RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar o ingresso das cooperativas de trabalho como forma alternativa de geração de trabalho e renda, em busca do desenvolvimento sustentável. A organização das cooperativas de trabalho será utilizada como forma de reverter a condição social de trabalho e do ser humano enquanto trabalhador, tendo em visto o elevado grau de desemprego que assola a classe operária. Ademais, assume-se que o trabalho dos dias atuais contém novo molde, o que se convenciona chamar de mudanças de paradigma nas relações de trabalho, ante a existência de tantos trabalhos flexíveis e informais. Com o sistema da economia solidária, demonstram-se as características da solidariedade, ajuda mútua e autogestão a fim de alcançar o fim proposto. Ainda sim, explica-se o instituto da parassubordinação, como instituto que tem estado em estudo nas últimas décadas e que reflete a sua influência no atual modelo de trabalho que se pretende utilizar. Portanto, o referido artigo tem por finalidade demonstrar a inclusão da participação do trabalhador no crescimento econômico e na promoção da preservação do emprego por meio das Cooperativas de Trabalho, visto que tais organizações têm capacidade de gerar uma nova fonte de renda e trabalho para os trabalhadores que se encontram fora do mercado de trabalho.
Palavras-chave: Cooperativas de Trabalho. Economia Solidária. Desemprego. Parassubordinação.
1. Introdução
O desemprego como fato econômico-social que vem afetando considerável parte da sociedade global têm suas linhas expostas e compreendidas na globalização, fenômeno global que adentrou as fronteiras econômicas dos países, criando um mercado competitivo, próprio para investimentos, porém escasso em mão-de-obra formal. Cumpre destacar que esse problema social foi apontado como um dos fatores que levaram à elaboração da Declaração do Milênio, instrumento que propõe a melhoria das condições da vida humana, tais como a implementação do trabalho visando à produtividade e dignidade.
A falta de ocupação de empregos e a crescente elevação no número de subempregos geram efeitos irreversíveis à camada excluída socialmente, como a renúncia de direitos individuais imprescindíveis a sua qualidade de seres humanos, mas que hão de ser postergados por uma possibilidade de subsistência em um emprego precário. É que no sistema dos subempregos ou empregos precários, parte dos direitos individuais é cassada como condição de sua ocupação.
Como fruto de todo esse cenário acima exposto, desponta-se o sistema terciário, que também desempenha papel importante na substituição dos trabalhos formais, para emergir como proposta de possível produção de renda e exclusão social.
Sobretudo, a precariedade da terceirização, ou melhor, dos direitos que revestem os trabalhadores terceirizados é evidente, uma vez que, em função da automatização e dos negócios globalizados, tal fragilidade à estrutura do trabalho têm se tornado cada vez mais frequente. Alia-se aos pontos acima referidos o fato de que, os novos modos de produção como terceirização e automatização não oferecem, em sua maioria, as compensações trabalhistas que as leis e os contratos coletivos tentam proteger, o que acaba por transformar tais modelos em modos de produção globalizados que ocasionam medidas paliativas na solução do desemprego.
Desta forma, é por meio do sistema da econômica solidária, ideologia que sustenta a racionalização de recursos com o intuito de favorecer a qualidade de vida do trabalhador, há o nascimento de outras formas de produção e de sustentabilidade social.
As cooperativas de trabalho surgem como organizações destinadas a serem utilizadas como uma das soluções para o caos social ocasionado pelo desemprego. Assim, o surgimento das cooperativas de trabalho está em acelerado crescimento nos últimos anos. Diversos fatores têm sido preponderantes para a causa de tal fenômeno, os quais serão tratados no desenvolvimento do artigo.
O presente artigo tem como tema as cooperativas de trabalho e os reflexos do mundo globalizado na estrutura do trabalho, a fim de que se possam desenvolver proposições que demonstrem a importância das cooperativas de trabalho no atual cenário mundial, como opção à grande demanda de empregados marginalizados que compões as grandes cidades do mundo.
