RESUMO: O presente artigo tem por objetivo abordar questões ligadas ao juízo de retratação no âmbito do processo administrativo federal, exercitável pela autoridade cuja decisão que proferiu seja objeto de recurso administrativo.
PALAVRAS-CHAVE: Processo Administrativo Federal. Juízo de retratação.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Primeiras considerações sobre o juízo de retratação; 2 Impossibilidade de reformatio in pejus no juízo de retratação; 3 Fase processual para o exercício do juízo de retratação; 4 Efeito substitutivo decorrente da interposição de recurso administrativo; 5 Desistência do recurso administrativo após o juízo de retratação; 6 Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
Trata o presente trabalho de aspectos envolvidos no juízo de retratação, exercitável pela autoridade julgadora cuja decisão tenha sido atacada por recurso administrativo.
Acerca do juízo de retratação, há previsão legal na Lei do Processo Administrativo (LPA) – Lei nº 9.784, de 1999 -, em seu art. 56, §§ 1º e 3º. Confiram-se as disposições normativas mencionadas, verbis:
Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito.
§ 1º O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior.
§ 2º Salvo exigência legal, a interposição de recurso administrativo independe de caução.
§ 3º Se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria enunciado da súmula vinculante, caberá à autoridade prolatora da decisão impugnada, se não a reconsiderar, explicitar, antes de encaminhar o recurso à autoridade superior, as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso. (Incluído pela Lei nº 11.417, de 2006). [Grifos nossos].
O juízo de retratação é a oportunidade conferida à autoridade julgadora de rever, parcial ou totalmente, sua decisão, seja por razões de mérito (conveniência e oportunidade), seja por razões de legalidade. Trata-se de uma das facetas do dever-poder de autotutela da Administração Pública, em que o órgão julgador percebe alguma inconsistência na decisão proferida, e se antecipa ao poder reformador exercitável em momento posterior pela autoridade superior.
A respeito da autotutela administrativa, valiosos são os ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho, verbis:
Através da prerrogativa da autotutela, como já vimos anteriormente, é possível que a Administração reveja seus próprios atos, podendo a revisão ser ampla, para alcançar aspectos de legalidade e de mérito. Trata-se, com efeito, de princípio administrativo, inerente ao poder-dever geral de vigilância que a Administração deve exercer sobre os atos que pratica e sobre os bens confiados à sua guarda. Decorre daí que “falha a Administração quando, compelida a exercer a autotutela, deixa de exercê-la”.
A autotutela se caracteriza pela iniciativa de ação atribuída aos próprios órgãos administrativos. Em outras palavras, significa que, se for necessário rever determinado ato ou conduta, a Administração poderá fazê-lo ex officio, usando sua autoexecutoriedade, sem que dependa necessariamente de que alguém o solicite. Tratando-se de ato com vício de legalidade, o administrador toma a iniciativa de anulá-lo; caso seja necessário rever ato ou conduta válidos, porém não mais convenientes ou oportunos quanto a sua subsistência, a Administração providencia a revogação. Essa sempre foi a clássica doutrina sobre o tema.[1]
De acordo com Hely Lopes Meirelles[2], o controle administrativo deriva do poder-dever de autotutela que a Administração tem sobre seus próprios atos e agentes, e que é normalmente exercido pelas autoridades superiores. Para a Administração Pública é amplo o dever de anular os atos administrativos ilegais. De modo geral, essa revisão pode se dar, por iniciativa da autoridade administrativa, por meio de fiscalização hierárquica, ou ainda por recursos administrativos[3].
1 PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O JUÍZO DE RETRATAÇÃO
O juízo de retratação também é conhecido como efeito regressivo do recurso, que, nas palavras de Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, “trata-se do efeito que autoriza o órgão jurisdicional a quo a rever a decisão recorrida”[4]. Ou seja, a interposição de recurso administrativo permite a reanálise do seu objeto pelo órgão julgador da decisão impugnada. É um meio processual que confere nova oportunidade à autoridade que proferiu a decisão de ratificar ou modificar seu entendimento.
