Resumo: Este artigo tem como objetivo lançar luzes sobre a obrigatoriedade, imposta a qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, de prestar as informações solicitadas pelo IBGE, no desempenho de sua missão institucional como órgão nacional de estatísticas, e o correlato dever, imposto pela lei a essa entidade, de manter o sigilo sobre toda e qualquer informação coletada para fins estatísticos.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é uma fundação pública federal criada pela Lei nº 5.878, de 11 de maio de 1973, cujo objetivo básico é assegurar informações e estudos de natureza estatística, geográfica, cartográfica e demográfica necessários ao conhecimento da realidade física, econômica e social do país, visando especificamente ao planejamento econômico e social e à segurança nacional (art. 2º).
Assinale-se que é por intermédio da Fundação IBGE – entidade integrante da administração pública federal indireta – que a União Federal exerce a competência material a ela conferida pela própria Constituição da República em seu artigo 21, inciso XV, de “organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional”.
Com o intuito de permitir àquela Fundação o desempenho satisfatório de sua missão institucional, em especial no que toca às atribuições ligadas à produção estatística nacional, a legislação em vigor é explícita no sentido de dispor a obrigatoriedade de prestação, por qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, das informações solicitadas pelo IBGE.
Com efeito, estabelece o art. 2º e seu §2º, do Decreto-lei nº 161, de 13 de fevereiro de 1967, que:
“Art. 2º Ficam instituídos o Plano Nacional de Estatística e o Plano Nacional de Geografia e Cartografia Terrestre, a serem formulados em conformidade com a legislação de diretrizes e bases da espécie, e definidos por ato do Poder Executivo, compreendendo o conjunto de informações e levantamentos necessários ao conhecimento da realidade econômica, social, cultural e física do país.
(...)
§ 2º As informações necessárias à execução do Plano Nacional de Estatística serão prestadas obrigatoriamente pelas pessoas físicas e jurídicas, de direito público e privado, com uso exclusivo para fins estatísticos, não podendo tais informações servir de instrumento para qualquer procedimento fiscal ou legal contra os informantes, salvo quanto a esse último, para efeito de cumprimento da presente lei.”
Por sua vez, dispõe o artigo 1º da Lei nº 5.534, de 14 de novembro de 1968, que:
“Art. 1º Toda pessoa natural ou jurídica de direito público ou de direito privado que esteja sob a jurisdição da lei brasileira é obrigada a prestar as informações solicitadas pela Fundação IBGE para a execução do Plano Nacional de Estatística.”
No mesmo sentido, estatui, ainda, o art. 6º da Lei nº 5.878, de 11 de maio de 1973:
“Art. 6º As informações necessárias ao Plano Geral de Informações Estatísticas e Geográficas serão prestadas obrigatoriamente pelas pessoas naturais e pelas pessoas jurídicas de direito público e privado e utilizadas exclusivamente para os fins que se destinam, não podendo servir de instrumento para qualquer procedimento fiscal ou legal contra os informantes, salvo para efeito do cumprimento da presente Lei.”
Como se percebe, as referidas normas legais estabelecem, para todo aquele que se encontre sujeito à legislação brasileira, o dever de prestar as informações solicitadas pela Fundação IBGE no desempenho de suas funções institucionais, não sendo lícito a quem quer que seja - ainda que se trate de pessoa jurídica de direito público - subtrair-se a tal obrigação, sob pena de incorrer nas sanções impostas pelos arts. 2º a 5º da Lei nº 5.534/68.
De fato, a possibilidade de se opor, à Fundação IBGE, a existência de eventual dever de sigilo traria consequências desastrosas aos serviços nacionais de estatística e inviabilizaria, na prática, a consecução dos misteres a cargo do IBGE (que possuem, conforme já salientado, índole constitucional – art. 21, inciso XV, da CRFB). Por isso, deve-se considerar que eventual dever de sigilo a que pudesse estar legalmente adstrito um particular ou mesmo outro órgão da Administração Pública (a Receita Federal do Brasil, por exemplo) não possui o condão de derrogar as disposições expressas contidas na Lei nº 5.534/68, até mesmo porque, uma vez que venha a ter acesso a tais dados, a Fundação IBGE também estaria obrigada à manutenção desse sigilo, não podendo revelar essas informações a quem quer que seja.