2. O trabalho modificado no mundo globalizado
A exclusão social, como fenômeno que tem registrado grandes crescimentos, apoia parte de seus conceitos na reformulação do mercado econômico mundial, em face da internacionalização dos centros econômicos e a interligação de mercados, ou seja, a Globalização.
A ideia fundamental da exclusão social tem como consectário a privação de bens e serviços, bem como bens públicos, que muito embora esteja disponível ao trabalhador, este não consegue alcançá-los. Essa lógica põe em vista a evidente limitação de renda decorrente de ausência ou precariedade do trabalho.
A estruturação da cadeia de trabalho, após todo o advento da tecnologia e globalização, condicionou a relação de trabalho à informalidade, gerando a substituição de trabalhos formais e estáveis para formatos de trabalhos flexíveis, como a terceirização e subcontratos. Tem-se, portanto, a implantação de uma nova lógica na cadeia produtiva, como preconiza DUPAS (1998):
Evidências de flexibilização do trabalho são encontradas também no topo das cadeias, mediante a ruptura de contratos formais de trabalho com altos executivos e quadros gerenciais, com sua recontratação como consultores.
Enquanto a nova lógica das cadeias, seleciona, reduz e qualifica em direção ao seu topo (e, portanto, exclui), também tende a incluir – em direção a sua base – trabalhadores com salários baixos e contratos flexíveis, quando não informais.
O próprio sistema capitalista e o advento globalizado do mercado foram os responsáveis pela seleção natural da mão-de-obra, uma vez que os trabalhos formais e estáveis criariam barreiras aos seus projetos de desenvolvimento em massa, que incluem a distribuição de sua produção em diversos pontos geográficos. Assim sendo, a opção por trabalhos informais e precários garantiria não apenas a mobilidade constante da mão-de-obra operária, bem como a transferência de responsabilidades trabalhista para as pequenas e médias empresas.
A interligação dos países através dos blocos econômicos ou simplesmente acordos bilaterais de comércio dão causa a invasão das corporações globais adentrarem a território antes desconhecidos, e ali instalarem parte de sua produção em razão das riquezas naturais advindas daqueles países, bem como da fragilidade na proteção de direitos trabalhistas.
Frise-se que a força integrativa da tecnologia, com o surgimento de seus principais feitos nos anos 90, deu força ao crescimento da união de nações e territórios como forma de estabelecer sedes de corporação global fortemente unificada e disseminada internacionalmente, quebrando os antigos conceitos de capital e trabalho.
Sabe-se, ainda, que a tecnologia tem sido protagonista no cenário da flexibilização do trabalho, uma vez que a transformação e substituição de mão-de-obra nas indústrias por máquinas com inteligência industrial tem sido causa constante da redução e cortes nas relações empregatícias.
Frise-se que a existência de economias globalizadas (transnacionais) e o uso da tecnologia presente em praticamente todos os bens e serviços provocam a procura massiva por mão-de-obra qualificada, tornando-se uma obrigação no mercado atual, em que não se permite trabalhadores com baixo grau de conhecimento educacional ou limitações lingüísticas.
Prevendo uma mudança efetiva nos rumos do trabalho clássico, ALVES (2000, p. 98) afirma:
Fato é que a globalização e a reestruturação produtiva levaram a modificações na estrutura empresarial e do próprio mercado de trabalho mundial, o que fez crer que várias estruturas jurídicas justrabalhistas – sobretudo aqueles que se sustentam na matriz formal da subordinação como elemento basilar para reconhecimento do trabalhador a ser protegido – deverão enfrentar o problema da adequação do novo trabalho pós-fordista à estrutura do Direito do Trabalho. É que o conceito clássico de subordinação tende a não abranger um grande número de trabalhadores necessitados de efetiva tutela jurídica trabalhista. Necessária, portanto, uma nova abordagem que possa efetivamente proteger aqueles trabalhadores que, inobstante não estejam subordinados ao seu contratante, dele dependem economicamente, trabalham pessoalmente, de forma coordenada e continuada.