Segundo as palavras de Ovídio Araújo Baptista da Silva, acerca do efeito regressivo ou efeito de retratação:
Quando o recurso é interposto a fim de que o próprio juiz prolator da decisão recorrida reexamine o que fora por ele próprio decidido, diz-se que o recurso provoca um juízo de retratação, desde que, nesse caso, ao contrário daquele em que ocorra apenas o efeito devolutivo em toda sua pureza, dá-se ao julgador que tivera sua decisão impugnada a possibilidade de revê-la e modificá-la.[5]
Nessa mesma linha de entendimento, confira-se julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça, verbis:
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. EFEITO REGRESSIVO.
Se os embargos de declaração tem propósitos infringentes, o relator está autorizado a recebê-los como agravo regimental. O agravo regimental, espécie do gênero agravo, tem, além do efeito devolutivo, o efeito regressivo, que autoriza o relator a reconsiderar a decisão. Agravo regimental desprovido.
(STJ. ADRESP 1315802, Rel. Min. Ari Pargendler, Primeira Turma, DJE de 22.5.2013).
No caso de juízo de retratação positivo, ou seja, quando o julgador reconsiderar inteiramente sua decisão, ele não poderá ultrapassar os limites da impugnação, isto é, ele está vinculado ao objeto do recurso. Isso porque o que é conferido à autoridade julgadora é reconsiderar sua decisão, por ocasião da interposição do recurso administrativo, motivo pelo qual não pode extrapolar o objeto da impugnação. Assim, ao retratar-se a autoridade em sua decisão, deve respeitar os limites horizontais (extensão) inerentes ao efeito regressivo do recurso.
Portanto, o juízo de retratação, ou efeito regressivo, difere do efeito devolutivo, que é a devolução da matéria decidida ao órgão destinatário do recurso, ou, nas palavras do Professor Bernardo Pimentel Souza, “consiste na transferência da matéria impugnada do órgão judiciário a quo para o colegiado ad quem”[6], e é conferido apenas ao órgão hierarquicamente superior. Ainda nas palavras no insigne professor citado,
O efeito regressivo também diz respeito à interposição do recurso, o que explica frequente confusão com o efeito devolutivo. Entretanto, ainda que sutil, há diferença. Ao contrário do devolutivo, marcado pela transferência para tribunal ad quem, o efeito regressivo enseja o retorno da matéria impugnada ao próprio órgão judiciário prolator da decisão recorrida.[7] [Grifos no original].
Nesse sentido, confira-se o seguinte aresto da jurisprudência, verbis:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL – RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – ARTIGO 581, INCISO I DO CPP – JUÍZO DE RETRATAÇÃO – EFEITO REGRESSIVO – CRIME AMBIENTAL E CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO DA UNIÃO – CONCURSO FORMAL – CONFLITO APARENTE DE NORMAS – OCORRÊNCIA
1. O juízo de retratação deve circunscrever-se, por força do efeito regressivo, à matéria impugnada pelo recurso. In casu, a decisão recorrida desbordou dos limites horizontais (extensão) fixados pelo efeito regressivo, porque reformou a decisão anterior em ponto que não foi objeto de recurso, a saber: na parte em que recebeu a denúncia em face do réu no que se refere ao delito do art. 2º, caput, da Lei 9.605/1998.
2. O bem jurídico tutelado pelo crime previsto no art. 55 da Lei nº 9.605/98 é o meio ambiente, seu solo e subsolo, tipificando a conduta de quem extrai recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença do órgão competente, ou em desacordo com ela. O art. 2º da Lei nº 8.176/91 prevê o crime de usurpação do patrimônio da União, consistente na exploração de matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. Assim, tem-se que a objetividade jurídica dos referidos crimes é distinta, visando, um, à proteção do meio ambiente – o que justifica a exigência de licença da autoridade ambiental -, e, outro, à proteção do patrimônio da União – razão pela qual se faz necessária à autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral -, não se tratando, pois, de conflito aparente de normas, mas sim de delitos autônomos praticados concomitantemente em concurso formal (art. 70 do CP).
3. Recurso a que se dá provimento para anular a decisão recorrida e reformando em parte a decisão de fls. 112/114. [Grifo nosso].
(TRF/2ª Região. Recurso em Sentido Estrito nº 1787, Rel. Des. Federal Liliane Roriz, Segundo Turma Especializada, DJU de 20.3.2009, p. 97).
Quando o juízo de retratação for positivo, e o recurso tiver todos os pontos impugnados atendidos, não haverá mais razão para o encaminhamento do recurso à autoridade competente para julgamento, uma vez que o recorrente já teria alcançado seus objetivos por meio da decisão proferida pela autoridade recorrida em sede de juízo de retratação. Nesses casos, pode-se dizer, inclusive, que haverá perda de objeto superveniente do recurso interposto.
