SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 O agir processual do Estado. 2 O contraditório no processo administrativo disciplinar. 3 O Princípio do Contraditório no processo administrativo disciplinar da Lei 8.112/90. 4 O contraditório no processo administrativo “não disciplinar”. CONCLUSÃO. BIBLIOGRAFIA.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo analisar a presença do princípio do contraditório nos processos administrativos. Além disso, ponderamos que somente ao garantir a efetiva participação dos interessados é que o referido processo se torna juridicamente válido e socialmente legítimo.
Trataremos da aplicabilidade do princípio em todos os processos administrativos e não apenas no disciplinar.
1 O agir processual do Estado.
A processualização é fenômeno geral do Direito, já que deve ser compreendida como instrumento de transformação do poder estatal em ato (decisão) estatal[1]. Sendo assim, é forçoso reconhecer seus reflexos também sobre as instituições da seara administrativa.
No entanto, as especificidades da função administrativa determinam que o fenômeno processual aí se apresente de forma um pouco distinta. Desta forma, mantém-se um núcleo comum, mas observam-se algumas particularidades correspondentes às características da função e do ato final a que tende o processo administrativo.
O presente artigo é dedicado à análise das características que aproximam o processo administrativo do legislativo e do judiciário, bem como das particularidades da função administrativa.
Como ponto de partida, lembre-se que processo é a seqüência de atos validamente encadeados apta a implementação de decisão estatal de caráter imperativo emanada por qualquer de seus órgãos, destinada a produzir efeitos no patrimônio jurídico daqueles que estão sujeitos à autoridade do Estado, seqüência esta em que seja garantida a participação destes mesmos sujeitos.
Aplicando esta teoria para definir o processo administrativo, assinala Marcelo Harger:
“(...) processo administrativo (...) pode ser entendido como o conjunto de atos e fatos jurídicos, encadeados seqüencialmente, que se destinam à produção de um ato administrativo principal que deve observar e ser fruto da observância do regime jurídico administrativo”[2].
Para que seja possível identificar a presença do Princípio do Contraditório no processo administrativo é necessário enxergar o próprio ato administrativo por uma perspectiva dinâmica. É que os agentes públicos são dotados de poderes que somente se exercem para atingir as finalidades previstas na Constituição e nas leis. Desta sorte, o processo se apresenta como o modo de evitar que o agente exceda o limite de sua competência. Assim, o processo administrativo se apresentaria como um momento de transição entre as competências atribuídas aos agentes administrativos e os atos por eles praticados.
A este respeito, leciona Carlos Ari Sundfeld:
“Importante perceber a razão da exigência de que os atos estatais sejam fruto de processo. Os agentes públicos exercitam poderes em nome de finalidade que lhes é estranha; desempenham função. Função é o poder outorgado a alguém para o obrigatório atingimento de bem jurídico disposto na norma. A lei, a sentença e o ato administrativo são unilaterais, sua produção não entanto condicionada à concordância dos particulares atingidos. Estas duas características das atividades públicas – constituírem função e gerarem atos unilaterais invasivos da esfera jurídico dos indivíduos – exigem a regulação do processo formativo da vontade que expressam. A atividade estatal é função, submetida a fins exteriores ao agente. O legislador, o juiz, o administrador, não dispõem de poderes para realizar seus próprios interesses ou vontades. Seus atos valem na medida em que alcançam os fins que lhe correspondem. Daí dizer-se que a vontade do Estado é funcional. (...) Os agentes públicos são meros canais de expressão da vontade do direito: o legislador, quando edita leis, exprime o querer da Constituição (e do povo); o juiz e o administrador, através de seus atos, realizam a vontade da lei”[3] (grifos do original).
Marcos Porta encontra na doutrina e na jurisprudência autores que defendem a existência de atos administrativos solitários. Esses são assim denominados porque prescindem de qualquer processualidade jurídico-administrativa para sua existência ou validade[4].
Dissentindo destes autores, Celso Antonio Bandeira de Mello observa:
“É certo (...) que entre a lei e o ato administrativo existe um intervalo(...). Ele é produto de um processo ou procedimento por intermédio do qual a possibilidade ou a exigência de supostas na lei em abstrato passam para o plano de concreção. No procedimento ou processo se estrutura, se compõe, se canaliza e a final se estampa a ‘vontade’ administrativa. Evidentemente, existe sempre um modus operandi para chegar-se a um ato administrativo final”[5].
De forma mais analítica, o professor português Pedro Machete observa:
“Verifica-se, (...) que quer a revalorização da indeterminação normativa, quer a consideração da decisão administrativa, confluem no sentido da superação da dicotomia assente na separação artificial entre decisão como procedimento, tendencialmente irrelevante para efeitos externos, e decisão como produto de procedimento, à qual são reconhecidos todos os efeitos jurídicos externos. A valorização da categoria procedimental consubstancia-se no reconhecimento de uma eficácia constitutiva inerente ao próprio procedimento, o qual co-determina o conteúdo da decisão administrativa. Os espaços de conformação administrativa resultantes da impossibilidade de reconduzir as normas administrativas a estritos programas condicionais têm de ser preenchidos em concreto pelo órgão de aplicação do Direito, i. e. a decisão administrativa implica uma actividade criadora. O procedimento (em sentido normativo), ao disciplinar o modo de desenvolvimento desta actividade de construção da decisão a partir dos dados disponíveis interfere no respectivo objecto e, por isso, é ele próprio uma das premissas a considerar”[6].
Assim, o processo seria o modo normal de atuação do Estado Democrático de Direito[7], ou, na seara especificamente administrativa, o meio de regular a formação da vontade dos agentes públicos[8].
Analisando mais detidamente o regime jurídico próprio do processo administrativo, Odete Medauar indica que sua origem é idêntica à dos processos judicial e legislativo, mas que também há algumas particularidades. Assim, a autora sinaliza o relacionamento entre o fenômeno processual e a fórmula do Estado de Direito e, ponderando que esta última figura é fundamental no ordenamento jurídico, menciona que dela decorrem vários postulados que encontram eco no processo administrativo[9]. Estes reflexos é que aproximam as três espécies processuais.
O primeiro deles é a dimensão da limitação do poder pelo direito, inerente à fórmula do Estado de Direito. Neste aspecto, reveste-se de grande importância o processo administrativo, já que ele confina a atuação administrativa a liames predeterminados e garante aos administrados o respeito às suas posições jurídicas na relação processual. Ademais, a atuação processualizada garante a observância do Princípio da Legalidade, já que ela se opõe à atuação livre.
Também o Princípio da Igualdade, pilar fundamental do Estado de Direito, é facilmente identificável no processo administrativo. Isto porque os seus participantes dispõem de idênticas oportunidades de argumentar e provar.
Outro ponto de aproximação entre o Estado de Direito e o processo administrativo é a dimensão da garantia dos direitos fundamentais. Inicialmente, própria processualização da atuação estatal já reduz a possibilidade de arbítrio. Ademais, “o contraditório e a ampla defesa, que lhe são inerentes, fornecem condições para pleitear o reconhecimento de direitos na esfera administrativa”[10].
Por derradeiro, a participação do interessado no processo destinado a preparar o ato final é condição favorável à construção de uma decisão justa. Desta forma, o processo administrativo se converte em verdadeira ferramenta de garantia prévia dos direitos do cidadão, evitando que se prolatem decisões ilegais ou iníquas[11].
No mesmo sentido, a autora ensina que o processo administrativo tem diversas finalidades.
A primeira delas seria a função garantista, pois o processo administrativo tutela direitos dos administrados que poderão ser afetados pelo ato administrativo:
“Atribui-se ao processo administrativo a condição de ‘primeiro círculo’ de garantia das posições jurídicas do administrado, enquanto supõe que a atividade administrativa tem de canalizar-se obrigatoriamente por parâmetros determinados, como requisito mínimo para ser qualificada de legítima. No esquema processual o cidadão não encontra ante si uma Administração livre, e sim uma Administração disciplinada na sua atuação”[12].
