A alienação de bens pela Administração Pública, por meio da modalidade de licitação “leilão”, deve atender aos preceitos insculpidos na Lei nº 8.666/1993, no Decreto nº 99.658/90 e, em parte, no Decreto nº. 21.981/32.
Inicialmente, observe-se o que dispõe a Lei das Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 8.666/93), in verbis:
Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
(...)
§ 6º Para a venda de bens móveis avaliados, isolada ou globalmente, em quantia não superior ao limite previsto no art. 23, inciso II, alínea "b" desta Lei, a Administração poderá permitir o leilão.
(...)
Art. 22. São modalidades de licitação:
I - concorrência;
II - tomada de preços;
IV - concurso;
V - leilão.
(...)
§ 5º Leilão é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para a administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens imóveis prevista no art. 19, a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação.
(...)
Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:
(...)
II - para compras e serviços não referidos no inciso anterior:
a) convite - até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);
b) tomada de preços - até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais);
(...)
No mesmo sentido é o art. 8º do Decreto nº 99.658/90:
Art. 8º A venda efetuar-se-á mediante concorrência, leilão ou convite, nas seguintes condições:
(...)
II - por leilão, processado por leiloeiro oficial ou servidor designado pela Administração, observada a legislação pertinente, para material avaliado, isolada ou globalmente, em quantia não superior a Cr$ 59.439.000,00 (cinquenta e nove milhões, quatrocentos e trinta e nove mil cruzeiros);
(...)
Vale registrar que os bens públicos são objeto de disciplina no Código Civil de 2002, onde são classificados em bens de uso comum do povo, bens de uso especial e bens dominicais. Estes últimos são aqueles que “constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades” (art. 99, inciso III, do CC). Os bens públicos dominicais podem ser alienados, segundo o art. 101 do Diploma Civil, desde que observadas as exigências de lei.
O regramento trazido pela Lei nº 8.666/93 deve ser interpretado à luz da legislação regulamentar específica sobre o reaproveitamento, a movimentação, a alienação e outras formas de desfazimento material no âmbito da Administração Pública Federal. Trata do assunto o Decreto nº 99.658/90, com as alterações promovidas pelo Decreto nº 6.087/07.
O art. 3º, inciso IV, do Decreto nº 99.658/90 não deixa dúvidas acerca da abrangência do conceito de alienação utilizado neste diploma: “operação de transferência do direito de propriedade material, mediante venda, permuta ou doação”. Qualquer modalidade de alienação deve ser precedida de avaliação do bem, a qual deve ser feita de conformidade com os preços atualizados e praticados no mercado (art. 7º, caput, do 99.658/90). A legislação determina, ainda, que decorridos mais de 60 (sessenta) dias da avaliação, o material deve ter o seu valor automaticamente atualizado, “tomando-se por base o fator de correção aplicável às demonstrações contábeis e considerando-se o período decorrido entre a avaliação e a conclusão do processo de alienação” (parágrafo único, do art. 7º, do Decreto nº 99.658/90).
O material considerado como inservível para a entidade que detém a sua posse ou propriedade, conforme art. 3º, parágrafo único, do Decreto nº 99.658/90, deve ser classificado em ocioso, recuperável, antieconômico ou irrecuperável. O bem deverá ser reputado ocioso “quando, embora em perfeitas condições de uso, não estiver sendo aproveitado” (art. 3º, parágrafo único, alínea “a”, do Decreto nº 99.658/90); recuperável “quando sua recuperação for possível e orçar, no âmbito, a cinquenta por cento de seu valor de mercado” (art. 3º, parágrafo único, alínea “b”, do Decreto nº 99.658/90); antieconômico “quando sua manutenção for onerosa, ou seu rendimento precário, em virtude de uso prolongado, desgaste prematuro ou obsoletismo” (art. 3º, parágrafo único, alínea “c”, do Decreto nº 99.658/90) e irrecuperável “quando não mais puder ser utilizado para o fim a que se destina devido a perda de suas características ou em razão da inviabilidade econômica de sua recuperação” (art. 3º, parágrafo único, alínea “d”, do Decreto nº 99.658/90).
