É atribuição do Estado o fornecimento do medicamento de que necessita o administrado para sobreviver, levando-se em consideração o disposto na Constituição Federal e nas demais normas integrantes de nosso ordenamento jurídico.
Ora, em conformidade com o disposto no item 16.1, “g”, da Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde – SUS (NOB-SUS 01/96), publicada no Diário Oficial da União de 06 de novembro de 1996, aos Estados cumpre “a normalização complementar de mecanismos e instrumentos de administração da oferta e controle da prestação de serviços ambulatoriais, hospitalares, de alto custo, do tratamento fora do domicílio e dos medicamentos e insumos especiais.”.
Não bastasse o disposto na norma acima referida, a Lei n° 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, em seus arts. 2º, §1º; 4º; e 6º, inciso I, determina:
"Art. 2º - A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação."
"Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS)."
"Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
I - a execução de ações:
a) de vigilância sanitária;
b) de vigilância epidemiológica;
c) de saúde do trabalhador; e
d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica.”
Outrossim, dispõem os arts. 23, inciso II; 196 e 198, todos da Constituição Federal:
“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(...)
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;”
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
“Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
§ 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do artigo 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes”.
De acordo com os dispositivos retro mencionados, não resta dúvida ser dever do Estado, solidariamente com a União, o Distrito Federal e os Municípios, prestar assistência farmacológica àqueles que necessitem, a fim de manter a saúde do cidadão.
Ao discorrer sobre o assunto, o professor Alexandre de Morais[1] leciona que: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (CF, art. 196), sendo de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou por meio de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado (CF, art. 197)”.
O Colendo Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou quanto a responsabilidade solidária dos entes federativos garantir o pleno exercício do direito à saúde:
“ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE REMÉDIO. PORTADOR DO VÍRUS HIV.
OBRIGAÇÃO DA UNIÃO, ESTADOS, MUNICÍPIOS E DISTRITO FEDERAL.
MEDICAMENTOS INDICADOS POR PRESCRIÇÃO MÉDICA. POSSIBILIDADE. DIREITO À VIDA E À SAÚDE.
1. É assente o entendimento de que a Saúde Pública consubstancia direito fundamental do homem e dever do Poder Público, expressão que abarca a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, todos em conjunto. Nesse sentido, dispõem os arts. 2º e 4º da Lei n. 8.080/1990. 2. Assim, o funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária da União, do Estados e dos Municípios. Dessa forma, qualquer um destes entes tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo da demanda. 3. "A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que não incorre em condenação genérica o provimento jurisdicional que determina ao Estado prestar tratamento de saúde e fornecer medicamentos necessários ao cuidado contínuo de enfermidades determinadas e já diagnosticadas por médicos" (AgRg no AREsp 24.283/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/04/2013, DJe 10/04/2013). 4. Observa-se a perda de objeto dos embargos de declaração de fls. 319/325, visto que objetivavam o julgamento do presente agravo regimental, que estava sobrestado. Agravo regimental improvido. Embargos de declaração prejudicados.” (STJ, AgRg no Ag 822.197/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/11/2013, DJe 09/12/2013)
“ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO STF.
SOBRESTAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. "Ambas as Turmas que compõem a Primeira Seção firmaram o entendimento de que o funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária da União, do Estados e dos Municípios.
Dessa forma, qualquer um destes Entes tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo da demanda" (AgRg no REsp 1.150.698/SC, Primeira Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 22/8/13).
2. Não constitui hipótese de sobrestamento dos feitos em trâmite no Superior Tribunal de Justiça o reconhecimento, pelo STF, de repercussão geral sobre determinado tema.
