RESUMO: O artigo busca traçar parâmetros responsáveis por identificar as hipóteses em que, de fato, há espaço para a atuação fiscalizatória da Previc, por meio da correta identificação de uma verdadeira relação de previdência complementar. Para tanto, busca-se viabilizar a compreensão de elementos indispensáveis à caracterização do regime de previdência privada e, posteriormente, proceder à verificação de sua inexistência em situações que bem ilustram as principais discussões travadas no âmbito do citado órgão fiscalizador. Demonstra-se a impropriedade da noção de que toda e qualquer prestação auferida por aposentados ou beneficiários diversa dos benefícios oriundos da Previdência Social há de ser tratada de forma linear como complementação de aposentadoria. Tal compreensão se presta a facilitar a delimitação do escopo de atuação da Previc.
PALAVRAS-CHAVE: Previdência Complementar. Elementos. Limites. Fiscalização. Previc.
SUMÁRIO: Introdução; I. Caracterização do regime de previdência complementar; II. Sujeitos do regime de previdência complementar; III. Situações recorrente e equivocadamente enquadradas como próprias do regime de previdência complementar; IV. Hipóteses excepcionais de atuação do órgão fiscalizador voltadas a atividades estranhas ao regime de previdência complementar; Conclusão; Referências.
THE LIMITS OF SUPERVISION EXERCISED BY PREVIC
ABSTRACT: The article attempts to trace parameters aimed to identify the cases in which, in fact, it is possible that Previc exert its supervisory function through the correct identification of a true relationship complementary pension. It seeks to facilitate the understanding of the elements necessary to characterize the relationship of private pension and then proceed to check its inexistence in situations that illustrate well the main discussions within the said institute supervisor. It demonstrates the inadequacy of the notion that any provision received by retirees or beneficiaries diverse to the benefits from Social Security must be treated linearly as supplementary retirement. Such understanding lends itself to facilitate the delimitation of the scope of activity of Previc.
KEYWORDS: Supplementary Pension. Elements. Limits. Supervision. Previc.
INTRODUÇÃO
Criada pela Lei nº 12.154, de 23 de dezembro de 2009, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC, nos termos do parágrafo único do art. 1º deste diploma, foi idealizada como entidade de fiscalização e de supervisão das atividades das entidades fechadas de previdência complementar e de execução das políticas para o regime de previdência complementar, observadas as disposições constitucionais e legais aplicáveis.
Esse regime de previdência complementar, por sua vez, foi disciplinado, conforme determinação constitucional (CF/88, art. 202), por lei complementar – LC nº 109, de 29 de maio de 2001 –, que, entre outros temas, delimitou as atividades desenvolvidas pelas entidades fechadas de previdência complementar.
Ocorre que, não raro, a Previc é chamada a dirimir controvérsias atinentes ao pagamento de valores a título de complementação de aposentadoria sem que – após um exame mais acurado e nem sempre uníssono, em face das peculiaridades próprias de cada situação – detenha competência para atuar.
Isto se deve, em grande medida, à compreensão rasa, tida muitas vezes pelos próprios atores do sistema, da concepção de previdência privada idealizada pelo constituinte derivado reformador e posteriormente esmiuçada no plano infraconstitucional.
Assim, de forma equivocada, tende-se a buscar a aplicação de tratamento igualitário à sistemática adotada em toda e qualquer prestação auferida por aposentados ou beneficiários, sob a justificativa de que tudo aquilo que lhes é pago além dos benefícios oriundos da Previdência Social há de ser tratado, de forma linear, como complementação de aposentadoria.
Exemplos típicos e recorrentes de tal desenquadramento são as complementações de aposentadoria estipuladas por lei, com recursos oriundos do orçamento de entes federados – a exemplo da complementação instituída em favor dos trabalhadores da Rede Ferroviária Federal S.A. (Lei nº 8.186, de 21 de maio de 1991) e de empregados do extinto Departamento de Correios e Telégrafos, atual Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT (Lei nº 8.529, de 14 de dezembro de 1992) – bem como benefícios extras, pactuados no bojo de acordos coletivos de trabalho, a serem pagos na inatividade diretamente por empregadores.
Revela-se, pois, importante o exame da questão, de modo a evidenciar as hipóteses em que, de fato, se está diante de uma verdadeira relação de previdência complementar regulada pela LC nº 109/01, bem como de atividades das entidades fechadas de previdência complementar, para, em consequência, traçar parâmetros seguros de atuação da mencionada autarquia.
Para tanto, busca-se, aqui, viabilizar a compreensão de elementos indispensáveis à caracterização do regime de previdência privada e, posteriormente, proceder à verificação de sua (in)existência em situações que bem ilustram as principais discussões travadas no âmbito do citado órgão fiscalizador.
Por fim, serão abordados de forma breve casos excepcionais previstos na legislação de regência, nos quais a Previc é chamada a exercer sua fiscalização em atividades estranhas ao aludido regime. Trata-se das exceções que confirmam a regra.
I - CARACTERIZAÇÃO DO REGIME DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR
De saída, há que se ter em mente a fundamentação constitucional atinente ao regime de previdência complementar, constante do art. 202 da Carta Magna:
Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar
§ 1° A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao participante de planos de benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos.
§ 2° As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.
§ 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado.
§ 4º Lei complementar disciplinará a relação entre a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, enquanto patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada, e suas respectivas entidades fechadas de previdência privada.
§ 5º A lei complementar de que trata o parágrafo anterior aplicar-se-á, no que couber, às empresas privadas permissionárias ou concessionárias de prestação de serviços públicos, quando patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada.
§ 6º A lei complementar a que se refere o § 4° deste artigo estabelecerá os requisitos para a designação dos membros das diretorias das entidades fechadas de previdência privada e disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação.