Assim, constata-se que poderão ser alienados, mediante leilão, os bens inservíveis classificados conforme acima mencionado, desde que expressamente consignada a circunstância que gerou o desfazimento.
Nesse sentido, leciona Marçal Justen Filho (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, 13ª ed. São Paulo: Dialética, 2009. p. 221/222), que:
“Os pressupostos de alienabilidade dos bens públicos não constam da Lei n.º 8.666/93. (…) O que se exige é a evidenciação prévia pela Administração de que os requisitos contidos na legislação própria para a alienação encontram-se devidamente atendidos. Embora a ausência de regras na lei, é óbvio que existem limites à decisão de alienar ou onerar bens públicos. (…) Em suma, há hipóteses em que a Administração está impedida de deliberar pela alienação do bem público. E há outros casos em que a Administração tem dever jurídico de promover alienação. (…) Excluídas essas duas situações extremas, haverá discricionariedade na decisão de alienar bens, que deverá ser cumpridamente motivada para indicar sua compatibilidade com os valores que norteiam a atividade estatal. Então, a justificação prévia deverá evidenciar o cabimento da alienação em face da legislação própria e o cumprimento de eventuais requisitos exigidos para tanto. Ademais disso, deverá determinar os atos subsequentes, necessários à formalização propriamente dita da alienação”. (grifo nosso)
Ademais, a avaliação dos bens para fins de fixação de seus valores mínimos para arremate deve ser realizada por Comissão Especial, composta por, no mínimo, três servidores e nomeada pela autoridade competente, conforme exigência legal prevista nos artigos 53, §1º da Lei n.º 8.666/93 e dos artigos 7º e 19 do Decreto n.º 99.658/1990. Confira-se:
Lei nº. 8.666/93
Art. 53. O leilão pode ser cometido a leiloeiro oficial ou a servidor designado pela Administração, procedendo-se na forma da legislação pertinente.
§ 1o Todo bem a ser leiloado será previamente avaliado pela Administração para fixação do preço mínimo de arrematação.
Decreto n.° 99.658/1990
Art. 7º Nos casos de alienação, a avaliação do material deverá ser feita de conformidade com os preços atualizados e praticados no mercado.
Art. 19. As avaliações, classificação e formação de lotes, previstas neste decreto, bem assim os demais procedimentos que integram o processo de alienação de material, serão efetuados por comissão especial, instituída pela autoridade competente e composta de, no mínimo, três servidores integrantes do órgão ou entidade interessados.
Outro aspecto relevante, inerente ao leilão, diz respeito à contratação do leiloeiro oficial.
Tanto no citado art. 8º, II do Decreto nº 99.658/90 quanto no art. 53[1] da Lei nº. 8.666/93 há possibilidade de realização do leilão por servidor público ou leiloeiro oficial contratado.
A profissão de leiloeiro é regulamentada pelo Decreto nº. 21.981/32. Menciona-se que o referido normativo ainda se encontra vigente, neste sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RE 840535/DF:
PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA DA JUNTA COMERCIAL PARA DESTITUIR CARGO DE PREPOSTO DE LEILOEIRO E IMPOR MULTA. PREVISÃO CONTIDA NO DECRETO Nº 21.981/32 QUE REGULAMENTA A PROFISSÃO DE LEILOEIRO. INEXISTÊNCIA DE ALTERAÇÃO DESSA COMPETÊNCIA EM DECORRÊNCIA DA EDIÇÃO DE LEI Nº 8.934/94. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL.21.9818.9342ºLEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL
1. A profissão de leiloeiro resta regulamentada pelo Decreto nº 21.981, de 19 de outubro de 1932 que atribui às juntas comerciais a competência para fiscalizar a atuação daquele, bem como a imposição de penalidades e multas, conforme se extrai dos artigos 16, 17 e 18, os quais vigem integralmente no sistema pátrio, porquanto não revogados pela Lei 8.934/94 que sequer tratou de especificação e regulamentação da carreira de leiloeiro público.