Nessa seara, confira-se entendimento doutrinário corroborando os argumentos aqui expostos, verbis:
Em suma, também conhecido como juízo de retratação, permite ao julgador alterar ou revogar a decisão prolatada. O recurso restará prejudicado caso o juiz reconheça o acerto das razões recursais e reforme a decisão nos termos em que pleiteado pelo recorrente. Todavia, caso a retratação seja parcial, o recurso deve seguir seu trâmite regular para apreciação pelo órgão ad quem.[8]
E, ainda na mesma linha de raciocínio, José dos Santos Carvalho Filho, verbis:
Todavia, a lei admitiu juízo de retratação por parte da autoridade responsável pela decisão, e isso porque, nos termos do citado dispositivo, cabe-lhe proceder a nova avaliação de sua decisão antes de remeter o recurso à autoridade superior. Essa avaliação comporta uma de duas soluções: (a) o agente pode confirmar sua decisão (o que é o mais comum); (b) o agente pode reconsiderá-la, acolhendo as razões do recorrente.
Nesta última hipótese, o recurso não terá mais qualquer necessidade de ser submetido à apreciação da autoridade superior. O recorrente, diante da reconsideração processada pelo autor do ato, obteve a satisfação de seu interesse, que, afinal, constituía o alvo do recurso. A reconsideração, portanto, torna prejudicado o recurso.
Se o agente, no entanto, confirmar sua decisão, estará obrigado a encaminhar o recurso à autoridade decisória para reapreciação do ato sob impugnação. Aqui não há escolha para o autor do ato: ao confirmar o ato, tem que remeter o recurso ao agente superior. [...]
Como se pode observar, o recurso administrativo, da forma como disciplinado na lei, tem um pedido de reconsideração embutido em seu procedimento, muito embora seja dirigido à autoridade diversa daquela de onde emanou a decisão atacada. Diante disso, pode-se vislumbrar a possibilidade de haver dois momentos de reapreciação da matéria sob discussão, sendo o primeiro aquele em que o autor do ato procede ao juízo de retratação, e o segundo aquele em que o recurso estiver sob exame pela autoridade superior (neste caso, como vimos, se tiver sido frustrada a reconsideração).[9]
Em razão dessa situação que se diz ser o juízo de retratação uma forma de materialização do princípio da economia processual, uma vez que se evitará o encaminhamento a uma instância superior de recurso cujo objeto fora solucionado ainda na instância de atuação da autoridade julgadora. Nesse sentido são as lições de Teresa Arruda Wambier, segundo a qual o juízo de retratação é uma técnica ligada
ao princípio da economia processual, segundo o qual se deve obter o máximo de resultado com o mínimo possível de dispêndio de tempo e trabalho, admitir-se o desperdício de atividade de fazer-se chegar o recurso ao juízo ad quem para que, só neste momento, fosse a decisão reformada, provido o recurso, em havendo deliberação do próprio juízo a quo no sentido de modificá-la.[10]
Nessa mesma toada é o entendimento da jurisprudência, verbis:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECEBIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. INDÍCIOS VEEMENTES DA PRÁTICA DE ATOS ÍMPROBOS. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 296 CPC. PRAZO. PRÍNCPIOS DA CELERIDADE E ECONOMIA.
1. Acertada a decisão que exerce juízo de retratação para receber a petição inicial de ação civil pública por improbidade administrativa, ainda que fora do prazo legal, para se adequar ao entendimento deste eg. Tribunal Federal, observando os princípios da celeridade e da economia processuais.
2. Nos termos do art. 17, § 8º, da Lei nº 8.429/92, com a redação dada pela MP nº 2.225-45/2001, o magistrado proferirá juízo de admissibilidade negativo da inicial nos casos de improcedência da ação, inexistência do ato de improbidade administrativa ou inadequação da via eleita, o que não corresponde à hipótese dos autos.
3. Havendo fundados indícios da prática de atos de improbidade administrativa, deve o juízo receber a petição inicial, para que sejam apurados os fatos narrados pelo autor.
4. Agravo de instrumento desprovido. [Grifos nossos].
(TRF/1ª Região. AG 0011810-55.2010.4.01.0000/MA, Des. Federal Carlos Olavo, Terceira Turma, e-DJF1 de 12.11.2010, p. 214).
