Sumário: 1. Introdução. 2. Conceitos. 3. Da repactuação de preços e a ausência de acordo, convenção ou dissídio coletivo para a categoria profissional envolvida. 4. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Tema que por vezes causa transtornos à Administração Pública refere-se aos pedidos de repactuação de preços formulados por empresas contratadas para a prestação de serviços continuados relativamente aos quais a categoria profissional envolvida não se encontra amparada por acordo, convenção ou dissídio coletivo.
É que, em tais situações, e contrariamente ao que ocorre na imensa maioria dos casos, o gestor público não pode contar com critérios muito objetivos para a averiguação dos valores apresentados pela contratada, como seria a Convenção Coletiva de Trabalho firmada entre os sindicatos das categorias profissional e econômica envolvidas, dotada de força impositiva e ampla publicidade. Com efeito, faltando um elemento concreto que lhe permita quantificar o efetivo aumento dos encargos a serem suportados pela contratada, o administrador vê-se em situação embaraçosa, uma vez que a definição do salário pago aos empregados da empresa contratada – geralmente o fator mais relevante na formação final do preço – assume um caráter impreciso.
Este artigo pretende, portanto, enfrentar o tema e oferecer uma solução que seja capaz de atender, a um só tempo, a necessidade de se resguardar os interesses do Erário, bem como o direito do particular de ver mantido o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
2. CONCEITOS
Antes, porém, de enfrentarmos o tema propriamente dito, convém delimitar, diferenciando-os, os conceitos de repactuação e de reequilíbrio econômico-financeiro nos contratos administrativos.
O reequilíbrio econômico-financeiro representa o restabelecimento do sinalagma contratual originariamente pactuado entre as partes, quando este tenha sido alterado por evento que caracterize álea extraordinária. Justamente por decorrer de eventos imprevisíveis ou, quando menos, de eventos previsíveis cujas consequências não podem ser calculadas de antemão, o reequilíbrio econômico-financeiro poder ser implementado em qualquer momento da relação contratual, não estando condicionado a requisitos temporais. Para que se viabilize, basta que ocorram as hipóteses eleitas pela legislação como aptas à sua concretização, não sendo exigível, para sua efetivação, que tenha sido previsto no instrumento contratual, uma vez que sua possibilidade deriva diretamente da lei. Em nosso direito administrativo, sua base legal encontra-se essencialmente radicada no art. 65, inciso II, alínea “d” e seu § 5º, da Lei nº 8.666/93, verbis:
“Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
(...)
II - por acordo das partes:
(…)
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
(...)
§ 5o Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso.”
A repactuação, por sua vez, é espécie do gênero “reajuste” e tem aplicação nos contratos administrativos que versem sobre a prestação de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão-de-obra, possuindo como objetivo precípuo a adequação dos valores contratuais à nova realidade do mercado, por meio do repasse, ao contrato administrativo, da efetiva variação de custos do contratado (que deverá ser demonstrada através das competentes planilhas de custos e formação de preços). Assim, constituindo uma espécie de reajuste contratual, a repactuação – diferentemente do reequilíbrio econômico-financeiro - está submetida ao limite temporal de um ano, sendo certo, outrossim, que sua implementação deve estar expressamente prevista no edital e no contrato.
3. DA REPACTUAÇÃO DE PREÇOS E A AUSÊNCIA DE ACORDO, CONVENÇÃO OU DISSÍDIO COLETIVO PARA A CATEGORIA PROFISSIONAL ENVOLVIDA
Feita essa breve digressão, cumpre-nos enfrentar a questão que se coloca quando determinada empresa formula requerimento de repactuação de preços do contrato administrativo, baseando-se para tanto em uma alegada majoração dos salários pagos a seus empregados, nas hipóteses em que o piso salarial da categoria profissional envolvida na prestação dos serviços não se encontra fixado em qualquer acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho.
Não há dúvidas de que, nessas situações, torna-se necessária maior cautela na análise do pleito apresentado pela contratada, uma vez que não se dispõe de critérios absolutamente objetivos que possam orientar o exame dos números apresentados pela requerente em sua planilha de custos e formação de preços (art. 40 da IN/MPOG/SLTI nº 02/2008).
Lembremos que a repactuação, como espécie de reajuste dos contratos administrativos, deve refletir fielmente a efetiva variação dos custos suportados pela contratada, não sendo permitida, para esse efeito, a utilização de índices ou percentuais aleatórios, que nenhuma relação tenham com a situação específica de cada contrato. Não é por acaso que o art. 40 da IN/MPOG/SLTI nº 02/2008 dispõe que as repactuações “serão precedidas de solicitação da contratada, acompanhada de demonstração analítica da alteração dos custos, por meio de apresentação da planilha de custos e formação de preços ou do novo acordo convenção ou dissídio coletivo que fundamenta a repactuação, conforme for a variação de custos objeto da repactuação”.
Portanto, inexistindo um ato com força impositiva (acordo, dissídio ou convenção coletiva de trabalho) que defina objetivamente um piso salarial para a categoria profissional e sendo vedada a simples aplicação automática de um índice de preços qualquer, que posicionamento adotar?
Poder-se-ia, por exemplo, tomar como referência o valor do salário mínimo nacional (ou estadual, onde houver) para a definição da remuneração a ser considerada para efeitos de repactuação. De fato, considerando-se a ausência de acordo, convenção ou dissídio coletivos que estabeleçam um determinado piso salarial para a categoria profissional, é certo que as empresas estarão obrigadas a observar aquele salário como limite mínimo para a remuneração de seus empregados. Dito isto, não resta dúvida de que, caso os empregados da contratada vinculados à execução do contrato sejam efetivamente remunerados mediante o salário mínimo, seria patente o direito desta à repactuação dos preços nos mesmos moldes do reajuste aplicado ao salário mínimo.