Dessa forma, o paradigma do trabalho apresenta consideráveis mudanças que caminham para a flexibilização e a informalidade das relações de trabalho, forçando as classes marginalizadas a buscarem novas fontes de renda e trabalho, através de fatores de produção que agreguem a baixa qualificação técnica e a oportunidade de novos mercados. Assim, poderão garantir rendas mínimas a sua subsistência e de sua família.
2.1 Aspectos gerais das modificações no mundo do trabalho
A década de 1980 é marco decisivo para a aparição de uma verdadeira mudança nos rumos da sociedade trabalhista. Foi em meados dos anos 80 que a revolução tecnológica tomou força e deu início a desintegração da classe operária, com uma mudança radical nos rumos dos paradigmas trabalhistas.
Essa mudança já vinha sendo paulatinamente sentida desde a Revolução Industrial, em que as máquinas adentraram ao mundo do trabalho substituindo a força de trabalho da classe proletariado.
Como resultado dessa mudança, surgem novos modos de produção, como o método de organização do trabalho “fordismo-taylorismo”, fruto dos princípios de Taylor, que foram consagrados por Henry-Ford, tornou-se modelo de produção em massa, pelo amplo uso de métodos científicos utilizados na produção. ANTUNES (1997, p.17) esclarece os elementos que faziam parte desse método de organização:
Os elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimento [...] pela existência de trabalho parcelar e pela fragmentação de funções [...] pela existência de unidade fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição/consolidação do operário-massa, do trabalhador coletivo fabril, entre outras dimensões.
A multiplicação das empresas que se utilizavam desse método de trabalho cresceu de forma desmedida por todo o globo, mas foram sendo substituídas paulatinamente pelas novas tecnologias surgidas, e sendo absorvidas por estas. PERONE (1999, p. 173) chama a atenção para essa mudança:
A necessidade da força do trabalho humano não se mostrava mais tão presente, tendo em vista que as alterações e substituições sofridas pelas máquinas atenuavam a perda da capacidade humana de produzir. Assim, o elemento que se tornava imprescindível ao capital, qual seja, a força de trabalho humana, que sem esta o capital deixaria de existir, perdeu parte de sua solidez com a aparição de novos meios de produção do capital.
São por meio dessas novas formas de produção, que o trabalho deixa de ser principal e passa a ser elemento acessório da atividade capitalista, limitando-se a subempregos ou postos de trabalho instáveis, o que mundialmente é denominado de trabalho precário. Como consequência, o crescimento de assalariados médios torna-se perceptível, ou seja, aqueles que possuem empregos medianos os quais são utilizados na prestação de serviço, acrescendo-se a esse número os trabalhadores terceirizados e contratados para trabalhos temporários.
A qualidade física do trabalho era o ponto crucial que diferenciava e qualificava cada trabalhador. O quanto de sua força o operário pudesse empregar na produção do produto lhe habilitava a galgar a respeitabilidade de um empregado produtivo. Com a inovação e a inclusão de novos sistemas de tecnologia e produção, a capacidade técnica de manusear máquinas passou a ser requisito indissociável à força de trabalho. Nesse sentido declara PAUL SINGER (2005, pág 32):
E, de outro lado, há uma massa de trabalhadores precarizados, sem qualificação, que hoje esta presenciando as formas de part-time, emprego temporário, parcial, precarizado, ou mesmo vivendo o desemprego estrutural. Esse é, em nosso entendimento, o eixo do debate sobre a crise da sociedade do trabalho, o que é muito diferente de dar adeus ao trabalho ou determinar gnosiologicamente o fim da centralidade do trabalho.
Paul Singer traduz com clareza e propriedade que há de se considerar que houve a redução do trabalho manual direto e, a consequente ampliação do trabalho mais intelectualizado. Esse comportamento social resultou em inúmeros cortes nos postos de trabalhos, que ocasionaram uma onda de subempregos e desemprego. A substituição da mão-de-obra operária para um qualificada é fenômeno recorrente entre os autores que aludem às causas do desemprego. ANTUNES (2005, pág. 48) esclarece:
Se a classe trabalhadora (ou o proletariado) foi, ao longo dos séculos XIX e XX, predominantemente associada à idéia de trabalhadores manuais, fabris, egressos quase que exclusivamente do mundo industrial taylorista e fordista, uma noção contemporânea e ampliada de classe trabalhadora nos oferece hoje potencialidade analítica para captar os sentidos e as forças propulsoras dessas ações e desses embates que emergem no mundo em escala global e, desse modo, conferir maior vitalidade teórica (e política) ao mundo do trabalho contra a desconstrução intentada nas últimas décadas.