3. Agravo regimental não provido.”
(STJ, AgRg no AREsp 64.899/GO, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/11/2013, DJe 20/11/2013)
Ao ser, pois, solidária a responsabilidade dos entes federativos, é perfeitamente possível que o Estado seja o único demandado sem que ocorra a formação de litisconsórcio, conforme já se pronunciaram os tribunais pátrios:
“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO COM A UNIÃO. DESCABIMENTO. DEVER CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, DOS ESTADOS E DOS MUNICÍPIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DO FADEP. CONDENAÇÃO DO MUNICÍPIO. CABIMENTO. I. Não há falar em litisconsórcio necessário com a União, porque compete à parte autora escolher contra quem irá propor a demanda. II. O fornecimento gratuito de medicamentos e demais serviços de saúde constitui responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, derivada do artigo 196.” (TJ-RS - AC: 70049687056 RS , Relator: Marco Aurélio Heinz, Data de Julgamento: 01/08/2012, Vigésima Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 13/08/2012)
“CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. PORTADORA DE DOENÇA GRAVE. NECESSIDADE DE UTILIZAÇÃO DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO EM FORNECER E DISPOR DE TAL MEDICAMENTO PARA OS NECESSITADOS. RESPEITO AO FUNDAMENTO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA – NECESSIDADE DE DENUNCIAÇÃO DA UNIÃO COMO LITISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO. TRANSFERÊNCIA PARA O MÉRITO. REJEIÇÃO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO DO RECURSO.
1 - as preliminares de recurso estão adstritas às condições de admissibilidade deste; 2 – a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, sendo responsáveis solidários, podem compor o pólo passivo da presente demanda tanto em conjunto com separadamente; 3 - o art. 196, da Carta da República afirma que a saúde é direito de todos e dever do Estado, devendo este garantir, através de políticas sociais e econômicas, a redução dos riscos de doenças e de outros agravos, resguardando o acesso universal e a igualdade de ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação dos necessitados; 4 - conhecimento e improvimento do presente recurso.” (TJRN, AC nº 2006.005035-7, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. OSVALDO CRUZ, J. 31/10/2006,)
“AÇÃO ORDINÁRIA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. ENFERMIDADE E HIPOSSUFICIÊNCIA RECONHECIDAS. OBRIGAÇÃO DO ESTADO DE FORNECER REMÉDIOS INDISPENSÁVEIS AO TRATAMENTO E À GARANTIA DO DIREITO À SAÚDE. PRELIMINARES REJEITADAS (LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO DA UNIÃO E CERCEAMENTO DE DEFESA). REMESSA E RECURSO DESPROVIDOS.” (TJSC, AC nº 2006.012773-7, 3ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. CESAR ABREU, J. 23/05/2006)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. DIREITO PÚBLICO NÃO-ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PARA TRATAMENTO MÉDICO. O direito à saúde é corolário do direito à vida. Direito individual fundamental, de aplicação plena e imediata (CF/88, arts. 5º, e § 1º, 6º e 196). O dever de fornecer tratamento médico integral, incluindo transporte para tratamento médico, é responsabilidade solidária das três Esferas de Poder do Estado: União, Estados, Distrito Federal e Municípios, todas legitimadas passivamente, portanto, para o pleito do hipossuficiente. O não-atendimento desse direito não configura apenas uma ilegalidade, mas, o que é mais grave, constitui-se em violação da própria Constituição Federal. O provimento judicial que atende tal direito não ofende o princípio da independência e harmonia dos Poderes. Princípio da universalidade da jurisdição ou da inafastabilidade do controle judicial (CF/88, art. 5º, XXXV). Havendo a verossimilhança das alegações e o inegável perigo na demora, impõe-se o deferimento da antecipação de tutela (art. 273 do CPC). Precedentes do STF, do STJ e deste TJ. RECURSO DESPROVIDO POR DECISÃO MONOCRÁTICA.” (TJRS, AI nº 70017869330, Segunda Câmara Cível, Relator: ADÃO SÉRGIO DO NASCIMENTO CASSIANO, Julgado em 30/11/2006,)
Destarte, caso o ente federativo não promova o fornecimento do medicamento de que necessita o administrado, torna-se plenamente possível que este busque a percepção do mesmo através da tutela jurisdicional.