Os dispositivos colacionados possuem destacada relevância em relação à matéria objeto desta apreciação, uma vez que, desde logo, dão conta dos elementos que indispensavelmente hão de se fazer presentes para a caracterização de um típico regime de previdência privada: natureza privada, caráter complementar, autonomia em relação aos regimes de previdência oficial, facultatividade, operação em regime de necessária capitalização, contratualidade e independência da relação de trabalho do participante.
Atendendo ao comando inserido no caput do art. 202 da Constituição Federal pelo constituinte derivado reformador, por ocasião da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, o legislador infraconstitucional editou a Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001. Responsável por regulamentar o regime de previdência complementar e em sintonia com os respectivos ditames constitucionais, reforçou a imprescindibilidade de tais elementos:
Art. 1º O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, é facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício, nos termos do caput do art. 202 da Constituição Federal, observado o disposto nesta Lei Complementar.
Art. 2º O regime de previdência complementar é operado por entidades de previdência complementar que têm por objetivo principal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário, na forma desta Lei Complementar.
Art. 3º A ação do Estado será exercida com o objetivo de:
(...)
IV - assegurar aos participantes e assistidos o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos de benefícios;
(...)
Art. 18. O plano de custeio, com periodicidade mínima anual, estabelecerá o nível de contribuição necessário à constituição das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das demais despesas, em conformidade com os critérios fixados pelo órgão regulador e fiscalizador.
§ 1º O regime financeiro de capitalização é obrigatório para os benefícios de pagamento em prestações que sejam programadas e continuadas.
(...)
Art. 68. As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstos nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência complementar não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes.
§ 1º Os benefícios serão considerados direito adquirido do participante quando implementadas todas as condições estabelecidas para elegibilidade consignadas no regulamento do respectivo plano
§ 2º A concessão de benefício pela previdência complementar não depende da concessão de benefício pelo regime geral de previdência social.
Tais aspectos caracterizadores do regime são analisados de forma pormenorizada pelo ex-Secretário de Previdência Complementar Leonardo André Paixão, sendo oportuna a reprodução de sua abordagem:
Características básicas do regime de previdência complementar:
natureza jurídica privada, sujeitando-se ao regime jurídico de direito privado, em que prevalece a autonomia da vontade. O princípio da legalidade, aplicado ao regime privado, significa que ‘tudo o que não está proibido está permitido’.
caráter complementar e autônomo em relação ao regime geral:
complementar, porque a inscrição de participante em plano de previdência complementar não o dispensa da inscrição como segurado obrigatório do regime oficial de previdência (regime geral ou, a partir da EC 41/03, regime próprio);
autônomo porque a percepção de benefício pago por entidade privada de previdência – salvo quando alguma vinculação for expressamente estabelecida em contrato – não depende da concessão de benefício pelo regime geral (LC 109/01, art. 68, § 2º);
autônomo também porque em princípio não existe relação entre os valores pagos por cada um destes regimes, embora possa ser estabelecida contratualmente uma relação;
esta autonomia tem uma exceção, pois a concessão de benefício de previdência complementar depende de concessão de benefício pelo regime geral ou pelo regime próprio, quando se tratar de plano de benefícios da modalidade benefício definido e regido pela LC 108/01, que tiver sido instituído após 30.05.2001 (LC 108/01, art. 3º, II).
natureza contratual:
regulamento de um plano de previdência é um contrato, que contém cláusulas sobre contribuições, benefícios e períodos de carência, entre outras disposições;
a vinculação do participante ao plano de benefícios depende de sua inscrição voluntária (contrato celebrado com a entidade de previdência que administra o plano);
para que uma pessoa jurídica possa oferecer acesso a um plano de previdência para seus empregados, servidores, associados ou membros deve celebrar contrato com a entidade de previdência que o administra.
constituição de reservas, em regime de capitalização, para pagamento dos benefícios contratados (sobretudo o benefício de aposentadoria):
excepcionalmente, contudo, o regime de repartição simples pode ser estabelecido em contrato – geralmente para custear os benefícios acessórios, como auxílio-doença, pecúlio por morte, entre outros, mantida a capitalização para o benefício principal (aposentadoria);
regulamentação do regime de previdência privada reservada à lei complementar.[1]
(grifo do autor)
Como será constatado adiante, por meio de uma análise exemplificativa, em boa parte das hipóteses em que determinada situação é indevidamente enquadrada como afeta à previdência complementar, a razão para tanto é justamente a invocação deste caráter complementar do benefício pago.
De modo geral, o recebimento de qualquer benefício extra, até mesmo por meios diversos que não a pecúnia, acaba por complementar, mediata ou imediatamente a renda de um trabalhador. E, quando este se encontra na inatividade, esta renda a ser complementada em regra será proveniente de uma das espécies de aposentadoria previstas no Regime Geral de Previdência Social, de modo que, em consequência, o tal benefício extra consistirá num complemento desta aposentadoria. Até este ponto, não há o que negar. Parece lógico que certa prestação que complemente uma aposentadoria seja identificada ou batizada de parcela de complementação de aposentadoria ou algo que o valha. Contudo, dizer que tal fato, por si só, prenuncia a existência de uma relação de previdência complementar é de todo precipitado.
O raciocínio há que seguir num sentido inverso. Nos termos do art. 2º da Lei Complementar 109/2001, a instituição e execução de plano de benefícios de caráter previdenciário é, de fato, o objetivo principal das entidades que operam o regime de previdência complementar. Daí ser correto afirmar que no regime de previdência complementar deve haver necessariamente o pagamento – ou, no mínimo, a expectativa – de um benefício voltado a complementar a renda de determinado indivíduo (em outras palavras um complemento de aposentadoria). É esta a ordem dedutiva a ser observada.
Equivocado, no entanto, é pressupor que se há o pagamento de um complemento de aposentadoria haverá uma relação de previdência complementar. Neste caso, estar-se-ia a ignorar a natureza da prestação, pura e simplesmente em razão da nomenclatura que lhe foi dada.