2. O Decreto nº 21.981/32, por seu turno, tem como escopo, dentre outros, o de regulamentar a profissão de leiloeiro público oficial, sendo certo que a Lei nº 8.934/94, por sua vez, surgiu para disciplinar o Registro Público de Empresas Mercantes e atividades afins, nada aduzindo especificamente sobre a atividade profissional sub judice.
3. Consectariamente, decidiu com acerto o Tribunal a quo, ao assentar que acolher a tese dos autores conduziria ao fim da carreira de Leiloeiro Público oficial, eis que não haveria qualquer norma a regulamentar a aludida função. (fls. 255) 4. Sob esse enfoque, forçoso ter presente, no que pertine à eficácia da lei no tempo, as regras da Lei de Introdução ao Código Civil, na parte em que se relaciona com o thema sub judice. 5. O Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução ao Código Civil) dispõe que: "Art. 2º - Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1º - A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2º - A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. § 3º - Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência." Precedentes: REsp 719.866/CE, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJ 27.03.2006;REsp 711.859/PR, DJ 30.05.2005;REsp 678.533/PR, DJ 19.12.2005. 6. As leis especiais quando regulam matéria compreendida num Código ou em outra lei geral, mas contêm, sobre a mesma, disposições que não se encontram no Código ou na lei geral e que não contradizem ao novo direito, continuam em vigor, em relação a todas as disposições que devem ser consideradas como parte integrante do novo Código ou da nova lei."(Doutrina clássica de SAREDO, in Trattato Delle Leggi, 1886, pág. 505; e Abrogazione Delle Leggi, nº 111, in Digesto Italiano, Vol. 1ª parte, 1927, pág. 134). 7. É que, no caso de determinada matéria ser disciplinada por uma lei geral, havendo certas relações, atinentes à mesma espécie, reguladas por lei particular, o fato de ser publicada uma lei geral, que reja a matéria, na sua integralidade, não traz como conseqüência ab-rogação implícita da lei especial relativa a ela, quando se não apresenta incompatibilidade absoluta entre essa lei especial e a geral, ou quando a ab-rogação não resulte claramente da intenção legislativa, do objeto, do espírito ou do fim da lei geral. (Fiore, Delle Disposizioni Generali Sulla Pblicazione, Applicazione ed Interpretazione Delle Leggi, Parte 1º de II Dirito Civile Italiano Secondo La Dottrina e La Giurisprudenza, de Fiore, Brugi e outros, vol. 2º, 2ª ed., Rago, 1925, página 653 e nota 1 - reportando-se à monografia de Giuliani, em La Legge, 1867, pág. 289, e a decisões da Corte de Cassação de Turim (dezembro de 1866 e 1º de fevereiro de 1867) e da de Macerata (28 de fevereiro de 1867). 8. A doutrina nacional de Eduardo Espínola, in A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho, 3ª Ed., Renovar, Rio de Janeiro, 1999 leciona que:"(...) A Lei de Introdução acolheu, destarte, a fórmula do Código Civil Italiano -"Lê leggi non sono abrogate Che da leggi per dichiarazione esperssa Del legislatore, o per incompatibilità delle nuove disposizioni com lê precedenti, o perche la nuova elgge l'intera matéria già regolata dalla legge anteriore" -, que se conservou, quase sem alteração de palavras, co Código de 1939. Da combinação dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei de Introdução, resulta que uma disposição geral não se entende ter revogado a disposição geral já existente, podendo subsistir as duas, quando, não havendo entre elas incompatibilidade, a nova lei geral não disponha, inteiramente, sobre a matéria de que tratava a disposição geral anterior. Se se tratar de um Código ou de uma lei orgânica, que regule completamente a matéria em questão, a conclusão a que devemos chegar, tendo em vista a última parte do parágrafo primeiro, é que estão revogadas todas as disposições gerais e especiais que se referiam à mesma matéria. 