“Sanitation is more important than independence”
Mahatma Gandi (1925)
Sumário: 1.Breve diagnóstico da atual situação do saneamento básico 2.Conceito de saneamento básico 3.Direito à água um diálogo com o direito ao saneamento: universalização de acesso à todos 4. Direito de águas e direito de saneamento: integralidade para a gestão 5.Conclusão 6.Referências Bibliográficas.
Em 5 de janeiro de 2007, a União, em conformidade com a competência constitucional, instituiu a Política de Saneamento – Lei Federal nº 11.445, regulamentada pelo Decreto nº 7.217, de 21 de junho de 2010. O presente artigo tem como objetivo analisar o abastecimento de água potável no conceito de saneamento básico estabelecido pela referida lei (11.445/2007) e identificar os regimes jurídicos sobrepostos.
1.Breve diagnóstico da situação atual do saneamento básico:
A ONU – Organização da Nações Unidas – recentemente, divulgou que, entre a população mundial – atualmente 7 bilhões de pessoas –, 6 bilhões têm telefones celulares. No entanto, apenas 4,5 bilhões têm acesso a banheiros ou latrinas, o que significa que 2,5 bilhões de pessoas – principalmente em áreas rurais – não têm saneamento adequado. Além disso, 1,1 bilhão de pessoas ainda defecam a céu aberto.[1] Aproximadamente 2 milhões de crianças menores de 5 anos morrem devido a doenças transmitidas pela água contaminada, como a diarreia. A taxa de mortalidade infantil, portanto, é um indicador diretamente relacionado com saneamento básico.[2]
No Brasil, o Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANSAB -[3] mostra o déficit em saneamento básico da população brasileira: 37,7% não tem abastecimento de água potável adequado[4]; 53,2%, não tem esgotamento sanitário, sendo que, do esgoto coletado, apenas 15% é tratado e 40,4% não tem manejo de resíduos. Nesse sentido, Vicente Andreu, diretor-presidente da ANA – Agência Nacional de Águas –, declarou em entrevista no 22 de Março de 2013 - Dia Mundial da Água - [5] que “talvez hoje o principal problema ambiental do Brasil seja dar o tratamento adequado aos lançamentos de esgoto, principalmente os lançamentos de esgoto das principais cidades brasileiras”. A previsão do diretor-presidente é que, até 2025, mais de 50% dos municípios brasileiros, inclusive São Paulo, terão problema de abastecimento de água.
O saneamento básico, de acordo com a Lei 11.445/2007, é um fator determinante para a melhoria da qualidade de vida, para a promoção da saúde, para o combate e a erradicação da pobreza, para o desenvolvimento urbano e regional e para a proteção ambiental. A análise dos diagnósticos revela a urgência na implementação efetiva dos propósitos da Lei.
2. Conceito de saneamento básico
Saneamento, na linguagem usual, está relacionado apenas com esgoto. O conceito terminológico de saneamento, vem do latim sanu, “são”, ato ou efeito de sanear, tornar são, habitável, respirável[6].
Para a OMS – Organização Mundial da Saúde –, saneamento é o gerenciamento ou controle de fatores físicos que podem exercer efeitos nocivos ao homem prejudicando o seu bem-estar físico, mental e social.
O conceito legal brasileiro de saneamento básico está instituído no Art. 3º da Lei 11.445/2007 – Política de Saneamento –, que estabelece:
“I – saneamento básico: conjunto de serviços, infraestrutura e instalações operacionais de:
a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição;
b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte e tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até seu lançamento final no meio ambiente;
c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas;
d) drenagem e manejo de águas pluviais urbanas: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas;”
O conceito jurídico de saneamento básico é composto de elementos interdependentes, logo, complexo. Segundo Clarissa Ferreira Macedo D`Isep “água é um substância provida de múltiplas funções, de manifestações mutantes e propriedades variadas”[7]. As múltiplas formas da água são evidenciadas no ciclo hidrológico. O saneamento básico tanto depende do ciclo hidrológico – abastecimento de água potável - quanto insere-se nele – esgotamento sanitário, manejo de resíduos e manejo de águas pluviais. Tendo como vetor a análise do abastecimento de água potável nesse conceito complexo identificam-se, nas palavras de Clarissa Ferreira Macedo D’Isep,o Direito à Água e o Direito de Águas[8].