Outra função seria proporcionar um melhor conteúdo das decisões administrativas. Causa disso é a participação dos interessados que, apresentando provas, argumentos e informações, contribuem para a determinação do objeto do processo. A esse respeito, assinala:
“Essa finalidade, sob o ângulo do administrado e dos cidadãos em geral representa igualmente uma garantia, em virtude do embasamento correto da decisão administrativa, ante os elementos de instrução reunidos no processo”[13].
Como conseqüência desta participação, Odete Medauar aponta a ampliação da eficácia da decisão administrativa. Isto porque a decisão administrativa resta melhor fundamentada e, por isso mesmo, “mais suscetível de aceitação e de cumprimento do que outra, oriunda praticamente do nada e que se pretendesse impor aos indivíduos”[14].
Outra finalidade é a sistematização de atuações administrativas. Pela ótica da Administração, é uma forma de simplificar condutas, “pois não se pode pedir a cada servidor que reinvente, a cada questão que surge, todas as medidas que devam ser adotadas”[15]. Já pelo lado do administrado, possibilita-se o conhecimento do modo como se exercita a função administrativa, o que lhe permite defender melhor os seus interesses perante a Administração.
A última das funções do processo administrativo é a legitimação do poder estatal. A este respeito, Odete Medauar ensina:
“A processualidade está associada ao exercício do poder estatal; o poder é, por si próprio, autoritário. No âmbito estatal, a imperatividade característica do poder, para não ser unilateral e opressiva, deve encontrar expressão em termos de paridade e imparcialidade, no processo pré-constituído. Daí a importância dos momentos de formação da decisão como legitimação do poder em concreto, pois os dados do problema que emergem no processo, permitem saber se a solução é correta ou aceitável e se o poder foi exercido de acordo com as finalidades para as quais foi atribuído”[16].
A partir destas considerações, é possível afirmar que a importância do processo administrativo recrudesceu sensivelmente em virtude da alteração das funções do próprio Estado. De fato, num primeiro momento a doutrina entendia que o processo administrativo se resumia à mera observância dos requisitos de validade dos atos administrativos e garantia de respeito aos direitos individuais. Posteriormente, a finalidade do processo administrativo desatou-se do ato administrativo em si, para chegar até a de legitimação do poder. Nas palavras de Odete Medauar, “saiu-se da perspectiva interna para perspectivas sociais e políticas da processualidade administrativa”[17].
Utilize-se esta perspectiva para analisar o disposto no artigo 5.º, inciso LV da Constituição da República. Ali se consagrou que, os litigantes e os acusados no âmbito administrativo têm direito ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Em face dos vocábulos empregados pelo texto normativo, cumpre analisar o conteúdo dos conceitos litigante e acusado no processo administrativo. Sobre o primeiro aspecto, Odete Medauar pontifica:
“A exigência de processo administrativo abrange (...) situações em que dois ou mais administrados apresentam-se em posição de controvérsia entre si, perante uma decisão a respeito que deva ser tomada pela Administração; p. ex., as situações de licitações, concursos públicos, licenciamento ambiental. E também os casos de controvérsia entre administrados (particulares ou servidores) e a Administração; p. ex.: licenças em geral, recursos administrativos em geral, reexame de lançamento – processo administrativo tributário”[18].
Já sobre o conceito de acusado, a autora menciona:
“Na esfera administrativa o termo ‘acusados’ designa as pessoas físicas ou jurídicas às quais a Administração atribui determinadas condutas, das quais decorrerão conseqüências punitivas. A hipótese compreende, p. ex.: exercício do poder disciplinar sobre servidores; imposição de sanções decorrentes do pode de polícia, inclusive sanções de trânsito; atuações disciplinares sobre alunos de escolas públicas; atuações disciplinares que, por delegação, cabem às ordens profissionais. (...) Independentemente de disciplina legal específica, a Constituição impõe a processualidade para cada caso de controvérsia, conflito de interesses e situações de acusados ante a Administração”[19].
Não obstante sejam ponderáveis as razões que acompanham estas definições, esta discussão parece ociosa em face do preceito estampado no inciso LIV do artigo 5.º da Constituição da República. Este dispositivo estabelece que ninguém poderá ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Assim, o processo é enunciado como instrumento para que o Estado interfira no patrimônio jurídico do cidadão e, conforme já se evidenciou no item 6 do capítulo II, a possibilidade de participação do cidadão é condição de validade (e de constitucionalidade) de tal intervenção.
Desta forma, a natureza do Princípio do Contraditório é a participação do destinatário na elaboração da decisão e não necessariamente o conflito. Exatamente por isso, no que respeita à necessidade de aplicação do Princípio do Contraditório ao processo administrativo, é indiferente a qualificação que se dê aos termos litigante e acusado.
Atualmente, a intervenção do destinatário da decisão administrativa no processo de sua elaboração é entendida corolário da participação política. Diogo de Figueiredo Moreira Neto sinaliza que este pensamento é fruto de uma evolução histórica:
“A participação política na atividade administrativa do Estado foi modalidade pouco explorada no passado mas, cada vez mais, se vai tornando difundida e intensa, principalmente nos países que ostenta sistemas políticos democráticos amadurecidos. A participação administrativa visa, principalmente, à legitimidade dos atos da Administração Pública embora, incidentalmente, possa servir ao controle de legalidade. Essa participação pode dar-se em qualquer dos campos da atividade administrativa do Estado: no exercício do Poder de Polícia, na Prestação de Serviços Públicos, no Ordenamento Econômico, no Ordenamento Social e no Fomento Público”[20].
No mesmo sentido, afirma Francisco Gérson Marques de Lima:
“A participação do cidadão na administração da coisa pública amplia-se na mesma proporção em que aumenta a Democracia. É da essência da Democracia, da idéia de cidadão e – por que não dizer?! – do próprio Estado Democrático de Direito o caráter participativo na gestão da res publica. A cidadania só pode ser compreendida e se afirmar respeitada coma transparência dos atos administrativos (daí o direito à informação pelo administrado/usuário) e uma adequada regulação das formas pelas quais se possa fiscalizar e acompanha a condução das coisas do povo.”
“Nesta perspectiva participativa, importa entabular fórmulas e procedimentos adequados à participação do cidadão na Administração Pública. Procedimentos adequados, eficazes, justos. Não só de natureza judicial, mas também administrativa. O administrado tem direito a procedimento dessa natureza(...). é o chamado direito à organização e ao procedimento, tipificado como direito fundamental...”[21] (grifos são do original).
De fato, não obstante as circunstâncias próprias da atuação da Administração Pública, é irrefutável que o administrado tem direito a ser informado de qualquer situação que possa interferir em sua esfera jurídica – até mesmo para controlar a adequação da atuação estatal ao interesse público. Tal conclusão está parcialmente contida nas dobras do princípio constitucional da publicidade, norteador de toda atividade estatal, mas ganha mais vigor com a correta enunciação do Princípio do Contraditório em face do processo administrativo. Isto porque o “direito à informação é essencial ao exercício da cidadania, à discutibilidade das decisões estatais”[22].
Negar o direito do cidadão à informação tem reflexos importantes, sobretudo quando se trata dos instrumentos de condução da política econômica do Estado (seja quanto ao estabelecimento dos objetivos a serem atingidos, seja quanto aos mecanismos de sua execução). Isto porque aí as bases governamentais dispõem de grande discricionariedade e, conseqüentemente, a única espécie de controle seria político, feito por órgãos políticos instituídos e não pelo cidadão comum.
Francisco Gérson Marques de Lima analisa este quadro:
“Então, as dificuldades para um controle efetivo têm supedâneo em pragmáticas razões de ordem: a) subjetiva – consistente no eventual interesse poítico do órgão em discutir o ato; b) objetivo-procedimental – que é a maneira de impugnar o ato, através de procedimento próprio, o qual se mostra na prática, (...) deficiente; c) de conveniência e oportunidade – significando que a conjunção política tem larga influência na decisão dos órgãos fiscalizadores de investigar e discutir o ato, de tal forma que nem sempre a legalidade ou outro conceito jurídico serão os móveis da ação impugnadora”[23] (grifos são do original).