PROCESSUAL CIVIL - FGTS - ART. 535 DO CPC - VIOLAÇÃO - INEXISTÊNCIA - CORREÇÃO MONETÁRIA - SÚMULA 252/STJ.
1. Diante da celeridade e do dinamismo dos tempos atuais surgiu a imperiosa necessidade de serem utilizados os embargos de declaração e algumas vezes até mesmo o agravo interno ou regimental (em juízo de retratação) para, priorizando-se a economia processual, aplicar-se o entendimento mais moderno sobre o tema, propiciando-se, assim, uma prestação jurisdicional mais célere.
2. Inexiste violação ao art. 535 do CPC se o Tribunal de origem, em sede de embargos de declaração, atribui efeitos infringentes ao julgado, para atender a uma situação jurídica excepcional e, por razões de economia processual, harmoniza o julgado com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e deste Superior Tribunal de Justiça.
3. Quanto à correção monetária, segue-se o enunciado da Súmula 252/STJ.
4. Recurso especial improvido. [Grifos nossos].
(STJ. Resp 463128, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 16.8.2004, p. 187).
Processual Civil. Execução. Agravo de Instrumento. Depositário Infiel. Substituição de bens à penhora. Prisão Civil. Bens tidos por insuficientes. Decisão modificada para levantar a penhora e restabelecer a prisão decretada. Impossibilidade do Tribunal negar o efeito prejudicial do juízo de retratação. Havendo retratação em agravo de instrumento comunicada ao Tribunal ad quem considera-se prejudicado o agravo de instrumento interposto, mormente se ao agravado se facultou a oportunidade de pronunciar-se em segundo grau de jurisdição, na esteira do devido processo legal. Assim sendo, não cabe ao Tribunal proceder ao exame recursal, sob pena de, em assim o fazendo, propiciar tanto a existência de decisões simultâneas contraditórias como o negar da sistemática processual, que foi engendrada, exatamente, para salvaguardar a economia processual e o preocupante desperdício de tempo e trabalho. [Grifos nossos].
(STJ. Resp 208110, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ de 25.6.2001, p. 170).
Nesse ponto, insta salientar que a ausência do exercício do juízo de retratação (positivo, parcial ou negativo) no processo administrativo não é causa suficiente para sua invalidação, uma vez que, embora esse procedimento omissivo da Administração não se adeque ao princípio da economia processual, ele não causa prejuízo ao administrado, tendo em vista que o recurso interposto, ainda sim, alcançará seu objetivo de que a matéria impugnada seja reanalisada pela autoridade hierarquicamente superior.
Procedimento diverso ocorrerá na hipótese de juízo de retratação parcial, em que a autoridade recorrida reconsidera apenas parte da sua decisão, restando questões do recurso que ainda necessitem de apreciação da autoridade competente para julgamento, ou na hipótese do juízo de retratação negativo, em que não há reconsideração da decisão recorrida. Nessas situações, o recurso deverá ser encaminhado ao órgão hierárquico superior para julgamento.
2 IMPOSSIBILIDADE DE REFORMATIO IN PEJUS NO JUÍZO DE RETRATAÇÃO
Embora o juízo de retratação confira à autoridade julgadora da decisão recorrida a possibilidade de rever sua decisão, em função da autotutela administrativa, sua reconsideração encontra limite tanto no objeto do recurso como na impossibilidade de agravar a situação do recorrente nesse momento processual. Ou seja, não se vislumbra a possibilidade de a reformatio in pejus ocorrer ainda na esfera do juízo de retratação.
Segundo o art. 64 da LPA, a possibilidade do julgamento do recurso administrativo acarretar gravame ao recorrente somente se insere no rol de competências da autoridade a quem caiba julgamento do recurso, ou seja, do órgão hierarquicamente superior ao que proferiu a decisão objeto de impugnação. Vejamos o que preconiza o citado dispositivo, verbis:
Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.
Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.
Perceba-se que o dispositivo colacionado trata da possibilidade de ocorrer gravame à situação do recorrente com o julgamento do recurso administrativo pela autoridade competente para decidi-lo. Não se refere à autoridade que proferiu a decisão, que tem competência tão somente para exercer o juízo de admissibilidade (conhecimento do recurso) e o juízo de retratação, este no sentido literal da expressão, pois não há como se retratar impondo-se situação pior ao recorrente. Chega-se a essa conclusão após interpretação da norma acima, bem como do disposto no art. 56, §§ 1º e 3º, da LPA, já colacionados retro.
