No plano ideal, o direito como sistema de legitimação aparece como mecanismo de controle social a partir de um artificialismo consubstanciado na norma de comportamento normalmente definida segundo uma codificação jurídica ou mesmo conforme padrões aceitos em razão de tradições e costumes em virtude de uma dimensão temporal.
Com o advento das revoluções liberais-burguesas, o direito, instituído sob a noção do Estado de direito e de inspiração democrática consolida-se como instrumento legitimado a guiar a sociedade em seus conceitos, decisões, relações entre seus componentes e destes com o poder público, ao mesmo tempo que repreende e exerce coerção.
A legitimidade conferida ao direito pela ideologia burguesa muito se relacionou à convenção de que todo poder deva ser emanado do povo, pronto para legitimar o gozo das liberdades públicas e garantir primordialmente a liberdade de mercancia e de propriedade.
Num primeiro exame, cabe a análise do direito como modelo que sob o argumento da democracia funciona como legitimador dos mercados. Num segundo plano, cuidaremos de trabalhar a noção de direito relacionado à política.
Consolidou-se a noção de que os mercados apenas são viáveis dentro de uma organização jurídica dotada de instrumentos capazes de repreender quem tolhe a voracidade do consumo e do fornecimento de produtos e serviços, exercício máximo da liberdade e da democracia.
Com efeito, o poder estatal disciplina o mercado conforme os interesses deste chancelando práticas que mantenham incólume os interesses mercantis, muito em detrimento de interesses sociais.
Naturalmente, o aperfeiçoamento do Estado e do mercado conduziu ao aprimoramento das relações jurídicas que ganharam traços de garantias cidadãs, exigindo-se posturas assecuratórias de mínimos aptos à tutela da dignidade da pessoa humana.
Obviamente, a democracia como modelo de garantia de consensos e de vedação à opressão de minorias fornece subsídios úteis para a organização do direito a partir da lógica dos direitos fundamentais, mas sempre atenta às liberdades do mercado. É nesse sentido que o modelo atual de direito associa a preocupação com a manutenção da tutela das regras de mercado com um viés relacionado à proteção da dinâmica dos direitos fundamentais, conforme a ótica da dignidade da pessoa humana.
O consenso formado em torno dos valores a proteger nem sempre corresponde ao formato democrático e isonômico que deve orientar a comunidade, já que, o poder de dominação exercido pelos titulares do comando da economia acaba por subverter a ideologia central de proteção à sociedade lhe sendo imposto, não raras vezes, escolhas inadequadas ou nocivas, comprometendo elementos ínsitos a essa sociedade como aspectos religiosos, culturais, educacionais, os quais cedem espaço para valores antes não pensados, mas inseridos pela lógica do consumo.
Uma verdadeira violência simbólica aceita silenciosamente e de modo inadvertido.
A violência simbólica que se desenvolve no âmbito da sociedade e que compromete a legitimidade das decisões políticas em sentido substancial acaba por subverter o próprio conceito de democracia e a ideia de legitimidade do direito como sistema de tutela social, passando a ser o direito um mecanismo de opressão do titular da esfera de poder.
No que tange, particularmente, à relação entre direito e política, é crível que a alienação massificada na sociedade tem permitido a dominação econômica, e, sobretudo, a política de quem conduz o processo político-partidário e econômico nos Estados soberanos.
É que não apenas decorre esse processo do fisiologismo e dos privilégios assegurados a poucos que marca nossas instituições democráticas, mas também da conformação e passividade com o sistema que caracteriza nossa sociedade, a despeito da facilidade e constante ampliação do acesso à informação.
Não é de se discordar do fato de que os gestores do poder estatal mostram suas antipatias ante as participações populares, mas não se pode negar a percepção do desinteresse social geral pelas questões do Estado.
Isso pode estar relacionado à estática educacional derivada da omissão estatal, mas seguramente também com a ausência da orientação da família, do docente, da igreja e de outros centros formadores de opinião, que pouco têm acrescentado ao debate político e à visão de comunidade segundo a lógica da solidariedade e fraternidade.
Nesse caso, o clientelismo se vê favorecido pelo sistema de aculturação e de baixa politização social decorrentes de múltiplos fatores. Nesse cenário as técnicas político-partidárias acomodam-se bem no solo fértil propiciado pelo desinteresse social relacionados aos temas de interesse e seus desdobramentos.
Naturalmente, essa alienação não está dissociada da violência real e mesmo a simbólica desenvolvida com a juridicidade ou com a economia de mercado, eis que, tais elementos se dedicaram firmemente ao modelo de legitimação de arbítrios e consolidação de privilégios, mas também atualmente se apóia em grande medida na inércia da sociedade que com razão ou sem razão no pleito, muito mais brada sem conhecimento de causa do que efetivamente participa e contribui do processo decisório e ao debate político para a formação de consensos, gerando, desse modo, um desvirtuamento do sentido de democracia, acabando por avalizar o desmando sistematizado pela norma jurídica, pela cultura, pela religião e pelo capitalismo.
A criação de crenças, valores e culturas alheias à realidade reforça a tese da passividade da sociedade que, sem reflexão absorve as imposições dos setores do domínio político, social, cultural e econômico sem grandes resistências.
Esse movimento de dominação apenas pode ser minimizado a partir de políticas de reflexão e com provocação de consciências na comunidade combinando a participação política com o processo decisório e acompanhamento de resultados e prestação de contas, sem o que, as análises ficam por demais retóricas com as constatações de óbvios.
Claro que fomentar a participação política e abrandar os deletérios efeitos da violência simbólica não é responsabilidade exclusiva do Estado, razão pela qual impõe-se as participações de entidades representativas de interesses gerais e setoriais, sejam religiosas, classistas, educacionais, partidárias e econômicas, tarefa que exige um longo processo de maturação de ideais, concretização de ações, aperfeiçoamento da reflexão política e sentimento de importância responsabilidade com as funções sociais no Estado.
Precisa estar logado para fazer comentários.