RESUMO: O presente trabalho teve por finalidade a análise construtiva da norma tributária indutora, passando-se por sua perspectiva funcional, dissociada e complementada pela perspectiva legal-positivada. Foi analisada de maneira concreta a operacionalização da norma tributária indutora, sob o domínio da extrafiscalidade, trazendo-se exemplos de utilização de tributos com a função indutora, por mecanismo de intervenção indireta estatal. Para elaboração do presente trabalho, a metodologia aplicada foi basicamente pesquisa doutrinária, notoriamente fundamentando-se o marco teórico a partir da leitura dos ensinamentos do jurista Alfredo Augusto Becker, Professor Paulo de Barros Carvalho, André Elali e do ex-ministro Eros Roberto Grau.
Palavras-chave: tributaçÃo indutora, Norma
ABSTRACT: The present work is fundamentally based on the analysis of the construction of the inducing norm, passing through its functional perspective, dissociated and completed by the legal-positive perspective. It was analyzed in concrete the operationalization of the inducing taxation norm, in the field of the extrafiscality, bringing through some examples of taxes that has the inducing function, under the mechanism of the state indirect intervention. For the elaboration of this work, the methodology applied was basically doctrine research, overtly the lecture of the Alfredo Augusto Becker, Paulo de Barros Carvalho, André Elali and Eros Roberto Grau.
KEY WORDS: INDUCING TAXATION, NORM.
SUMÁRIO:1. Introdução; 2 ASPECTOS GERAIS DA NORMA TRIBUTÁRIA INDUTORA; 3.A A construção lógica da norma tributária indutora; 3.1.Perspectiva funcional da norma tributária indutora; 3.2. Função arrecadatória versus extrafiscalidade da norma tributária;3.3. Tributação indutora e instrumentos normativos da extrafiscalidade; 4.CONSIDERAÇÕES FINAIS; 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
O caráter extrafiscal da norma tributária tem sido cada vez mais utilizada pelos Estados como forma de indução de comportamento do contribuinte. Se de um lado o Estado tem abandonado a concepção de liberdade absoluta dos agentes de mercado, de outro, também tem percebido que sua intervenção direta na economia é salutar. A saída encontrada passa, muitas vezes, pela “liberdade mitigada” do particular. O Estado busca, portanto, através de mecanismos de intervenção indireta, adequar o comportamento do contribuinte à sua intenção, deixando-lhe, no entanto, margem de escolha.
A compreensão do mecanismo da extrafiscalidade repousa, sem sombra de dúvida, sobre a compreensão da norma tributária indutora, sendo este, portanto o objetivo fulcral do presente estudo.
Em importante obra sobre tributação e regulação econômica, André Elali[1] mostra que, no intuito do equilíbrio das relações sociais, econômicas e financeiras, o Estado deve intervir de forma direta ou indireta no ou sobre o domínio econômico. Intervenção esta que, nos ensinamentos de Eros Grau[2] pode se dar de três formas: por absorção ou participação (quando o Estado desempenha diretamente uma atividade econômica), por direção (quando o Estado impõe determinada conduta) e por indução (Estado estimula determinada conduta). Especificamente, ao regular por indução, o Estado não impõe um comportamento, mas privilegia aquele desejável. No mesmo sentido entende Luís Eduardo Shoueri, para quem as normas indutoras estimulam ou desestimulam, assegurando a possibilidade de se adotar comportamento diverso, sem que para isso se cometa um ilícito[3]. Assim, contrariamente à norma diretiva, há apenas um consequente para determinada hipótese, de maneira que, se não houver obediência à norma diretiva, aplica-se a sanção.
