Sumário: 1. Introdução. 2. Da superação do prazo para a conclusão dos processos administrativos disciplinares e suas consequências. 3. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Ao disciplinar o rito dos procedimentos administrativos disciplinares instaurados no âmbito da Administração Pública (sindicância ou processo administrativo disciplinar propriamente dito), o legislador tomou o cuidado de estabelecer prazos para a conclusão dos trabalhos, os quais, todavia, nem sempre são observados pelas comissões encarregadas de levar a cabo o procedimento.
Com efeito, estabelece o citado parágrafo único do artigo 145:
“Art. 145 – (...)
Parágrafo único. O prazo para conclusão da sindicância não excederá 30 (trinta) dias, podendo ser prorrogado por igual período, a critério da autoridade superior.”
Por sua vez, dispõe o artigo 152, caput:
“Art. 152 – O prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá 60 (sessenta) dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem.”
Que consequências se devem extrair da superação do prazo legal sem que se tenham ultimado os trabalhos da comissão? Nulidade do procedimento ou mera irregularidade sem maiores consequências no campo da validade do processo? São essas as questões que pretendemos enfrentar neste trabalho.
2. DA SUPERAÇÃO DO PRAZO PARA A CONCLUSÃO DOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Este artigo pretende lanças luzes sobre as consequências a serem atribuídas às hipóteses em que, instaurada comissão para conduzir os procedimentos disciplinares previstos na Lei nº 8.112/90 (em particular a sindicância e o processo administrativo disciplinar), esta não logra concluí-los nos prazos previstos, respectivamente, nos artigos 145, parágrafo único, e 152, caput, daquele diploma legal.
Para alguns, o puro e simples desrespeito de tais prazos é motivo bastante a ensejar a nulidade do procedimento. Assim, segundo tal concepção, uma vez ultrapassado o prazo previsto na lei, o procedimento tornar-se-ia viciado, exigindo a nomeação de nova comissão (que poderia contar com os mesmos ou outros membros), e que estaria obrigada a recomeçar o trabalho do ponto zero, uma vez que todos os atos realizados anteriormente estariam eivados de insanável invalidade.
Tal interpretação, pensamos, prende-se à estrita literalidade do texto legal, que, de fato, não prevê possibilidades de dilações outras que não as já previstas nos artigos 145 e 152 da Lei nº 8.112/90 (mais 30 dias para a sindicância e mais 60 dias para o processo administrativo disciplinar).
Cumpre, todavia, indagar-se acerca da razoabilidade desta interpretação que, privilegiando excessivamente a formalidade em detrimento do fim a ser alcançado, nega a possibilidade de, mediante justificativas hábeis, serem concedidas as dilatações de prazo pelos períodos necessários à apuração do fato que originou a instauração do procedimento. Imagine-se, por exemplo, processo disciplinar em que se venha a se sentir a necessidade de realizar exames periciais complexos, dependentes de repartições especializadas, ou em que se entenda de avaliar a sanidade mental do servidor acusado por intermédio de incidente específico (RJU, artigo 160).
Em tais circunstâncias, terá a comissão necessariamente que aguardar a emissão dos laudos técnicos respectivos para concluir a apuração que lhe compete. Nenhum sentido lógico teria, segundo nos parece, orientação que, ante tal situação, viesse a recomendar constantes e reiteradas reinstaurações do procedimento disciplinar, acarretando a repetição desnecessária de atos validamente praticados.
Além do mais, devemos recordar o velho e conhecido adágio oriundo do direito francês, e perfeitamente aplicável ao nosso ordenamento jurídico, segundo o qual não há nulidade sem lei. Com efeito, em nenhum momento o RJU, após fixar o prazo para a conclusão dos trabalhos, comina de nulidade a eventual demora em que venha a incorrer a comissão.