Entretanto, a possibilidade de submeter todos os atos do Estado ao controle do povo corresponde ao direito de participação política consubstanciado na fórmula do Estado Democrático de Direito. Assim, até mesmo decisões tão discricionárias como as formas de condução da economia devem se abrir à discussão.
De fato, no campo das decisões de política econômica, o direito positivo infraconstitucional oferece condições de ampla liberdade para que o administrador atue. É desta forma que os conceitos de ordem pública, interesse social, desenvolvimento e viabilidade econômica devem ser conceitualmente limitados pela possibilidade de discussão da decisão estatal – seja previamente ou não. Complementando esta discussão, Francisco Gérson Marques de Lima acentua:
“Obviamente, a discutibilidade da política econômica passa pelo conhecimento fático e jurídico da questão.(...) De um todo, não nos parece adequada qualquer doutrina ou teoria que permita a lesão a direitos fundamentais, de um lado, sobretudo quando afete a meta-individualidade, e, de outro lado, deixe-a incólume. Ora, se a lesão ou ameaça de lesão a direito do indivíduo submete-se ao crivo da judicialidade (art. 5.º, XXXV, da CF), com maior razão a ofensa a direito ou interesse geral da população deve ser alvo de controle pelo povo, intermediado por órgão próprio, segundo estrutura apropriada, com procedimento adequado. A simples qualificação de ato discricionário ou político não é bastante para isentar o administrador da fiscalização popular nem para o pôr à margem dos danos que venha a causar aos direitos e garantias fundamentais do cidadão”[24].
No mesmo sentido, Odete Medauar aponta que o exercício do poder não pode ser absoluto num Estado em que se reconhecem direitos fundamentais. Diferentemente, ao exercício do poder se associa um fim, daí decorrendo deveres, ônus e sujeições. É isto que leva o ordenamento a determinar o filtro da processualidade nas intervenções do poder estatal[25].
Desta forma, é possível concluir, com Francisco Gérson Marques de Lima:
“A processualidade administrativa, desta sorte, é de suma importância tanto no sentido de regulamentar (limitar, autorizar e disciplinar) a atividade dos agentes públicos quanto para proporcionar aos administrados o controle dessa atividade, sua fiscalização. E esta fiscalização vem (ou deve proceder) de maneiro direta (direito do petição) ou através de representantes (componentes do próprio Estado, como o Ministério público os Tribunais de Contas, as comissões parlamentares de inquérito; ou entidades de classe, como as associações e os sindicatos)”[26].
Ademais, é importante lembrar que a Constituição Federal de 1988 alçou vários princípios da Administração pública ao status constitucional. Desta forma, “a ofensa a tais primados submete o ato ao crivo de discutibilidade, quer no âmbito judicial (direito de ação), quer no administrativo (direito de petição), atendidos os requisitos do instrumento postulatório”[27].
Diante do exposto, é possível afirmar que o direito de participação é correlato ao Princípio Democrático e, como tal, também é inerente à atividade administrativa. Este vínculo já era ressaltado pela doutrina constitucionalista e processualista e os estudiosos do processo administrativo passaram a associá-lo à questão da efetividade da democracia. No paradigma do Estado Democrático de Direito, a efetividade da democracia se traduz em legitimidade da atuação estatal.
2 O contraditório no processo administrativo disciplinar.
No presente item serão observados alguns reflexos do Princípio do Contraditório sobre o processo administrativo disciplinar.
A análise deve-se iniciar pelo disposto no inciso LV do artigo 5.º da Constituição da República, que determina que acusados e litigantes no processo administrativo têm direito ao contraditório.
Investigando o conteúdo dos dois vocábulos, Marcelo Harger entende que o termo acusados denomina todos aqueles a quem seja imputada alguma falta ou conduta ilícita[28].
De outro lado, o conteúdo semântico do termo litigantes seria o dado por Ada Pellegrini Grinover:
“Litigantes existem sempre que, num procedimento qualquer, surja um conflito de interesse. Não é preciso que o conflito seja qualificado pela pretensão resistida, pois neste caso surgirão a lide e o processo jurisdicional. Basta que os partícipes do processo administrativo se anteponham face a face, numa posição contraposta. Litígio equivale a controvérsia, a contenda, e não a lide. Pode haver litigantes – e os há – sem acusação alguma, em qualquer lide. Assim, por exemplo, no processo administrativo de menores, mesmo não-punitivo, podem surgir conflitos de interesses entre o menor e seu responsável legal. Haverá, nessa hipótese, litigantes e a imediata instauração do contraditório e da ampla defesa”[29].
Analisando-se os trechos supratranscritos, observa-se que no processo disciplinar é realmente freqüente a oposição de idéias. Isto porque “a idéia do contraditório está bem relacionada com situações potencial ou materialmente litigiosas”[30].
Entretanto, conforme já mencionado anteriormente, não parece ser necessário que haja interesses contrapostos para que esteja presente o Princípio do Contraditório. Isto porque, na interpretação oferecida neste trabalho, ele é o direito de participação do destinatário do ato final no procedimento de sua elaboração.
Lembre-se que o Princípio do Contraditório está contido na expressão do Devido Processo Legal e este, no sentido analisado nesta dissertação, é condição de validade da intervenção da decisão estatal na esfera jurídica do cidadão. Assim, ainda que a definição de cada um destes vocábulos (acusado e litigante) seja bem mais restrita, a interpretação do inciso LV do artigo 5.º permite entender que o Princípio do Contraditório é elemento indissociável de qualquer decisão do Estado que tenda a interferir no patrimônio jurídico do cidadão.
Sérgio Ferraz parte de fundamento distinto, mas chega a esta mesma conclusão. Observa-se que doutrinador conceitua diferentemente o vocábulo litigante, de forma a abranger todos aqueles que podem ter sua esfera jurídica afetada por decisão administrativa:
“Ao se cuidar de processo administrativo, a palavra litigante assume feição diferenciada, apontando não só os que já tenham dissidências instauradas, mas também aqueles que possam vir a tê-las; ou, ainda mais, os que busquem instrumentalizar seus direitos de petição e de representação; e, além deles, os que estejam no desempenho de seu direito público subjetivo (constitucional) de fiscalizar o exercício administrativo (co-participação administrativa)”[31] (grifos do original).
Além destes argumentos, deve-se ponderar que o Princípio do Contraditório no processo disciplinar está intimamente ligado à noção de amplitude de defesa do acusado. Nesse sentido se posicionam até mesmo os autores que preferem denominar a atividade administrativa como procedimento, em detrimento do vocábulo processo:
“Realmente, ninguém pode ser privado da liberdade ou de seus bens, sem que se lhe propicie a produção de ampla defesa (nemo inauditus damnari potest), e, por via de conseqüência, esta só poderá efetivar-se em sua plenitude com o estabelecimento da participação ativa e contraditória dos sujeitos parciais em todos os atos e termos do processo”[32] (grifos do original).
Desta forma, a finalidade essencial do direito à informação dos atos processuais é propiciar elementos suficientes à elaboração da defesa do acusado.
Mais analítica, Odete Medauar lembra que a aplicabilidade do Princípio da Ampla Defesa deve ser analisada no contexto das características próprias do regime jurídico administrativo, tais como a auto-executoriedade das decisões administrativas e a urgência no atendimento do interesse público.
De fato, Marcelo Harger identifica numerosas vozes que sustentam que a Ampla Defesa não é aplicável ao processo disciplinar, apontando que a urgência no atendimento ao interesse público, a existência do poder discricionário e a auto-executoriedade dos atos administrativos tornam o processo administrativo incompatível com a amplitude de defesa[33].