Neste ponto, insta a observação de André Elali de que não se pode cogitar de direção estatal através de normas tributárias, já que estas implicam em o contribuinte incorrer ou não no fato gerador. Por isso, a incidência de norma diretiva sobre a tributação culminaria, inevitavelmente, no afronte teratológico ao princípio do não confisco, da proporcionalidade e da capacidade contributiva[4]. Assim, conclui Elali que, as “as normas tributárias indutoras são, antes de normas indutoras, normas tributárias”.[5]
Nestes termos, as normas tributárias indutoras, no intento de regular a ordem econômica, podem constituir benefícios ou agravamentos, visando à realização de comportamentos mais desejáveis pelos agentes econômicos. Autrement dit, os incentivos fiscais se apresentam como instrumentos hábeis à indução econômica.
O eminente professor Tércio Ferraz Jr.[6] ainda preleciona que os incentivos fiscais representam o reposicionamento do Estado perante a ordem econômica e, neste caminho, avança Adilson Rodrigues Pires[7] ensinando que o afastamento da tributação da neutralidade incute o estímulo ao exercício de determinadas atividades privadas carentes de recursos e de apoio governamental para se desenvolverem. Arremata o Professor Heleno Taveira Torres[8] que “o papel promocional dos incentivos fiscais consiste em servir como medida para impulsionar ações ou corretivos de distorções do sistema econômico, visando a atingir certos benefícios, cujo alcance poderia ser tanto ou mais dispendioso, em vista de planejamentos públicos previamente motivados”.
Diante do exposto, conclui-se que os incentivos, se bem cotejados, possuem a capacidade de gerar eficiência econômica, atraindo o desenvolvimento. Para isso, as normas tributárias indutoras devem ser manejadas com rígido respeito à competência tributária, legislativa e reguladora, ou seja, observando-se as divisões do exercício do poder político que, na prática, passa pela observância básica dos arts. 20 ao 33 e do 153 ao 156 da Constituição Federal.
Por outro lado, também devem ser examinados os efeitos dos incentivos para que estes não tragam consequências nefastas, gerando maiores assimetrias de mercado ou desarrazoadas perdas ao erário. Assim sendo, deverá o Estado, ao editar normas de indução, examinar previamente os efeitos sobre todo o processo econômico, evitando desperdício de investimento público e possível piora no sistema.
Nesta esteira, preceitua André Elali que, o surgimento do Estado intervencionista (entre os anos 50 e 70), fez brotar o princípio basilar do crescimento econômico, e para atingir tal desiderato, passou-se a adotar uma política de concessões de benefícios financeiros e fiscais, pois se entendia que os auxílios encontravam contrapartida no interesse público. Nada obstante, não foram ponderados os critérios necessários para delimitar os benefícios, nem houve planejamento estratégico consolidado para a concessão dos incentivos, levando os Estados[9] a grandes dificuldade ligadas ao déficit orçamentário. No Brasil não foi diferente, esta perverse fiscal policy, além de não conduzir ao crescimento esperado, gerou desperdício de dinheiro público e agravou o desequilíbrio financeiro nacional. [10]
Com a crise orçamentária dos anos 70, começou-se a repensar a necessidade de mudança no planejamento do desenvolvimento econômico e outorga de vantagens financeiras e fiscais. Passou-se a examinar criteriosamente a eficiência econômico-financeira dos incentivos e hoje se percebe que estes podem, sim, ser poderosos instrumentos a favor do desenvolvimento econômico e Estatal, desde que bem utilizados.
Neste oportuno, as palavras de André Elali são, como sempre, aclaradoras:
Por tais razões, deve-se classificar os auxílios estatais, independentemente das formas jurídicas, a partir da legitimidade de sua concessão e da eficiência que geram para o sistema econômico, uma vez que não se configurará legítimo e eficiente qualquer tipo de auxílio que viole as normas do sistema jurídico, e, em consequência, que gerará, ao invés de benefícios, maiores problemas à realidade econômica e social e às contas públicas. Legalidade, isonomia, capacidade contributiva, livre iniciativa, livre concorrência, proteção ao consumidor, dentre outras normas que devem informar tais práticas estatais, são verdadeiras limitações e balizamentos para o Estado.