9. Dessume-se de tudo quanto exposto que: (i) a ab-rogação da lei não se presume; (ii) no silêncio do legislador, deve presumir-se que a lei nova pode conciliar-se com a precedente; (iii) a lei especial derroga a geral, a não ser que das suas palavras, ou do seu espírito, resulte manifesta a intenção do legislador de ter querido suprimir qualquer disposição particular e dar força absoluta à lei geral: in tolo jure generi per speciem derogatur et illud porissimum habetur, quod ad speciem derogatur et iltud potissimum habetur, quod ad ,Ipeciem directum est"(L. 80, D. De reg. jur., L. 17); (iv) a disposição especial revogará a geral quando a ela ou ao seu assunto se referir, alterando-a explícita ou implicitamente, o que conforme dissemos é a regra geral; outrossim, deixando subentender que a lei especial, referindo-se à disposição da lei geral ou ao seu assunto, não revogará essa disposição, quando, em vez de alterá-la, que é o caso comum, se destina a dar força absoluta à lei geral; (v) a ab-rogação política das leis só estende a sua eficácia às que são absolutamente incompatíveis com o direito público do Estado; e (vi) um artigo de lei pode sobreviver a todo o resto de uma lei ab-rogada. 10. In casu, o Decreto 21.981/32 bem como a Lei 4.726/65 reconhecem a competência sancionatória da Junta Comercial, por isso que obedecido o Princípio da Legalidade. 11. Outrossim, o acórdão recorrido concluiu, verbis:"Ao que se vê, a Lei nº 8.934/94 cuidou de disciplinar, genericamente, a matéria acerca do registro público de empresas mercantis, na qual estão inseridas as atribuições das Juntas Comerciais. Deve ser ressaltado que a revogação de que trata o artigo 67 da Lei nº 8.934/94 (da lei nº 4.726/65) é pelo fato de que a matéria relativa ao registro público das empresas mercantis e atividades afins passou a ser disciplinada pela nova lei, em nada modificando as diretrizes estabelecidas para a atuação dos leiloeiros que continuou a ser regulamentada pelo Decreto nº 21.981/32. Assim, prevalece a competência das Juntas Comerciais para impor multas e destituir o cargo de leiloeiro ou preposto, estando os recursos sujeitos à apreciação do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, consoante previsão do artigo 16 do Decreto nº 21.981/32. Ante o exposto, nego provimento à apelação, ficando mantida a sucumbência estabelecida na sentença. “É o voto.” 12. Recurso Especial desprovido: REsp 719.866/CECódigo Civil8017
(840535 DF 2006/0085934-5, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 14/04/2008, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 19.05.2008 p. 1) grifo nosso.
Em seus artigos 41 e 42, o citado Decreto prevê a adoção do critério de antiguidade e procedimento simplificado na contratação destes profissionais. Observe-se:
Art. 41. As Juntas Comerciais, dentro do menor prazo possível, organizarão a lista dos leiloeiros, classificados por antiguidade, com as anotações que julgarem indispensaveis, e mandarão publicá-la.
Parágrafo único. As autoridades judíciais ou administrativas poderão requisitar as informações que desejarem a respeito de qualquer leiloeiro, assim como a escala de classificação a que se refere este artigo, devendo ser as respectivas respostas fornecidas rapidamente e sob a responsabilidade funcional de quem as formular, quanto á sua veracidade.
Art. 42. Nas vendas de bens moveis ou imóveis pertencentes á União e aos Estados e municípios, os leiloeiros funcionarão por distribuição rigorosa de escala de antiguidade, a começar pelo mais antigo.
1º O leiloeiro que for designado para realizar os leilões de que trata este artigo, verificando, em face da escala, que não lhe toca a vez de efetuá-los, indicará à repartição ou autoridade que o tiver designado àquele a quem deve caber a designação, sob pena de perder, em favor do prejudicado, a comissão proveniente da venda efetuada.
§ 2º Nas vendas acima referidas os leiloeiros cobrarão somente dos compradores a comissão estabelecida no parágrafo único do artigo 24, correndo as despesas de anúncios, reclamos e propaganda dos leilões por conta da parte vendedora.