3. Direito à água e direito ao saneamento um diálogo: universalização do acesso de todos à agua
O direito à agua decorre do direito à vida . A água é essencial à vida, “renunciar ou não ter acesso à agua é dispor da própria vida”[9]. A vida tutelada pela Constituição federal brasileira é a vida a digna (art.1º,II e art.5º, caput). Entende-se por vida digna aquela que tem proteção à incolumidade física, psíquica, social, econômica e ambiental. Deve-se, portanto, ter acesso à água potável. Água potável é “a água para o consumo humano, cujos parâmetros microbiológicos, físicos, químicos e radioativos atendam ao padrão de potabilidade e não ofereçam riscos à saúde”.[10] Sendo, “ a saúde direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”, conforme positivado na Constituição Federal brasileira nos Arts. 6º e 196. O índice de mortalidade infantil está diretamente relacionado com o saneamento básico, ressaltando-se a relação entre saúde e saneamento básico. Visando reforçar a tutela da saúde , o Código Penal tipificou (art.270 e 271) a poluição de água potável, porque além da degradação da água é necessário que a água se torne imprópria para o consumo ou nociva à saúde.[11]
O direito à água revela 2 aspectos: materiais – direito subjetivo de acesso à água e instrumentais – direito ao objeto água e a instrumentalização do seu acesso – direito ao saneamento.
No contexto do direito ao saneamento o direito de acesso á agua potável tem o condão de atribuir natureza jurídica de direito fundamental ao saneamento básico, o que vincula o Poder Público no dever da sua implementação. Além disso, uma das características de direito fundamental é a sua universalidade , isto é, todos os seres humanos são titulares desse direito que deve ser respeitado. A manifestação da universalidade do direito humano fundamental de direito à água se instrumentaliza na Lei nº 11.445/2007 como o princípio fundamental de universalização de acesso. Os serviços públicos de saneamento básico – abastecimento e água potável, esgotamento sanitário, manejo de resíduos e manejo de águas pluviais - devem ser todos prestados com base no princípio fundamental de universalização do acesso. A universalização está definida na referida Lei, no Art. 3º, III como:
“Ampliação progressiva do acesso de todos os domicílios ocupados ao saneamento básico”.
Domicílio deve ser entendido no sentido de habitação residencial ou não, porque a própria Lei 11.445/2007, no Art. 9º, Parágrafo 1º, equipara os efluentes industriais e os resíduos originários de atividades comerciais, industriais e de serviços em quantidade e qualidade similares às dos resíduos domésticos.
Segundo Luiz Henrique Antunes Alochio:
“O serviço de saneamento não é um fim em si mesmo. Ele é um vetor para a obtenção de salubridade ambiental, de condições de vidas dignas e outras tantas situações. Se o saneamento fosse um fim em si mesmo, bastaria a mera generalidade para colocá-lo à disposição dos usuários. Porém, no caso da universalidade, é preciso que o serviço seja efetivamente acessado e usufruído para que se atinjam os objetivos maiores: v.g.,a salubridade ambiental e condições de saúde para os cidadãos, como já referido”.[12]
Do princípio da universalização do acesso, decorre a adoção de subsídios, que é um instrumento econômico de política social que tem como objetivo garantir a universalização do acesso ao saneamento básico, especialmente para populações de baixa renda. Conforme Art. 29, Parágrafo 2º, da Lei 11.445/2007:
“poderão ser adotados subsídios tarifários e não tarifários para os usuários e localidades que não tenham capacidade de pagamento ou escala econômica suficiente para cobrir o custo integral dos serviços”.
O princípio da universalização de acesso não admite que um usuário não tenha acesso a um dos serviços que compõe o saneamento básico, seja pelo fato que sua situação econômica não permite que ele pague pelos serviços ou por não existir em determinada região escala de demanda suficiente. A universalidade de acesso deve promover a igualdade real e a equidade. De acordo com o Art. 48, I da Lei nº 11.445/2007, a política de saneamento básico tem como diretriz:
“a prioridade para ações que promovam a equidade social e territorial no acesso ao saneamento”.
Destaca-se, então, um dos efeitos do princípio da universalização do acesso: a integração social.
