Busca-se, no presente estudo, demonstrar a direção que deve pautar a atuação administrativa a fim de solucionar a problemática de caso de inadimplência de discentes perante as Instituições Federais de Ensino Superior. Não são raras, por exemplo, as situações nas quais as Universidades ou Institutos Federais impõem ao aluno a exigência do “nada consta” de débitos na biblioteca como requisito para obtenção do certificado de conclusão do curso, fazendo disso um meio reflexo, porém condenável, de cobrança da dívida existente.
De fato, os débitos desta natureza contraídos pelos alunos devem ser ressarcidos aos cofres públicos. A reposição ao erário tem precípua justificativa na vedação ao enriquecimento ilícito, ou sem causa, uma vez que não é compatível com o ideal de Justiça, o qual deve sempre nortear não só a atuação do Estado como também o desempenho da importante função jurisdicional.
E isto porque não se pode admitir que alguém se locuplete à custa do injusto sacrifício de outrem, sobretudo quando o sacrificado é o próprio Estado, representante do interesse de toda a coletividade. Fazendo menção ao exemplo citado nas considerações iniciais, é inquestionável que os valores pagos pelos livros e matérias didáticos foram suportados por todos os membros da sociedade.
Sobre este aspecto, convém transcrever a lição de Raquel Melo Urbano de Carvalho, in litteris:
Não se pode admitir que um vício grave da Administração sacrifique toda a sociedade em favor de um indivíduo que termine ‘premiado’ com uma ilegalidade. Impedir a retroatividade da invalidação de ato restritivo de direito significa transformar vício administrativo em sorte do terceiro que se relaciona com o Estado, deixando a sociedade refém duas vezes: primeiro, da incompetência, da desonestidade ou da inabilidade da Administração ao cumprir a ordem jurídica; segundo, da impossibilidade de recompor o patrimônio, tornando definitivo o benefício que jamais o terceiro poderia ter obtido, em flagrante, comprometimento da juridicidade, da razoabilidade e da supremacia do interesse público.
(Curso de Direito Administrativo, 2º ed. 2009, Editora JusPodivm, p. 477)
Assim, para evitar tal enriquecimento indevido (e o consequente empobrecimento injustificado do Estado), surge, como medida imperiosa, a reposição ao erário. Tal reposição, ademais, não é sequer uma opção do administrador público, pois, antes, configura verdadeira obrigação, haja vista que a ele não é dado dispor daquilo que não lhe pertence, mas lhe foi confiado pela Administração. Por essas razões é que a reposição ao erário tem pleno amparo também na norma constitucional prevista no art. 37, caput, CRFB/88, cujo teor dispõe:
“Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)”. (grifamos).
É certo que, diante dos argumentos já expostos, a reposição ao erário tem patente amparo na norma constitucional acima invocada, porquanto está em perfeita correspondência com os princípios da legalidade e moralidade.
A permanecer a situação de inadimplência, além da ocorrência de frontal violação ao dispositivo mencionado, consumar-se-á uma flagrante injustiça, face ao locupletamento ilícito verificado, ou o chamado enriquecimento sem causa, vulnerando inclusive o princípio da equidade, que não permite o ganho de um em detrimento de outro, sem uma causa que justifique.
Caracterizada a utilização indevida dos bens da Biblioteca, por exemplo, nada mais justo que a reposição ao erário, sob o risco de enriquecimento sem causa dos usuários, em clara ofensa aos arts. 876 e 884 do Código Civil, in verbis:
Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
(...)
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Ressalta-se que maior é a necessidade de restituição quando a Administração Pública é credora. Isso porque seus dirigentes não possuem a faculdade, mas a obrigação de buscar o ressarcimento, principalmente quando resulta da má utilização de bem público, a fim de dar estrito cumprimento aos princípios de moralidade, legalidade, impessoalidade e eficiência, todos consagrados no art. 37 da CRFB/88.
Inexiste dúvida, portanto, quanto ao dever de cobrança do débito pela Instituição de Ensino, a qual deverá se dar por meio de emissão de Guia de Recolhimento da União – GRU ao aluno inadimplente, sempre, garantindo-lhe a oportunidade de exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa.
Ressalta-se, todavia, que a existência da dívida e respectiva cobrança não devem interferir prestação dos serviços educacionais, conforme bem assentado pela jurisprudência pacífica dos Tribunais:
ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. DIPLOMA DE MESTRADO. NEGATIVA DE EXPEDIÇÃO EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE DÉBITOS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 6º DA LEI 9.870/99. 1- Trata-se de Remessa Necessária e de Apelação interposta pela UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO - UFES, em face da r. Sentença a quo que julgou procedente o pedido, no qual a Autora objetivava a expedição de seu diploma de Mestre em Educação, independentemente da apresentação do documento “nada consta” da biblioteca da referida Universidade. 2- Verifica-se que a própria Ré alega que a apresentação do "nada consta" da biblioteca pelo corpo discente, como é o caso da Autora, somente é requisito para colação de grau, transferência, trancamento ou reopção de curso, conforme prevê o § 11, do art. 10, da Resolução n° 39/92, do Conselho Universitário, não apontando qualquer legislação que autorize a exigência do mencionado documento para expedição de diploma de Mestrado. 3 - Ademais, mesmo que houvesse algum ato administrativo neste sentido, cabe consignar que o artigo 6°, da Lei n° 9.870/99, veda expressamente a retenção de documentos escolares, por motivo de inadimplemento. 4- Destarte, não há dúvida quanto à ilegalidade do ato que negou a expedição de diploma de Mestrado concluído pela Autora, uma vez que não se pode recusar a entrega de diploma a aluno que concluiu todo o curso, com fundamento em pendência de débito junto à instituição do ensino. 5- Incumbe a Instituição de Ensino Superior valer-se dos meios legais de cobrança para defesa de seus interesses, com referência aos débitos existentes. 6- Negado provimento à Remessa Necessária e à Apelação.