Todavia, há muitos casos em que o contrato de prestação de serviços envolve a atuação de profissionais especializados, remunerados por valores muito superiores ao salário mínimo legal, o que faz surgir a necessidade de se adotarem outros parâmetros para a definição do quantum da repactuação, tendo em vista que a majoração do salário mínimo, em tais situações, não acarretará nenhuma repercussão nos valores do contrato de prestação dos serviços (pois o aumento do salário mínimo não gerará para a empresa qualquer obrigação legal de aumentar o salário de seus empregados).
Tendo presente tal realidade, poderíamos ser levados a pensar que estaria vedado – pelo menos em princípio - o deferimento do pleito de repactuação formulado pela contratada nessas condições, já que a mesma não conseguiria demonstrar a efetiva variação nos seus custos.
Todavia, cabe aqui tecermos a seguinte consideração: é que, na ausência de piso salarial fixado em acordo, convenção ou dissídio coletivos que imponham - com força cogente - um piso salarial específico para determinada categoria profissional, é cediço que a fixação dos salários tomará por base a realidade de mercado vigente nesse setor (obviamente respeitado o mínimo legal). Será o mercado, portanto, que poderá definir a possível existência ou não do direito à repactuação de preços pela contratada, caso fique cabalmente comprovado que esta se viu obrigada a reajustar a remuneração de seus empregados em virtude das condições vigentes no mercado para a categoria profissional envolvida (por exemplo, para não perder competitividade em relação à atração de mão-de-obra qualificada etc.).
Aliás, parece ser esta a regra que emana do art. 40, §2º, da IN/MPOG/SLTI nº 02/2008, que assim dispõe:
“Art. 40. (...)
(...)
§ 2º Quando da solicitação da repactuação para fazer jus a variação de custos decorrente do mercado, esta somente será concedida mediante a comprovação pelo contratado do aumento dos custos, considerando-se: (alterado pela Instrução Normativa nº 3, de 15 de outubro de 2009)
I - os preços praticados no mercado e em outros contratos da Administração;
II - as particularidades do contrato em vigência;
III - a nova planilha com a variação dos custos apresentada; (alterado pela Instrução Normativa nº 3, de 15 de outubro de 2009)
IV - indicadores setoriais, tabelas de fabricantes, valores oficiais de referência, tarifas públicas ou outros equivalentes; e (alterado pela Instrução Normativa nº 3, de 15 de outubro de 2009)
V - (revogado pela Instrução Normativa nº 3, de 15 de outubro de 2009)
VI - a disponibilidade orçamentária do órgão ou entidade contratante.”
Isto posto, temos que a concessão da repactuação estará condicionada, nesses casos, (a) à demonstração, pela contratada, da real variação de custos do contrato, que deverá ser realizada mediante a comprovação de que efetivamente majorou os salários de seus empregados de acordo com a realidade de mercado e (b) à constatação, pela Administração, de que os novos valores refletem fielmente as novas condições de mercado, para o quê deverá seguir os parâmetros dispostos nos incisos do §2º do art. 40 da IN/MPOG/SLTI nº 02/2008.
Neste sentido, o índice de reajuste do salário mínimo (nacional ou estadual), muito embora não deva ser aplicado automaticamente ao contrato, talvez possa ser utilizado como um teto seguro a orientar a atuação do gestor público. Evidentemente, o que aqui se afirmou igualmente não exclui a possibilidade (e até mesmo a necessidade) de que o setor administrativo interessado empreenda junto à contratada negociações com o intuito de obter as condições e valores mais vantajosos para a Administração.
Quanto ao termo a partir do qual deverão operar os efeitos financeiros da possível repactuação, deverá o administrador atentar para a norma constante do art. 38 da IN/MPOG/SLTI nº 02/2008, segundo a qual o prazo de um ano para a concessão da primeira repactuação do contrato deverá tomar por base a “data limite para apresentação das propostas constante do instrumento convocatório, em relação aos custos com a execução do serviço decorrentes do mercado”. Vale lembrar que essa data (ou qualquer outra em que vier a ser fixado o termo inicial da repactuação) será considerada para efeitos da anualidade prevista no art. 39 da IN/MPOG/SLTI nº 02/2008.
4. CONCLUSÃO
Pelo exposto, conclui-se que, muito embora a ausência de acordo, dissídio ou convenção coletiva de trabalho possa dificultar a atividade do administrador público na verificação dos números apresentados pela contratada por ocasião dos pedidos de repactuação, é possível conferir um razoável grau de precisão e segurança a essa atividade quando se buscam junto ao mercado os parâmetros a serem considerados. Não é tarefa fácil, mas certamente, caso empreendida com zelo e dedicação, representará providência salutar para os interesses da Administração.
ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo, 12ª edição. Rio de Janeiro: Impetus, 2006
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 18ª edição. São Paulo: Atlas, 2005
MORAIS, Dalton Santos. Temas de Licitações e contratos administrativos. São Paulo: Editora NDJ, 2005
Procurador Federal. Coordenador da Coordenação para Assuntos de Consultoria da Procuradoria Federal na Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOSQUEIRA, Bruno Alves. A repactuação de preços dos contratos administrativos e a ausência de acordo, convenção ou dissídio coletivo para a categoria profissional envolvida Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jan 2014, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38109/a-repactuacao-de-precos-dos-contratos-administrativos-e-a-ausencia-de-acordo-convencao-ou-dissidio-coletivo-para-a-categoria-profissional-envolvida. Acesso em: 22 nov 2024.
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