O presente artigo tem por objetivo analisar se Organização Social - OS e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP podem ou não participar de procedimento licitatório.
Organizações sociais são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa privada e que podem celebrar contrato de gestão com o Poder Público para desempenhar serviços de natureza social ligados a proteção e preservação do meio ambiente, ensino, pesquisa científica, cultura e saúde. Essa qualificação como organização social é conferida pelo Ministro ou titular do órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social e pelo Ministro do Planejamento. Em âmbito federal, a matéria é regulada pela Lei n. 9.637/98.
Ressalte-se que essa qualificação concede a tais entidades algumas vantagens, tais como isenções fiscais, cessão temporária de servidores públicos, repasse de bens públicos, dentre outros.
Sobre o assunto, confira-se lição de GUSTAVO BARCHET[1]:
“As organizações sociais são pessoa jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que recebem do Poder Público uma especial qualificação (OS), firmando com ele um vínculo de cooperação mediante a celebração de um contrato de gestão, a fim de desempenharem serviços sociais não privativos do Estado, contando para isso com o auxílio deste, mediante permissão de uso de bens públicos, destinação de recursos orçamentários, cessão especial de servidores, dispensa de licitação nos contratos de prestação de serviços relacionados às atividades contempladas no contrato de gestão, entre outras formas de incentivo.
Não se tratam as organizações sociais de uma nova figura jurídica, mas apenas de uma qualificação especial conferida a determinadas pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, mediante o preenchimento de certos requisitos legais.
Não integram a Administração Direta e Indireta, nem são delegatárias de serviço público, pois prestam serviços não exclusivos do Estado. Devemos considerar as organizações sociais como pessoas jurídicas de direito privado que realizam, em seu próprio nome, atividades de interesse coletivo não privativas de certa pessoa política, e que, portanto, podem ser desempenhadas independentemente de delegação.
As organizações sociais não atuam em setores onde é necessária a posse de prerrogativas próprias do Poder Público, como é o caso, por exemplo, da área de fiscalização tributária, na qual o poder de coerção é elemento indispensável para o desempenho da atividade. O objetivo das organizações sociais é justamente desonerar o Poder Público naqueles setores sociais que não lhe são exclusivos, onde a demanda por serviços é intensa.”
Segundo ALEXANDRE MAZZA[2]:
“As áreas de atuação das organizações sociais são ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde. Desempenham, portanto, atividades de interesse público, mas que não se caracterizam como serviços públicos stricto sensu, razão pelo qual é incorreto afirmar que as organizações sociais são concessionárias ou permissionárias.”
Como já foi visto, e nos termos do art. 1º da Lei n. 9.637/98, as organizações sociais não podem ter fins lucrativos e suas atividades devem ser dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos na Lei.
Segundo a Lei n. 9.790/99, qualifica-se como OSCIP toda pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos e desde que seus objetivos sociais e normas estatutárias atendam os requisitos de citada Lei.
Em resumo, para receber o atributo de OSCIP é necessário o cumprimento dos seguintes requisitos: (i) não ter a entidade fins lucrativos; (ii) ser constituída para atividades socialmente úteis. Veja-se que o art. 3º da Lei n. 9.790/99 arrola uma gama de atividades que qualificam uma organização como OSCIP; (iii) não se incluir nos tipos citados no art. 2º da Lei n. 9.790/99; (iv) contemplar no estatuto os requisitos enumerados no art. 4º da mesma lei.
Assim, desde que as pessoas jurídicas preencham essas condições, podem firmar termo de parceria com o Poder Público e, via de conseqüência, qualificam-se a receber verba ou bem público voltados ao fomento desse vínculo cooperativo. As OSCIPs atuam em colaboração com a Administração Pública no desempenho de algumas atividades específicas, mas é plenamente factível que atuem independentemente do Poder Público.
MARIA ZANELLA DI PIETRO[3] elucida:
“A Lei n. 9.790, de 23-3-99, regulamentada pelo Decreto n. 3.100, de 30-6-99, veio disciplinar as entidades que denominou de organizações da sociedade civil de interesse público (Oscip). Trata-se de qualificação jurídica dada a pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa de particulares, para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado com incentivo e fiscalização pelo Poder Público, mediante vínculo jurídico instituído por meio de termo de parceria. Embora conhecida como a lei do terceiro setor, é evidente que a Lei n. 9.790/99 não trata de todas as entidades do terceiro setor, conforme resultado do exposto no item 11.1.”