Quanto ao primeiro dos óbices, o autor assim se manifesta:
“As questões de urgência podem servir para mitigar o direito à ampla defesa. Isso não significa que, por esta razão, o princípio possa ser considerado incompatível com o processo administrativo. É que situações de urgência também existem no processo judicial, no qual é possível a concessão de medidas liminares, sem a oitiva da parte contraposta, e ninguém afirma que o princípio seja inaplicável neste. O que ocorre nesses casos é uma ponderação de interesses. Um conflito entre princípios que obedece àquele mecanismo (...) pelo qual a prevalência de um princípio, em uma certa hipótese não retira a validade do outro no ordenamento jurídico”[34].
Já a respeito da discricionariedade, ensina:
“A questão da discricionariedade também pode ser solucionada a partir do momento em que esta seja considerada como uma faculdade conferida por lei. Partindo desse pressuposto, haveria antes um dever do que propriamente um poder discricionário. Discricionariedade, portanto, não é o mesmo que arbítrio e isso acarreta a necessidade de observância de um processo administrativo para a elaboração de atos dessa espécie. Mas (...) não é qualquer processo que serve à elaboração dos atos estatais. Somente o devido processo, dotado das garantias do contraditório e da ampla defesa, é idôneo para esse fim”[35].
Quanto à auto-executoriedade é necessário, primeiro, ponderar que ela não é atributo de todos os atos administrativos e que deriva sempre de autorização legal explícita ou implícita[36]. Nesse ponto, calha lembrar os ensinamentos de Carlos Ari Sundfeld[37].
Segundo o precitado doutrinador há três limites à auto-executoriedade dos atos administrativos: a necessidade de observância de processo judicial para a perda da propriedade ou liberdade física; a imunidade das associações cooperativas e sindicatos às interferências administrativas e o princípio da proporcionalidade.
Prosseguindo, o autor diz que só há autorização implícita para a auto-executoriedade quando se tratar de medidas de urgência (que tornar-se-iam inócuas se não fossem cumpridas imediatamente) e de medidas cuja natureza exija execução imediata (sob pena de perder o conteúdo), embora não sejam urgentes.
Oswaldo Aranha Bandeira de Mello ainda adverte que “se não existe urgência nem a natureza do ato pede essa providência, sem dúvida violenta, o seu emprego configura o exercício abusivo de direito”[38]. Assim, pode-se dizer que não basta a previsão legal de auto-executoriedade do ato, que será inválido nos casos em que ela não seja absolutamente necessária.
“a) apresenta as bases da processualidade administrativa, de modo a fazer com que seus arts. 2.º e 3.º sejam seguidos pelos diversos processos e procedimentos administrativos; e b) seus regramentos, em geral, funcionam como preceitos aptos a suprir deficiências de leis específicas sobre essa processualidade, suprindo as lacunas e procurando sistematizar a matéria”[39].
A implicação recíproca dos dois comandos constitucionais (regime jurídico administrativo e Ampla Defesa) termina por individualizar alguns princípios próprios do processo administrativo.
Assim, pelo Princípio da Oficialidade a Administração deve “tomar todas as providências necessárias ao trâmite contínuo para se chegar, sem delongas, à decisão final”[40]. Vale dizer, sua atuação no processo administrativo é ampla e não se limita aos aspectos suscitados pelos sujeitos. Daí se extraem duas conclusões: a inércia dos sujeitos não paralisa o procedimento e a da Administração desencadeia a responsabilização dos agentes pela sua omissão[41].
De forma semelhante, determina o Princípio da Verdade Material que a “Administração deve tomar decisões com base nos fatos tais como se apresentam na realidade, não se satisfazendo com a versão oferecida pelos sujeitos”[42]. É assim que seu comportamento na fase instrutória é ativo, trazendo aos autos todos os dados que lhe parecerem pertinentes, independentemente da manifestação das partes.
Ainda se deve lembrar o Princípio do Formalismo Moderado, segundo o qual os atos do procedimento devem se revestir de formas simples, suficientes para garantir um grau de certeza, segurança e, sobretudo, respeito ao Contraditório e à Ampla Defesa. Assim, as formas devem ser compreendidas como instrumentos hábeis a garantir estes objetivos, e não como finalidades em si[43]. A este respeito, Odete Medauar faz importante ressalva:
“Evidente que exigências decorrentes do contraditório e ampla defesa, tais como motivação, prazo para alegações, notificação dos sujeitos, não podem ser consideradas ‘filigranas’ ou formalidades dispensáveis, como por vezes é invocado ao se pretender ocultar razões pessoais subjacentes. Portanto, o princípio do formalismo moderado não há de ser chamado para sanar nulidades ou para escusar o cumprimento da lei. Visa a impedir que minúcias e pormenores não essenciais afastem a compreensão da verdadeira finalidade da atuação. Exemplo de formalismo exacerbado, destoante deste princípio encontra-se no processo licitatório, ao se inabilitar ou desclassificar participantes por lapsos em documentos não essenciais, passíveis de serem supridos ou esclarecidos em diligências...”[44].
Marcadas estas linhas mestras, analisem-se os desdobramentos doutrinários em que mais facilmente se constata a interferência do Princípio do Contraditório no processo disciplinar.
O primeiro e mais importante reflexo é obrigatória motivação de cada um dos atos do procedimento. A finalidade é permitir que os interessados (ou, especificamente, os indiciados) possam sobre ele se manifestar e mesmo contra ele se insurgir[45].
Além disso, pode-se afirmar que decorre do Princípio do Contraditório um direito geral de informação dos atos processuais e de manifestação sobre eles. Assim, o acusado tem o direito de receber notificação de que se iniciou o referido processo, devendo estar explícito no documento os fatos e bases legais sobre as quais se fundam a imputação; o direito de ser informado, com antecedência que oportunize a sua participação, da realização das provas; o direito de ser notificado da juntada de documentos e de sobre eles se manifestar[46].
De forma similar, Marcelo Harger aponta que a intervenção Princípio do Contraditório sobre o processo administrativo disciplinar determina que se lhe franqueie livre acesso aos respectivos autos. No mesmo sentido, resta vedada a decisão com base em elementos que não estejam ali juntados[47].
Também decorre do Princípio do Contraditório o direito à ampla instrução probatória[48]. A este respeito, Celso Antonio Bandeira de Mello ensina:
“O direito à participação na instrução probatório compreende não somente o direito de oferecer e produzir provas, mas também o de, muitas vezes, fiscalizar a produção das provas da Administração, isto é, o de estar presente, se necessário, a fim de verificar se efetivamente se efetuaram com correção ou adequação técnica devidas”[49].
Prosseguindo, importa analisar dois elementos que causam alguma polêmica na doutrina administrativista, quais sejam, a autodefesa e a defesa técnica.
Pode-se definir a primeira como a prerrogativa que tem o sujeito de, pessoalmente, adotar providências e formular alegações com o objetivo de se preservar de sanções. Aqui, Odete Medauar enxerga dois aspectos, quais sejam, o direito de presença e o de audiência:
“O direito de presença se traduz na faculdade conferida ao sujeito de assistir pessoalmente à realização das provas e de contraditá-las, também, pessoalmente, sem intermediação de representante legal, inclusive o direito de inquirir ou fazer inquirir testemunhas”.
“(...) O direito de audiência, em sentido literal ou estrito, consiste no direito de falar oralmente, para relatar fatos, de viva voz, ou dar explicações sobre dados que são expostos. Em acepção ampla inclui, também, o direito de apresentar argumentos e alegações a seu favor por si próprio”[50].
O outro aspecto polêmico é o direito do indiciado de se fazer representar por advogado no processo administrativo, bem como de ser assistido por perito de sua confiança[51].
De um lado, Lúcia Valle Figueiredo[52] entende que o direito à defesa técnica está ínsito ao direito de ampla defesa. De tal sorte, se o indiciado em processo administrativo disciplinar não se defender por advogado, é necessário que se lhe nomeie um defensor.
Por outro, Odete Medauar afirma que a defesa técnica apenas é indispensável nos casos em que as conseqüências jurídicas a aplicar sobre o sujeito sejam graves[53].
Marcelo Harger sinaliza que ainda há os que afirmem que é desnecessária a defesa técnica em qualquer caso, pois a Constituição da República não teria feito menção expressa em contrário[54].