Como observado na transcrição acima colacionada, a menção ao caráter complementar constante da Constituição e da Lei (LC nº 109/2001) busca precipuamente ressaltar que o regime então tratado não tem o condão de eximir os participantes da inscrição no regime oficial de previdência, tampouco subtrair as responsabilidades deste para com aqueles. Neste sentido, Daniel Pulino:
É que o ordenamento jurídico brasileiro, ao qualificar de complementar o regime de previdência privada, está a determinar, positivamente, que serão necessariamente separados, sob o ponto de vista funcional, operacional, os espaços possíveis de desenvolvimento dos regimes públicos e privados de previdência.
Dessa forma, ainda que a matéria com a qual lidem todos e quaisquer regimes previdenciários seja a mesma, haverá sempre distinção funcional entre elas no sistema brasileiro (segundo, claro, a Constituição vigente), sendo incorreto, portanto, a rigor, dizer que é “idêntica” a atuação das entidades de previdência privada em relação ao INSS, ou que, a atividade de administração de planos privados de previdência “aliviaria”, juridicamente, os encargos estatais com a matéria. [2]
Entretanto, tal característica, por si só, não se presta a caracterizar um benefício típico do regime de previdência complementar, na medida em que a presença dos demais elementos caracterizadores há de ser igualmente constatada.
II – SUJEITOS DO REGIME DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR
Além da dificuldade relacionada à compreensão da real natureza de prestações chamadas de complemento de aposentadoria, a correta identificação dos sujeitos da relação também gera controvérsias diretamente relacionadas ao âmbito de atuação da Previc.
É que, uma vez identificada a efetiva existência de uma relação de previdência complementar, há que se verificar, também, quais os sujeitos nela envolvidos e se cada qual está a desenvolver as atividades que lhe são próprias.
Quanto a este específico ponto, há que se lançar mão do panorama traçado de forma bastante didática por Wagner Balera, atinente aos sujeitos da relação jurídica de previdência privada:
São sujeitos da relação: a) os participantes e assistidos (sujeitos ativos quanto às prestações e sujeitos passivos quanto às contribuições, ...); b) as entidades fechadas de previdência privada (sujeitos passivos quanto às prestações e sujeitos ativos quanto às contribuições, ...); c) as empresas patrocinadoras (sujeitos passivos das contribuições); d) o Estado (ação reguladora e fiscalizadora). [3]
Além do inafastável papel do Estado, é preciso ter clara a noção de que a presença concomitante de participantes (e assistidos), patrocinadores e entidades de previdência é indispensável.
A leitura dos arts. 8º, 12 e 13 da Lei Complementar nº 109/2001 fornece esta noção:
Art. 8º Para efeito desta Lei Complementar, considera-se:
I - participante, a pessoa física que aderir aos planos de benefícios; e
II - assistido, o participante ou seu beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada.
(...)
Art. 12. Os planos de benefícios de entidades fechadas poderão ser instituídos por patrocinadores e instituidores, observado o disposto no art. 31 desta Lei Complementar.
Art. 13. A formalização da condição de patrocinador ou instituidor de um plano de benefício dar-se-á mediante convênio de adesão a ser celebrado entre o patrocinador ou instituidor e a entidade fechada, em relação a cada plano de benefícios por esta administrado e executado, mediante prévia autorização do órgão regulador e fiscalizador, conforme regulamentação do Poder Executivo.
A posição de participantes e assistidos, na espécie, é de compreensão relativamente simples, limitada que é ao pagamento de contribuições e ao gozo de benefícios. Por outro lado, as obrigações e especialmente as limitações impostas pelo ordenamento a patrocinadores e entidades, nem tanto. Neste caso, duas situações merecem destaque, uma vez que configuram hipóteses emblemáticas de atuação fiscalizatória da Previc.
A primeira delas diz respeito à inobservância da exclusividade de objeto à qual estão sujeitas as entidades fechadas.
Na concepção instituída pela LC nº 109/2001, por meio do disposto em seu art. 32, são consideradas entidades fechadas aquelas cujo objeto seja “a administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária”. E esta é sua única razão de ser, na medida em que lhes é vedada a prestação de quaisquer outros serviços, com a ressalva de resquícios de serviços assistenciais existentes antes do advento da vedação (art. 32, parágrafo único).
O descumprimento de tal proibição sujeita os infratores às penalidades previstas no art. 89 do Decreto nº 4.942, de 30 de dezembro de 2003 – ao qual coube regulamentar o processo administrativo para apuração de responsabilidade por infração à legislação no âmbito do regime da previdência complementar:
Art. 89. Prestar serviços que não estejam no âmbito do objeto das entidades fechadas de previdência complementar.
Penalidade: multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), podendo ser cumulada com suspensão de até cento e oitenta dias.
Como se pode constatar, pela análise da hipótese descrita, há situações em que a relação jurídica de previdência complementar em si não figura como fator preponderante para atrair a competência da Previc. A atuação de um de seus protagonistas em princípio fora de seu contexto precípuo pode vir a ter repercussões no âmbito da fiscalização.
É o caso, por exemplo, de entidades fechadas que, muitas vezes por falta de conhecimento de seus dirigentes, se propõem a atuar paralelamente como uma caixa de assistência ou instituição congênere, oferecendo benefícios estranhos ao regime, tais quais bolsas de estudo, seguros acidentários, auxílios funerais, entre outros.
Nesse casos, a Previc é chamada a atuar para impedir o exercício de uma atividade estranha ao sistema por um agente que dele faça parte – no caso, uma entidade fechada de previdência complementar.
A segunda situação merecedora de atenção especial consiste no chamado mercado marginal.
Ao mesmo tempo em que LC nº 109/01 veda o exercício de atividades diversas por parte das entidades fechadas de previdência – conforme pontuado anteriormente –, proíbe que outros agentes, inclusive os próprios patrocinadores, exerçam funções que lhes são próprias:
Art. 67. O exercício de atividade de previdência complementar por qualquer pessoa, física ou jurídica, sem a autorização devida do órgão competente, inclusive a comercialização de planos de benefícios, bem como a captação ou a administração de recursos de terceiros com o objetivo de, direta ou indiretamente, adquirir ou conceder benefícios previdenciários sob qualquer forma, submete o responsável à penalidade de inabilitação pelo prazo de dois a dez anos para o exercício de cargo ou função em entidade de previdência complementar, sociedades seguradoras, instituições financeiras e no serviço público, além de multa aplicável de acordo com o disposto no inciso IV do art. 65 desta Lei Complementar, bem como noticiar ao Ministério Público.