Sem dúvidas, a precarização do trabalho do Brasil tem grande parte de suas raízes plantadas na transformação desse trabalho manual, fabril e agrícola para o trabalho técnico e específico. Mais do que outras nações, o Brasil desde o século passado demonstrava a sua força no mercado agrícola, o que em termos quantitativos, ainda continua a ser um dos maiores do mundo.
3. Sistema da economia solidária como reação ao aumento do desemprego
A economia solidária é um sistema plantado na cooperação, solidariedade, ajuda mútua, a qual não é motivada pela lucratividade do capital, bem como não permite a sobreposição de interesses individuais sobre os coletivos.
Isso porque, quando se fala em economia solidária, remete-se a ideia de racionalizar recursos, com economia. A economia de recursos, nesse caso, refere-se ao trabalho que deve ser prestado, mas com o intuito de favorecer a qualidade de vida do trabalhador, propiciando menos trabalho e mais qualidade de vida.
Esse tipo de sistema é uma nova forma de se posicionar na economia, que ao contrário do sistema capitalista, permite aos trabalhadores fazerem parte da produção da qual são parte, participando efetivamente daquele sistema, inclusive nas tomadas de decisão.
De outra forma, é analisar a economia solidária como um meio para se atingir a dignidade humana, tão perseguida pelo trabalhador, ao contrário de colocar o meio de produção como a fim supremo, visto que o sustento de vida e a melhoria da condição humana ganha destaque nesse tipo de comunidade.
Quando se fala em dignidade humana por meio de um novo formato de trabalho, vale ressalvar que a declaração do milênio, documento histórico elaborado por 191 países, visando definir alvos concretos com o objetivo de alcançar o desenvolvimento humano, em face das reais necessidades sociais, trouxe como um dos seus objetivos formular estratégias que proporcionem aos jovens a possibilidade real de encontrar um trabalho digno e produtivo.
Ainda nesse espírito, os objetivos apontados pela Declaração do Milênio foram ampliados pelos objetivos de desenvolvimento do milênio[1], dentre os quais faz parte o “apoio a geração alternativa de renda por intermédio da estruturação de cooperativas, com suporte na produção e comercialização de excedentes”[2].
O modo de produção da economia solidária não se trata apenas de um sistema que tem por escopo o trabalho em comunidade, ou até mesmo uma imensa parcela de tempo livre para família e o para o lazer. Trata-se de uma forma inovadora de se pensar a economia, entrelaçando os indicadores de trabalho e qualidade de vida, posto que um não pode se justapor ao outro.
Assim, no sistema da economia solidária deve haver uma ruptura de pensamento, uma transformação social do trabalhador, não apenas na forma de produzir, mas também no formato de se pensar o trabalho e de se fazer economia, como um meio novo e paralelo ao capitalismo clássico, que tem por fim a obtenção de lucros sociais e culturais bem maiores do que o proporcionado pelo antigo sistema do capital.
3.1 A economia solidária: história e delimitação
Inicialmente, há de se perceber que a economia solidária aparece na história como uma reação as crises sociais e econômicas que explodiram, principalmente no mundo ocidental. É nesse enfoque, que LEACHE (2006, p. 10) introduz com propriedade acerca da origem do pensamento da economia solidária:
Para encontrar as origens da economia solidária no Brasil, podemos partir do quadro das condições socioeconômicas e políticas das últimas décadas, podemos falar dos embates da sociedade civil frente à crise e ao desemprego estrutural, do terreno onde vão brotar as experiências de economia solidária o podemos fazer o caminho no sentido contrário. Partir do que temos hoje no campo da economia solidária e voltar para trás para ver em que condições, onde, por que e como os passos foram dados. Os dois procedimentos têm suas vantagens e inconvenientes, o melhor então é mesclá-los.