Demais disso, insta ressaltar a observação de Calixto Salomão Filho de que a atividade planejadora do Estado deve buscar uma ação interventiva que, antes de tudo, permita ao Estado adquirir conhecimento do setor, suas utilidades e requisitos para o desenvolvimento.[11]
Por tal razão, não é difícil perceber que a atividade estatal consubstanciadora da tributação indutora é encargo que comporta uma ousada e dura missão de contemplar a estrutura fiscal-econômica-regulatória sob uma perspectiva externa, como o fez Antoine de Saint-Éxupery, em Terre des Hommes[12] sem, no entanto, deixar-se olvidar das necessidades experimentadas internamente no sistema fiscal.
Exatamente em virtude de tal cenário, faz-se premente não apenas a necessidade de compreensão do contexto global político-fiscal-econômico, mas também a construção da regra conducente a uma determinada atitude por parte da sociedade e dos agentes econômicos do mercado. Em outras palavras, faz-se indispensável a compreensão da norma tributária indutora.
Um ponto inicial que merece destaque antes de adentrar propriamente no cerne da presente questão concerne à dificuldade na compreensão da construção jurídica da norma tributária indutora em face de sua dimensão eminentemente política. Com efeito, tendo em vista o fato de a norma tributária indutora ser oriunda de contexto eminentemente político, é possível que não sejam encontrados em sua essência estruturante regras de fundo jurídico que permitam a verificação de sua finalidade indutora. Nada obstante, a dificuldade ora apresentada dá-se em razão de uma visão estrita, que não consegue perceber a norma além da regra jurídica.
Conforme analisado anteriormente, a regra matriz de uma norma jurídica é composta por uma hipótese, que verificada concretamente, traz como consequência a incidência da norma tributária, instaurando a relação jurídico-tributária entre Fisco e contribuinte. Assim, por hipótese, no caso da norma tributária, tem-se situações abstratas, escolhidas pelo legislador que, se observadas na experiência concreta, dará ensejo à consequência. À guisa de exemplo, tem-se situações como circulação de mercadoria, entrada de produto estrangeiro em território nacional, saída de produto industrializado, prestação de serviço, entre outras situações que ensejam a incidência da norma tributária.
Neste oportuno, insta trazer novamente os ensinamentos de Paulo de Barros para quem a regra matriz de incidência tributária entende-se como instrumento efetivo para o discernimento do marco incidência fiscal. Assim, regra-matriz de incidência tributária é norma jurídico-tributária voltada à prescrição de condutas, que traz em seu bojo todos os elementos necessários à incidência tributária. Em rápida análise, a regra-matriz de incidência tributária é, em termos mais simples, a norma padrão de incidência. Ou seja, é a hipótese geral, abstrata e padronizada criada pelo legislador capaz de ser aplicada ao caso concreto.
A Regra Matriz de Incidência é composta pelos critérios da hipótese e do consequente, sendo que este último tem a função de regular a conduta prevista na hipótese. A necessidade do critério consequente é indiscutível, haja vista sua função de determinação dos elementos intersubjetivos atinentes aquele fato jurídico determinado pela hipótese.
[...] se é correto afirmar-se que as hipóteses tributárias são conjuntos de critérios que nos permitem reconhecer eventos acontecidos no plano da realidade física, não menos exato dizer-se que a consequência que lhes é imputada, mediante cópula deôntica, consistem igualmente, numa conjugação de critérios que tem por escopo dar-nos a identificar um vínculo jurídico que regerá comportamentos humanos.[13]
Assim, como critérios hipotéticos, tem-se o material, espacial e o temporal, ao passo que no consequente encontram-se o pessoal e o prestacional-quantitativo.
Saliente-se no entanto que, a despeito de tal estrutura lógica da regra matriz de incidência ser de total valia à compreensão de textos legais, não pode ser utilizada como instrumento de compreensão da política fiscal adotada pelo governo quando da adoção de critérios da regra-matriz. Com efeito, a regra-matriz de incidência é, tão somente, instrumento jurídico de aplicação e compreensão da norma positivada, não sendo expediente suficiente para o cotejo de situações extralegais, a exemplo da utilização da tributação como mecanismo de intervenção do Estado na economia.