§ 3º O leiloeiro que infringir as disposições deste regulamento ou que tiver sido suspenso, ainda que uma só vez, ficará excluido de escala das vendas de que trata este artigo, pelo espaço de um ano.
Nos seus termos, portanto, nas vendas de bens móveis ou imóveis pertencentes à Administração Pública, os leiloeiros funcionarão por distribuição rigorosa de escala de antiguidade, a começar pelo mais antigo, de acordo com a lista organizada pela Junta Comercial respectiva.
Sem a necessidade de submissão às regras de licitação, o Decreto autoriza que a Administração, simplesmente, solicite à Junta Comercial a indicação do leiloeiro oficial competente, de acordo com o rodízio por ela promovido. Não havendo interesse por parte do leiloeiro “da vez”, frente às cláusulas contratuais e especificações técnicas previstas pelo ente público interessado, a Junta Comercial deverá indicar o próximo leiloeiro do rodízio, de acordo com escala de antiguidade, até que se chegue a um interessado.
Ressalta-se, todavia, que tal sistemática disciplinada pelo artigo 42 do Decreto nº 21.981/32 não deve prevalecer. Como será demonstrado, o referido dispositivo não foi recepcionado pela nova ordem constitucional, estabelecida a partir de 1988, a qual valoriza a observância, dentre outros princípios administrativos, ao princípio da licitação.
A Constituição da República de 1988 instituiu a licitação como regra nas contratações realizadas pela Administração Pública, conforme se verifica no inciso XXI, art. 37, da Carta Magna. Ao agir assim, busca-se obter a melhor contratação, ou seja, aquela mais vantajosa para a Administração Pública com observância dos princípios constitucionais da isonomia, impessoalidade, moralidade e eficiência.
Segundo o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello[2],
“a licitação visa alcançar duplo objetivo: proporcionar às entidades governamentais possibilidades de realizarem o negócio mais vantajoso (pois a instauração de competição entre ofertantes preordena-se a isto) e assegurar aos administrados ensejo de disputarem a participação nos negócios que as pessoas governamentais pretendam realizar com os particulares.”
Conforme orientação do Tribunal de Contas da União, a licitação não é mera formalidade burocrática, visto que fundada em princípios maiores, quais sejam a isonomia e a impessoalidade. Não obstante, somente, em condições excepcionais, com base no princípio da eficiência, a lei prevê a possibilidade da dispensa da licitação. Veja-se:
ACÓRDÃO Nº 34/2011 – PLENÁRIO – REL. MIN. AROLDO CEDRAZ:
12. A obrigação de licitar não é mera formalidade burocrática, decorrente apenas de preceitos legais. Ela se funda em dois princípios maiores: os da isonomia e da impessoalidade, que asseguram a todos os que desejam contratar com a administração a possibilidade de competir com outros interessados em fazê-lo, e da eficiência, que exige a busca da proposta mais vantajosa para a administração.
13. Assim, ao contrário do afirmado nas justificativas apresentadas, a licitação, além de ser exigência legal, quando bem conduzida, visa - e permite - a obtenção de ganhos para a administração. E quando a possibilidade de prejuízos existe, a própria lei, novamente com base no princípio da eficiência, prevê os casos em que o certame licitatório pode ser dispensado.
O sistema jurídico atual não admite a contratação direta sem justo motivo. Não é dado ao intérprete criar ou estender hipóteses de inexigibilidade ou dispensa de licitação, afora aquelas arroladas na Lei nº 8.666/93 e na legislação correlata, especificadas em casos muito particulares. De fato, a contratação de leiloeiro oficial, com fulcro no art. 42 do Decreto nº 21.981/32, não apresenta qualquer elemento ou característica especial que possa excepcionar o dever de licitar. Pelo contrário, quando o dispositivo define uma ordem cronológica para a escolha do leiloeiro oficial, impossibilita juridicamente a competição entre os possíveis interessados na contratação, trazendo prejuízos diretos, inclusive, à escolha da proposta mais vantajosa para a Administração.