Nesse mesmo contexto, foi a partir da luta contra o desemprego e a procura por soluções de trabalho, que no século XVIII, com a Revolução Industrial, surge a ideologia de cooperação, plantado num pensamento que se passou a chamar de Economia Solidária.
Se no século XVIII o motivo determinante para a realização do sistema da economia solidária foi a eclosão do mundo industrializado, como resposta de reação à crise, atualmente não se apresenta de forma contrária, tendo como sua causa a troca de postos de trabalho formais por um novo formato de trabalho precário e flexível.
Os primeiros idealizadores da economia solidária foram considerados socialistas utópicos, e surgiram na Europa, pois lutavam por uma autonomia social visando a reestruturação do sistema capitalista.
As décadas de 1830 e 1840 foram marcadas por uma nova regulação do trabalho corporativas, e tentando fugir dessa crise, muitos operários e artesãos juntaram-se em ajuda mútua visando diminuir os prejuízos e sofrimento trazido pela quebra de um sistema.
Igualmente, com a grande crise mundial de 1929, a ideologia de autogestão trouxe à tona cooperativas de consumo como solução encontrada pelos operários para não sucumbirem ante a grande depressão na economia.
No Brasil, a economia solidária apareceu como resposta às crises econômicas que se iniciaram em 1981, com a quebra de indústrias e demissão de inúmeros trabalhadores que se encontravam inclusos nesse meio profissional. Foi a partir da iniciativa sindical, que o processo de cooperativismo se iniciou, a fim de preservar alguns postos de trabalho. Nesse sentido, afirma SINGER (2002, p. 86):
O fechamento de empresas e a demissão de numerosos trabalhadores prosseguem durantes os anos 80 e 90, as duas décadas perdidas. Pouco a pouco se desenvolve uma tecnologia para aproveitar as oportunidades, oferecidas pela legislação aos trabalhadores, de arrendar ou adquirir a massa falida ou o patrimônio dos antigos empregadores e assim preservar seus postos de trabalho. O sindicato, como representante legal dos trabalhadores, intervém perante a justiça e promove a formação duma associação de empregados da firma em vias de desaparecer que depois dá lugar eventualmente a uma cooperativa.
A crise do modelo fordista-taylorista também teve influência na condição de vida dos trabalhadores, que perderam seu sustento e mão-de-obra, rebaixando tais indivíduos às camadas mais pobres da sociedade.
A construção de uma nova forma de produção não poderia ter aparecido em momento mais oportuno, em que a competitividade e a exploração desmedida da força de trabalho eram valores difundidos entre os empregadores industriais. Desta forma, a cooperação e a senso de igualdade toma o lugar da exploração e competição tão alvitradas no mundo capitalista.
Foram nas próprias bases capitalistas da revolução industrial que a economia solidária se fundou como valor de produção privada sem fins lucrativos, mas que tinham por escopo inserir os socialmente excluídos no mercado de trabalho.
A força produtiva e a capacidade dessa produção emergem do trabalhador, que através do trabalho, cedem o seu potencial lucrativo em vistas de garantias de subsistências e de qualidade de vida. É justamente pela escassez de garantias essenciais à vida, que os trabalhadores perceberam que por meio do uso de suas forças de trabalho, baseados na solidariedade e cooperação, há como obter resultados trabalhistas tão satisfatórios como aqueles entrelaçados aos postos formais de trabalho.
A economia solidária, como sistema de produção, apresenta suas primeiras diferenças do sistema capitalista usual já em sua estrutura, uma vez que prima pela autogestão, ou seja, sem administração hierarquizada, mantendo-se pela democracia participativa de seu gestionários que possuem direitos e deveres equivalentes.