E isto porque, como não poderia deixar de ser, ao lado da prerrogativa outorgada ao IBGE de obtenção desses dados, preocupou-se o legislador com a possibilidade de que determinadas informações, uma vez fornecidas, pudessem, em tese, ocasionar dano àqueles que as fornecem ou que fossem, elas mesmas, objeto de dever de sigilo, impondo àquela Fundação, por essa razão, o dever de sigilo sobre as mesmas e impedindo que sejam utilizadas para outros fins que não os puramente estatísticos. Em outras palavras, a própria lei impôs à Fundação IBGE e aos seus agentes, de forma peremptória, o dever de guardar sigilo sobre todo e qualquer dado a que estes tenham acesso em decorrência de suas atividades de pesquisa.
Confira-se o que dispõe a respeito o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 5.534/68, verbis:
“Art. 1º (...)
Parágrafo único. As informações prestadas terão caráter sigiloso, serão usadas exclusivamente para fins estatísticos, e não poderão ser objeto de certidão, nem, em hipótese alguma, servirão de prova em processo administrativo, fiscal ou judicial, excetuado, apenas, no que resultar de infração a dispositivos desta lei.”
Por sua vez, o já mencionado §2º do art. 2º, do Decreto-lei nº 161, de 13 de fevereiro de 1967, estatui, verbis:
“Art. 2º Ficam instituídos o Plano Nacional de Estatística e o Plano Nacional de Geografia e Cartografia Terrestre, a serem formulados em conformidade com a legislação de diretrizes e bases da espécie, e definidos por ato do Poder Executivo, compreendendo o conjunto de informações e levantamentos necessários ao conhecimento da realidade econômica, social, cultural e física do país.
(...)
§ 2º As informações necessárias à execução do Plano Nacional de Estatística serão prestadas obrigatoriamente pelas pessoas físicas e jurídicas, de direito público e privado, com uso exclusivo para fins estatísticos, não podendo tais informações servir de instrumento para qualquer procedimento fiscal ou legal contra os informantes, salvo quanto a esse último, para efeito de cumprimento da presente lei.”
No mesmo sentido, o já citado art. 6º da Lei nº 5.878, de 11 de maio de 1973:
“Art. 6º As informações necessárias ao Plano Geral de Informações Estatísticas e Geográficas serão prestadas obrigatoriamente pelas pessoas naturais e pelas pessoas jurídicas de direito público e privado e utilizadas exclusivamente para os fins que se destinam, não podendo servir de instrumento para qualquer procedimento fiscal ou legal contra os informantes, salvo para efeito do cumprimento da presente Lei.”
Nota-se que as informações coletadas pelo IBGE “terão caráter sigiloso” e “serão usadas exclusivamente para fins estatísticos”, não podendo servir “de prova em processo administrativo, fiscal ou judicial”.
E não é difícil compreender a ratio subjacente a essas limitações: o dever de sigilo imposto ao IBGE presta-se justamente a gerar a necessária confiança daqueles que prestam as informações, bem como a garantir a fidedignidade dos dados coletados. Neste contexto, é fácil concluir que a possibilidade de acesso a bancos de dados contendo microdados não desidentificados, seja por particulares, seja por outros órgão públicos que porventura pudessem ter algum interesse em sua obtenção (imagine-se, por exemplo, o interesse que poderia ter a Receita Federal do Brasil em conhecer o real faturamento de determinada empresa para fins de tributação), feriria de morte os comandos legais relativos à matéria.
Com efeito, percebe-se que a própria legislação tratou de conciliar os interesses envolvidos, de um lado impondo ao particular (ou ao ente público) o dever de prestar as informações solicitadas e, de outro, cominando ao IBGE, de forma inequívoca, o dever de manter o sigilo sobre tais informações, impedindo sua utilização para quaisquer outras finalidades que não as de caráter puramente estatístico.
Assim, o IBGE está legalmente impedido de fornecer a quem quer que seja as informações individualizadas que coleta, no desempenho de suas atribuições, para que sirvam de prova em quaisquer outros procedimentos administrativos. Tais informações, repita-se, apenas poderão ser utilizadas com finalidades estatísticas, tal como prevêem o art. 2º, §2º, do Decreto-lei nº 161, de 13 de fevereiro de 1967, o art. 1º da Lei nº 5.534, de 14 de novembro de 1968, e o art. 6º da Lei nº 5.878, de 11 de maio de 1973. Nesse sentido, estarão revestidas de flagrante ilegalidade quaisquer requisições de dados dessa natureza emanadas de outros órgãos administrativos (por exemplo, a polícia judiciária ou o Ministério Público) ou quaisquer determinações judiciais para que o IBGE disponibilize tais informações (as quais deverão ser cassadas pela instância superior).