Não será reformatio in pejus, todavia, a retratação da autoridade prolatora da decisão objeto de recurso administrativo em processos em que há polarização de partes, ou seja, em que o órgão da Administração Pública atue como mediador ou julgador de litígio administrativo existente entre dois ou mais administrados. Quando a retratação da autoridade acarretar gravame à parte que não recorreu, em virtude de ocasionar situação melhor ao recorrente, não há que se falar em reformatio in pejus, uma vez que a piora da situação da parte que não interpôs recurso decorreu da interposição de recurso pela outra parte.
3 FASE PROCESSUAL PARA O EXERCÍCIO DO JUÍZO DE RETRATAÇÃO
A autoridade recorrida poderá exercer o juízo de retratação até o efetivo encaminhamento ao órgão competente para julgamento do recurso. Após esse envio, apenas o órgão competente poderá modificar a decisão contra a qual fora interposto recurso, não podendo mais se falar em juízo de retratação.
Portanto, o juízo de retratação pode ser exercido desde a interposição do recurso até o efetivo encaminhamento à autoridade competente para julgar o mérito do recurso.
4 EFEITO SUBSTITUTIVO DECORRENTE DA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO
Se houver retratação, parcial ou total, da autoridade recorrida, deve ser proferida uma nova decisão, que substituirá a prolatada anteriormente. Trata-se do efeito substitutivo do recurso, mas com significação diferente daquela cunhada no processo civil.
No processo civil, o efeito substitutivo está previsto no art. 512 do Código de Processo Civil, que assim preconiza, verbis:
Art. 512. O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso.
De acordo com esse dispositivo, a decisão ou o acórdão prolatado pelo Tribunal substituirá a sentença ou decisão recorrida no que tiver sido objeto do recurso, porque não podem coexistir no mesmo processo duas decisões com o mesmo objeto. Esse efeito só ocorre na hipótese de conhecimento do recurso; no caso contrário, de inadmissibilidade da peça recursal, a decisão impugnada permanecerá intacta.[11] Além disso, ainda que a decisão do recurso confirme a recorrida, ou seja, negue-lhe provimento, haverá a substituição desta por aquela.
De acordo com Bernardo Pimentel Souza,
a decisão recorrida geralmente é substituída pela proferida no julgamento do recurso – salvo quando não há o ingresso no mérito do inconformismo ou é constatada a ocorrência de error in procedendo (...). Por força da regra do artigo 512, o julgamento proferido no recurso normalmente ocupa o lugar da decisão recorrida no processo; enquanto o julgamento prolatado no recurso passa a ser o pronunciamento com valor decisório, a decisão recorrida passa a ser mero documento de cunho histórico do processo. [Grifos no original].[12]
Nesse mesmo sentido, Teresa Arruda Alvim Wambier, verbis:
O efeito substitutivo, por sua vez, ocorre quando o julgamento do recurso passa a ocupar o lugar da decisão de que se recorreu, o que só tem lugar quando há decisão de mérito.
Observe-se que o efeito substitutivo ocorre tanto quando o julgamento seja de provimento (quando se tratar de vício de juízo, e não vício de atividade), quanto de improvimento. O efeito acontecerá exclusivamente no que pertine à parte conhecida do recurso. No mais, remanesce íntegra a decisão de que se recorreu.[13]
A substituição pode ser total ou parcial, conforme o mérito da decisão impugnada seja integralmente analisado ou não, respectivamente. Assim, o efeito substitutivo somente atingirá a parte da decisão recorrida que for examinada pelo órgão julgador superior ao prolator daquela.
Vejam-se arestos da jurisprudência do STJ sobre o tema, verbis:
RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 512 DO CPC. ERROR IN JUDICANDO. PEDIDO DE REFORMA DA DECISÃO. EFEITO SUBSTITUTIVO DOS RECURSOS. APLICAÇÃO. ERROR IN PROCEDENDO. ANULAÇÃO DO JULGADO. INAPLICABILIDADE DO EFEITO SUBSTITUTIVO. NECESSIDADE DE PROLAÇÃO DE NOVA DECISÃO.