Nesse sentido, pode-se vislumbrar uma compreensão da norma para além do que é previsto legalmente, buscando-se, por exemplo perquirir acerca dos fundamentos econômicos da norma, através de uma interpretação teleológica. Desta feita, as razões econômicas que fundamentam a confecção de uma norma, longe de estarem afastadas dela estão, na realidade, intrinsecamente entranhados, determinando-lhe substancialmente seu conteúdo material. Assim, como bem pondera Ruy Barbosa Nogueira, ao compreender que o Estado não exerce, através da exação tributária, mero poderio arrecadatório, mas também intervencionista, “a finalidade econômica da norma pode ser considerada como uma premissa (concreta) da interpretação teleológica”[14].
Fala-se, assim, na perspectiva funcional da norma tributária indutora que, como bem salienta o jurista Thiago Dalsenter, coliga-se à visão estrutural da norma:
Como tivemos a oportunidade de anotar anteriormente, as visões estrutural e funcional do Direito, e também do Direito Tributário, embora distintas, são complementares. E, em razão dessa complementaridade dos prismas estrutural e funcional, consideramos ser possível e necessário compreender o Direito como um todo, ora enfatizando a sua concepção lógico-estrutural, ora realçando a sua função
promocional. Acreditamos, assim, não poder ser desprezada a função do tributo, o qual só adquire completude a partir da análise conjugada do seu aspecto funcional com o seu retrato lógico-estrutural. [15]
O Estado, amparado no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e, no intuito de custear as atividades que desempenha, detém, em face do particular, o dever-direito da arrecadação de tributos. A função fiscal da atividade tributária tem, portanto, o escopo de financiar, com recursos provenientes do particular, o desempenho das atribuições do Estado.
Há tempos, no entanto, a concepção de Estado Fiscal[16] vem sendo deixada de lado e os tributos não mais vistos como simples mananciais de arrecadação de receita. Ao contrário, cada vez mais, incute-se na tributação o mecanismo de regulação e indução das atividades econômicas, legando-se aos tributos um tom de extrafiscalidade, como bem aponta Thiago Dalsenter:
Contrapondo-se a essa visão tradicionalista, em que o escopo do tributo consiste em carrear recursos financeiros para o Estado, a tributação baseada na extrafiscalidade surge como instrumento viável para a regulação das atividades econômicas, visando a indução de comportamentos sociais – de forma a harmonizá-los com os objetivos almejados pela sociedade, representada pelo Estado – e desvinculando-se do seu caráter meramente arrecadatório. [17]
Nesse ponto, interessa trazer à baila a a diferenciação entre função fiscal e extrafiscal da tributação apontada por Raimundo Falcão:
Considerando a tributação como ato ou efeito de tributar, ou ainda, como o conjunto dos tributos, podemos afirmar que: a) a tributação se diz fiscal enquanto objetiva retirar do patrimônio dos particulares os recursos pecuniários – ou transformáveis em pecúnia – destinados às necessidades públicas do Estado; b) tributação extrafiscal é o conceito que decorre do de tributação fiscal, levando a que entendamos extrafiscalidade como atividade financeira que o Estado desenvolve sem o fim precípuo de obter recursos para seu erário, mas sim com vistas a ordenar a economia e as relações sociais, sendo, portanto, conceito que abarca, em sua amplitude, extensa gama de opções e que tem reflexos não somente econômicos e sociais, mas também políticos [...][18]
Justamente em razão do novo panorama econômico que se tem apresentado, o atual modelo neoliberal adotado pelo Brasil apresenta o Estado como parte estratégica e portador de uma vigorosa arma: a tributação indutora. Nessa senda, são aclaradoras as palavras de Raimundo Bezerra Falcão, para quem:
