A análise do status da pessoa e de sua implicação jurídica perpassa pela conclusão de que a ciência jurídica em grande medida foi e continua sendo responsável pela legitimação das decisões da sociedade no que diz respeito ao enquadramento das pessoas no meio, conferindo a elas alocações artificiais conforme contextos escolhidos, os quais podem ser político, econômico, social ou cultural.
O Direito, a despeito de ter sido instrumento desenvolvido para a promoção da pacificação e do controle, se revela como mecanismo de manutenção de formatos sociais e privilégios injustificáveis. O status representa senão uma construção advinda do mundo sociológico e materializada por meio da norma jurídica, representando, por assim dizer, um artifício identificado para moldar estruturas de favorecimento de setores sociais e dinâmicas arraigadas segundo os critérios econômico, do poder e do prestígio.
Com efeito, o Direito, ao argumento de disciplinar relações intersubjetivas, hierarquiza o componente humano ao estabelecer uma estratificação social que, se de um lado se propõe a igualar, de outro, por demais desiguala sem que isso ocorra na medida de desigualdades aferidas nos respectivos contextos concretos.
De fato, criam-se posições classificadas segundo um sistema organizado e hierarquizado em que as pessoas são alocadas e emblemadas consoante aspectos definidos pela norma que se incumbe de definir papéis e ações e títulos sociais.
O conceito de igualdade substancial, então, não se mostra a priori respeitado na organização e sistematização do status, eis que, se foi em alguma medida o fundamento e o pretexto da elaboração normativa, por outro, em muito representou o modelo hábil para introduzir e firmar distinções, não raramente, boa parte delas odiosas em detrimento de camadas excluídas da sociedade massificada.
O status não apenas repousa numa criação sociológica, derivando, portanto, de construções e ajustes jurídicos a serviço da manutenção de interesses oligárquicos, algo notório nas sociedades que foram se sucedendo no tempo propiciando o isolamento de grupos que ficaram marginalizados da riqueza, do poder político e das esferas de prestígio social e cultural.
Os interesses burgueses, políticos, religiosos e jurídicos se serviram ao longo do tempo do conceito de status a partir da noção de prestígio, poder e riqueza com o escopo de manipular a sociedade a partir de certos artificialismos bem definidos pela norma jurídica e impostos à comunidade como verdadeiros axiomas.
A norma jurídica não raramente se prestou a viabilizar o componente econômico na sociedade representando em boa medida os interesses de classes dominantes margeando camadas desfavorecidas que foram ficando à míngua das benesses do Estado e da sociedade com abarcando, contudo, a odiosa consciência de que a orientação normativa e social seria justa.
Isso ocorre, à guisa de exemplo, com a tutela do consumidor e sua relação com o fornecedor de produtos e serviços, com o trabalhador em face do empregador, com o Estado e sua dimensão operacional e em todas as circunstâncias em que o direito se arvora a disciplinar.
O postulado isonômico, em sua dimensão jurídica se verifica mascarado pela noção sociológica de status, habilitando, desse modo, a Ciência Jurídica a legitimar discriminações que se incorporam e se disseminam como verdades absolutas impostas às sociedades, justificando e aperfeiçoando seculares distinções.
Com essa concepção, a pessoa em suas particularidades e singularidades não se identificou por longo tempo, portanto, como elemento juridicamente relevante para o Direito, uma vez que sua posição na dimensão estratificada da sociedade é o dado que realmente sempre importou para a manutenção de privilégios políticos, econômicos e sociais.
A ideia de status pode ser considerada a partir de dados empíricos que distorcem o princípio da igualdade e o faz com esteio no Direito assentado e socialmente aceito, sobretudo por quem dele bem se serve estratificando relações e justificando o descompasso social que se avoluma com a complexidade das novas composições de poder e de economia que surgem.
O Direito deve então se ocupar de fomentar a participação social e viabilizar por meio de políticas de inserção a reflexão acerca de estruturas que foram com o tempo se consolidando e aceitas sem qualquer interpretação por quem delas se viu prejudicado.
As demandas pretéritas e atuais exigem nova compostura do direito e maior interlocução entre o fenômeno social e o jurídico a justificar o postulado da igualdade em sua dimensão material sem as arguementações de prevalência de prerrogativas injustificáveis.
A percepção da dignidade da pessoa humana que afasta a coisificação do gênero humano se revela de extrema utilidade na medida em que prestigia a importância da pessoa em lugar do espaço por ela ocupado ou da função que exerce no meio. A representação social da pessoa não pode então subverter a lógica da relevância da pessoa em sua singularidade.
Finca-se, desse modo, a necessária constitucionalização da orientação privada das relações humanas prestigiando-se, por oportuno e necessário, a concepção de pessoa em detrimento de sua colocação social, segundo a ordem da dignidade da pessoa humana.
Essa moderna percepção do gênero humano pode ser o caminho para que o status não represente um modelo sistêmico de opressão legitimado pelo Direito não participativo e dominador.
Um mecanismo jurídico democrático orientado pela concepção de justo demanda, sobretudo, o convite de todos os atores sociais para a discussão da importância da pessoa na articulação política, social e econômica da sociedade.
A economia de mercado deve ser esclarecida da repercussão positiva em sua esfera de interesses da inversão de paradigmas exigida segundo a proeminência da pessoa humana, razão pela qual, a sociedade de castas, normalmente com regras ditadas a partir do viés capitalista, deve se curvar para o reconhecimento da humanização do direito e da lógica que combina a prosperidade
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