1. O efeito substitutivo previsto no artigo 512 do CPC implica a prevalência da decisão proferida pelo órgão superior ao julgar recurso interposto contra o decisório da instância inferior. Somente um julgamento pode prevalecer no processo, e, por isso, o proferido pelo órgão ad quem sobrepuja-se, substituindo a decisão recorrida nos limites da impugnação.
2. Para que haja a substituição, é necessário que o recurso esteja fundado em error in judicando e tenha sido conhecido e julgado no mérito. Caso a decisão recorrida tenha apreciado de forma equivocada os fatos ou tenha realizado interpretação jurídica errada sobre a questão discutida, é necessária a sua reforma, havendo a substituição do julgado recorrido pela decisão do recurso.
3. Não se aplica o efeito substitutivo quando o recurso funda-se em error in procedendo, com vício na atividade judicante e desrespeito às regras processuais, pois, nesse caso, o julgado recorrido é anulado para que outro seja proferido na instância de origem. Em casos assim, a instância recursal não substitui, mas desconstitui a decisão acoimada de vício.
4. Recurso especial conhecido em parte e desprovido. [Grifos nossos].
(Resp 963220, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJE de 15.4.2011).
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. APELO QUE NÃO ATACA TODOS OS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE NEGA PROVIMENTO AO RECURSO. EFEITO SUBSTITUTIVO PARCIAL. MATÉRIA NÃO IMPUGNADA. PRECLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO EM SEDE DE AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO IMPROVIDO.
1. O julgamento proferido pelo órgão ad quem necessariamente substitui a decisão recorrida, nos limites da impugnação, ou seja, nos limites em que dela conheceu o tribunal.
2. Havendo substituição parcial, a sentença de primeiro grau e o acórdão reunir-se-ão para formar, em conjunto, a decisão final, de modo que cada um representará parcela do todo.
3. Ocorre preclusão quando questão veiculada na sentença não foi impugnada pela apelação.
4. Agravo regimental improvido. [Grifos nossos].
(AGRAGA 633231, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJE de 22.6.2009).
PRAZO. OPOSIÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM MATÉRIA PENAL. DOIS DIAS. CONTAGEM A PARTIR DA PUBLICAÇÃO DO DECISUM. EMBARGOS NÃO CONHECIDOS. [...] EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA REFORMADA EM SEDE DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. EFEITO SUBSTITUTIVO DOS RECURSOS. EVENTUAIS VÍCIOS DA PRONÚNCIA SANADOS QUANDO DO JULGAMENTO DO ESPECIAL. EMBARGOS REJEITADOS.
1. Havendo análise do mérito quando do julgamento de recurso penal, opera-se o efeito substitutivo, segundo o qual a decisão do órgão superior afasta do mundo jurídico as anteriores nos limites da matéria devolvida.
2. Na espécie, o acórdão que julgou o recurso especial e determinou a submissão dos réus ao tribunal do júri substituiu a decisão do juízo singular, de forma que não cabe suscitar vícios presentes na pronúncia, pois juridicamente tanto ela quanto a decisão da Corte Estadual foi substituída pelo acórdão do recurso especial.
3. Embargos do réu Jorge Dala não conhecidos e do réu João Lino conhecidos e rejeitados. [Grifos nossos].
(EDRESP 819956, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJE de 18.10.2010).
No processo administrativo, o efeito substitutivo tem, em alguns aspectos, conotação diferente do sentido que tem no processo civil. Até mesmo porque o Código de Processo Civil, para ser aplicado subsidiariamente ao processo administrativo, necessita que exista omissão normativa sobre o tema, e compatibilidade entre os regramentos.
A matéria que pode ser conhecida pelo órgão julgador do recurso interposto, em razão do efeito devolutivo, efeito também decorrente da interposição de recurso, diferencia-se no âmbito do processo civil e na seara administrativa. Enquanto no processo civil o efeito devolutivo significa que o órgão julgador ter-lhe-á devolvido apenas a matéria impugnada pelo recorrente, no processo administrativo ocorre a devolução de toda a matéria tratada no processo, independente de o recurso versar somente acerca de determinados aspectos.
