § 5º). Precedente citado: julgamento conjunto das ADI 3.105/DF e 3.128/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. p/ o ac. Min. Cezar Peluso, Plenário, maioria, DJ de 18-2-2005. Considerada a atuação da autarquia recorrente, aplica-se também o princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial (CF, art. 201, caput), o qual se demonstra em consonância com os princípios norteadores da administração pública (CF, art. 37). Salvo disposição legislativa expressa e que atenda à prévia indicação da fonte de custeio total, o benefício previdenciário deve ser calculado na forma prevista na legislação vigente à data da sua concessão. A Lei 9.032/1995 somente pode ser aplicada às concessões ocorridas a partir de sua entrada em vigor. No caso em apreço, aplica-se o teor do art. 75 da Lei 8.213/1991 em sua redação ao momento da concessão do benefício à recorrida. 17. Recurso conhecido e provido para reformar o acórdão recorrido." (RE 415.454 e 416.827, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 8-2-2007, Plenário, DJ de 26-10-2007.) No mesmo sentido: RE 574.433-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 9-3-2010, Segunda Turma, DJE de 16-4-2010; RE 540.513-AgR, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 23-6-2009, Primeira Turma, DJE de 28-8-2009; AI 676.318-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 23-6-2009, Segunda Turma, DJE de 7-8-2009; RE 567.360-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 9-6-2009, Segunda Turma, DJE de 7-8-2009; RE 597.389-QO-RG, Rel. Min. Presidente Gilmar Mendes, julgamento em 22-4-2009, Plenário, DJE de 21-8-2009, com repercussão geral; AI 597.008-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 7-4-2009, Primeira Turma, DJE de 19-6-2009; RE 485.940, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 9-2-2007, Plenário, DJ de 20-4-2007; AI 626.853-AgR, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 7-4-2009, Primeira Turma, DJE de 8-5-2009; RE 492.338, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 9-2-2007, Plenário, DJ de 30-3-2007; RE 446.329, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-2-2007, Plenário, DJ de 4-5-2007.
Entretanto, repita-se, ressaltar a relevância do princípio constitucional da prévia fonte de custeio não significa dizer que os regimes de Seguridade Social devem permanecer estagnados; ao contrário, significa reconhecer a necessidade de promover o Estado Social previsto na CF/1988 (mais justo e equânime) e apontar para o fato de que o cumprimento das garantias sociais, em tempos de crise mundial, deve ser feito de forma otimizada sem jamais perder de vista as políticas públicas democraticamente eleitas.
Por fim, salienta-se que o princípio da prévia fonte de custeio possui exceções já reconhecidas pelo próprio STF:
a) O art. 195, § 5º, da CF/88 somente diz respeito à seguridade social financiada por toda a sociedade, sendo alheio às entidades de previdência privada. RE 583687 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 29/03/2011, DJe-076 DIVULG 25-04-2011 PUBLIC 26-04-2011 EMENT VOL-02508-01 PP-00108 e AI 530944 AgR, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 14/06/2005, DJ 05-08-2005 PP-00050 EMENT VOL-02199-24 PP-04786.
b) O artigo 195, § 5°, da CF/1988 não se aplica na criação dos benefícios estabelecidos por ela própria. “Inexigibilidade (...) da observância do art. 195, § 5º, da CF, quando o benefício é criado diretamente pela Constituição.” (RE 220.742, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 3-3-2008, Segunda Turma, DJ de 4-9-1998.) No mesmo sentido: AI 792.329-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 17-8-2010, Primeira Turma, DJE de 3-9-2010. Vide: RE 151.106-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 28-9-1993, Primeira Turma, DJ de 26-11-1993.
CONCLUSÕES
Pelo exposto, pode-se concluir acerca do princípio de prévia fonte de custeio:
a) O artigo 195, §5°, da CF/1988 exige que toda a criação ou majoração de benefícios ou serviços da Seguridade Social pública tenham a prévia indicação da fonte de custeio;
b) O princípio não deve ser interpretado em sentido inverso, ou seja, o princípio não proíbe a majoração de contribuições à Seguridade Social sem que se indique o novo benefício que será majorado ou criado. Entretanto, as políticas públicas de Seguridade Social são as destinatárias exclusivas de toda a verba arrecadada a título de contribuições à Seguridade Social.
c) O princípio não significa afirmar que os regimes devem permanecer em estagnação; ao contrário, significa reconhecer a necessidade de promover o Estado Social previsto na CF/1988 (mais justo e equânime) e apontar para o fato de que o cumprimento das garantias sociais, em tempos de crise mundial, deve ser feito de forma otimizada sem jamais perder de vista as políticas públicas democraticamente eleitas.
d) A jurisprudência do STF é no sentido se que princípio não se aplica aos Regimes de Previdência Privada nem à criação das espécies previstas na própria Constituição Federal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARO, Luciano. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Malheiros, 2004. 505 p.
ÁVILA, Alexandre Rossato. Curso de Direito Tributário. Verbo Jurídico: Porto Alegre, 2005. 366 p.
FORTES, Simone Barbisan; PAULSEN, Leandro. Direito da Seguridade Social. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2004. 560p.
IBRAHIM, Fábio Zambite. Curso de Direito Previdenciário. 10.ed. Niterói: Impetus, 2007. 762p.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Malheiros, 2003. 505p.
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 6.ed. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2004. 1300p.
[1] Exemplo claro do custo social de uma Previdência Social não responsável é a criação do fator previdenciário, cujo principal objetivo foi o de tardar a aposentadoria por tempo de contribuição.
Procuradora Federal, Coordenadora de Gerenciamento e Prevenção de Litígios e Coordenadora-Geral Substituta da Matéria de Benefícios da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, Direção Central em Brasília/DF. Professora Tutora Professora Tutora do Curso Aspectos Práticos e Relevantes do Direito Previdenciário da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Conselho Nacional de Justiça (ENFAM/CNJ). Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais - Direito - pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONSECA, Gabriela Koetz da. Necessidade de prévia fonte de custeio para a criação e majoração das contribuições à seguridade social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 nov 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37408/necessidade-de-previa-fonte-de-custeio-para-a-criacao-e-majoracao-das-contribuicoes-a-seguridade-social. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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