Todos devem ter acesso à agua, entretanto, deve-se ressaltar as características da água a que se tem direito. Neste sentido Clarissa Macedo D’Isep:
“A água a que se tem direito é a água com qualidade – portanto, potável; em quantidade – logo, suficiente à sobrevivência humana, prioritária – o que justifica a prioridade do acesso do ser humano, em caso de penúria hídrica; gratuita – sendo a água elemento responsável pela vida, pela existência, isto implica no seu acesso gratuito, ao menos no que diz respeito ao mínimo necessário para a sobrevivência humana. Enfim, há de ser alcançada a dignidade hídrica”.[13]
A qualificação da água a que se tem direito reflete na qualificação do acesso á água que está determinada na Lei nº 11.445/2007 como o princípio da segurança, qualidade e regularidade ( art.2º, XI). O princípio da segurança determina que a água não ofereça riscos à saúde , isto é, a água deve ser potável. O abastecimento deverá ser qualitativamente verificado, cabendo ao Ministério da Saúde definir os parâmetros e padrões de potabilidade da água, bem como estabelecer os procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano.[14] O princípio da regularidade deve garantir a continuidade da prestação do serviço, a ininterrupção. Quando o abastecimento de água potável não é regular, tanto em frequência, quanto em quantidade, a população busca alternativas que nem sempre são seguras podendo colocar em risco à saúde pública. A Política Nacional de Recursos Hídricos – Lei nº 9.433/97 hierarquiza o consumo, estabelecendo que em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano (Art.1º,III).
4. Direito de águas e direito de saneamento : integralidade para a gestão
A água, elemento natural, realiza o seu ciclo hidrológico ou ciclo da água. O ciclo da hidrológico envolve a constante mudança de estado físico desse elemento. A água dos mares, oceanos, rios, lagos etc. evapora - passa do estado líquido para o estado gasoso - por causa da energia solar. Com o vapor, a água forma as nuvens. Quando a condensação aumenta nas nuvens, o vapor-d’agua se precipita sob forma de chuva, gelo ou neve. Os processos físicos do ciclo formam um movimento constante que assegura a renovação da água. O ciclo do saneamento básico insere-se no ciclo hidrológico. A água, recurso natural, é captada de um manancial e tratada, transformando-se assim em água potável que será distribuída pela rede de abastecimento até os domicílios para ser consumida. Depois de utilizada, a água as características físicas, químicas e biológicas da água são alteradas são chamadas águas servidas ou esgoto[15]. De acordo com a publicação da Fundação Nacional de Saúde – FUNASA - “o esgoto doméstico é aquele que provém principalmente de residências, estabelecimentos comerciais, instituições ou quaisquer edificações que dispõem de instalações de banheiros, lavanderia e cozinha. Compõe-se essencialmente de água de banho, excretas, papel higiênico, restos de comida, sabão, detergentes e águas de lavagem”[16].Esse esgoto bruto deverá ser coletado e tratado antes de ser lançado no corpo receptor[17], garantindo a autodepuração do corpo hídrico mantendo a sua qualidade.
O direito de águas busca proteger o ciclo hídrico. Nesse sentido, Clarissa Ferreira Macedo D’Isep:
“A complexidade do conceito, manifestações e funções da água, evidenciadas no seu ciclo, refletiu o seu status, natureza jurídica e regimes jurídicos distintos, ressaltando a sua metamorfose. Daí o seu tratamento jurídico diferenciado das nascentes, águas da chuva, águas correntes e não correntes, águas subterrâneas, superficiais, litorâneas etc., advindo do fato de água ser, ainda, tratada de forma recortada, setorizada e inserida em diferentes normas e ramos jurídicos (direito civil, penal, sanitário, urbanístico etc.). Isso revela, quando de sua abordagem jurídica, a necessidade da composição da cartografia hidrojurídica.” [18]
Os serviços de saneamento básico tanto dependem do ciclo hidrológico (abastecimento de água potável) quanto inserem-se no ciclo hidrológico podendo alterá-lo (esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos e drenagem e manejo de águas pluviais). Para garantir a ocorrência do ciclo hidrológico e consequentemente o acesso à água potável é necessária a gestão dos recursos hídricos . Os recursos hídricos, entretanto, não integram os serviços de saneamento básico, conforme a Lei 11.445/2010:
Art.4º , Parágrafo único: “A utilização de recursos hídricos na prestação de serviços públicos de saneamento básico, inclusive para a disposição ou diluição de esgotos e outros resíduos líquidos, é sujeita à outorga de direito de uso, nos termos da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, de seus regulamentos e das legislações estaduais.