A autogestão, acima de tudo, prima pelo desenvolvimento humano, sendo o desenvolvimento econômico transferido para segundo plano, que embora necessário, não é a finalidade precípua do sistema. Não se trata especificamente de autonomia, e sim cooperação autônoma, em que a solidariedade se predispõe ao lucro.
A lógica do sistema da economia solidária apresenta-se tanto como uma solução de exclusão social, como a permissão de ganhos financeiros aos seus participantes, tudo isto sem priorizar o capital no lugar da primazia pelo trabalho e ocupação social. Tudo isto porque se pensou em economia solidária como ideologia de desenvolvimento humano e bem-estar social, e não estritamente em termos econômicos.
3.2 As cooperativas de trabalho como alternativa ao desemprego
A noção das Cooperativas de Trabalho vem insculpida através da cooperação, ajuda mútua e solidariedade de uns para com os outros, formando-se assim um elo indissociável que regerá uma organização. A cooperativa de trabalho apresenta-se como a exteriorização da teoria da economia solidária, uma vez que o modo de produção no qual se pode claramente aplicar os princípios do sistema econômico solidário.
As mudanças sofridas no mercado de trabalho, assim como a dificuldade de perceber salários, têm levado ao trabalhador a novos rumos de produção. O Brasil, como país em desenvolvimento tem sentido em suas bases do proletariado grandes reflexos de tal mudança, acrescendo ao seu formato de trabalho outras figuras, como as cooperativas.
Nesse sentido, quando se fala em mudança no formato de trabalho deve-se ressaltar que tais tendências fazem parte do capitalismo moderno, o qual sempre previu o lucro como lei máxima, e como tal, tem transformado os postos de trabalho em trabalho precário e substituível.
As cooperativas do trabalho, então, brotaram como organizações provenientes do sistema capitalista, não porque seja produto dele, mas porque nasceram para fazer frente a esse tipo de sistema, e permitir que os trabalhadores alcançassem os seus ideais se defendendo da mão opressora do capital.
Assim, a existência de uma classe operária consciente em busca de seus ideários sociais foi uma das principais condições que propiciaram o nascimento das cooperativas. Isto porque a formação profissional e o conhecimento econômico que esses trabalhadores possuíam, embora que superficial, muitas das vezes, já se tornava suficiente para manejar um tipo de cooperativa do trabalho.
Ademais, embora as legislações trabalhistas por todo o mundo, e especialmente na França e Inglaterra, onde houve o nascedouro do cooperativismo do trabalho, não estivessem preocupadas com este tipo de organização, havendo uma clara omissão legislativa na proteção desses direitos, as cooperativas de trabalho não eram proibidas, e este caráter liberalista também foi de suma importância para a concretização das organizações de trabalho.
A Igreja Católica do Século XXIII teve também papel importante na proteção em difundir as Cooperativas, uma vez que por pregar o Cristianismo Social, estimulando o espírito de cooperação e de união entre as pessoas. A entidade eclesiástica via nas Cooperativas um caráter além do econômico, mas também social que poderia favorecer o equilíbrio entre a Igreja e o povo, visto que dentro daquele contexto a Igreja Católica vinha perdendo seu poderio em face do Capitalismo.
De volta aos dias atuais, e assim como largamente discutido nesse trabalho, os problemas sociais mundiais, como o desemprego e a precarização do trabalho, são fatores que contribuíram diretamente com o surgimento dessas organizações, como forma de combate aos riscos sociais iminentes.
Afirma MAUAD (1999, p. 65) que:
Portanto, existiram, no passado, condições propiciais para o surgimento e desenvolvimento das cooperativas de trabalho, especialmente estimuladas, em períodos de desemprego, graves crises econômicas, grandes catástrofes etc. Sem embargo, tais fatos, por si só, não seriam suficientes para o surgimento de iniciativas voltadas à solidariedade dos trabalhadores. Verificam-se presentes, outrossim, a vontade e consciência de posto dispostos a lutar e esperar as dificuldades através da construção de novos modelos de organização da produção, fundados na ajuda mútua e no proveito comum dos resultados do trabalho. (grifo nosso)
E foram por meio dos valores que o referido autor pôs acima, como a consciência popular e a organização mútua que se criou as cooperativas do trabalho, tendo em vista o fim de combate às desgraças sociais que ocorriam e até hoje perduram.