E, nesse aspecto, o já referido Decreto nº 4.942/2003 foi ainda mais específico:
Art. 102. Exercer atividade própria das entidades fechadas de previdência complementar sem a autorização devida da Secretaria de Previdência Complementar, inclusive a comercialização de planos de benefícios, bem como a captação ou a administração de recursos de terceiros com o objetivo de, direta ou indiretamente, adquirir ou conceder benefícios previdenciários sob qualquer forma.
Penalidade: multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e inabilitação pelo prazo de dois a dez anos.
Em situações tais, a Previc atua para impedir o exercício de uma atividade própria do regime de previdência complementar por outro agente que não as entidades fechadas de previdência complementar.
Traçado este panorama, é possível eleger a nomenclatura das prestações pagas e os agentes que efetuam tais pagamentos como os principais fatores responsáveis pela falsa percepção da existência de relações de previdência complementar em situações que lhe são absolutamente alheias.
O exame de algumas situações específicas a seguir descritas pode funcionar como ferramenta didática, voltada a auxiliar na tarefa de identificação dos limites de atuação da Previc impostos pela legislação de regência.
III – SITUAÇÕES RECORRENTE E EQUIVOCADAMENTE ENQUADRADAS COMO PRÓPRIAS DO REGIME DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR
O primeiro exemplo de pagamento de valores adicionais a inativos que, por sua nomenclatura pode supor uma situação submetida à fiscalização da Previc são as complementações de aposentadoria estipuladas por lei, com recursos oriundos diretamente do orçamento de entes federados.
A título de ilustração, vale mencionar a complementação instituída em favor dos trabalhadores da Rede Ferroviária Federal S.A. pela Lei nº 8.186, de 21 de maio de 1991. Os seguintes dispositivos merecem destaque:
Art. 1° É garantida a complementação da aposentadoria paga na forma da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) aos ferroviários admitidos até 31 de outubro de 1969, na Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), constituída ex-vi da Lei n° 3.115, de 16 de março de 1957, suas estradas de ferro, unidades operacionais e subsidiárias.
Art. 2° Observadas as normas de concessão de benefícios da Lei Previdenciária, a complementação da aposentadoria devida pela União é constituída pela diferença entre o valor da aposentadoria paga pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o da remuneração do cargo correspondente ao do pessoal em atividade na RFFSA e suas subsidiárias, com a respectiva gratificação adicional por tempo de serviço.
(...)
Art. 6° O Tesouro Nacional manterá à disposição do INSS, à conta de dotações próprias consignadas no Orçamento da União, os recursos necessários ao pagamento da complementação de que trata esta lei.
Nos mesmos moldes é o benefício pago aos empregados do extinto Departamento de Correios e Telégrafos, atual Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, instituído pela Lei nº 8.529, de 14 de dezembro de 1992:
Art. 1° É garantida a complementação da aposentadoria, paga na forma prevista pela Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), aos empregados da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) que tenham sido integrados nos seus quadros até 31 de dezembro de 1976.
Art. 2° Observadas as normas de concessão de benefícios da Lei Previdenciária, a complementação da aposentadoria devida pela União é constituída pela diferença entre o valor da aposentadoria paga pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o valor da remuneração correspondente à do pessoal em atividade na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), com a respectiva gratificação adicional por tempo de serviço.
(...)
Art. 6° O Tesouro Nacional manterá à disposição do INSS, à conta de dotações próprias consignadas no Orçamento da União, os recursos necessários ao pagamento da complementação de que trata esta lei.
Realmente, não há como se afastar a função de complemento de renda presente nos valores pagos com base em tais diplomas. Todavia ditos pagamentos não se revestem de outros elementos integrantes da relação de previdência privada, entre os quais a autonomia[4] em relação à previdência básica e pública, a natureza facultativa, contratual e privada, assim como a necessária operação em regime de capitalização.
Não se vislumbra, nos pagamentos efetuados, a autonomia no tocante ao RGPS, na medida em que o benefício complementar ofertado pelo ente público é atrelado ao recebimento do benefício no RGPS, determinando o valor a ser recebido.
Igualmente ausente é o caráter facultativo, essencial no regime de previdência complementar. Afinal o empregado só adere ao plano de previdência complementar oferecido pelo empregador se quiser, não podendo ser obrigado a fazê-lo, assim como o empregador só oferece e patrocina um plano de previdência complementar para seus empregados, igualmente, a seu critério, como incremento à sua política de recursos humanos. A facultatividade existe nas duas pontas da relação, o que, tratando-se de imposição legal, não se revela possível.
Associada à facultatividade encontra-se a natureza contratual inserida nas relações de previdência complementar, o que também não se verifica nos pagamentos aqui tratados, visto que decorrentes de lei. Ou seja, não há assinatura prévia de um contrato, mesmo que de adesão, por parte dos beneficiários.
Outro elemento inexistente e de importância fundamental para higidez do regime de previdência privada consiste na constituição obrigatória de reservas garantidoras do benefício contratado, o que implica, para os benefícios de aposentadoria, a adoção obrigatória de um regime financeiro de capitalização e do custeio compartilhado[5] por participantes e pela patrocinadora. Os recursos destinados aos pagamentos em apreço, nos termos das leis que os disciplinam, são oriundos de dotações próprias consignadas no orçamento do ente pagador.
Vale lembrar que a Constituição Federal estabeleceu que os planos de previdência complementar devem pautar-se pela necessária constituição de reservas. No momento em que o participante atinge a elegibilidade ao benefício, nos termos do respectivo plano, elas já deverão estar formadas, de modo a garantir o pagamento das prestações, por meio da adoção do regime financeiro de capitalização.