A solução que parece mais apropriada é garantir a defesa técnica nos processos disciplinares de que possam resultar penas graves. Nestas hipóteses, Odete Medauar indica que já se firmou tendência no sentido de que cabe ao poder público a indicação de defensor dativo, caso o servidor não o tenha constituído (inclusive na revelia)[55].
A razão que recomenda a garantia de defesa técnica é a manutenção do equilíbrio entre os sujeitos (paridade de armas), circunstância intimamente associada ao Princípio do Contraditório.
Também deve ser lembrada a presunção de inocência no processo administrativo disciplinar[56]. Assim, o indiciado é inocente até a decisão final que o considere culpado, impondo-lhe a sanção correspondente. Este Princípio vincula a Administração à prova, determinando que ela a produza e proibindo que se condene aquele cuja culpabilidade não foi legalmente determinada[57].
Além da necessidade de se garantir ao acusado o direito de defesa no processo disciplinar, o Princípio do Contraditório também parece condicionar o momento em que ela deve ser produzida[58]. De fato, se for aceita a idéia de que o a participação do acusado visa interferir nos rumos do processo disciplinar (sobretudo, no seu ato final), deve-se entender que a defesa deve ser produzida antes da prolação do ato decisório.
Assinale-se que tal paradigma deve ceder espaço em casos excepcionais, como nas hipóteses de embargo de obra com risco de desabamento, quando estão em risco a vida e a segurança da população. Nestas situações, deve-se admitir que a defesa seja posterior, inclusive com a garantia da oportunidade de recorrer[59].
Outro reflexo importante é a revisibilidade do ato, o direito de interpor recurso administrativo independe de expressa previsão legal[60]. Tal postulado deriva tanto do Princípio do Contraditório, quanto da organização hierárquica como está disposta a Administração Pública. Assim, “não pode o processo administrativo ser resolvido em uma única instância, a não ser que esteja tramitando perante a mais alta autoridade administrativa[61].
Diante de todo o exposto, verificou-se em que extensão o Princípio do Contraditório impressiona a teoria do processo disciplinar. No próximo item, serão analisados os dispositivos da Lei 8.112 que tratam do processo disciplinar. Verificar-se-á se a referida lei, que estabeleceu o regime jurídico estatutário dos servidores públicos federais, confirma as orientações tratadas nas linhas acima.
3 O Princípio do Contraditório no processo administrativo disciplinar da Lei 8.112/90.
A Lei 8.112/90 estabelece o regime jurídico dos servidores públicos federais. Dentre suas várias disposições, algumas se referem ao processo administrativo disciplinar. Neste item, verificar-se-á se os referido dispositivos confirmam a orientação doutrinária tratada no item anterior.
Inicialmente, verifica-se que a referida Lei coloca sob a denominação de processo disciplinar instrumentos correspondentes a diversas atividades do órgão julgador. De fato, estão compreendidos por este predicativo os processos para apuração de faltas graves e leves (este, também denominado sindicância), o procedimento de avaliação periódica de desempenho e o de exoneração de servidor em estágio probatório em face de sua reprovação nesta avaliação, além do de exoneração de servidor estável por excesso de quadros[62].
Além disso, verifica-se que a Lei 8.112/90 cria a nebulosa figura da sindicância. No artigo 143 se estabelece que sindicância ela é uma das formas de apuração de irregularidades no serviço público federal, ao lado do processo administrativo disciplinar. Assim, tratar-se-ia de um instrumento de investigação, conforme leva a crer o disposto no artigo 145, inciso III.
Entretanto, os artigos 146 e 145, inciso II, indicam que a sindicância pode resultar na aplicação de penalidades leves. Assim, não se trataria de mera investigação, mas de verdadeira apuração de autoria e ilicitude do fato apurado, com a conseqüente imposição de penalidade.
Todas estas dificuldades advém da ausência da negligência da Lei 8.112/90 em regulamentar o rito que deveria ser aplicado à sindicância e geram outros problemas, que serão analisados no decorrer deste item.
Quanto às fases do processo disciplinar, mencione-se que o artigo 151 da Lei 8.112/90 estabelece que são três: a instauração, o inquérito administrativo e a de julgamento. Cada uma delas sofre interferência do Princípio do Contraditório, no exato sentido de determinar a participação do interessado na elaboração do ato final do processo.
A primeira conseqüência da aplicação do Princípio está já na primeira fase do processo disciplinar, mais especificamente nos atos de comunicação processual: citação e intimação. Note-se que o artigo 161, no seu caput e no seu parágrafo 1.º da Lei 8.112/90 estabelece que a citação do acusado só se dará após a instrução, ou seja, o acusado só será formalmente cientificado da existência de um processo disciplinar contra ele depois de colhidas evidências suficientes para a tipificação da infração disciplinar.
Entretanto, Romeu Felipe Bacellar Filho lembra que o artigo 156 da mesma Lei, ao estabelecer que é direito do servidor acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, participando da colheita de todas as provas. Assim, concedendo a Lei 8.112/90 a oportunidade de participação ao acusado, há a obrigatoriedade de se citar o acusado já na fase de instauração[63].
Além disso, entende o autor que o acusado também tem direito a manifestar-se sobre a acusação logo após tal comunicação. Isto porque não seria razoável ter direito a arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e formular quesitos (artigo 156) e não poder falar sobre o principal – qual seja, a acusação, que antecede e preside toda a instrução[64].
Pode-se entender que esta necessidade de citação do acusado antes do início da fase instrutória é decorrência da aplicabilidade do Princípio do Contraditório sobre a fase de instauração do processo administrativo disciplinar.
Além desta conseqüência, Romeu Felipe Bacellar Filho enxerga outras duas:
“(...) a motivação suficiente do ato de instauração do processo administrativo disciplinar (...); o ato de citação deve não somente chamá-lo a juízo, mas também informá-lo dos fatos a ele imputados, a devida fundamentação e sanção cabível, delimitando tempo oportuno para que, antes da instrução, possa manifestar-se sobre os elementos que compõem a pretensão da Administração (que enseje acusação ou litígio), participando na delimitação do objeto da prova”[65].
De fato, ao instaurar processo disciplinar, a Administração está afirmando que deve ser apurada responsabilidade administrativa a respeito de determinado fato. Em sentido técnico, isto equivale a formular uma acusação, em que se presume a ilicitude do fato e a sua autoria. Desta forma, o ato que instaura o processo disciplinar deve ser expressamente motivado e assim (integralmente) comunicado ao interessado/acusado.
Ressalte-se que não atende a tais exigências a simples menção a um dispositivo legal que se tenha por violado, já que isso impediria que o acusado se defendesse.
Na fase de inquérito administrativo é ainda mais clara a presença do Princípio do Contraditório. Destaque-se que a Lei 8.112/90 subdivide esta etapa em três: instrução (dilação probatória), defesa e apresentação de relatório.
Sobre a fase probatória, Romeu Felipe Bacellar Filho escreve:
“No regime legal, a assim chamada fase de instrução constitui a primeira fase do inquérito administrativo, momento da admissão e produção de provas. A partir do exame do conjunto probatório, a Comissão formula novo juízo de acusação ‘tipificando a infração disciplinar’ (ou antes, retipificando, visto que esta tarefa á deve ter sido feita na instauração) e ‘formulando a indiciação do servidor’ (art. 161).”
“Bem por isso, abre-se a fase de defesa, momento em que se propicia a contestação da acusação formulada pela Comisão. No entanto, se a acusação for alterada (nova tipificação ou mudança na graduação da pena), dependendo da análise dos fatos nela contida, será necessária a reabertura da fase probatória. Assim, a fase probatória estende-se tanto à fase legal de instrução como à de defesa”[66].
Aqui também se insere o direito de audiência e de presença física do acusado perante o órgão julgador[67].
As marcas do Princípio do Contraditório na subfase de defesa do processo disciplinar também são facilmente identificáveis.
