A advocacia pública representa atividade de extrema importância para a manutenção do Estado de direito. O Estado, entendido como grande condomínio, onde as responsabilidades devem ser repartidas consoante setores diversos e complexos, que compõem a estrutura social, exige cada vez mais, um comportamento humano consentâneo com a noção de responsabilidade com solidariedade.
O modelo de defesa e orientação jurídica traçado pelo constituinte brasileiro expõe a necessidade de compreensão de um sistema advocatício distinto daquele tido por ordinário, eis que, a despeito da necessária parcialidade que caracteriza a atividade do advogado, esta função, quando exercida na defesa do interesse público, se reveste de isonomia e equidade, já que pretende em última análise, prestigiar a comunidade dando-lhe o que lhe reservou a Constituição republicana.
Com efeito, a realização de direitos sociais é missão de que as estruturas operacionais e administrativas do Estado não podem se demitir, sob pena de desvirtuar os postulados constitucionais que orientam a vida em sociedade, notadamente os relacionados à dignidade da pessoa humana.
Naturalmente, a atuação da advocacia pública põe em relevo os interesses primários da sociedade, sendo, por assim dizer, uma advocacia cidadã, razão pela qual, prima pela tutela da pessoa jurídica de direito público, estando assim a consolidar por via transversa a defesa do interesse da coletividade, máxime os vinculados aos ideais republicanos, federativos e democráticos.
Nesse contexto, a advocacia pública atua segundo lógicas, que em alguma medida e de alguma forma se relacionam à filosofia do direito. O modelo estatal consubstanciado na norma jurídica associado à atividade do profissional dedicado à advocacia pública mantem profundo relacionamento com os elementos teóricos e práticos derivados das concepções filosóficas que se desenvolveram ao longo dos anos.
Abordando detidamente e precipuamente o pensamento de Maquiavel, é possível constatar que o filósofo se revelou um exímio estrategista e articulista na defesa dos interesses do Estado, sobretudo na manutenção do poder estabelecido, sempre a partir de certas atitudes e raciocínios que revelaram sua aptidão para a orientação da defesa dos interesses dos comandantes da gestão pública.
Guardadas as devidas proporções, mesmo porque, é preciso considerar que os pensadores e filósofos devem ser interpretados conforme os contextos, épocas e conjunturas políticas que viveram, pode ser pensado como um produtor de conhecimento de extrema necessidade e utilidade aos gestores modernos.
Não que suas lições devam ser seguidas destituídas de análises e ponderações, mas que, suas concepções, se de um lado orientam os governantes na tomada de ações e decisões, de outro alerta a comunidade em geral de posturas que não possa assumir, a fim de que concebam que as decisões fundamentais inerentes ao interesse público devem ser objeto de participação popular assídua.
Maquiavel expõe de modo claro e inequívoco, modo de agir que, se bem estudado por todos e não apenas pelos gestores, permite o desenvolvimento de um processo de conscientização popular que sugere maior atividade participativa e limitadora dos atos de gestão e coordenação e limitação de políticas públicas. Daí sua extrema utilidade.
O pensamento do filósofo estrategista permite a conclusão inevitável da necessidade de se assumir que a convivência passa pelo reconhecimento dos limites do Estado e do poder público, que sempre deve agir segundo parâmetros de isonomia e equidade, mostrando ainda ao leitor de sua obra, conhecimento da atuação política do condutor do processo estatal.
A lógica de Maquiavel encontra certa correspondência com o pensamento de Hobbes para quem a boa convivência em comunidade pressupõe uma pauta de valores que, no estado moderno, vai exigir algumas abdicações, limitações necessárias ao desenvolvimento da sociedade.
De fato, conviver em comunidade segundo premissas jurídicas e sociais requer, sobretudo, a aceitação de certos e definidos limites impostos pela norma jurídica, pelos costumes e pela moral a fim de se estabelecer um modo harmônico de convivência e receber a necessária e adequada proteção do Estado.
A advocacia pública aparece, nesse cenário, como instrumento de extrema utilidade para a manutenção do Estado de direito, cuja missão predominante é a de manter coeso e hígido o modelo de legalidade conquistado por meio de processos democráticos desenvolvidos ao longo dos anos e após diversas lutas de classes.
A atividade da advocacia pública se desenvolve, portanto, segundo a lógica da legalidade e legitimidade, defendendo os interesses do Estado na correspondência com o interesse público, atendendo, desse modo, às urgentes demandas sociais de modo otimizado.
A formulação de políticas públicas que orientam a solução de problemas sociais representa senão em grande medida, consectário lógico e necessário da atividade da advocacia, porquanto, nas questões jurídicas que atua, desempenha um importante papel de agente participante ativo na criação de teses que viabilizam o menor custo administrativo, político, operacional e financeiro para o Estado, ao mesmo tempo que sugere soluções profícuas para o atendimento de interesses sociais.
Nesse modo de pensar, a concepção da advocacia pública deriva senão de uma associação entre o pensamento filosófico concebido por Maquiavel e a postura de Hobbes, isso sem contar todos os demais pensadores que no tempo se sucederam e que hoje possuem grande utilidade no campo da gestão pública.
Maquiavel e Hobbes, permitem a conclusão de que a existência de limitações representa pressuposto necessário para a manutenção do condomínio que é o Estado e o seu modelo de proteção na vertente do signo de direito e legalidade afirmado constitucionalmente.
Nesse sentido, o profissional da advocacia pública deve agir segundo uma pauta ética que exige percepção de seu fundamental papel na concretização e materialização das promessas constitucionais dos direitos fundamentais. Tais direitos afirmam por assim dizer o perfil democrático eleito pela comunidade de modo a sugerir ao advogado público ações e escolhas, como ter uma compostura adequada a essa missão constitucional.
A defesa do estado não significa a tutela de interesses contrários aos mandamentos definidos constitucionalmente. Ao revés, a atuação da advocacia pública deve considerar as premissas que legitimam o sistema democrático sendo certo que a defesa do ordem jurídica não pode se contrapor aos direitos fundamentais. Mediar conflitos de interesses é tarefa árdua a que o profissional da advocacia pública, levando em conta as descrições filosóficas dos pensadores torna-se possível no contexto atual, porque não se perderam no tempo, mantendo-se adequadas ao momento vigente com as devidas modelações à conjuntura moderna.
É nessa seara que a advocacia pública deve considerar a necessidade de não limitar os interesses da coletividade, mas revelar que as limitações derivam de um modelo de convivência proposto a partir de um consenso consubstanciado na norma jurídica, sendo por isso mesmo um verdadeiro intérprete das normas sem apego a casuísmos ou conveniências, mas sempre atenta à consecução dos fins do estado e da sociedade
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