No processo administrativo, o efeito devolutivo dos recursos permite ao órgão competente para julgá-los a apreciação de todo o objeto do processo, ainda que não tenha havido impugnação na peça recursal. Esse entendimento está na mesma linha das lições de José dos Santos Carvalho Filho, verbis:
Na fala dos processualistas, o recurso devolve (efeito devolutivo) ao órgão julgador toda a matéria suscitada no processo. No processo administrativo, a devolutividade é ainda mais extensa, porque alcança até mesmo aquelas matérias que, embora não suscitadas ou discutidas, devam ser verificadas de ofício pela autoridade administrativa.[14]
Diante disso, o efeito substitutivo na seara administrativa tem o sentido de que a nova decisão, a ser prolatada pelo órgão competente para julgamento do recurso, substituirá aquela que foi impugnada, independentemente da matéria que foi objeto da arguição do recorrente por ocasião do procedimento recursal.
Situação diversa será quanto ao efeito substitutivo que tem a decisão prolatada no âmbito do juízo de retratação, visto que, como já exposto em linhas anteriores, encontra limite na matéria impugnada. Assim, esse efeito de substituição, no juízo de retratação, terá consequência semelhante à ocorrente no Direito Processual Civil, em que a nova decisão substituirá a impugnada naquilo que tiver sido objeto de análise de mérito, desde que o exame, durante a reconsideração, tenha se limitado aos pontos abordados na peça recursal.
Todavia, em qualquer caso, a nova decisão, seja a prolatada em sede de juízo de retratação, seja a resultante do julgamento do recurso administrativo pela autoridade competente para esse ato, substituirá a decisão recorrida.
Assim, se em juízo de retratação, a autoridade competente que teve sua decisão impugnada, reconsiderá-la, a nova decisão substituirá a que foi objeto de recurso. Por sua vez, a decisão a ser prolatada pelo órgão hierarquicamente superior competente para julgar o recurso administrativo, ao conhecê-lo, substituirá a decisão recorrida, tenha ou não sido reconsiderada em juízo de retratação.
Da decisão proveniente de eventual juízo de retratação positivo, ou seja, aquele em que a autoridade reconsiderou sua decisão anterior, ou mesmo no caso de retratação parcial, deverá haver intimação do recorrente. E essa intimação serve tão-somente para dar conhecimento ao administrado dos atos processuais praticados, em razão do princípio da publicidade. Não tem o condão, portanto, de reabrir qualquer prazo recursal ao interessado, ou ainda, de permitir a complementação do seu recurso. Intimado o recorrente, deve o recurso administrativo ser encaminhado à autoridade superior competente para seu julgamento, se não tiver perdido o objeto em sede de juízo de retratação.
Entendimento contrário teria como consequência a perenização do julgamento da matéria, em vista da possibilidade de, sempre que for interposto um novo recurso, permitir um novo juízo de retratação e, para completar o ciclo,abrir mais um prazo para interposição de recurso.
Portanto, o efeito substitutivo no processo administrativo tem o significado de que a nova decisão substitui a anterior, sem ter como consequência a abertura de prazo para novo recurso ou para complementação daquele já interposto.
Do mesmo modo, não há necessidade de que o recorrente reitere as razões recursais após o juízo de retratação, se ainda persistir seu interesse no provimento do recurso.
E não há se aplicar, na seara administrativa, o Enunciado nº 418 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual “é inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”. É que o fundamento para o STJ editar esse enunciado não pode ser estendido para o procedimento recursal na esfera administrativa.
O substrato jurídico da referida súmula é que o recurso especial é um recurso excepcional, e somente é cabível em causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais e tribunais estaduais, ou do Distrito Federal e Territórios. Isso significa a imprescindibilidade de inexistir a possibilidade de interposição de qualquer outro recurso para que o recurso especial possa ser utilizado. Assim, interpostos embargos de declaração, a decisão de última instância será a que resultar da integração do seu julgamento com a decisão embargada. E, somente contra ela caberá a interposição do recurso especial.[15]
Vê-se, desse modo, que, embora se tenha dito em linhas anteriores haver similaridade entre o juízo de retratação, no processo administrativo, e os embargos de declaração, no processo civil, aquele instituto não é um recurso autônomo, diversamente da natureza dos embargos declaratórios. Por isso não há necessidade de ratificação, após o juízo de retratação, do recurso já interposto.
Além disso, no processo administrativo não existe uma gama de recursos aptos à impugnação de decisões, como ocorre no processo civil, razão pela qual não se justificaria impor condições ao conhecimento de recurso administrativo tal como ocorre para a admissibilidade de um recurso excepcional no processo civil.