A primeira delas se evidencia sempre que a Comissão deixar de citar o acusado na fase de instauração do processo disciplinar.
Como se mencionou anteriormente, o artigo 161 da Lei 8.112/90 traz ordem expressa de que o acusado deve ser citado após a fase de instrução. Lembre-se, aqui, a tese de que o artigo 156 determina a citação do acusado desde a fase de instauração, embora implicitamente, sob pena de nulidade[68]. Ainda que não se tenha por aplicável semelhante tese, é inegável que o Princípio do Contraditório determina que o acusado tem direito a acompanhar a realização das provas, bem como a requerer as que julgar convenientes. Assim, a conseqüência inapelável é de que o acusado tem direito a que sejam produzidas novamente todas as provas.
Outra aplicação do Princípio do Contraditório na subfase de defesa do processo disciplinar é a possibilidade de se reabrir a fase instrutória sempre que se constatar que ao servidor poderá ser atribuída a autoria de infração distinta da prevista no ato de citação, ou ainda que poderá ser-lhe imposta sanção mais grave do que a que lhe havia sido comunicada naquela ocasião. Tal conseqüência deriva da própria dinâmica da defesa, que consiste basicamente em se opor aos fatos que cuja realização lhe foi atribuída.
Na última fase do inquérito administrativo a Comissão elabora suas alegações finais na forma de relatório, que será submetido à apreciação da autoridade competente para o julgamento. Este documento deve conter a conclusão pela inocência ou responsabilidade do servidor e, se for este o caso, indicar o dispositivo legal transgredido e eventuais circunstâncias agravantes e atenuantes.
De pronto verifica-se que a motivação deste relatório é conseqüência direta da garantia do Contraditório. Romeu Felipe Bacellar Filho justifica esta necessidade:
“A motivação das alegações finais da Comissão funciona como instrumental em relação ao contraditório. Não só porque serve de orientação ao órgão julgador, mas principalmente porque fornece subsídios para as alegações finais da defesa. O contraditório manifesta-se como princípio dinâmico de ouvir-se a acusação, ouvir-se a defesa, em todos os momentos processuais importantes para a formação do convencimento do juiz administrativo”[69].
Com base nestas considerações, o autor entende que é imprescindível a oportunidade de apresentação de alegações finais de defesa, peça correspondente ao relatório da Comissão. Isto porque o Princípio do Contraditório reclama o tratamento isonômico das partes.
Também se enxergam conseqüências da aplicação do Princípio do Contraditório na fase final, a de julgamento.
Ali, decorre do postulado a proibição de que o órgão julgador decida uma questão que não foi debatida pelas partes[70]. Assim, vincula-se o motivo da decisão e da punição (ou da eventual absolvição) ao motivo do processo disciplinar a elas correspondente.
Ademais, também deve ser atendida a necessidade de motivação da decisão e a da sua idônea comunicação ao acusado. Romeu Felipe Bacellar Filho justifica que esta demanda decorre da obrigação de levar em consideração o resultado da atividade do órgão acusador e do acusado, respondendo a cada uma delas[71], analisando o resultado de todos os elementos probatórios produzidos e, finalmente, cientificando os interessados do inteiro teor da decisão proferida.
Analisadas todas estas circunstâncias, pode-se afirmar que todos os aspectos doutrinários tratados no item anterior desta dissertação foram sufragados pela Lei 8.112. Demonstrou-se que o Princípio do Contraditório intervém até mesmo no dispositivo que prevê que a citação do acusado se dê após a fase instrutória – possibilitando a reabertura desta etapa, com a conseqüente reprodução de todas as provas.
Assim, evidenciou-se que a inobservância a tais requisitos torna nulo o processo, pois o Contraditório é condição de validade do provimento sancionatório, como o é de toda decisão estatal que intervenha no patrimônio jurídico do cidadão.
4 O contraditório no processo administrativo “não disciplinar”.
Tratou-se anteriormente das garantias que devem cercar o processo administrativo disciplinar, que visa a cominação de sanção ao servidor público em virtude de cometimento de falta funcional. Naquela oportunidade, assinalou-se que os cientistas do direito, em uníssono, concordavam com a necessidade do contraditório para aferir a legalidade do feito.
Como contraponto desta situação e para explicitar a abrangência da tese advogada neste trabalho, verificar-se-á a possibilidade de extensão do Princípio do Contraditório a todos os processos administrativos tendentes a interferir no patrimônio jurídico do cidadão.
Esta conclusão já é sinalizada por algumas previsões legais expressas, tais como a do processo administrativo de dispensa de servidor celetista para a redução de despesa pública e adequação à lei orçamentária. Assim, mesmo quando não estiver em análise o descumprimento de uma atribuição funcional – próprio do processo disciplinar – o processo administrativo é o meio juridicamente adequado de atuação do Estado.
O aprofundamento da discussão é de grande interesse para aqueles funcionalmente ligados à Administração Pública, já que envolve a questão da obrigatoriedade de sujeição da atividade estatal ao processo administrativo. Isto porque são aqueles os atores responsáveis pela concretização do Princípio do Contraditório nas questões diariamente submetidas à sua intervenção profissional.
No entanto, além destes, há vários outros interessados, conforme menciona Francisco Gérson Marques de Lima:
“Vários outros atores vão surgindo, como: a Magistratura (incumbida de decidir questões sobre a aplicação correta do procedimento próprio, no controle da legalidade); o Ministério Público (encarregado de zelar pela legalidade e pela res publica); os sindicatos de servidores e associações de magistrados, na defesa dos membros da categoria; os agentes da administração; os Tribunais e Conselhos de Contas, no controle e fiscalização dos atos administrativos (admissão, aposentadorias, licitação etc.); e os particulares, pessoas físicas ou jurídicas (exemplo: frente ao processo fiscal/tributário), e os usuários de serviços públicos (criação da EC 19, de 1998)”[72].
Justificada a importância da discussão e fixado o objetivo deste item, mencione-se que a possibilidade de extensão do Princípio do Contraditório para além do processo disciplinar deve ser norteada por algumas das conclusões parciais deste trabalho.
A primeira delas consiste na idéia de que o dispositivo constitucional do artigo 5.º, inciso LV da Constituição estabelece que o Estado só pode interferir no patrimônio jurídico do cidadão pela via do Devido Processo Legal.
A segunda conclusão parcial é de que o Contraditório é elemento essencial do processo e que o distingue do procedimento.
A terceira idéia fundamental é de que a atividade administrativa se desenvolve pela via do processo, e não por simples procedimento.
Outro elemento norteador desta análise é a apresentação do processo administrativo como momento de transição entre as competências legalmente descritas e o ato administrativo.
Superadas estas questões propedêuticas, investigue-se a forma pela qual o Princípio do Contraditório se concretiza no processo administrativo.
O Contraditório é um princípio geral que preside a atuação do Estado, sempre pela via do processo. Como a abstração e a vagueza são características dos princípios de direito, é possível analisar que o Princípio se concretiza de formas um pouco distintas em cada espécie processual.
Aqui, no processo administrativo, o conteúdo do Contraditório pode ser apresentado como a participação do administrado em todos os atos do processo administrativo, influenciando na decisão a ser proferida. Assim, o interessado (destinatário do ato final) deve ser cientificado da existência do processo[73] e de tudo mais o que nele ocorra, podendo se manifestar sobre de todos os atos e fatos processuais. Como conseqüência, o órgão julgador deve apreciar motivadamente tais manifestações[74].
Egon Bockmann Moreira afirma que esta conformação do Princípio do Contraditório representa a infiltração do Princípio Democrático na atividade administrativa:
“Ora, um dos fundamentos do Estado Democrático de direito é a integração do particular na esfera pública, segundo normas jurídicas preestabelecidas. As pessoas privadas detêm o direito de conhecer, participar, influenciar e controlar a atividade da Administração. O processo administrativo é justamente um dos meios através dos quais se dá o exercício da cidadania, garantido pelo contraditório”.