Nesse sentido, mostra-se pertinente trazer à baila o entendimento firmado pela Consultoria Geral da União, órgão da Advocacia Geral da União, no Parecer nº 048/2012/DECOR/CGU/AGU, pelo qual, partindo do contexto histórico da edição do Decreto nº 21.981/1932, conclui-se não ter sido o art. 42 recepcionado pela nova ordem constitucional, vigente a partir de 1988. Observe-se:
Reconheça-se que o Decreto nº 21.981/1932 foi editado durante o Governo Provisório de Getúlio Vargas, sendo resultante do exercício do poder legislativo pelo Executivo. Forçoso reconhecer, contudo, que legislação deve sucumbir diante de norma constitucional que lhe diga o contrário, tal como ocorre no ponto específico pertinente ao modo de escolha, pela administração pública, do leiloeiro oficial a ser contratado.
(...)
Quando o artigo 42 do Decreto nº 21.981/1932 manda a administração pública proceder à contratação de leiloeiro oficial por meio de critério da antiguidade o faz inspirado em valores bem diversos daqueles homenageados pela Corte Constitucional de 1988. A norma em estudo cria uma reserva de mercado e procura afastar o regime de concorrência dos negócios públicos. Tais objetivos discrepam totalmente do regime jurídico inaugurado em 1988, o qual, nos termos mencionados alhures, busca permitir a ampla participação de todos os interessados nos negócios a serem celebrados pelos entes governamentais ao tempo em que estabelece critérios voltados à contratação mais vantajosa para a administração. A regra do artigo 42 do Decreto nº 21.891/1932 contrapõe-se veementemente a esses dois objetivos, não trazendo consigo justificativas capazes de mitigar o princípio da licitação pública.
Não se está aqui a infirmar a possibilidade de inexigibilidade da licitação diante de características pessoais do leiloeiro, as quais dotariam seu serviço de singularidade tal que impeçam, no caso em concreto, a concorrência. O que não se coaduna com o atual regramento constitucional é a não realização de licitação para a contratação de leiloeiro por ter-se de respeitar uma fila de antiguidade. Este critério encontra-se descompassado com a art. 37, XXI, da Constituição, não tendo sido recepcionado.
Com essas considerações, para a contratação de leiloeiro oficial pela Administração Pública, afasta-se a incidência do art. 42 do Decreto nº 21.891/1932, por não ter sido recepcionado pela atual sistemática jurídica vigente, devendo ser observado o necessário procedimento de licitação.
Oportunamente, consigna-se que a IN/DNRC nº 113/2010[3] apresenta-se como normativo válido para disciplinar a contratação dos leiloeiros, visto que prestigia a realização do certame licitatório, nos termos do art. 37, XXI, da Constituição Federal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 13ª Ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 221/222.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 25ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p.516.
[1] Art. 53. O leilão pode ser cometido a leiloeiro oficial ou a servidor designado pela Administração, procedendo-se na forma da legislação pertinente.
[2] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. Editora Malheiros, 25ª Edição, 2008, p.516.
[3] Art. 10. A junta Comercial, quando solicitada para informar nome de leiloeiro por interessado na realização de leilões, sejam estes pessoas de direito público ou privado, informará a relação completa dos leiloeiros oficiais devidamente matriculados.
§1º. A relação de leiloeiros, referida no caput deste artigo, tem finalidade meramente informativa do contingente de profissionais matriculados na Junta Comercial.
§ 2º. A forma de contratação do leiloeiro, seja por meio de procedimento licitatório ou outro critério, caberá aos entes interessados.
§3º. Nas alienações judiciais e de bens particulares, a escolha dos leiloeiros será de exclusiva confiança dos interessados.
Procurador Federal. Procurador-Chefe da Procuradoria Federal junto à Universidade Federal do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONSECA, Marcelo Morais. Aspectos jurídicos sobre o leilão de bens inservíveis e a contratação de leiloeiro oficial pela Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37740/aspectos-juridicos-sobre-o-leilao-de-bens-inserviveis-e-a-contratacao-de-leiloeiro-oficial-pela-administracao-publica. Acesso em: 22 nov 2024.
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