Complementa, ainda:
“Podem ser apontadas as seguintes características na organização da sociedade civil de interesse público:
a) é pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos;
b) criada por particulares, deve habilitar-se perante o Ministério da Justiça para obter a qualificação (art. 5º);
c) deve atuar em pelo menos uma das seguintes áreas: assistência social; promoção a cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; promoção gratuita da educação ou da saúde; promoção da segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; experimentação, não lucrativa, de novos modelos socioprodutivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo (art. 3º);
d) seu vínculo com a Administração Pública é estabelecido por meio de termo de parceria, que deve especificar, como cláusulas essenciais: o objeto, com especificação do programa de trabalho; as metas e os resultados a serem atingidos e os respectivos prazos de execução ou cronograma; os critérios objetivos de avaliação de desempenho, mediante indicadores de resultado; previsão de receitas e despesas, inclusive com detalhamento das remunerações e benefícios do pessoal a serem pagos com recursos oriundos ou vinculados ao termo de parceria; obrigatoriedade de apresentação de relatório anual, com comparação entre as metas e os resultados alcançados, acompanhado de prestação de contas; publicação na imprensa oficial do extrato do termo de parceria e de demonstrativo de sua execução física e financeira (art. 10, § 2º).
e) a execução do termo de parceria será supervisionada pelo órgão do Poder Público da área de atuação correspondente à atividade fomentada e pelos Conselhos de Políticas Públicas das áreas correspondentes de atuação existentes, em cada nível de governo (art. 11);
f) fomento pelo Poder Público ou cooperação entre Poder Público e entidade privada, não sendo especificadas na lei as modalidades de fomento ou cooperação; há apenas algumas referências a bens ou recursos de origem pública;
g) a entidade poderá perder a qualificação a pedido ou mediante decisão proferida em processo administrativo, no qual será assegurada a ampla defesa e o contraditório (art. 7º);
h) em caso de malversação de bens ou recursos de origem pública, os responsáveis pela fiscalização representarão ao Ministério Público, à Advocacia Geral da União ou à Procuradoria da entidade, para que requeira ao juízo competente a decretação da indisponibilidade dos bens da entidade e o seqüestro dos bens de seus dirigentes, bem como de agente público ou terceiro, que possam ter enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público (art. 13); também são previstos a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações mantidas pelo demandado no país e no exterior (art. 13, § 2º).
Por fim, no que diz respeito ao objeto do presente artigo, a Professora arremata:
“Na prática vem ocorrendo desvirtuamento das Oscips, tendo em vista que os termos de parceria com elas firmados nem sempre os seus fins institucionais, que são atividades privadas de interesse público, dentre as previstas no artigo 3º da Lei n. 9.790 ou na respectiva legislação estadual e municipal. A participação do Poder Público se enquadra na atividade de fomento: o objetivo é o de incentivar tais entidades pelo fato de prestarem atividade de interesse público. Elas não se prestam à delegação de serviços públicos nem podem ser contratadas pela Administração Pública para prestação de serviços ou obras (sob a forma de empreitada) ou para fornecimento de mão de obra, porque isto contraria os objetivos da lei que disciplina a matéria. Elas devem atuar paralelamente ao Estado em seu próprio âmbito de atividade, com a ajuda do Estado, e não substituir-se à Administração Pública. Na hipótese de admitir-se como válida a celebração de contratos de prestação de serviços ou de fornecimento de mão-de-obra com Oscip, essa contratação está sujeita às normas de licitação, não podendo fazer-se por meio de termos de parceria.”
Trazendo os ensinamentos retro citados ao presente estudo, o primeiro ponto a ser ressaltado é que, a princípio, uma OS ou OSCIP não pode ser contratada pela Administração Pública se o objeto da futura avença não for socialmente relevante. Isso porque, como já explicado, dispõem os art. 1º da Lei n. 9.637/98 e o art. 3º da Lei n. 9.790/99 que o objetivo da OS ou OSCIP é exercer atividades de cunho eminentemente social. Portanto, não há como justificar a sua contratação para executar serviço desvinculado desse interesse coletivo.