“(...) Assim, o princípio do contraditório é, antes do que dever despido de efeitos processuais concretos, a configuração da possibilidade de influência positiva do administrado na constituição da vontade estatal”[75].
Por outro lado, é importante mencionar que a processualidade administrativa não se restringe à seara do processo disciplinar, onde tradicionalmente se a enxergava. Se por um lado a Constituição Federal associa o contraditório e a ampla defesa ao processo administrativo (portanto, não o limitando ao processo disciplinar), por outro, a legislação infraconstitucional vem trazendo novos instrumentos processuais adequados ao exercício de cada atividade administrativa específica. A este respeito, lembra Francisco Gérson Marques de Lima:
“O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503, de 1997) trata do assunto nos arts. 280-290; a Lei 9.507, de 1997 (Lei do Habeas Data), cria regras de processo administrativo mesmo entre particulares, no afã de assegurar o direito à informação e à retificação de dados (arts. 2.º-4.º); a Emenda Constitucional 19, de 1998, que alterou o art. 41, §1.º, da Constituição Federal de 1988, criou processo de avaliação periódica de desempenho de funcionário público no qual se assegura o direito à ampla defesa; e, arrematando as principais regras sobre esta forma de processualidade, foi publicada no DOU de 1.2.1999 a Lei 9.784, que ‘regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal” – lei, esta, translineada e incorporada pelos Estados-membros, que a adaptaram às suas peculiaridades”[76].
Como o processo administrativo não se desenvolve apenas na atividade de impor sanção ao servidor, pode-se dizer que a concretização do Princípio do Contraditório sobre a atividade administrativa não se restringe apenas ao processo disciplinar. É nesse sentido que sinaliza Odete Medauar, exemplificando:
“Em processos administrativos referentes a questões coletivas e difusas, o contraditório se expressa na possibilidade de fazer emergir os diferentes interesses em jogo e de confrontá-los adequadamente em presença dos respectivos titulares, antes da decisão final”[77].
No mesmo sentido, Marcelo Harger lembra que a própria Constituição da República definiu o exercício da função administrativa com o termo processo, preterindo o vocábulo procedimento. Acrescenta que, ao fazer tal opção, o constituinte não limitou a aplicabilidade do Princípio do Contraditório apenas ao processo administrativo disciplinar:
“Ressalte-se, (...) que a opção pelo termo processo é realizada pelo próprio direito positivo, mais especificamente pela Constituição. Essa escolha não se limita ao aspecto terminológico. Implica, também, o reconhecimento da existência do processo nas atividades da Administração Pública. A escolha do constituinte é bastante relevante, especialmente se considerarmos que duas realidades distintas forma denominadas de processo administrativo. A primeira consiste nos processos nos quais existam acusados ou litigantes. A segunda abrange os casos de atuação processualizada como forma de explicitação da competência par o exercício da atividade administrativa”[78].
Nesse sentido, o Princípio do Contraditório parece desempenhar importantes funções no processo administrativo. É o que observa Odete Medauar ao afirmar que ele tem finalidade a um só tempo instrutória e garantista:
“... visa à tutela das posições jurídicas dos destinatários do ato final; tal proteção se efetua no seu aspecto genérico, pois enseja a colaboração do sujeito na fixação do conteúdo do ato; e se efetua no seu aspecto reativo, por oferecer possibilidade concreta de melhor combater o ato final, se lesivo a direitos. (...) a instrução contraditória protege o indivíduo contra o poder coercitivo da administração”[79].
Vladimir Rocha França assinala que o Contraditório não existe para burocratizar (no sentido pejorativo do termo) a ação administrativa. Diferentemente, entende que sua função é conceder-lhe maior segurança, democratizando o exercício da atividade administrativa e garantindo o respeito à cidadania e à dignidade da pessoa humana[80].
Em sentido análogo, Marcelo Harger[81] afirma que o exercício da democracia não se exaure com a eleição de governantes pelo voto popular. Pelo contrário, o Princípio Democrático recomenda que todas as formas de tomada de decisões devem garantir (em maior ou menor grau) a participação popular. Nesse sentido, o processo administrativo se transforma em verdadeira democracia de funcionamento ou operacional, de sorte que o grau de processualização da atividade administrativa servirá de baliza para graduar a extensão democrática do Estado.
Estendendo-se este raciocínio, é possível concluir que a relevância do processo administrativo transpõe a dimensão da atividade administrativa, prestando-se também à legitimação do próprio exercício do poder. Segundo o autor, o caráter funcional da atividade administrativa veda a utilização do poder de modo arbitrário. Assim, sublinha-se a relevância das diversas etapas que levam à decisão final para a legitimação da atividade administrativa no caso em concreto[82].
A forma como o Princípio do Contraditório se concretiza no processo administrativo corresponde às considerações lançadas até aqui.
Analisando a questão, Odete Medauar observa que a consagração do Contraditório no processo administrativo apresenta três desdobramentos fundamentais.
O primeiro deles é a regra da informação geral, correspondente ao direito de que dispõem os sujeitos e a própria Administração de conhecerem todos os fatos que estão na base da formação do processo, e de todos os demais fatos, dados, documentos e provas que vierem à luz no curso do processo:
“Daí resultam as exigências impostas à Administração no tocante à comunicação aos sujeitos de elementos do processo em todos os seus momentos. Como é evidente, a comunicação deve abranger todos os integrantes da relação processual administrativa. Vincula-se, igualmente, à informação ampla, o direito de acesso a documentos que a Administração detém ou a documentos juntados por sujeitos contrapostos. E a vedação ao uso de elementos que não consta do expediente formal, porque deles não tiveram ciência prévia os sujeitos, tornando-se impossível eventual reação a tais elementos”[83].
O segundo desdobramento é a oitiva dos sujeitos, consistente na oportunidade de expressar o próprio ponto de vista acerca dos fatos, documentos e argumentos apresentados pela Administração e por outros sujeitos. Neste item estão contidos “o direito paritário de propor provas (com razoabilidade) e de vê-las realizadas e o direito a um prazo suficiente para o preparo das observações a serem contrapostas”[84].
Por último, a aplicabilidade do Princípio do Contraditório no processo administrativo implica na necessidade de motivação dos atos que dele resultam. De fato, só quando a Administração externa os motivos que conduziram à sua conclusão esta é passível de controle e, além disso, evidencia em que medida a participação dos interessados influenciou neste resultado[85]. Segundo a autora:
“... a motivação propicia o reforço da transparência administrativa e do respeito à legalidade: da motivação emergem as normas jurídicas que levaram a administração a adotar uma decisão, sua pertinência aos fatos embasadores e o iter lógico seguido no processo, se for o caso”[86].
Em sentido análogo, Marcelo Harger observa que a doutrina administrativista se divide entre aqueles que defendem a obrigatoriedade da motivação do ato administrativo independentemente de previsão legal e aqueles que a rejeitam. Assinala que tem-se observado uma crescente prevalência da primeira corrente, fundamentada na tendência de democratização do Estado moderno[87].
Pode-se entender a motivação do ato administrativo como a explicitação das condições de fato e de direito e do nexo de causalidade entre elas e o conteúdo do ato. É por meio dela que se evidenciam as razões pelas quais a Administração adotou uma determinada decisão, preterindo outra(s).
Nesse sentido, é de se ponderar que se a motivação não determina inexoravelmente o respeito da lei pela Administração, trata-se de elemento importante e simples para permitir o controle da legalidade do comportamento administrativo.
Portanto, a motivação do ato é obrigatória, ainda que a legislação não o determine expressamente, e sob pena de invalidade do ato.
No mesmo sentido, não se pode admitir (pelo menos em regra) que a motivação seja posterior à edição do ato, devendo ser prévia ou concomitante. Marcelo Harger assim justifica esta circunstância:
“É que as motivações ulteriores poderiam ser fabricadas pela Administração para justificar a prática do ato ilegal. (...) permitir uma motivação posterior à edição do ato, seria possibilitar um grande nível de arbitrariedade, especialmente nos casos de discricionariedade”[88].