De fato, a intervenção judicial revela-se recomendável, desde que preservado o princípio constitucional da separação entre os Poderes Estatais, buscando-se superar, outrossim, os exageros da discricionariedade administrativa como escudo oferecido ao Poder Executivo, posto que a saúde apresenta-se como um interesse preponderante, vez que ligado intimamente à vida, interesse supremo a ser resguardado pelo Estado de forma prioritária sobre todos os demais.
Destarte, está o Poder Judiciário autorizado a intervir buscando o direcionamento decisório mais consentâneo com a política que deveria ter sido desenvolvida com vistas à preservação da saúde do administrado, o qual necessita de medicamento específico, enquanto necessários ao seu tratamento, desde que pautado por prescrição médica.
Acrescente-se, ainda, que a atuação do Judiciário, ao conceder a pretensão formulada pelo administrado não ofenderá o princípio da independência dos Poderes, por ser da essência do Estado Democrático de Direito a necessidade do controle jurisdicional da legalidade dos atos estatais quando invocada lesão a direito, não devendo se permitir que se volte ao tempo onde prevalecia como dogma absoluto a incensurabilidade dos atos da Administração Pública pelo Judiciário, a quem seria terminantemente vedado sobrepor o seu próprio juízo valorativo ao juízo discricionário do administrador – ainda quando desse juízo pudesse emanar lesão a interesse das pessoas.
Assim, se o administrador não observou a prescrição constitucional, estará o Poder Judiciário autorizado a intervir buscando o direcionamento decisório mais consentâneo com a política que deveria ter sido desenvolvida com vistas à preservação da saúde do recorrido.
Outrossim, não se pode negar que o administrador negar a impossibilidade de fornecimento de medicamento ao administrado sob a alegação de inexistência de dotação orçamentária, visto ser sabido por todos que existem recursos para manter o programa de fornecimento de medicamento de alto custo, afastando-se a tese da ausência de prévia dotação orçamentária, ademais quando a própria Lei nº 8.080/90, em seu art. 35, inciso VII, prevê o direito ao ressarcimento e a compensação dos valores despendidos:
“Art. 35. Para o estabelecimento de valores a serem transferidos a Estados, Distrito Federal e Municípios, será utilizada a combinação dos seguintes critérios, segundo análise técnica de programas e projetos:
(...)
VII - ressarcimento do atendimento a serviços prestados para outras esferas de governo.”
Por fim, muito embora exija a lei prévia licitação para aquisição de produtos pelos órgãos públicos, na hipótese de fornecimento de medicamento de alto custo de que necessita o administrado o procedimento encerraria hipótese de dispensa, face o caráter emergencial, nos exatos termos do art. 24, inciso IV, da Lei n° 8.666/93:
“Art. 24. É dispensável a licitação:
(...)
IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento de situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das considerações supra, se vislumbra que apesar de ser solidária a responsabilidade da União, Estados e Municípios no que concerne ao fornecimento de medicamento de alto custo de que necessita o administrado, este, em não obtendo o mesmo, pode acionar o Poder Judiciário pugnando pela tutela judicial apenas em face do Estado.
Outrossim, não pode o Estado argumentar, ao negar o fornecimento do medicamento de que necessita o administrado, a ausência de recursos financeiros, diante da existência de programa de fornecimento de medicamento de alto custo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 15ª ed., Ed. Jurídicas Atlas, 2004.
Nota:[1] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 15ª ed., Ed. Jurídicas Atlas, 2004, págs. 687/688.
Procuradora Federal em exercício na Procuradoria Federal junto à Fundação Universidade Federal do Tocantins - UFT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Patricia Bezerra de Medeiros. A obrigatoriedade de fornecimento de medicamento de alto custo pelo Estado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 fev 2014, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38226/a-obrigatoriedade-de-fornecimento-de-medicamento-de-alto-custo-pelo-estado. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Danilo Eduardo de Souza
Por: maria edligia chaves leite
Por: MARIA EDUARDA DA SILVA BORBA
Por: Luis Felype Fonseca Costa
Por: Mirela Reis Caldas
Precisa estar logado para fazer comentários.