Quanto ao saneamento básico a Lei nº 9.433/1997 – Política Nacional de Recursos Hídricos , estabelece no Art. 12:”
Estão sujeitos à outorga pelo Poder Público os direitos dos seguintes usos:
I – derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo;
III – lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos e gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final;
[...].”
A outorga é um dos instrumentos estabelecidos pela referida Lei, Art.11:
“o regime de outorga de direitos de uso de recursos tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água”.
Complementando com as palavras de Paulo Afonso Lemme Machado[19]
“ Essa norma legal é vinculante para a ação governamental federal e estadual na outorga dos direitos de uso. Os Governos não podem conceder ou autorizar usos que agridam a qualidade e a quantidade das águas, assim como não podem agir sem equidade no darem acesso à água”.
A outorga não é definitiva, o prazo máximo é de 35 anos podendo haver renovação. A outorga também poderá ser suspensa total ou parcialmente, em definitivo ou prazo determinado dependendo das circunstâncias[20].
A gestão dos recursos hídricos deve estar fundamentada no princípio do desenvolvimento sustentável positivado na Constituição federal brasileira Art.225 e na Lei nº 9.433/2007 - Política Nacional de Recursos Hídricos - , nos Incisos I e II, do Art.2º:
“São objetivos da Política Nacional dos Recursos Hídricos:
I – assegurar à atual e as futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos;
II – a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável”.
A gestão dos recursos hídricos deve assegurar o ciclo hidrológico e consequentemente o direito de acesso à agua potável, concretizando a dignidade humana. Ao lado do princípio da universalidade de acesso – quantidade de pessoas que acessam o saneamento –, está o princípio da integralidade – todos os serviços contidos no conceito jurídico de saneamento básico.
O princípio da integralidade é compreendido como conjunto de todas as atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico – abastecimento de água potável; esgotamento sanitário; limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; e drenagem e manejo de águas pluviais urbanas – propiciando à população o acesso ao saneamento básico na conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia das ações e dos resultados. Nesse sentido, Luiz Henrique Antunes Alochio:
“Devemos esclarecer que a expressão na conformidade de suas necessidades, referida no inciso II do Art. 2º, não significa uma desculpa para a redução da prestação de serviços; não significa que as necessidades sejam medidas nas pessoas dos usuários, não é isso. A medida das necessidades é decorrente dos próprios serviços prestados. Se o serviço for “necessário” – ainda que o usuário não o reconheça, ou que não possa remunerá-lo –, o princípio da integralidade demandará a sua prestação (efetiva ou potencial = colocação à disposição). Quanto à maximização da eficácia das ações e dos resultados, temos a primeira justificativa para a gestão regionalizada do saneamento, que será muito citada na legislação.”[21]
O princípio da integralidade traz como efeito a unidade do conceito complexo de saneamento básico. Todos os serviços e atividades do conceito, são partes que se complementam para formar uma unidade.
Tendo como vetor o abastecimento de água potável, o princípio da integralidade toca cada um dos elementos do conceito e tem como um dos resultados a garantia o ciclo hidrológico.
Conforme citado no início deste artigo, a poluição dos recursos hídricos por esgotos domésticos é um dos principais problemas ambientais no país justamente por interferir no ciclo hidrológico comprometendo o abastecimento de água potável. Conforme disposto na Lei nº 10.445/2007 o serviço de esgotamento sanitário é constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações operacionais, coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados, desde as ligações prediais até o seu lançamento no meio ambiente. Somente quando todas as atividades do esgotamento sanitário forem realizadas - princípio da integralidade - o esgoto não causará poluição preservando ciclo hidrológico. O IBGE – Instituto brasileiro de Geografia e Estatística - diferencia nas suas pesquisas o esgotamento – esgoto bruto - do esgotamento sanitário – esgoto tratado para não causar poluição e contaminação ambiental. Atualmente no Brasil 47% da população brasileira tem coleta de esgoto, entretanto apenas 15% deste esgoto coletado é tratado. Fere o princípio da integralidade que o esgoto seja coleta e não seja tratado.