[...] tem-se procurado utilizar o instrumento financeiro – mais especificamente o tributário, no nosso caso – a fim de que se obtenham esperados resultados econômicos e políticos, ou resultados desenvolvimentistas em geral, como reprimir a inflação, evitar desemprego, coarctar a depressão econômica, aquecer ou desaquecer a atividade econômica, proteger a indústria ou a agricultura nacionais, promover a redistribuição de renda, reduzir o desnivelamento de fortunas, atuar sobre a densidade demográfica, ocasionar melhor distribuição espacial da população, fortalecer a educação, incentivar o saneamento básico, criar acesso à saúde para as camadas sociais mais baixas, diminuir o desnivelamento inter-regional dentro do território de um Estado e muitas outras finalidades. [19]
Ainda nas palavras de Raimundo Falcão:
Desse modo, a tributação extrafiscal é instrumento eficaz do intervencionismo na medida em que é ação do Estado sobre o mercado e, por conseguinte, sobre a antes intocável livre iniciativa. Contribui, além disso, para modificar o conceito de justiça fiscal, que não mais persiste somente em referência à capacidade contributiva. Com a extrafiscalidade, não se tem em vista apenas a capacidade de contribuir, mas também a função ordinatória dos tributos. [20]
E continua brilhantemente o autor:
Extrafiscalidade é o instrumento tributário utilizado com o objetivo principal não de arrecadar receitas para o erário, mas de ordenar a macroeconomia, às vezes até diminuindo o montante da arrecadação.
A função extrafiscal do tributo traduz-se, pois, na atividade tributária do Estado que vai além da simples finalidade arrecadatória-fiscal. A extrafiscalidade relaciona-se a objetivos intervencionistas excepcionais do Estado na economia, indo além do escopo arrecadatório como ilustremente ensina José Souto Maior Borges:
A doutrina da extrafiscalidade – ao contrário da concepção da finança “neutra” – não considera a atividade financeira um simples instrumento ou meio de obtenção de receita, utilizável para o custeio da despesa pública. Através dela, o Estado provoca modificações deliberadas nas estruturas sociais. É, portanto, um fator importantíssimo na dinâmica socioestrutural.[21]
Com um sentido ainda mais pragmático, o Professor Paulo de Barros Carvalho aponta a extrafiscalidade como o “emprego de fórmulas jurídico-tributárias para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente arrecadatórios de recursos monetários”[22].
Tendo em vista a explanação supra acerca da concepção da extrafiscalidade, é possível perceber, de plano, que a norma que veicula uma tributação indutora de comportamento (essencialmente extrafiscal), transmite uma mensagem ao contribuinte: se ele agir de acordo com a intenção do Estado, será beneficiado. A norma tributária indutora é, portanto, essencialmente uma norma premiativa[23], encarregada basicamente da função promocional do direito.
Na clássica obra de Luis Eduardo Schoueri, Normas Tributárias Indutoras e Intervenção Econômica,[24] o ilustre Professor, ao analisar as normas tributárias como instrumentos de intervenção econômica, aponta que a intervenção por indução se dá com a atuação Estatal sobre o domínio econômico através de normas que possibilitam ao contribuinte a possibilidade de escolha, ou seja, o Estado estimula ou desincentiva determinada conduta. A tal situação, o ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, denomina de normas dispositivas:
No caso das normas de intervenção por indução, defrontamo-nos com preceitos, que, embora prescritivos (deônticos), não são dotados da mesma carga de cogência que afeta as normas de intervenção por direção. Trata-se de normas dispositivas.[25]
Exatamente em virtude de sua natureza dispositiva, a norma tributária indutora apresenta, duas ou mais consequências alternativas à hipótese. O contribuinte, nesse sentido, pode se valer da faculdade de agir ou não de acordo com os interesses do Estado, elegendo uma via entre as disponíveis.
À guisa de demonstração, será analisado a seguir alguns aspectos de tributação indutora em alguns tributos.
a) Impostos
Os impostos são tributos desvinculados da atuação estatal, determinando o fato gerador a partir de atividades manifestadas pelo contribuinte. De tal sorte, o Estado fica parcialmente[26] livre para utilizar o montante arrecadado com impostos. Para melhor compreender a operacionalização da tributação indutora, podem ser trazido à baila o Imposto sobre Produtos Industrializados e o Imposto sobre Operações Financeiras, a seguir analisados.