O artigo 18, §1º, da Lei Complementar nº 109/2001 e o item 5.1 do Anexo da Resolução CGPC nº 18, de 28 de março de 2006, preveem como obrigatório este regime financeiro de capitalização para o financiamento dos benefícios de natureza programada ou continuada, na forma de renda ou pagamento único. Em dito regime “o dimensionamento das provisões matemáticas visa à cobertura do compromisso total da entidade com os participantes, isto é, tanto em relação aos benefícios concedidos como a conceder”[6].
Cabe assinalar que esta mesma linha de raciocínio há de ser aplicada a pagamentos efetuados diretamente por empregadores, sem a necessária presença de uma Entidade Fechada de Previdência Complementar, seja por força de previsão constante do próprio contrato de trabalho, seja em razão de acordos coletivos celebrados com uma determinada categoria de trabalhadores.
Nestes casos, onde há o pagamento direto de benefícios a trabalhadores aposentados por parte de seus ex-empregadores, ganha relevância a ausência de outro elemento essencial ao regime de previdência complementar, qual seja, independência para com a relação de trabalho do participante. Ademais, substituindo-se o orçamento público pelo caixa da empresa responsável pelo pagamento dos benefícios, a situação em muito se assemelha à dos benefícios pagos por força de lei.
O fato é que, a despeito de as relações jurídicas aqui descritas não se sujeitarem ao crivo da Previc, conforme explicitado, é relativamente comum a formulação de consultas, denúncias e reclamações por parte de seus envolvidos, solicitando providências da autarquia acerca das mais diversas controvérsias a elas inerentes.
IV – HIPÓTESES EXCEPCIONAIS DE ATUAÇÃO DO ÓRGÃO FISCALIZADOR VOLTADAS A ATIVIDADES ESTRANHAS AO REGIME DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR
Para que se compreenda a existência de casos excepcionais de atuação da Previc, há que se analisar o contexto histórico legislativo de atuação estatal no regime de previdência complementar.
Antes da vigência da LC nº 109/01, quando cabia à Lei nº 6.435/77 a tarefa de disciplinar as atividades desenvolvidas por entidades de previdência privada, havia espaço – a depender de seu caráter fechado ou aberto – para o desenvolvimento de determinadas atividades concomitantes, estranhas à execução e operação de planos de benefícios.
Além disso, esta função de operar planos de benefícios de natureza previdenciária, desde que observados certos limites, não necessariamente havia de ser desenvolvida por uma entidade de previdência privada.
Com o advento da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, que dispôs sobre o regime de previdência complementar e revogou o diploma anteriormente citado, esta realidade foi sensivelmente alterada.
Atualmente não só a possibilidade deste desenvolvimento de atividades atípicas por parte de entidades de previdência foi abolida – ainda que com raríssimas ressalvas –, como o exercício daquelas que lhes são próprias tem agora caráter exclusivo.
Pela leitura do art. 39 da Lei nº 6.435/77, verifica-se que eram consideradas entidades fechadas de previdência aquelas que possuíam como finalidade básica a execução e operação de planos de benefícios. Ou seja, o simples fato de determinada pessoa jurídica oferecer, entre outros serviços, um plano de pecúlio ou de benefícios de caráter complementar a seus associados não seria suficiente para classificá-la como uma entidade fechada de previdência. Para tanto, seria necessário verificar se a administração de planos desta natureza seria sua principal razão de existir, sua função precípua.
Este mesmo dispositivo apresenta, ainda, outro parâmetro relevante, qual seja, o de que as entidades fechadas poderiam prestar serviços alheios ao âmbito do objeto das entidades de previdência complementar. Afinal, por ter o legislador previsto a execução e a operação de planos de benefícios como finalidade básica das entidades fechadas, abriu espaço para que outras atividades secundárias fossem desenvolvidas.
A redação do art. 14 desta mesma Lei nº 6.435/77, ao apresentar o conceito de entidade aberta de previdência privada, corrobora este raciocínio: “As entidades abertas terão como única finalidade a instituição de planos de concessão de pecúlios ou de rendas e só poderão operar os planos para os quais tenham autorização específica, segundo normas gerais e técnicas aprovadas pelo órgão normativo do Sistema Nacional de Seguros Privados.”
Como se vê, enquanto a instituição de planos de concessão de pecúlios ou de rendas é concebida como única finalidade (art. 14) das entidades abertas, no que tange às fechadas, a execução e operação de planos de benefícios limita-se a ser sua finalidade básica (art. 39).
É certo que, num primeiro momento, a Lei nº 6.435/77 preceitua que as entidades de previdência privada (...) são as que têm por objeto instituir planos privados de concessão de pecúlios ou de rendas, de benefícios complementares ou assemelhados aos da Previdência Social (art. 1º). Sua interpretação sistemática, entretanto, revela que tal objeto somente seria único no caso das entidades abertas.
Em outras palavras, se uma determinada entidade, acessível a quaisquer pessoas físicas, estivesse a operar plano de concessão de pecúlios ou rendas, seria necessariamente uma entidade aberta de previdência complementar. Isto porque, no caso das abertas, este tipo de atuação não poderia se dar em conjunto com qualquer outra.
Por outro lado, o só fato de uma pessoa jurídica, acessível exclusivamente a um grupo específico de empregados ou associados, ofertar determinado plano de benefícios de natureza complementar não seria suficiente para identificá-la como uma entidade fechada de previdência complementar. Isto somente ocorreria após a constatação de que este seria seu principal objeto e não apenas uma atividade secundária.
Até aqui, dois pressupostos do raciocínio acima desenvolvido hão de ser destacados: durante a vigência da Lei nº 6.435/77 (i) a operação de plano de benefícios por instituição acessível a um grupo restrito de indivíduos, desde que não fosse sua finalidade básica, não era atividade exclusiva de entidade fechada de previdência; e (ii) às entidades fechadas de previdência complementar não era vedado prestar serviços estranhos a seu objeto principal.