Outro aspecto a ser observado, refere-se à ausência de prejuízo ao servidor investigado. Isto porque. eventual demora na conclusão do procedimento disciplinar, longe de gerar prejuízos ao servidor acusado, cria em seu favor a possibilidade de extinção da punibilidade pelo advento do termo final do prazo prescricional estabelecido em lei. Outro aspecto de suma importância, resulta do fato de se estar, por intermédio do procedimento disciplinar, buscando apurar de forma efetiva a verdade real, objetivo que só não favorecerá ao servidor acusado se efetivamente for ele o autor do delito administrativo.
Versando sobre esta questão específica, mostra-se irretocável a manifestação do ilustre ex-Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, do Colendo Supremo Tribunal Federal, nos seguintes termos:
"Estou convencido de que o único efeito da superação dos prazos, tanto para o encerramento de processo administrativo, quanto do seu julgamento pela autoridade competente, é a cessação da medida cautelar da suspensão preventiva do funcionário, acaso aplicada. O eminente Ministro CARLOS MÁRIO mostrou que, tanto no regime da Lei n. 1.711 - que creio corresponder a resolução específica da Câmara dos Deputados - quanto na atual lei chamada do Regime Jurídico, é isso o que está expresso, não apenas com relação ao prazo de julgamento mas também ao do término do inquérito (Lei 8.112/90, artigos 169, § 1º, e 147, parágrafo único; Lei n. 1.711/52, artigos 225, § 1º, e 215, § 1º). O paralelo evidente é com o Processo Penal: a superação dos prazos de desenvolvimento do processo gera seus efeitos unicamente com relação às medidas cautelares, com maior frequência, no processo criminal, sobre a prisão preventiva, e nada mais." (in RTJ 142/815)
No sentido do que sustentamos aqui, encaminha-se toda a jurisprudência dos Tribunais Superiores, como demonstram, a título meramente exemplificativo, as seguintes ementas:
“ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ULTRAPASSAGEM DO PRAZO FIXADO PARA O TÉRMINO DO PROCESSO. NULIDADE. NÃO-OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. RECURSO IMPROVIDO. A ULTRAPASSAGEM DO PRAZO FIXADO PARA O ENCERRAMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NÃO CONDUZ À NULIDADE, MAS TÃO-SOMENTE À CESSAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR DO AFASTAMENTO PREVENTIVO DO CARGO DO SERVIDOR PÚBLICO ACUSADO.” (STJ - 2ª TURMA - RMS nº 455 (90.005123-1) - BAHIA. Relator Min. ADHEMAR MACIEL - Julgamento em 15 de maio de 1997. Pub. DJ de 23.6.97.)
“ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRAZO DE CONCLUSÃO. SUPERAÇÃO.
1) A SUPERAÇÃO DE PRAZO FIXADO LEGALMENTE, SEM PREVISÃO DE SANÇÃO, PARA QUE A AUTORIDADE ADMINISTRATIVA DECIDA SOBRE PROCESSO DISCIPLINAR, NÃO IMPORTA NA SUA EXTINÇÃO E NEM EM PERDÃO TÁCITO.
2) À PARTE APROVEITA APENAS A INVOCAÇÃO DE NORMA DISCIPLINADORA DA PRESCRIÇÃO DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS.” (STJ - 6ª TURMA - RMS nº 7.791-MG (96/0068056-6). Relator Min. FERNANDO GONÇALVES - Julgamento em 12 de agosto de 1997. Pub. DJ de 1º.9.97.)
“Ementa: Mandado de Segurança. Demissão. Câmara dos Deputados. Alegação de nulidade do processo administrativo por excesso de prazo. Indeferimento. Ato demissório de responsabilidade da Mesa da Câmara dos Deputados. Pretensão anulatória do ato, à luz do excesso verificado no prazo para o encerramento do inquérito. Inconsistência da argumentação, visto que o artigo 169, par. 1º. da Lei 8.112/90 proclama não ser semelhante demora fator nulificante do processo. Alegações ancilares igualmente improcedentes. Mandado de segurança indeferido.” (STF – Pleno - MS 21494/DF, Relator: Min. Marco Aurélio, Relator p/ acórdão: Min. Francisco Rezek - Data do Julgamento: 11.09.1992 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno – Pub. DJ de 13.11.92)
“Ementa: Constitucional. Administrativo. Servidor Público. Demissão. Cerceamento de defesa. Lei 8.112/90. Sindicância: não instauração. Procedimento administrativo disciplinar julgado com excesso de prazo: inocorrência de nulidade.