Dentre os impostos, pode-se destacar o Imposto sobre Produtos Industrializados, previsto no art. 153, IV, da Constituição Federal e instituído através do Decreto nº 4544/02 e que possui duas regra-matrizes, abaixo construídas:
Regra-Matriz I de Incidência do IPI
- Hipótese
a. Critério material: realizar operações com produtos industrializados;
b. Critério espacial: qualquer ponto do território nacional;
c. Critério temporal: o momento da saída dos produtos industrializados dos estabelecimentos produtores;
- Consequência:
d. Critério pessoal:
- sujeito ativo: União;
- sujeito passivo: estabelecimento industrial ou equiparado;
e. Critério quantitativo
- base de cálculo: valor da operação;
- alíquota: é aquela prevista na Tabela do IPI.
Regra-Matriz II de Incidência do IPI
- Hipótese
a. Critério material: realizar operações de reimportação de produtos industrializados brasileiros;
b. Critério espacial: as repartições aduaneiras;
c. Critério temporal: o momento do desembaraço aduaneiro;
- Consequência:
d. Critério pessoal
- sujeito ativo: União;
- sujeito passivo: reimportador;
e. Critério quantitativo
- base de cálculo: valor da base para o cálculo do Imposto de Importação;
- alíquota: é aquela prevista na Tabela do IPI.
À guisa de comprovação de sua natureza eminentemente extrafiscal, percebe-se no art. 153, §3º, I, da CF/88, o destaque para a seletividade em razão da essencialidade do produto. Tal norma constitucional destina-se ao legislador infraconstitucional, de maneira a impor a observância do referido tributo como uma ferramenta de indução do mercado. Ou seja, a referida norma de seletividade do produto é de observância obrigatória.
Nesta senda, o princípio da seletividade resulta na variação de alíquotas aplicáveis ao produto, onerando-o mais ou menos de acordo com sua essencialidade. Assim, a política fiscal do governo determinará, portanto, o caráter indutor da norma tributária no critério quantitativo, normalmente, na aplicação da alíquota.
Outro imposto de caráter essencialmente extrafiscal a ser ressaltado é o Imposto sobre Operações Financeiras – IOF, previsto no art. 153, V, da CF/88 e regulamentado pelo Decreto 6306/07. O IOF apresenta a seguinte regra matriz de incidência:
- Hipótese
a. Critério material: operações crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários em que ocorram as hipóteses descritas nos incisos 63 do CTN;
b. Critério espacial: Território nacional;
c. Critério temporal: momento em que se realiza as operações;
- Consequência:
d. Critério pessoal:
- sujeito ativo: União;
- sujeito passivo:
- Contribuinte: pessoa tomadora do crédito; no caso de alienação de direitos creditórios resultantes de vendas a prazo a empresas de factoring, contribuinte é o alienante pessoa física ou jurídica.
- Responsável: instituições financeiras que efetuarem operações de crédito; empresas de factoring adquirentes do direito creditório; pessoa jurídica que conceder o crédito, nas operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros.
e. Critério quantitativo
- alíquota aplicável
- base de cálculo: valor da operação, conforme descrito no art. 64, CTN:
I - quanto às operações de crédito, o montante da obrigação, compreendendo o principal e os juros;
II - quanto às operações de câmbio, o respectivo montante em moeda nacional, recebido, entregue ou posto à disposição;
III - quanto às operações de seguro, o montante do prêmio;
IV - quanto às operações relativas a títulos e valores mobiliários:
a) na emissão, o valor nominal mais o ágio, se houver;
b) na transmissão, o preço ou o valor nominal, ou o valor da cotação em Bolsa, como determinar a lei;
c) no pagamento ou resgate, o preço.