Aliás, a própria Instrução Normativa n. 02/2008 do Ministério do Planejamento dispõe expressamente:
Art. 5º Não será admitida a contratação de cooperativas ou instituições sem fins lucrativos cujo estatuto e objetivos sociais não prevejam ou não estejam de acordo com o objeto contratado.
Ocorre que o tema não é de deslinde fácil. Há outras peculiaridades que cercam a participação de organizações sem fins lucrativos em certames licitatórios, tais como: (i) se tais entidades não têm fim lucrativo, como justificar sua participação em um ajuste nitidamente mercantil? (ii) e o princípio da igualdade dos licitantes? Porque se uma entidade sem fins lucrativos que goza de benefício fiscal participa de determinada licitação, ela já entra com vantagem sobre os demais concorrentes.
O Acórdão nº 1.021/2007-TCU-Plenário analisou a participação de uma OSCIP em uma licitação realizada pelo BNDES. Consta no voto do Ministro Relator MARCOS VILLAÇA:
“3. Em relação ao primeiro aspecto, mencionei, no despacho em que determinei a suspensão cautelar do certame, que a questão se insere em perspectiva mais ampla, e não somente pela presença de regime tributário diferenciado. É que, no meu modo de ver, a participação de Oscips em licitações objetivando a prestação de serviços à Administração desvirtua os delineamentos traçados pelo ordenamento jurídico para este tipo de entidade.
[...]
6. A atuação de uma Oscip volta-se, portanto, para o atendimento do interesse público, mediante serviços de cunho social, e não para o fornecimento de bens e serviços para a Administração Pública. Sua área de atuação é incompatível, no meu entendimento, com os serviços de que nos fala os arts. 6º, II, e 13 da Lei nº 8.666/93:”
[...]
9. No entanto, reconheço que a questão não é pacífica. Parece haver, inclusive, certa tendência a se aceitar que elas possam participar de licitações na Administração Pública, desde que a atividade a ser contratada esteja prevista no Estatuto:
“Não é que elas não possam ser contratadas. Eventualmente elas podem, se a prestação de serviços e o fornecimento de bens estiver prevista dentre seus objetivos institucionais. Só que, em se tratando de contrato, está sujeito à licitação. Se a Administração Pública aceita contratar Oscip para fornecimento de bens e serviços, tem que haver licitação em que a entidade participe em igualdade de condições com outros possíveis interessados. (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Palestra ‘As Organizações Sociais e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Publico (Leis nºs 9.637/98 e 9.790/99)’, proferida no seminário ‘O Ministério Público e a Fiscalização das Entidades Não Governamentais de Interesse Público’, retirada do site do Ministério Público do Estado de São Paulo).”
10. Mas o desfecho da questão posta à apreciação do Tribunal prescinde dessa investigação. A incompatibilidade do objeto licitado com as finalidades institucionais da entidade é suficiente para resolvê-la. (g.n.).
Assim, segundo a Corte de Contas, o primeiro requisito para que uma OS ou Oscip possa participar de certame licitatório é que a atividade a ser contratada esteja prevista dentre seus objetivos institucionais. Nesse caso, ela poderá ser contratada. Ressalte-se que, nos termos da decisão, a contratação de tais entidades deve se dar mediante procedimento licitatório.
De fato, qual seria o embasamento legal para contratar uma organização sem fins lucrativos para executar determinada atividade que não consta dentre suas finalidades? A base de criação de tais organizações é justamente para auxiliar o Estado no desempenho de determinadas atividades sociais, o que inviabiliza a sua contratação para atividades extra estatutárias, ou seja, sem nexo de causalidade entre os seus objetivos sociais e os serviços licitados.
É preciso ainda ter em mente que essas instituições sociais, a depender do caso concreto, podem gozar de imunidade ou isenção tributária, conforme art. 150, VI, da Constituição Federal:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...).
VI - instituir impostos sobre:
(...).
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
É certo que a Lei nº 9.532/97 c/c a de nº 9.718/98 estabelecem critérios/requisitos para que as entidades acima identificadas gozem do benefício tributário, mas, desde que cumpridos tais requisitos, irão elas usufruir do benefício. O art. 15 da Lei nº 9.532/97 elenca, ainda, situações em que as associações sem fins de lucrativos terão direito a isenção tributária.