Ademais, menciona o doutrinador que a motivação em si mesma tem requisitos formais e substanciais:
“Os requisitos formais somente estarão presentes quando a lei assim o determinar. Caso não haja determinação expressa, a forma será livre. Uma boa forma a ser seguida, todavia, é a das sentenças judiciais. Nesse sentido, uma fundamentação formalmente correta deveria conter: a) um relatório; b) a fundamentação; c) a conclusão; d) data e assinatura do portaló. Observe-se que a motivação sempre deverá ser feita por escrito. Os requisitos substanciais são clareza, suficiência e congruência”[89].
Nota-se que, quais sejam, garantir que o órgão administrativo levou em consideração as intervenções do destinatário do ato e possibilitar o controle da adequação entre a decisão final e o interesse público previsto em lei.
Assim, percebe-se que todos estes requisitos servem de instrumento para a concretização das finalidades da motivação e que esta é importante desdobramento dos Princípios do Estado Democrático de Direito e do Contraditório. Isto porque lhe podem ser associadas diversas funções, quais sejam, a de possibilitar o controle da legalidade e da adequação da decisão aos fins da administração e a de consagrar a participação do administrado, seja evidenciando que suas alegações foram levadas em consideração no processo de elaboração da decisão, seja possibilitando sua reação (contra-argumentação) em face de uma decisão desfavorável.
Outro reflexo da aplicabilidade do Princípio do Contraditório no processo administrativo é tradicionalmente traduzido como Princípio da Publicidade. Observando a importância do referido primado, Carmen Lúcia Antunes Rocha menciona que a “publicidade é mais que um dos princípios constitucionais da Administração: é, assim, o seu próprio nome, a denotar-lhe a essência”[90].
Celso Antonio Bandeira de Mello também entende que o Princípio da Publicidade decorre da própria natureza da função administrativa, em que o poder é exercido em nome de terceiros:
“Deveras, se os interesses públicos são indisponíveis, se são interesses de toda a coletividade, os atos emitidos a título de implementá-los hão de ser exibidos em público. O povo precisa conhecê-los, pois este é o direito mínimo que assiste a que é a verdadeira fonte de todos os poderes”[91].
Diante do exposto, pode-se entender que toda a atividade administrativa se realiza processualmente. Desta forma, o Princípio do Contraditório sobre ela repercute, apresentando alguns desdobramentos próprios, mas que não chegam a comprometer o conceito até aqui defendido.
Assim, é possível afirmar que o Estado só pode impor a sua decisão se proporcionar ao administrado plenas condições de participação no caminho que a ela conduzirá: seja franqueando o acesso às informações necessárias, seja proporcionando a manifestação do administrado e, principalmente, apreciando o teor destas manifestações.
CONCLUSÃO
Ao cabo do presente trabalho, reafirmamos que o Princípio do Contraditório é essencial ao Estado Democrático de Direito. Mais do que isso, que é essencial para que se tenha, de fato, um Devido Processo Legal.
Demonstramos, ainda, que a participação efetiva dos interessados é condição essencial para que o processo administrativo, disciplinar ou não, seja juridicamente válido e legítimo.
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[5] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros. 1999. P. 418.
[6] MACHETE, Pedro. A audiência dos interessados no procedimento administrativo. 2. ed. Lisboa: Universidade Católica. 1996. P. 39.
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[9] MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. P. 86-87.
[10] MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. P. 86-87.
[11] MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. P. 86-87.
[12] MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. P. 63.
[13] Idem. P. 64.
[14] Idem. P. 65.
[15] Idem. P. 68.
[16] Idem. P. 65.
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[18] Idem. P. 78.
[19] MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. P. 78.
[20] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito da participação política: fundamentos e técnicas constitucionais da democracia. Rio de Janeiro: Renovar. 1992. P. 123.
[21] LIMA, Francisco Gérson Marques de. Fundamentos constitucionais do processo: sob a perspectiva de eficácia dos direitos e garantias fundamentais. São Paulo: Malheiros. 2002. P. 164.
[22] LIMA, Francisco Gérson Marques de. Fundamentos constitucionais do processo: sob a perspectiva de eficácia dos direitos e garantias fundamentais. São Paulo: Malheiros. 2002. P. 165.
[23] LIMA, Francisco Gérson Marques de. Fundamentos constitucionais do processo: sob a perspectiva de eficácia dos direitos e garantias fundamentais. São Paulo: Malheiros. 2002. P. 167.
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[25] MEDAUAR, Odete. A processualidade no Direito Administrativo. São Paulo: RT. 1993. P. 28.
[26] LIMA, Francisco Gérson Marques de. Fundamentos constitucionais do processo: sob a perspectiva de eficácia dos direitos e garantias fundamentais. São Paulo: Malheiros. 2002. P. 170.
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[28] HARGER, Marcelo. Princípios constitucionais do processo administrativo. Rio de Janeiro: Forense. 2001. P. 167.
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[30] FRANÇA, Vladimir da Rocha. Contraditório e invalidação administrativa no âmbito da Administração Pública federal. In: FIGUEIREDO, Lúcia Valle (Coord.). Devido processo legal na administração pública. São Paulo: Max Limonad. 2001. P. 187-225.
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[40] MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. P. 120.
[41] MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. P. 120-121.
[42] MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. P. 121.
[43] MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. P. 122.
[44] MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. P. 123.
[45] HARGER, Marcelo. Princípios constitucionais do processo administrativo. Rio de Janeiro: Forense. 2001. P. 159-167.
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[49] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros. 1999. P. 362.
[50] MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. P.117-118.
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[72] LIMA, Francisco Gérson Marques de. Fundamentos constitucionais do processo: sob a perspectiva de eficácia dos direitos e garantias fundamentais. São Paulo: Malheiros. 2002. P.164.
[73] FRANÇA, Vladimir da Rocha. Contraditório e invalidação administrativa no âmbito da Administração Pública federal. In: FIGUEIREDO, Lúcia Valle (Coord.). Devido processo legal na administração pública. São Paulo: Max Limonad. 2001. P. 187-225. P. 194.
[74] MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros. 2000. P. 225.
[75] MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros. 2000. P. 226-227.
[76] LIMA, Francisco Gérson Marques de. Fundamentos constitucionais do processo: sob a perspectiva de eficácia dos direitos e garantias fundamentais. São Paulo: Malheiros. 2002. P. 158.
[77] MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. P. 97.
[78] HARGER, Marcelo. Princípios constitucionais do processo administrativo. Rio de Janeiro: Forense. 2001. P. 58-59.
[79] MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. P. 102.
[80] FRANÇA, Vladimir da Rocha. Contraditório e invalidação administrativa no âmbito da Administração Pública federal. In: FIGUEIREDO, Lúcia Valle (Coord.). Devido processo legal na administração pública. São Paulo: Max Limonad. 2001. P. 187-225. P. 221.
[81] HARGER, Marcelo. Princípios constitucionais do processo administrativo. Rio de Janeiro: Forense. 2001. P. 79.
[82] HARGER, Marcelo. Princípios constitucionais do processo administrativo. Rio de Janeiro: Forense. 2001. P. 80.
[83] MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. P. 104.
[84] MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. P.106.
[85] MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. P. 107.
[86] MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. P. 107.
[87] HARGER, Marcelo. Princípios constitucionais do processo administrativo. Rio de Janeiro: Forense. 2001. P. 117-118.
[88] HARGER, Marcelo. Princípios constitucionais do processo administrativo. Rio de Janeiro: Forense. 2001. P. 121.
[89] HARGER, Marcelo. Princípios constitucionais do processo administrativo. Rio de Janeiro: Forense. 2001. P. 124.
[90] ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey. 1994. P. 239.
[91] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros. 1999. P. 44-45.
Procurador Federal (AGU), mestre em Direito Público, pós-graduado em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Alexandre Magno Borges Pereira. A concretização do princípio do contraditório no processo administrativo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37551/a-concretizacao-do-principio-do-contraditorio-no-processo-administrativo. Acesso em: 22 nov 2024.
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