A limpeza urbana e o manejo de resíduos é outra espécie do saneamento básico, considerado o conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas. Assim como no esgotamento sanitário, o manejo de resíduos envolve todo o seu ciclo desde a produção até a destinação final. A disposição inadequada dos resíduos causa poluição. A decomposição do “lixo” gera o chorume ou líquido percolado, que é um líquido escuro e contém alta carga poluidora podendo atingir tanto um corpo d’água quando lençóis freáticos subterrâneos, comprometendo o abastecimento de agua potável. Em 2 de agosto de 2010, foi promulgada a Política Nacional de Resíduos Sólidos – Lei nº 12.305. Essa lei mudou o paradigma sobre o “lixo” diferenciando rejeitos de resíduos sólidos. Rejeitos são os resíduos que não apresentam outras possibilidades que não a disposição final ambientalmente adequada, isto é, a disposição em aterro sanitário. Os resíduos deverão ter uma destinação ambientalmente adequada que dependendo das suas características pode ser: a reutilização; a reciclagem; a compostagem; a recuperação e aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes.
O princípio da integralidade deve fundamentar cada uma das atividades da limpeza urbana e manejo de resíduos bem como a gestão e o gerenciamento dos resíduos instituídos na Lei nº 12.305/2010, maximizando a eficácia das ações e resultados.
O último serviço que integra o conceito de saneamento básico é a drenagem e o manejo das águas pluviais urbanas: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de água pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas. As água pluviais podem ser consideradas sob vários pontos de vista: tanto como um problema de saúde pública – transmissão de doenças durante as enchentes, contaminação de água potável – quanto um problema de ameaça à segurança à vida e ao patrimônio público e privado de lesão à propriedade – danos causados pelas enchentes nas propriedades. Segundo Luiz Henrique Antunes Alochio, a drenagem e o manejo de águas pluviais é o “patinho feio” do saneamento por ser, em regra, destituído de conteúdo econômico. O Art. 2º, inciso III, da Lei 11.445/2007, estabelece como princípio fundamental:
“disponibilidade em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem e manejo de águas pluviais adequados à saúde pública e à segurança da vida e do patrimônio público e privado”.
A disponibilidade em todas as áreas contempla tanto o princípio da universalidade de acesso, quanto o princípio da integralidade, pois garante que todo o conjunto de serviços do saneamento básico seja realizado e acessado.
5. Conclusão
A Lei 11.445/2007 considera saneamento básico o conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais de: abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza e manejo de resíduos, e drenagem e manejo de águas pluviais. A partir do momento que, por determinação legal, o abastecimento de água potável faz parte do conceito de saneamento básico e este deve ser prestado com base nos fundamentos dos princípios da universalidade e da integralidade, significa que todos devem ter acesso, à todos os serviços contidos no conceito legal de saneamento básico. O abastecimento de água potável traz para o conceito de saneamento básico o direito à água e o direito de águas.
O direito à água é um direito fundamental concretizado no direito ao saneamento como o direito de acesso à água potável. O abastecimento de água potável tem o condão de atribuir o regime jurídico de direito fundamental ao saneamento básico. Por ser direito fundamental deverá ser vinculado, o Poder Público tem o dever de implementá-lo, então o ditado corrente “Saneamento não dá voto, pois manilha e galeria ficam debaixo da terra e não aparecem para o eleitor” não pode mais ser admitido porque saneamento básico não depende da discricionariedade do Poder Executivo. Além disso, o acesso à água potável deve ser universal, todos devem ter acesso. O princípio da universalidade de acesso à água à todos instrumentaliza o direito universal à água.
O princípio da integralidade determina a unidade do conceito de saneamento básico. Todos os serviços são partes que se complementam e formam um todo. O direito de águas tem como objetivo garantir o ciclo hidrológico. O saneamento básico tanto depende do ciclo hidrológico quanto insere-se neste. O princípio da integralidade garantirá que todos os serviços de saneamento básico sejam realizados tendo como um dos resultados a proteção do ciclo hidrológico, viabilizando a água potável, garantida constitucionalmente.