Pelo exposto, resta claro que em algumas situações as entidades sem fins lucrativos gozam de benefícios fiscais não extensivos a sociedades de fins lucrativos propriamente ditas, o que pode implicar vantagem na disputa por um contrato público, contrariando, em decorrência, um princípio básico da licitação: o da igualdade entre os participantes.
Há de destacar, ainda, o art. 174 da Carta Magna:
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
§ 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.
§ 2º - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.
Assim, ao que me parece, o dispositivo constitucional colocou na mesma linha as cooperativas e as associações. O Termo de Conciliação Judicial nº 01082-2002-020-10-00-0, firmado entre o Ministério Público do Trabalho e a União, homologado nos autos da Ação Civil Pública proposta perante a 20ª Vara do Trabalho de Brasília (Processo 01082-2002-020-10-00-00), dispôs:
Cláusula Primeira - A UNIÃO abster-se-á de contratar trabalhadores, por meio de cooperativas de mão-de-obra, para a prestação de serviços ligados às suas atividades-fim ou meio, quando o labor, por sua própria natureza, demandar execução em estado de subordinação, quer em relação ao tomador, ou em relação ao fornecedor dos serviços, constituindo elemento essencial ao desenvolvimento e à prestação dos serviços terceirizados, sendo eles:
a) – Serviços de limpeza; b) – Serviços de conservação; c) – Serviços de segurança, de vigilância e de portaria; d) – Serviços de recepção; e) – Serviços de copeiragem; f) – Serviços de reprografia; g) – Serviços de telefonia; h) – Serviços de manutenção de prédios, de equipamentos, de veículos e de instalações; i) – Serviços de secretariado e secretariado executivo; j) – Serviços de auxiliar de escritório; k) – Serviços de auxiliar administrativo; l) – Serviços de office boy (contínuo); m) – Serviços de digitação; n) – Serviços de assessoria de imprensa e de relações públicas; o) – Serviços de motorista, no caso de os veículos serem fornecidos pelo próprio órgão licitante;
Cláusula Segunda - Considera-se cooperativa de mão-de-obra, aquela associação cuja atividade precípua seja a mera intermediação individual de trabalhadores de uma ou várias profissões (inexistindo assim vínculo de solidariedade entre seus associados), que não detenham qualquer meio de produção, e cujos serviços sejam prestados a terceiros, de forma individual (e não coletiva), pelos seus associados.
Cláusula Terceira - A UNIÃO obriga-se a estabelecer regras claras nos editais de licitação, a fim de esclarecer a natureza dos serviços licitados, determinando, por conseguinte, se os mesmos podem ser prestados por empresas prestadoras de serviços (trabalhadores subordinados), cooperativas de trabalho, trabalhadores autônomos, avulsos ou eventuais;
Parágrafo Primeiro - É lícita a contratação de genuínas sociedades cooperativas desde que os serviços licitados não estejam incluídos no rol inserido nas alíneas “a” a “r” da Cláusula Primeira e sejam prestados em caráter coletivo e com absoluta autonomia dos cooperados, seja em relação às cooperativas, seja em relação ao tomador dos serviços, devendo ser juntada, na fase de habilitação, listagem contendo o nome de todos os associados. Esclarecem as partes que somente os serviços podem ser terceirizados, restando absolutamente vedado o fornecimento (intermediação de mão-de-obra) de trabalhadores a órgãos públicos por cooperativas de qualquer natureza.
Dessa forma, a contratação de associações/organizações sem fins lucrativos para exercer atividades objeto de terceirização pode assemelhar-se à contratação de cooperativa de mão-de-obra, o que é expressamente vedado, como foi dito acima.
Sobre esse assunto, o Superior Tribunal de Justiça tem decisão no sentido de que quando uma organização sem fins lucrativos atua com desvio de finalidade, elas passam a se sujeitar aos mesmos encargos tributários do setor privado:
Não tem, conseqüentemente, a recorrida como objetivo social o fornecimento de
mão-de-obra e aluguel de equipamentos à recorrente, pessoa jurídica. Os seus associados são os servidores do Banco e não este.