Ocorre que, com o advento da Lei Complementar nº 109/01, os dois pressupostos anteriormente aventados, decorrentes da aplicação da Lei nº 6.435/77, caíram por terra.
Na nova concepção implementada pela LC nº 109, a referência à finalidade básica foi abandonada. Nos termos de seu art. 32, são consideradas entidades fechadas aquelas que “têm como objeto a administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária”. A distinção estabelecida na revogada Lei nº 6.435/77, onde a previsão de “única finalidade” (art. 14) dizia respeito apenas às entidades abertas, não mais existe.
Quanto a esse aspecto, o parágrafo único do art. 32 da LC nº 109 é claro: “é vedada às entidades fechadas a prestação de quaisquer serviços que não estejam no âmbito de seu objeto, observado o disposto no art. 76.”
Em resumo, no período anterior à vigência da LC nº 109 o só fato de uma pessoa jurídica oferecer determinado benefício previdenciário não significaria necessariamente que se tratava de uma entidade de previdência complementar. Da mesma forma, o fato de uma entidade fechada de previdência complementar desenvolver outra atividade, além de executar e operar planos de benefícios, não encontrava óbice legal. Na vigência da LC nº 109, notadamente em razão do disposto no citado art. 32, esta realidade foi completamente alterada: i) a atividade própria das entidades de previdência complementar lhes é exclusiva e, ii) tais entidades, em regra, não podem prestar qualquer outro tipo de serviço.
Não por outro motivo, o Decreto nº 4.942/2003 previu as seguintes infrações cujo teor vale rememorar:
Art. 89. Prestar serviços que não estejam no âmbito do objeto das entidades fechadas de previdência complementar.
Penalidade: multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), podendo ser cumulada com suspensão de até cento e oitenta dias.
(...)
Art. 102. Exercer atividade própria das entidades fechadas de previdência complementar sem a autorização devida da Secretaria de Previdência Complementar, inclusive a comercialização de planos de benefícios, bem como a captação ou a administração de recursos de terceiros com o objetivo de, direta ou indiretamente, adquirir ou conceder benefícios previdenciários sob qualquer forma.
Penalidade: multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e inabilitação pelo prazo de dois a dez anos.
É de se notar, ademais, que este maior rigor adotado no atual regramento da matéria fica evidente na forma mais analítica como se deu a descrição do já abordado mercado marginal (exercício desautorizado de funções próprias de entidade de previdência complementar).
Antes, nos termos do art. 80[7] da Lei nº 6.435/77, havia referência tão-somente à “pessoa que atu[asse] como entidade de previdência privada”, o que demandava do aplicador da norma a imprescindível interpretação de outros de seus dispositivos, aptos a fornecer a exata noção do que seria atuar efetivamente como entidade de previdência privada.
Diversamente, o art. 67 da Lei Complementar nº 109/2001 prossegue na descrição da conduta: “o exercício de atividade de previdência complementar por qualquer pessoa, física ou jurídica, sem a autorização devida do órgão competente, inclusive a comercialização de planos de benefícios, bem como a captação ou a administração de recursos de terceiros com o objetivo de, direta ou indiretamente, adquirir ou conceder benefícios previdenciários sob qualquer forma...”.
Nesta nova ótica, constatado o oferecimento de um benefício previdenciário por entidade não autorizada, está caracterizada a infração. O enquadramento da entidade como fechada ou aberta, assim como o caráter primário ou secundário da atividade identificada, passam a ser fatores absolutamente irrelevantes.
Do mesmo modo, o exercício de atividade estranha à administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária por parte de uma entidade fechada de previdência complementar, por si só, configura infração. Ainda que se trate de uma atividade de menor importância, eminentemente secundária, a aplicação de penalidade é medida que se impõe.
Ocorre que o próprio parágrafo único do art. 32, ao trazer a vedação da prática de atividades atípicas, ressalva seu alcance em relação à situação tratada no art. 76. Este último dispositivo prevê que as entidades fechadas que, na data da publicação da LC nº 109/2001, prestavam a seus participantes e assistidos serviços assistenciais à saúde poderão continuar a fazê-lo, desde que estabelecido um custeio específico para os planos assistenciais e que a sua contabilização e o seu patrimônio sejam mantidos separados do plano previdenciário.
É exatamente a compreensão dos estritos limites da ressalva contida no citado art. 76 e o consequente impacto na atividade fiscalizatória o ponto chave para que seu exercício esteja em harmonia com os parâmetros legais.
Revela-se imperioso afastar a ideia de que toda e qualquer celeuma envolvendo, de alguma forma, uma EFPC deva ser dirimida pela Previc, sob pena de delimitar-se sua competência em razão das partes envolvidas, quando, na realidade, esta se norteia pela matéria.
Conforme já mencionado nesta abordagem, a Previc deve atuar como entidade de fiscalização e de supervisão das atividades das entidades fechadas de previdência complementar e de execução das políticas para o regime de previdência complementar operado pelas entidades fechadas de previdência complementar (art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 12.154/2009).
E estas atividades passíveis de fiscalização e supervisão consistem justamente na administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária, conforme esclarece o caput do art. 32 da Lei Complementar nº 109/2001.
Posto isto, é possível fixar dois parâmetros norteadores. O primeiro deles é que, relativamente a quaisquer outros serviços alheios ao objeto de tais entidades, a atividade fiscalizatória resume-se a uma única linha de atuação: cessar-lhes a prestação por parte das EFPCs, com esteio no parágrafo único do citado art. 32. O segundo é que não compete ao órgão fiscalizador imiscuir-se em questões de mérito, tampouco promover qualquer tipo de mediação ou conciliação no âmbito das relações decorrentes de tais atividades atípicas, na medida em que não se subsumem ao conceito de administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária.