Sendo assim, o pensamento cooperativista emergiu numa forma de quebrar um pensamento dominante e que há tempo causava malefícios a sociedade. Foi a partir de cooperativistas com Robert Owen[3], que foi implantado o pensamento de que o baixo nível de vida dos trabalhadores na época da Revolução Industrial poderia ser revertido por outro sistema, no qual o trabalho seria mais humano, a redução da jornada de trabalho seria mais amena e a vida seria mais digna.
No centro de todas as características e finalidades que o cooperativismo busca, está a finalidade de crescimento da condição de vida, tanto econômica quanto social, e as condições gerais de trabalho de seus membros. Esse é o verdadeiro diferencial que afasta qualquer outra organização que tenciona aparecer como cooperativa, porém na verdade é usada como fraude aos direitos trabalhistas.
A autogestão e a livre adesão são valores antigos do cooperativismo e que vem sendo concretizados com a perpetuação desse tipo de organização. Isso significa dizer que as cooperativas devem ser administradas e geridas pelos seus próprios membros, ante o princípio da solidariedade que essa organização possui. Ademais, a autogestão do cooperativismo tem intrínseca a si o sentido da democracia, visto que os sócios dessas organizações possuem direito a voto, igualitário e distribuído entre todos os participantes daquele grupo. MAUAD (1999, p. 78) acrescenta:
Autogestão democrática significa, ainda, que todos os associados têm voz ativa na cooperativa. Devem participar das assembléias e de reuniões, com direito a voz e voto. Prevalece o princípio cada associado, um voto, independentemente do capital integralizado na sociedade.
Esse é o verdadeiro espírito da cooperativa de trabalho, uma vez que os trabalhadores dessa organização passam a executar as suas próprias tarefas, juntamente com os outros membros da cooperativa, os quais se movem pelo mesmo sentimento de solidariedade, ajuda mútua e busca por resultados coletivos.
4. Conclusão
O contexto atual mundial traz um panorama dos tempos futuros, nos quais a propagação de valores fundamentais ainda sim será ainda mais precária. É fato inegável de que a condição social do homem enquanto trabalhador e como peça fundamental no seio da sociedade perdeu parte do seu valor em face de mecanismos tão independentes que a figura do proletariado passa a perder parte da sua insignificância.
O desemprego como doença social é acontecimento que marca os rumos do Brasil e do Mundo, nessa nova era pós-industrial, em que a necessidade de trabalho é latente aos olhos e a dependência do homem por benefícios assistenciais aumenta cada vez mais.
A globalização é um dos fatores determinantes à precarização do trabalho e o surgimento desmedido de contratos informais. Os países em desenvolvimento, como o Brasil, os quais apoiam suas economias em empreendimentos de médio porte e ainda na produção agrícola, sofre pela ausência de trabalho formal e trabalho estável, que se concentram nos centros financeiros sediados em países de primeiro mundo.
Assim, não há como deixar de ressaltar que essa precária camada da sociedade que se encontra submersa em condições de vida subalternas, compõe uma boa parte da massa ativa de trabalhadores, principalmente nos países subdesenvolvidos, onde não há a centralização do capital das grandes multinacionais, muito menos os seus centros financeiros.
Dizer que as condições de trabalho atualmente são favoráveis ao desenvolvimento significa fechar os olhos para grande parte da população que sobrevive de parcos e baixos salários.
De igual forma, o desenvolvimento tecnológico ao passo que traz benefícios evidentes aos modos de produção e ao crescimento econômico induz a exclusão do trabalhador de seus postos de trabalho e ao consequente desemprego.
O princípio da continuidade do trabalho como regra inscrita na legislação trabalhista brasileira deixa de produzir seus efeitos quando se considera o cenário social atual, em que a parte massiva dos trabalhadores emprega sua força de trabalho em contratos de trabalho flexíveis e informais.