Da mesma forma que o IPI, o IOF também apresenta relevante caráter extrafiscal, restando no âmbito do critério quantitativo, geralmente na aplicação da alíguota, a modulação da norma tributária indutora de comportamento de mercado.
b) Taxas
É possível notar nessa espécie tributária algum caráter extrafiscal, a despeito de terem sua receita plenamente vinculada à atuação estatal. Assim, à guisa de exemplo, pode-se extrair da seara ambiental a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental, instituída pela Lei 10.165 de 2000, cujo fato gerador é o “o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais”.
Com efeito, o meio ambiente é bem de toda a coletividade devendo a sua preservação pautar as atividades econômicas. Exatamente nesse sentido, a TCFA é meio de desestímulo a atividades nocivas ao meio ambiente, chegando em alguns casos a ser afastada ou majorada a sua cobrança, de acordo com a forma de desempenho das atividades do contribuinte.
c) Contribuições
Através do critério da vinculação da receita tributária a uma atuação estatal, a CF/88 prevê cinco espécies de contribuições. Além das contribuições de melhoria e da contribuição para custeio da iluminação pública, a CF/88 prevê a possibilidade de instituição de outras três espécies de contribuições, denominadas contribuições especiais: contribuições sociais, contribuição de intervenção no domínio econômico e contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas.
Dentre tais contribuições, há que se destacar, entre as contribuições especiais, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE, ou contribuições interventivas, concernem à atuação do Estado nas atividades privada, seja diretamente através da exploração de serviço público ou desempenhando atividade econômica; seja indiretamente, através de atuação como agente normativo ou regulador. As contribuições interventivas são usadas com o nítido caráter de planejamento e regulação de determinadas atividades econômicas, de maneira a ser absolutamente constatável o seu caráter extrafiscal. Assim, a contribuição de intervenção no domínio econômico, como instrumento regulatório, é cobrável dos integrantes do domínio econômico para o qual seja dirigida a atuação estatal.
Nesse mister, insta salientar que as contribuições interventivas normalmente são cobradas de determinados agentes privados (sujeito passivo), cuja materialidade é o desempenho de determinadas atividades econômicas, sendo destinação do montante arrecado determinada pelos interesses sociais constitucionalmente valorados.
Assim, tomando-se como exemplo a famosa CIDE-combustível, tem-se sua incidência sobre operações de importação e comercialização de petróleo e gás. Já no que concerne à destinação do valor arrecadado, a Lei 10.336, em total consonância com o art. 177, §4º, da CF/888, determina a vinculação do produto da arrecadação ao pagamento de subsídios a preços de transporte de álcool, gás natural; ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria de petróleo e gás; e, finalmente, ao financiamento de programas de infraestrutura de transportes:
Art. 1o Fica instituída a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível (Cide), a que se refere os arts. 149 e 177 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional no 33, de 11 de dezembro de 2001.
§ 1o O produto da arrecadação da Cide será destinada, na forma da lei orçamentária, ao:
I - pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, de gás natural e seus derivados e de derivados de petróleo;
II - financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; e
III - financiamento de programas de infra-estrutura de transportes.
O modelo de gestão estatal adotado modernamente revela que, por vezes, a atuação do governo é muito mais eficiente se se der de maneira indireta (através de regulação ou instrumentos indutores) e não impositiva, diretiva. E, justamente nesse sentido, lançar mão do mecanismo da extrafiscalidade (amplamente demonstrado neste trabalho) finda por ser um excelente meio de indução de comportamento econômico social, razão pela qual a relevância deste presente trabalho ser inquestionável.
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WEISS, Fernando Lemme. Justiça tributária. As renúncias, o Código de Defesa dos Contribuintes e a Reforma Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
Advogada, Professora de Direito Tributário e Gestão da Regulação na UFRPE, Mestranda em Direito do Estado, Regulação e Tributação Indutora pela UFPE, Pós-Grduação em Direito Tributário pelo IBET e Constituicional pela Universidade Anhagura, Bacharela em Direito pela UFPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Fabiana Augusta de Araújo. Norma Tributária Indutora Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 mar 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38627/norma-tributaria-indutora. Acesso em: 22 nov 2024.
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