Estou convencido no sentido de que, na hipótese discutida no âmbito do recurso especial em debate, a recorrida extrapolou os limites dos seus objetivos sociais e
equiparou-se, para fins de incidência do ISS, a agente prestador de serviços de locação de mão-de-obra ao Banco do Estado do Espírito Santo, de forma remunerada. (Trecho do voto do Min. José Delgado, nos autos do REsp. n. 937.090/ES).
Em 2010 foi prolatado o Acórdão nº 7.549/2010 – TCU - 2ª Câmara –, em que a Corte de Contas, analisando a possibilidade ou não de contratação de entidades sem fins lucrativos via licitação, assim decidiu:
(...)
4. Assim, no mérito, o ponto preponderante da questão controvertida consiste em saber se, nos certames licitatórios para a prestação de serviços acessórios, instrumentais ou complementares à atividade-fim da administração pública (terceirização de serviços), poderão habilitar-se entidades sem fins lucrativos para o fim de, logrando êxito no certame, firmar o correspondente contrato.
5. Em termos gerais, louvamos o tratamento teórico conferido ao assunto pela Secretaria de Recursos, mediante ponderada e fundamentada análise técnica e jurídica dos aspectos concernentes à natureza e às peculiaridades da terceirização de serviços no setor público, às condições da atuação regulamentar das entidades sem fins lucrativos no mercado e aos fundamentos colhidos na doutrina e jurisprudência pertinentes.
6. Em especial quanto às finalidades a que regularmente se prestam, as entidades privadas sem fins lucrativos se distinguem, a par da ausência de busca de lucros em primeiro plano e de forma intencional, por atuar em segmentos econômicos, sociais ou políticos marcados por um caráter beneficente, filantrópico, assistencial, religioso, cultural, educacional, científico, artístico, recreativo, esportivo e de proteção ao meio ambiente, à criança e ao adolescente e à saúde, entre outros. Como bem ponderou a Unidade Técnica, o exercício de atividade econômica pelas entidades sem fins lucrativos, embora não seja vedado na legislação, deve
estar relacionado com o cumprimento de seus fins estatutários sob pena de desvio de finalidade.
7. De fato, decisões de tribunais pátrios indicam que as entidades sem fins lucrativos, quando atuam em atividades estranhas aos seus fins estatutários, incidindo em desvio de finalidade, passam a sujeitar-se a encargos tributários do setor empresarial, conforme se depreende dos excertos transcritos a seguir:
“TRIBUTÁRIO. ISS. LOCAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA. INCIDÊNCIA.
1. Associação civil sem fins lucrativos que, desviando-se dos seus objetivos, efetua locação de mão-de-obra a quem não seja seu associado e para atividades exclusivas da parte contratante, de forma remunerada, está sujeita ao pagamento do ISS.
2. Comprovação nos autos de que a recorrida, entidade civil, locou mão-de-obra ao Banco do Espírito Santo, recebendo valores por esse negócio jurídico, durante os meses de maio de 1988 até junho de 1990, mês a mês.
3. A recorrida congrega os servidores do BANESTES. Os seus sócios são, portanto, pessoas físicas. O BANESTES não é um dos seus associados. Inexistência de serviços prestados a associado no ambiente físico da associação.
4. Locação de mão-de-obra com objetivo do BANESTES, por necessidade, ampliar o seu quadro de prestadores de serviços.
5. Recurso especial provido para fazer incidir o ISS.” (REsp 937090/ES,Processo 2007/0067249-3. Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, Ministro José Delgado, Julgamento 06/11/2007, DJ 29/11/2007).
8. Casos há, ainda, em que ocorre um total desvirtuamento do caráter de assistência social que a entidade ostenta:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ISS. ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SEM FINS LUCRATIVOS. IMUNIDADE. ART. 150, VI, ‘c’, DA CF/88.
AUSÊNCIA DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS. ART. 14 DO CTN.
1. A imunidade tributária interpreta-se restritivamente, sendo certo que, administrativamente é lícito aferir-se os requisitos do art. 14 do CTN, mercê de poder coadjuvá-lo a notoriedade dos fatos (notoria non eget probatione), na medida em que desconsiderá-lo viola a regra do art. 333, I, do CPC.