E é a partir desse sentido social aqui inscrito que a classe trabalhadora mais precária e que efetivamente sofre os efeitos do desemprego passou a desempenhar outros tipos de ofício que por si só distinguiam-se da relação de emprego clássica e tradicionalmente adotada.
Essa busca por novas soluções de trabalho, embora frutífera, começou a ceder quando se tratava de garantias sociais e fundamentais mínimas, uma vez que essa nova forma de fazer trabalho não tutela garantias sociais mínimas. É nesse ínterim que começa a surgir diversas formas de se fazer trabalho e a preocupação com a tutela e a garantia de novas alternativas de trabalho se torna evidente no mundo do direito.
Em busca de novas proteções jurídicas, e baseadas em organizações diferentes da originária do capitalismo clássico, os trabalhadores começaram a se reunir em grupos e solidariamente fazer de seu trabalho um modo de vida e emprego, utilizando-se do sistema chamado de economia solidária.
Deve-se ter em mente que é a partir do sistema de economia solidária, repensando um novo formato de trabalho, que se podem conseguir ganhos expressivos de trabalho e renda.
Ademais, cumpre ressaltar ainda, que quando se fala em sobrevivência do trabalhador que se utiliza de um sistema de economia solidária, não se quer dizer que este trabalhador consiga apenas do seu ofício extrair a sua comida e de seus filhos. A economia solidária e seu sistema possibilitam bem mais recursos do que apenas a pura e simples sobrevivência humana, podendo até se falar em ganhos econômicos.
Isso porque a solidariedade possibilita que os trabalhadores sejam os “donos” de seu próprio negócio, ao mesmo tempo em que trabalham pra ele, e daí retiram a sua subsistência de vida, calcados em um sistema simples, porém eficiente para a sua situação de vida.
Assim, é fundado na economia solidária que aparecem as cooperativas de trabalho, que tem desempenhado um papel importante no contexto social, utilizando-se de sua característica de grupo para projetar os trabalhadores em um quadro melhor de vida.
Infere-se também daí, que as cooperativas de trabalho funcionam como mecanismo de inclusão social, ao passo que dá a oportunidade ao trabalhador de se tornar produtivo a partir de uma organização da qual efetivamente faz parte. O respeito a direitos fundamentais como o próprio trabalho, lazer, moradia, enquanto subjugados na atual conjuntura social, possui chances de ser trazida à tona novamente através do trabalho em cooperativas, que não só garante ao homem ao trabalho, mas também dá a ele a oportunidade de se desenvolver em sustentabilidade.
O desenvolvimento sustentável e o crescimento do homem, titular de direitos e deveres, é a finalidade principal aqui perquirida, o qual pode ser alcançado a partir do modelo de cooperativas de trabalho, que se utilizam o sistema econômico solidário de gestão e deles extraem a melhor forma de se fazer trabalho, combinando-os com a qualidade de vida, que tanto é essencial para o sucesso do homem em quanto ser social que é.
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[2] Confederação Nacional dos Municípios – CNM. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – ODM: Estratégias da Gestão Municipal para Redução da Pobreza no Planeta Até 2015 / Confederação Nacional dos Municípios; Nós Podemos Paraná e Obser-vatório Regional Base de Indicadores de Sustentabilidade – Orbis (elaboração), Brasília : CNM : Pnud, 2008
[3] Robert Owen (1772-1858) foi um dos primeiros cooperativistas, o qual lançou seus ideais em sua terra natal, a Inglaterra, bem como por toda a Europa. Filho de artesão e pequeno industrial, Owen obteve sucessos incríveis com o pensamento cooperativista, podendo alcançar resultados econômicos surpreendentes.
Advogado. Atuou como assessor na Defensoria Pública da União, especialmente em matérias previdenciárias e administrativa. Atualmente sou servidor público e atuo no setor das relações de trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GALDINO, Vandson dos Santos. Modificação no paradigma da relação de trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 mar 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38644/modificacao-no-paradigma-da-relacao-de-trabalho. Acesso em: 22 nov 2024.
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