I - Consideração Inicial
Busca o presente estudo demonstrar ser direito subjetivo da servidora pública, que sofre com violência doméstica, a remoção a pedido, independente do interesse da Administração Pública, com fulcro no art. 36, III, da Lei nº 8.112/93. Para tanto, parte-se de um estudo hermenêutico das normativas constitucionais e legais que visam proteger a vida, a família e a mulher, de modo a, analogicamente, subsumir as situações de ameaça e violência albergadas na Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) em hipótese de remoção a pedido do servidor, independente do interesse da Administração.
II – Hipótese Legal de Remoção – Art. 36 da Lei nº 8.112/90
A remoção de servidor público federal está regulamentada pelo regime jurídico da Lei nº 8.112/90. O texto é claro ao estabelecer as possibilidades de remoção do servidor, conforme dispõe o art. 36, in verbis:
“Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modalidades de remoção:
I - de ofício, no interesse da Administração;
II - a pedido, a critério da Administração;
III - a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração:
a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração;
b) por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial;
c) em virtude de processo seletivo promovido, na hipótese em que o número de interessados for superior ao número de vagas, de acordo com normas preestabelecidas pelo órgão ou entidade em que aqueles estejam lotados.
Roga-se que o legislador ao regulamentar as hipóteses de remoção, a pedido, independentemente do interesse da Administração, não poderia prever todas as situações, como por exemplo, os casos de violência doméstica sofrida por servidoras públicas.
Nota-se que o ato de remoção visa preservar o direito à vida, à integridade física, à segurança e ao trabalho. Os bens jurídicos a serem protegidos, assim, mostram-se até mesmo mais importantes do que aqueles tutelados pela Lei nº 8.112/90 que permite a remoção independente do interesse da Administração.
Nesse sentido, tendo em conta os valores constitucionais envolvidos, é de se aplicar, por analogia, o inciso III, parágrafo único do art. 36 da legislação mencionada, que visa, também, proteger a manutenção do convívio familiar, a saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e a efetivação de processo seletivo de remoção promovido pela Administração.
III – Da proteção constitucional e da Lei Maria da Penha
Ademais, verifica-se que esses bens jurídicos encontram-se previstos na Constituição Federal, no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais:
“Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
Além disso, o art. 226, § 8º, da Constituição da República de 1988 atribui ao Estado Brasileiro o compromisso de atuar de forma efetiva na proteção dos direitos fundamentais das mulheres, nos seguintes termos:
“Art. 226. (...)
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”
Esta disposição constitucional não é princípio abstrato, meramente programático, mas norma efetiva, que possui eficácia vinculante para o ordenamento jurídico infraconstitucional, de forma que é o ponto de partida hermenêutico para toda a legislação.
Posteriormente, com o advento da Lei nº 11.340/06, batizada de Lei Maria da Penha em homenagem a uma vítima da violência doméstica, foram criados mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Na essência, quer viabilizar à mulher o exercício dos direitos fundamentais, a saber: vida, liberdade, igualdade, segurança, propriedade, enfim, a dignidade humana. Essa lei estabelece, portanto, dois critérios para determinar a sua aplicação: primeiro, o sujeito passivo deve ser mulher; segundo, a violência deve ser no âmbito familiar, doméstico ou de afeto.
Como ação afirmativa, a Lei nº 11.340/06 dá a conhecer a possibilidade de uma série de medidas de proteção e assistência à mulher. Por exemplo, prevê o acesso prioritário à remoção, se a vítima for servidora pública, bem como a manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses, todas deferidas mediante ordem judicial, conforme dispõe o art. 9º, § 2º, in verbis:
“Art. 9o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.
(...)
I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta; (...)”
No entanto, no instituto da remoção independe de autorização judicial, a própria Administração pode determinar e fazer executar as medidas de força que se tornarem necessárias para a execução do ato, A respeito, destacamos:
“DIREITO ADMINISTRATIVO. POLICIAL FEDERAL. 1. REMOÇÃO A PEDIDO. INDEPENDENTE DE VAGA, SEM ONUS PARA A ADMINISTRAÇÃO. 2. AINDA QUE A HIPOTESE DO PARAGRAFO UNICO, ART. 36 DA LEI 8112/90 NÃO SE APLIQUE A ESPECIE TEM O SERVIDOR DIREITO A TRATAMENTO ISONOMICO. APELAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL IMPROVIDA.”
(AC 9304142806, MANOEL LAURO VOLKMER DE CASTILHO, TRF4 - TERCEIRA TURMA, 26/01/1994)
Desta forma, a efetividade do direito das Servidoras Públicas e a dignidade do ser feminino, do direito a uma vida digna em meio a uma convivência igualitária e livre de violência, interessam não apenas às mulheres, tampouco somente às suas famílias, mas a toda a sociedade, pois não se pode ignorar que mais da metade da humanidade, as mulheres, vivem sob diferentes formas de violência causadas por uma cultura de submissão, de desvalorização, de abuso e de repressão. Em meio a esse processo o Serviço Público Federal não pode se fechar para a abissal diferença entre a realidade e as políticas e legislações existentes, e suas dificuldades de concretização do direito à igualdade material.
IV – CONCLUSÃO
Com essas considerações, entende-se assistir à servidora pública federal, vítima de violência doméstica, o direito subjetivo à remoção a pedido, independente do interesse da Administração Pública, quando esta for medida imprescindível a assegurar a efetiva proteção aos direitos constitucionais e legais da mulher.
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