2. In casu, as atividades notoriamente desenvolvidas pela referida Associação nem de longe têm o condão de enquadrá-la como espécie de entidade de assistência social, menos ainda de instituição sem fins lucrativos. Ao revés, como bem salientado no parecer da Auditora Tributária, que opinou na via administrativa pelo indeferimento do pedido de imunidade da ora recorrida (fls. 178/191), os cursos por ela ministrados são basicamente voltados à área de atuação da mesma - hotelaria -, a qual parece ‘atuar como qualquer empresa comercial que para diminuir custos e rotatividade do pessoal, bem como melhorar a qualidade total dos serviços, investe em treinamento e aperfeiçoamento da mão-de-obra’.
3. Recurso especial provido.” (REsp 707315/DF, Processo 2004/0169519-4. Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, Ministro Luiz Fux, Julgamento 03/05/2007, DJ 14/02/2008, pág. 144).
9. Entretanto, particularmente para as categorias indicadas no art. 1.º do Decreto n.º 2.271/97 como objeto preferencial de execução indireta de serviços na administração pública federal direta, autárquica e fundacional – atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações –, ponderamos por divergir do pressuposto genérico e uniforme de que os serviços de terceirização não poderiam ser desempenhados pelos membros de uma entidade sem fins lucrativos. A nosso ver, não se pode admitir aprioristicamente, sem exame da situação concreta, que as atividades acessórias da administração sempre exigiriam uma intermediação ou locação de mão de obra, apenas por inexistir um vínculo empregatício entre a entidade sem fins lucrativos e os agentes que a integram.
10. Embora uma atividade possa caracterizar-se como acessória e instrumental para um órgão da administração pública, esse aspecto não possui uma conexão direta com o cumprimento das finalidades estatutárias de uma entidade sem fins lucrativos que preencha os requisitos necessários à realização dos serviços. Dito de outra forma, a regularidade da prestação de serviços de terceirização por uma entidade sem fins lucrativos é aferida pela forma em que esta atua para cumprimento de suas finalidades essenciais, e não necessariamente pelo caráter acessório ou complementar da atividade objeto da prestação do
serviço.
(...).
19. Por sua vez, o exame das condições técnicas e jurídicas apresentadas por entidades sem fins lucrativos, na fase de habilitação dos certames licitatórios para a prestação de serviços terceirizados, segue, por analogia, basicamente os procedimentos definidos pelo TCU por ocasião de reiteradas análises do cumprimento dos requisitos para a situação do art. 24, inciso XIII, da Lei n.º 8.666/93, concernentes à efetiva existência de nexo entre o objeto a ser licitado e os objetivos estatutários da instituição sem fins lucrativos (Decisões Plenárias
n.ºs 881/97, 830/90, 346/99, 30/2000, 150/2000, 1067/2001 e 1101/2002, e Acórdãos Plenários n.ºs 427/2002, 1549/2003, 839/2004, 1066/2004, 1934/2004 e 1342/2005). De modo geral, a jurisprudência do Tribunal consolidou ser inviável a habilitação de licitante cujo objeto social seja incompatível com o da licitação (Acórdão n.º 1021/2007-Plenário).
20. Assim, não basta que a entidade ostente, nos seus estatutos, o requisito de ser constituída sem fins lucrativos; deve ser verificado se, concretamente, a forma como a entidade vai executar os serviços do certame não implicará desvio de finalidade. Entre outras hipóteses passíveis de ocorrer, haverá desvio de finalidade se a entidade atuar em objeto incompatível com os seus objetivos estatutários ou como mera intermediadora ou locadora de mão de obra na prestação dos serviços.
21. A propósito, esse entendimento se alinha ao disposto no art. 5.º da Instrução Normativa MPOG n.º 2/2008 (grifos nossos):
“Art. 5.º Não será admitida a contratação de cooperativas ou instituições sem fins lucrativos cujo estatuto e objetivos sociais não prevejam ou não estejam de acordo com o objeto contratado.
Parágrafo único. Quando da contratação de cooperativas ou instituições sem fins lucrativos, o serviço contratado deverá ser executado obrigatoriamente pelos cooperados, no caso de cooperativa, ou pelos profissionais pertencentes aos quadros funcionais da instituição sem fins lucrativos, vedando-se qualquer intermediação ou subcontratação.”