Ao dispor o legislador que, quanto à prestação de serviços assistenciais à saúde, determinadas entidades poderiam continuar a fazê-lo, nada mais fez do que afastar tão-somente o primeiro pressuposto anteriormente citado. O segundo, contudo, permanece inabalado.
Desta convergência do disposto nos arts. 32 e 76 é possível extrair uma segunda linha de atuação fiscalizatória em relação aos serviços alheios ao objeto das entidades. Enquanto para as demais atividades atípicas a fiscalização cinge-se a cessar-lhes a prestação, no caso específico da assistência à saúde ela se concentra na verificação do cumprimento das condições previstas no art. 76, que podem ser tidas por requisitos de tolerância (prestação restrita a participantes e assistidos, estabelecimento de custeio específico, bem como manutenção de contabilização e patrimônio em separado do plano previdenciário).
Noutras palavras, com relação aos planos assistenciais à saúde, cabe à Previc, quando muito, tolerá-los, apenas zelando pela observância das condições legais (art. 76) para a subsistência desta tolerância.
Não se pode admitir, por exemplo, sua intervenção em temas como o custeio de tratamentos ambulatoriais ou prazos de carência para seu usufruto. Além de falecer-lhe a expertise necessária para tanto, estaria a invadir a esfera de competências de estruturas governamentais criadas especificamente para tal fim.
O mesmo raciocínio é aplicável aos programas de assistência financeira em extinção mencionados no § 1º do art. 76.
Não poderia a Previc atuar, por exemplo, em discussões relativas a cláusulas contratuais, anatocismo, entre outras questões do gênero envolvendo tais financiamentos.
CONCLUSÃO
Compete à Previc, nos termos de sua lei de criação (Lei nº 12.154/2009), fiscalizar e supervisionar as atividades das entidades fechadas de previdência complementar e de execução das políticas para o regime de previdência complementar.
Em atenção ao disposto no caput do art. 202 da Constituição Federal, na redação dada pela EC nº 20/98, foi editada a Lei Complementar nº 109/2001 por meio da qual este regime veio a ser disciplinado.
Da análise deste arcabouço normativo, é possível extrair certos elementos indispensáveis à sua caracterização: natureza privada, caráter complementar, autonomia em relação aos regimes de previdência oficial, facultatividade, operação em regime de necessária capitalização, contratualidade e independência da relação de trabalho do participante.
Ocorre que, com certa frequência, o órgão fiscalizador em questão é demandado a atuar diante de situações indevidamente enquadradas como afetas à previdência privada. De modo geral, o recebimento de qualquer benefício extra, até mesmo por meios diversos que não a pecúnia, acaba por complementar, mediata ou imediatamente, a renda de um trabalhador. E, quando este se encontra na inatividade, esta renda a ser complementada em regra será proveniente de uma das espécies de aposentadoria previstas no Regime Geral de Previdência Social. Em consequência, o tal benefício extra consistirá num complemento desta aposentadoria.
Contudo, dizer que tal fato, por si só, prenuncia a existência de uma relação de previdência complementar é de todo precipitado. O fato é que a invocação deste caráter complementar próprio de determinado pagamento, por si só, não é suficiente para a caraterização de uma relação de tal espécie. Hão de estar presentes os demais elementos caracterizadores.
Além da dificuldade relacionada à compreensão da real natureza de prestações chamadas de complemento de aposentadoria, a correta identificação dos sujeitos da relação também gera controvérsias diretamente relacionadas ao âmbito de atuação da Previc.
Há situações em que a relação jurídica de previdência complementar em si não figura como fator preponderante para atrair a atuação da Previc. O exercício de uma certa atividade por um de seus protagonistas, em princípio fora de seu contexto precípuo, pode vir a ter repercussões no âmbito da fiscalização.
É o caso, por exemplo, de entidades fechadas que, muitas vezes por falta de conhecimento de seus dirigentes, se propõem a atuar paralelamente como uma caixa de assistência ou instituição congênere, oferecendo benefícios estranhos ao regime, tais quais bolsas de estudo, seguros acidentários, auxílios funerais, entre outros.
Outra situação merecedora de atenção especial por parte da fiscalização consiste no chamado mercado marginal.
É que, do mesmo modo que a lei veda o exercício de atividades diferentes por parte das entidades fechadas de previdência, proíbe que outros agentes, inclusive os próprios patrocinadores, exerçam funções que lhes são próprias.
Em suma, ora a Previc é chamada a atuar para impedir o exercício de uma atividade estranha ao sistema por um agente que dele faça parte – no caso, uma entidade fechada de previdência complementar –, ora atua para impedir o exercício de uma atividade própria do regime de previdência complementar por um agente que lhe seja estranho.
Diante desse panorama, é possível eleger a nomenclatura das prestações pagas e os agentes que efetuam tais pagamentos como os principais fatores responsáveis pela falsa percepção da existência de relações de previdência complementar em situações que lhe são absolutamente alheias.
Há casos, por exemplo, de complementações de aposentadoria estipuladas por lei, com recursos oriundos diretamente do orçamento de entes federados. Existem, ainda, pagamentos efetuados diretamente por empregadores, sem a necessária presença de uma entidade fechada de previdência complementar, seja por força de previsão constante do próprio contrato de trabalho, seja em razão de acordos coletivos celebrados com uma determinada categoria de trabalhadores.
Em tais hipóteses, ainda que destinados a complementar uma renda, ditos pagamentos não se revestem de outros elementos integrantes da relação de previdência privada, entre os quais a autonomia em relação à previdência básica e pública, a natureza facultativa, contratual e privada, assim como a necessária operação em regime de capitalização.
A despeito de estas relações jurídicas não se sujeitarem ao crivo da Previc é relativamente comum a formulação de consultas, denúncias e reclamações por parte de seus envolvidos, solicitando providências da autarquia acerca das mais diversas controvérsias a elas inerentes.
Outra fonte de incertezas relacionadas à atuação da Previc diz respeito à fiscalização excepcional das chamadas atividades atípicas.