I - Processo administrativo disciplinar conduzido por comissão regularmente constituída (Lei 8.112/90, artigo 149). Portaria publicada no Boletim Interno: regularidade (Lei 8.112/90, art. 151, I);
II - Sindicância e procedimento administrativo disciplinar: distinção, certo que aquela é, de regra, medida preparatória deste (Lei 8.112/90, artigos 143, 145, 154). Desnecessidade da instauração da sindicância, se já está confirmada a ocorrência de irregularidade no serviço público e o seu autor. (Lei 8.112/90, artigos 143 e 144);
III - Procedimento administrativo disciplinar julgado com excesso de prazo (Lei 8.112/90, art. 152). Inocorrência de vício nulificador do procedimento (Lei 8.112/90, art. 169, § 1º);
IV - Inocorrência do alegado cerceamento de defesa, dado que aos acusados, ao contrário do alegado, foi assegurada ampla defesa;
V - Mandado de Segurança indeferido.” (STF – Pleno - MS 22055/RS - Relator: Min. Carlos Velloso - Data do Julgamento: 20.06.1996 – Pub. DJ de 18.10.96)
Assim sendo, parece-nos que os prazos estabelecidos pela Lei nº 8.112/90 possuem caráter meramente exortativo, fixando um parâmetro ou uma meta a serem atingidos, sendo que sua eventual ultrapassagem não acarreta qualquer nulidade aos atos até então praticados.
Isto não implica dizer que a Administração não deva envidar todos os esforços no sentido de concluir os procedimentos dentro do prazo legal. Como ressalta o Guia Prático dos Procedimentos Disciplinares formulado pela Corregedoria-Geral da Advocacia da União, “Os prazos previstos na Lei 8.112/90 são fatais e improrrogáveis, salvo motivo de força maior, entendido, como tal, o obstáculo intransponível liberatório da responsabilidade. Em outras palavras, verifica-se o caso fortuito, diante da inevitabilidade de evento e ausência de culpa – art.115”.
Note-se, por derradeiro, que o entendimento aqui esposado não possui o condão de tolerar possíveis negligências ou outros desvios de conduta por parte dos servidores integrantes da comissão processante. A demora no término do procedimento deverá ser, em qualquer caso, devidamente justificada por motivos aptos e válidos a fundamentar o excesso do prazo, tudo a critério da autoridade julgadora. Constatando-se qualquer infração aos deveres funcionais dos membros da comissão, caberá a autoridade superior instaurar o competente procedimento administrativo disciplinar.
3. CONCLUSÃO
Por todo o exposto, conclui-se que não se revela cabível afirmar que o excesso de prazo na condução dos procedimentos administrativos disciplinares sejam aptos a invalidar os atos levados a cabo pela comissão, ressalvada, em qualquer caso, a apuração de possíveis desvios funcionais dos membros da comissão.
ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo, 12ª edição. Rio de Janeiro: Impetus, 2006
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Direito Administrativo, 4ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 18ª edição. São Paulo: Atlas, 2005
Procurador Federal. Coordenador da Coordenação para Assuntos de Consultoria da Procuradoria Federal na Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOSQUEIRA, Bruno Alves. Prazo para a conclusão dos processos administrativos disciplinares e consequências de sua superação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jan 2014, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37934/prazo-para-a-conclusao-dos-processos-administrativos-disciplinares-e-consequencias-de-sua-superacao. Acesso em: 22 nov 2024.
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