22. Também na esfera tributária as condições a serem atendidas por entidades sem fins lucrativos, a exemplo das filantrópicas, são aferidas de forma concreta como se vê a seguir:
“ADMINISTRATIVO. TRIBUTÁRIO. CENTRO CULTURAL BRASIL-EEUU DE CURITIBA. CERTIFICADO DE ENTIDADE DE FINS FILANTRÓPICOS.
I - Só faz jus ao Certificado de Fins Filantrópicos, documento hábil a gerar isenção (sic) da contribuição social patronal prevista no inciso II, do art. 55 da Lei n.° 8.742, de 8.212/91, em cumprimento ao art. 195, § 7.° da CF, entidade que comprove:
a) que exerce atividade sem fins lucrativos, o que podia ter feito com apresentação do seu balanço;
b) que tem por finalidade essencial promover a integração de pessoas ao mercado de trabalho, capacitando-os com uma profissão específica;
c) que, por um conjunto integrado de ações, provê os mínimos sociais necessitados pela cidadania, garantindo-lhes o atendimento às necessidades básicas, conforme exigência da Lei n.º 8.742, de 7.12.93, art. 1.°;
d) que atua com missões voltadas exclusivamente aos mais necessitados.
2 - Impetrante que tem como objetivo fundamental, conforme expressa com muita clareza artigo dos seus estatutos, o de promover o ensino da língua inglesa.
3 - Ausência de provas do exercício de atividades filantrópicas.
4 - Registro nos Estados da entidade de finalidade a serem alcançadas, com a sua atuação, que descaracteriza por inteiro a possibilidade de ser considerada como essencialmente filantrópica.
5 - Sociedade civil mantida por sócios-contribuintes e sem a atividade filantrópica como seu principal objetivo. Inexistência, aliás, de prova de qualquer ação social de tal característica.
6 - Segurança denegada.” (MS 5690/DF, Processo 1998/0014987-2, Superior Tribunal de Justiça, Relator Ministro José Delgado, Julgamento 09/09/98, DJ 26/10/98, pág. 5)
(...).
24. A sentença favorável ao impetrante em liminar ateve-se à circunstância de ser legalmente viável a participação do IPPP naquela licitação, em virtude da observância dos princípios da competitividade e do oferecimento da proposta mais vantajosa. Todavia, quanto ao enquadramento do objeto social da impetrante ao previsto na licitação, a sentença dispõe expressamente que “caberá à Administração, quando da análise das propostas, decidir sobre a referida compatibilização” (primeiro parágrafo à fl. 68 do Anexo 2).
Portanto, na verdade, a essência da sentença se harmoniza com o entendimento que defendemos no presente parecer, pois, como se viu, as condições de atendimento do objeto pela entidade sem fins lucrativos deverão ser aferidas em concreto na fase de habilitação, e não como vedação genérica de participação em licitações.
25. Diante do exposto, esta representante do Ministério Público manifesta-se por que seja conhecido o Pedido de Reexame interposto pelo Instituto de Professores Públicos e Particulares (IPPP) para, no mérito, dar-lhe provimento parcial da seguinte forma:
a) em nova redação do subitem 1.4.1.1 do Acórdão n.º 5.555/2009-2.ª Câmara dirigido à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e, doravante, em caráter normativo aos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, determinar que não habilitem, nos certames licitatórios para a contratação de serviços de terceirização ou assemelhados, entidades sem fins lucrativos cujos estatutos e objetivos sociais não tenham nexo com os serviços a serem prestados ou cuja forma de atuação caracterize intermediação ou locação de mão de obra; e
Ao final, foi proferida decisão nos termos abaixo expendidos:
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão da Segunda Câmara, diante das razões expostas pelo Relator, em:
9.1. conhecer do Pedido de Reexame para, no mérito, dar-lhe provimento parcial, alterando a redação ao subitem 1.4.1.1 do Acórdão n.º 5.555/2009-2.ª Câmara, dirigido à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e que, doravante, em caráter normativo, aos Órgãos e Entidades da Administração Pública Federal Direta, Autárquica e Fundacional, que passa a ter o seguinte teor:
9.1.1. determinar que não habilitem, nos certames licitatórios para a contratação de serviços de terceirização ou assemelhados, entidades sem fins lucrativos cujos estatutos e objetivos sociais não tenham nexo com os serviços a serem prestados;
Sobre o assunto, confira-se, ainda, decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. LICITAÇÃO. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL. OSCIP (ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO). IMPOSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LUCRATIVA.