6. Referências Bibliográficas
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[1] Disponível em: <www.onu.org.br/onu-dos-7-bilhoes-de-habitantes-do-mundo>. Acesso em: 10.3.2013.
[2] Disponível em: <www.who.int/water_sanitation_health/hygiene/em>. Acesso em: 10.3.2013.
[3] PLANSAB - Plano elaborado pela União - IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), conforme disposto no art. 24 do Decreto 7.217/2010.
[4] Definição instituida pelo PLANSAB: abastecimento de água potável adequado é ofornecimento de água potável por rede de distribuição, com ou sem canalização interna, ou por poço, nascente ou cisterna, com canalização interna, em qualquer caso sem intermitência prolongada ou racionamento – Plansab - IBGE Disponível em: <www.cidades.gov.br/index.php/plano-nacional-de-saneamento-basico-plansab>. Acesso em: 10.3.2013.
[5] O Dia Mundial da Água é comemorado todo dia 22 de Março e foi criado pela Assembléia das Nações Unidas através da Resolução A/RES/47/ de 21 de Fevereiro de 1993. Disponível em www.unwater.org/wwd.html
[6] AURÉLIO, Buarque de Holanda Ferreira. Novo dicionário da língua portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
[7] D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Água Juridicamente Sustentável, Revista dos Tribunais. São Paulo, 2010. p. 25.
[8] D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Água juridicamente sustentável. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2010. p. 58.
[9] D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Água Juridicamente Sustentável. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2010.p.55
[10] Portaria 36/GM, de 19.1.1990, do Ministério da Saúde. Portaria 469, de 29.12.2000, publicado no DOU de 19.2.2001.
[12] ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Direito do saneamento: introdução à lei de diretrizes nacionais de saneamento básico (Lei Federal nº11.445/2007). 2. ed. Campinas: Millenium Editora, 2010.p.09.
[13] D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Água juridicamente sustentável. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2010. p. 59.
[14] Dispõe ainda o parágrafo 1º do art 5º do Decreto 7.217/2010 que:A responsabilidade do prestador de serviços públicos no que se refere a qualidade da água não prejudica a vigilância da qualidade da água para consume humano por parte da autoridade de saúde pública.
[15] As principais características físicas do esgoto são: a) matéria sólida: os esgotos domésticos contêm aproximadamente 99,9% de água e 0,1% de sólidos; b) temperatura: a temperatura do esgoto normalmente é superior à das águas de abastecimento; c) odor: os odores do esgoto são causados pelos gases resultantes do processo de decomposição; d) cor e turbidez: a cor e a turbidez indicam o estado de decomposição; e) variação de vazão: calcula-se que, para cada 100 litros de água consumida, são lançados aproximadamente 80 litros de esgoto. Os esgotos domésticos são constituídos de matérias orgânicas e matérias inorgânicas, sendo estas as principais características químicas dos esgotos domésticos. Quanto às características biológicas do esgoto doméstico, destacam-se os micro-organismos de águas residuais (as bactérias, os fungos, os protozoários, os vírus e as algas) e os micro-organismos indicadores de poluição.
[16] BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Manual de saneamento.3ºed.rev.Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 2006.
[17] Corpo receptor: corpo hídrico superficial que recebe o lançamento de um efluente. BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Manual de saneamento. 3ºed.rev.Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 2006.
[18] D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Água juridicamente sustentável. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2010. p.61.
[19] Macahado, Paulo Afonso Lemme. Direito Ambiental Brasileiro.Editora Malheiros. São Paulo, 2013.p.526.
[20] Lei 9.433/1997 PNRH art 15
[21] ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Direito do saneamento: introdução à lei de diretrizes nacionais de saneamento básico (Lei Federal nº11.445/2007). 2. ed. Campinas: Millenium Editora, 2010.p.10.
Advogada e aluna do Mestrado em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: EMILIO, Patricia Raysel. O abastecimento de água potável no conceito jurídico de saneamento básico: regime jurídico de direito fundamental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jan 2014, 07:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37926/o-abastecimento-de-agua-potavel-no-conceito-juridico-de-saneamento-basico-regime-juridico-de-direito-fundamental. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: JAQUELINA LEITE DA SILVA MITRE
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