(AC 200350010108096, Desembargador Federal RALDÊNIO BONIFACIO COSTA, TRF2 - OITAVA TURMA ESPECIALIZADA, DJU - Data::07/08/2009 - Página::125.)
ADMINISTRATIVO. COLAÇÃO DE GRAU EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR. APROVAÇÃO NO CURSO. INADIMPLÊNCIA. 1. Tendo o aluno sido aprovado em todas as disciplinas do curso, tem direito à colação de grau, não se lhe podendo opor, como óbice à realização do ato, a existência de débitos anteriores para com a instituição de ensino. 2. Não existe suporte legal para que as Universidades deixem de proceder à colação de grau do estudante faltoso com seus compromissos financeiros, in casu, a existência de débito.
(AMS 200570010071040, LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 06/12/2006.)
ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. ALUNO INADIMPLENTE. CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DE CURSO RETENÇÃO. ARTIGO 6º, DA LEI Nº 9.870/99. ILEGALIDADE. EXISTÊNCIA DE MEIOS LEGAIS PARA COBRANÇA. - A teor do art. 6º da Lei 9.870, de 23 de novembro de 1999 é vedada à instituição de ensino a aplicação de sanções pedagógicas ao aluno inadimplente, devendo esta, se entender cabível, procurar o meio judicial apropriado para a quitação do débito em atraso. - Ainda que se reconheça que as instituições de ensino sobrevivem dos valores arrecadados pelo seu corpo discente, é defeso à universidade aplicar sanções pedagógicas na cobrança do seu crédito, devendo esta ser feita pela via apropriada, sem constrangimentos ao aluno, conforme a lei em comento e o Código de Defesa do Consumidor. In casu, a aluna cumpriu a carga horária total exigida para a conclusão do curso, não havendo, pois, respaldo legal para negar-lhe acesso ao certificado de conclusão de curso, bem como aos outros documentos escolares, tampouco à sua participação na cerimônia de colação de grau. - Remessa Oficial improvida.
(REO 200981010000100, Desembargador Federal José Baptista de Almeida Filho, TRF5 - Quarta Turma, DJE - Data::29/01/2010 - Página::659.)
ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. ALUNO INADIMPLENTE. COLAÇÃO DE GRAU. 1. Colação de grau no curso de Pedagogia, sem a exigência da Universidade do Vale do Acaraú/CE do adimplemento do débito existente junto à referida Instituição de Ensino. 2. A existência de débito junto à Universidade não é óbice à colação de grau, nem a expedição do certificado de conclusão de curso superior, pois esta possui as vias processuais próprias para promover a cobrança devida, sendo desnecessário a via administrativa para coagir o devedor. 3. Remessa oficial improvida.
(REO 200581000068876, Desembargador Federal Ubaldo Ataíde Cavalcante, TRF5 - Primeira Turma, DJ - Data::13/12/2007 - Página::809 - Nº::239.)
ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. ALUNO INADIMPLENTE. COLAÇÃO DE GRAU. LIMINAR DEFERIDA. - Hipótese em que a impetrante busca o provimento liminar com o fim de lhe ser assegurado à colação de grau no curso de Pedagogia, sem a exigência da Universidade do Vale do Acaraú/CE do adimplemento do débito existente junto a referida Instituição de Ensino. - "A existência de débito da Impetrante não constitui empecilho à colação de grau, nem a expedição do certificado de conclusão de curso superior, uma vez que cabe a instituição de ensino promover a cobrança por meio de ação própria e não via coação administrativa. A educação é direito constitucional, que não pode ser obstaculizado por disposição regulamentar". Manutenção da Sentença. - Remessa oficial improvida.
(REO 200581000018850, Desembargador Federal Francisco Wildo, TRF5 - Primeira Turma, DJ - Data::15/02/2006 - Página::789 - Nº::33.)
Percebe-se, do exposto, que é poder-dever da Instituição de Ensino exigir de seus alunos inadimplentes a devida reposição ao erário. Tal cobrança, no entanto, deve ser promovida de acordo com os meios legais próprios existentes, não se admitindo, para tanto, a adoção de medidas administrativas que possam interferir na regular prestação dos serviços educacionais destinadas aos discentes.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. 2º Ed., Editora JusPodivm, 2009.
Procurador Federal. Procurador-Chefe da Procuradoria Federal junto à Universidade Federal do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONSECA, Marcelo Morais. Da Inadimplência perante as Instituições Públicas de Ensino: Obrigação de Reposição ao Erário, sem prejuízo do acesso aos serviços educacionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 fev 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38275/da-inadimplencia-perante-as-instituicoes-publicas-de-ensino-obrigacao-de-reposicao-ao-erario-sem-prejuizo-do-acesso-aos-servicos-educacionais. Acesso em: 22 nov 2024.
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