1. Agravo de instrumento manejado pelo IDSTP (INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E DO TRABALHO DE PERNAMBUCO) contra decisão que, em sede de mandado de segurança contra atos imputados ao Presidente e Pregoeiro da Comissão Permanente de Licitação da Universidade Federal Rural de Pernambuco, indeferiu pedido liminar a fim de suspender a concorrência nº 02/2009 (para exploração de restaurante universitário) e assegurar a habilitação do ora agravante no certame em questão;
2. Da análise dos autos observa-se que o ora agravante justifica a ausência de apresentação de Capital Social em seu balanço comercial, motivo que justificou sua inabilitação no certame em questão, sob o fundamento de que, sendo uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), tal documentação corresponde ao "Patrimônio Social";
3. Nos termos dos art. 3º da Lei nº 9.790/99, podem se qualificar como OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos. Desta forma, as pessoas jurídicas qualificadas como OSCIP's não podem exercer atividade comercial, ou seja, atividade com intuito lucrativo;
4. Como bem fundamentou a decisão agravada, a exploração de atividade comercial de restaurante não se enquadra no âmbito de atuação das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, elencadas na Lei nº 9.790/99. Assim, tal vedação, por si só, constitui óbice legal ao deferimento da pretensão do ora agravante em participar de licitação; (AGTR 104.733, Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, DJe 07/05/2010, p. 337).
Pelo exposto, a luz das decisões do Tribunal de Contas da União, constata-se que não é vedada a participação de entidades sem fins lucrativos em certames licitatórios. Elas podem ser contratadas pela Administração desde que: a) exista nexo entre as finalidades da associação/organização e o objeto do certame; b) não se trate de contratação de cooperativa de mão-de-obra, o que, ao que parece, assemelha-se a contratação de associação.
Percebe-se que todas as decisões ventiladas, inclusive as judiciais, analisam o assunto sob o viés dos objetivos das entidades sem fins lucrativos e do objeto da licitação, sem adentrar outro ponto importantíssimo: a entidade poderá participar do certame usufruindo dos benefícios fiscais que lhes são concedidos?
Ora, as licitações têm caráter mercantil. Essa finalidade já desnatura a participação de OS ou OSCIP em certames, pois estas não têm fins lucrativos. Além disso, eventual vantagem fiscal vai de encontro a um princípio basilar da licitação: o da igualdade entre os licitantes. Essa situação por si só já configura impeditivo para a participação de OS ou OSCIP em procedimento licitatório.
Assim, em que pesem decisões da Corte de Contas favoráveis à habilitação de entidades sem fins lucrativos em certames licitatórios - desde que suas finalidades sejam compatíveis com o objeto contratual -, é de se analisar o assunto levando em conta o princípio da igualdade entre os licitantes e o caráter mercantil dos ajustes contratuais derivados de procedimento licitatório. Essas condições inviabilizam a participação de tais entidades em licitações públicas.
Referências Bibliográficas:
BARCHET, Gustavo. Direito Administrativo. São Paulo: Campus/Elsevier, 2008.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2011:
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2010,
Notas:
[1] BARCHET, Gustavo. Direito Administrativo. São Paulo: Campus/Elsevier, 2008, p. 166/167.
[2] MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 156.
[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 500
Procuradora Federal. Chefe da Divisão de Precatórios e Dívida Ativa do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Patricia Cristina Lessa Franco. Entidades sem fins lucrativos e possibilidade ou não de participação em certames licitatórios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37739/entidades-sem-fins-lucrativos-e-possibilidade-ou-nao-de-participacao-em-certames-licitatorios. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Danilo Eduardo de Souza
Por: maria edligia chaves leite
Por: MARIA EDUARDA DA SILVA BORBA
Por: Luis Felype Fonseca Costa
Por: Mirela Reis Caldas
Precisa estar logado para fazer comentários.