Antes da vigência da LC nº 109/01, quando cabia à Lei nº 6.435/77 a tarefa de disciplinar as atividades desenvolvidas por entidades de previdência privada, o só fato de uma pessoa jurídica oferecer determinado benefício previdenciário não significaria necessariamente que se tratava de uma entidade de previdência complementar. Da mesma forma, o fato de uma entidade fechada de previdência complementar desenvolver outra atividade, além de executar e operar planos de benefícios, não encontrava óbice legal.
Na vigência da LC nº 109, notadamente em razão do disposto em seu art. 32, esta realidade foi completamente alterada: a atividade própria das entidades de previdência complementar lhes é exclusiva e tais entidades, em regra, não podem prestar qualquer outro tipo de serviço.
Nesta nova ótica, constatado o oferecimento de um benefício previdenciário por entidade não autorizada pelo órgão competente está caracterizada a infração. O enquadramento da entidade como fechada ou aberta, assim como o caráter primário ou secundário da atividade identificada, passam a ser fatores absolutamente irrelevantes.
Do mesmo modo, o exercício de atividade estranha à administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária por parte de uma entidade fechada de previdência complementar, por si só, configura infração. Ainda que se trate de uma atividade de menor importância, eminentemente secundária, a aplicação de penalidade é medida que se impõe.
Ocorre que a própria lei que trouxe tal proibição do exercício de atividades estranhas previu exceções, ao dispor, em seu art. 76, que as entidades fechadas que, na data de sua publicação, prestassem a seus participantes e assistidos serviços assistenciais à saúde poderiam continuar a fazê-lo, desde que estabelecido um custeio específico para os planos assistenciais e que mantidos a sua contabilização e patrimônio separados em relação ao plano previdenciário.
É exatamente a compreensão dos estritos limites da ressalva contida no citado art. 76 e de seu impacto na atividade fiscalizatória o ponto chave para que seu exercício esteja em harmonia com os parâmetros legais.
E, quanto a esse específico ponto, é possível fixar dois parâmetros norteadores. O primeiro deles é que, relativamente a quaisquer outros serviços alheios ao objeto de tais entidades, a atividade fiscalizatória resume-se a uma única linha de atuação: cessar-lhes a prestação por parte das EFPC. O segundo é que não compete ao órgão fiscalizador imiscuir-se em questões de mérito, tampouco promover qualquer tipo de mediação ou conciliação no âmbito das relações decorrentes de tais atividades atípicas, na medida em que não se subsumem ao conceito de administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária.
Desta convergência do disposto nos arts. 32 e 76 é possível extrair uma segunda linha de atuação fiscalizatória em relação aos serviços alheios ao objeto das entidades. Enquanto para as demais atividades atípicas a fiscalização cinge-se a cessar-lhes a prestação, no caso específico da assistência à saúde ela se concentra na verificação do cumprimento das condições previstas no art. 76, que podem ser tidas por requisitos de tolerância (prestação restrita a participantes e assistidos, estabelecimento de custeio específico, bem como manutenção de contabilização e patrimônio em separado do plano previdenciário).
Não se pode admitir, por exemplo, sua intervenção em temas como o custeio de tratamentos ambulatoriais ou prazos de carência para seu usufruto. Além de falecer-lhe a expertise necessária para tanto, estaria a invadir a esfera de competências de estruturas governamentais criadas especificamente para tal fim.
O mesmo raciocínio é aplicável aos programas de assistência financeira em extinção mencionados no § 1º do art. 76.
BALERA, Wagner (coordenação). Comentários à Lei de Previdência Privada. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
CHAN, B. L.; SILVA, F. L.; MARTINS, G. A. Fundamentos da Previdência Complementar: da Atuária à Contabilidade. 2ª. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
PAIXÃO, Leonardo. A previdência complementar fechada: uma visão geral. In: http://www.mpas.gov.br/arquivos/office/3_081014-111321-983.pdf.
PULINO, Daniel. Previdência Complementar. Natureza jurídico-constitucional e seu desenvolvimento pelas Entidades Fechadas. São Paulo: Editora Modelo, 2011.
WEINTRAUB, Arthur Bragança de Vasconcellos. Previdência Privada – doutrina e jurisprudência. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
[1] PAIXÃO, Leonardo. A previdência complementar fechada: uma visão geral. In: http://www.mpas.gov.br/arquivos/office/3_081014-111321-983.pdf.
[2] PULINO, Daniel. Previdência Complementar. Natureza jurídico-constitucional e seu desenvolvimento pelas Entidades Fechadas. São Paulo: Editora Modelo, 2011, p. 260.
[3]BALERA, Wagner (coordenação). Comentários à Lei de Previdência Privada. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 96-97.
[4] O Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Súmula nº 92, realçou o caráter de autonomia da previdência privada: “O direito à complementação de aposentadoria, criado pela empresa, com requisitos próprios, não se altera pela instituição de benefício previdenciário por órgão oficial.”
[5] Para Arthur Bragança de Vasconcelos Weintraub, o custeio do plano de benefícios por participantes e patrocinados consiste em uma relação de protocooperação. (WEINTRAUB, Arthur Bragança de Vasconcellos. Previdência Privada – doutrina e jurisprudência. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 53-57).
[6] CHAN, B. L.; SILVA, F. L.; MARTINS, G. A. Fundamentos da Previdência Complementar: da Atuária à Contabilidade. 2ª. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 77.
[7]. Art. 80. Qualquer pessoa que atue como entidade de previdência privada, sem estar devidamente autorizada, fica sujeita à multa, nos termos do artigo 78 desta Lei, e à pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos. Se se tratar de pessoa jurídica, seus diretores e administradores incorrerão na mesma pena.
Procurador Federal. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - Uniceub. Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade de Brasília - Unb. Procurador Federal em atuação no Departamento de Consultoria da Procuradoria-Geral Federal<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Leonardo Vasconcellos. Os limites da fiscalização exercida pela PREVIC Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 mar 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38747/os-limites-da-fiscalizacao-exercida-pela-previc. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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