Cabe esclarecer que as estatísticas são construções baseadas na agregação de informações individuais, retirando-lhes a individualidade e a identidade, e construindo resumos das características relevantes da coleção de indivíduos, empresas, entidades, produtos etc. Assim sendo, quando a Fundação IBGE divulga os resultados de suas pesquisas, deve preservar, por imposição da própria lei, a individualidade e a identidade de seus informantes.
Ressalte-se, ainda, que toda e qualquer órgão oficial de estatísticas depende de maneira crítica da confiança pública para obter as informações de que necessita, a fim de que possa prover o governo e a sociedade com as estatísticas necessárias à informação, ao debate e à tomada de decisões. A integridade das estatísticas oficiais e a confiança pública nessas estatísticas revelam-se fundamentais. Para que tal confiança pública exista, é essencial assegurar a integridade das instituições encarregadas de sua produção, como é o caso da Fundação IBGE. Uma das condições essenciais para a manutenção da integridade e da fé pública de uma instituição produtora de estatísticas como o IBGE (e como todos os seus similares no mundo) é a rígida preservação do sigilo das informações individuais ou identificadas que utiliza como parte de seu processo de produção.
Destarte, a posição do IBGE, amparada na legislação vigente, na prática observada na esmagadora maioria dos países, nas recomendações do Instituto Internacional de Estatística e na sua experiência de mais de 50 anos na produção de estatísticas oficiais de qualidade, deve ser a de assegurar a privacidade das informações individuais identificadas, por constituírem elemento essencial e fundamental para a continuação de sua existência como instituição pública digna da fé pública, capaz de prestar serviços de qualidade, com imparcialidade, integridade e qualidade.
Não por acaso, a Comissão de Estatísticas das Nações Unidas adotou, em Sessão Especial ocorrida no mês de abril de 1995, os “Princípios Fundamentais das Estatísticas Oficiais” (The Fundamental Principles of Official Statistics). Tais Princípios haviam sido previamente adotados durante a 47ª Sessão da Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa, em 15 de abril de 1992.
O Princípio número 6 estabelece o seguinte:
“Dados individuais coletados por órgãos de estatística para produção de informações estatísticas, sejam referentes à pessoa física ou jurídica, devem ser estritamente confidenciais e usados exclusivamente para fins estatísticos.” (Individual data collected by statistical agencies for statistical compilation, whether they refer to natural or legal persons, are to be strictly confidential and used exclusively for statistical purposes).
Visando à maior clareza do que aqui se expõe, vale remeter o leitor para o texto original completo dos Fundamental Principles of Official Statistics, obtido no sítio da ONU na Internet, no endereço http://unstats.un.org/unsd/methods/statorg/default.htm (“Official Statiscs: Principles and Practices”).
Em que pese o que aqui se afirmou, não é raro que a Fundação IBGE seja acossada por pedidos de fornecimentos de dados não desidentificados por parte de órgãos administrativos, como a Receita Federal do Brasil ou o próprio Ministério Público, que entendem ser dever do IBGE auxiliar tais autoridades no desempenho de suas tarefas de investigação. Nesses casos, competirá ao IBGE defender o sigilo imposto pela lei em prol da credibilidade das estatísticas oficiais, seja por meio da negativa peremptória a tais exigências descabidas, seja pela propositura de solução de conflito junto à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF), seja, em último caso, pelo recurso às vias judiciais.
Procurador Federal. Coordenador da Coordenação para Assuntos de Consultoria da Procuradoria Federal na Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOSQUEIRA, Bruno Alves. O dever de sigilo relativo às informações coletadas pelo IBGE para fins estatísticos como contraponto ao dever de informar imposto ao particular Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jan 2014, 08:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38044/o-dever-de-sigilo-relativo-as-informacoes-coletadas-pelo-ibge-para-fins-estatisticos-como-contraponto-ao-dever-de-informar-imposto-ao-particular. Acesso em: 22 nov 2024.
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