Portanto, no procedimento recursal a ser seguido na seara administrativa, da mesma forma que o efeito substitutivo não tem como consequência a abertura de prazo para interposição de novo recurso, ou de aditamento daquele já interposto, não se entrevê qualquer razão para se exigir do administrado a ratificação, após o exercício do juízo de retratação, do recurso administrativo já interposto.
5 DESISTÊNCIA DO RECURSO ADMINISTRATIVO APÓS O JUÍZO DE RETRATAÇÃO
O interessado pode desistir do recurso administrativo interposto contra decisão que lhe é desfavorável, a qualquer tempo, desde que seja antes do início do seu julgamento. Chega-se a essa conclusão da leitura do art. 501 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo administrativo, em razão da omissão legislativa específica sobre desistência na esfera recursal. Confira-se o teor do citado dispositivo, verbis:
Art. 501. O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso.
Quando se diz “a qualquer tempo”, inclui-se o período de tempo desde a protocolização da peça recursal até o julgamento pela autoridade competente[16]. Portanto, se tiver havido juízo de retratação parcial ou negativo, em que ainda restem questões a serem examinadas no procedimento recursal, o interessado pode desistir do recurso, mas desde que seja antes do início do seu julgamento.
Por outro lado, no caso de juízo de retratação positivo, em que a autoridade a quo reconsiderou integralmente sua decisão, nos limites das questões impugnadas no recurso, este perderá seu objeto, hipótese em que não será mais possível a desistência.
A previsão normativa sobre desistência na Lei nº 9.784, de 1999 (LPA), embora não se refira especificamente à desistência de recursos, também se aplica a esse momento processual. Trata-se do art. 51, que assim preconiza, verbis:
Art. 51. O interessado poderá, mediante manifestação escrita, desistir total ou parcialmente do pedido formulado ou, ainda, renunciar a direitos disponíveis.
§ 1º Havendo vários interessados, a desistência ou renúncia atinge somente quem a tenha formulado.
§ 2º A desistência ou renúncia do interessado, conforme o caso, não prejudica o prosseguimento do processo, se a Administração considerar que o interesse público assim o exige.
Segundo esse dispositivo, a desistência do recurso pelo interessado não obsta o prosseguimento do processo, se persistir interesse público, a ser analisado pela Administração. É que no Direito Administrativo vigem os princípios da autotutela, da oficialidade e da supremacia do interesse público sobre o privado.
Nesse sentido, confiram-se os ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho, verbis:
Em consequência, essas figuras próprias do direito privado só podem interferir nos fins administrativos se não houver qualquer gravame sobre o interesse público. A razão é simples: os interesses privados não podem ter supremacia sobre o interesse público. A preponderância do interesse público espelha, na verdade, o axioma fundamental do regime de direito administrativo.
Daí a regra do art. 51, § 2º: a desistência e a renúncia não podem obstar ao prosseguimento do processo se a Administração considerar que assim o exige o interesse público. Como se observa, este não pode ficar à mercê do interesse privado de desistência do processo ou de renúncia ao direito que constitui objeto do feito. Estando presentes razões de interesse público, o processo continua a sua tramitação, independentemente do desejo que possa ter o interessado de vê-lo extinto.[17]
Portanto, a desistência do recurso é possível desde a sua interposição até o início do efetivo julgamento pelo órgão competente, embora seja permitido à Administração prosseguir o andamento do processo se o interesse público assim o exigir. Uma vez manifestada a desistência do recurso, cabe a autoridade competente para julgar o recurso (superior hierárquico da autoridade que proferiu a decisão recorrida), decidir se o processo deve ou não ser extinto.
6 CONCLUSÃO
Diante do exposto, pode-se concluir:
a) O juízo de retratação é a oportunidade conferida à autoridade julgadora de rever, parcial ou totalmente, sua decisão, seja por razões de mérito (conveniência e oportunidade), seja por razões de legalidade. Trata-se de uma das facetas do dever-poder de autotutela da Administração Pública, em que o órgão julgador percebe alguma inconsistência na decisão proferida, e se antecipa ao poder reformador exercitável em momento posterior pela autoridade superior;
b) No caso de juízo de retratação positivo, ou seja, quando o julgador reconsiderar inteiramente sua decisão, ele não poderá ultrapassar os limites da impugnação, isto é, ele está vinculado ao objeto do recurso. Isso porque o que é conferido à autoridade julgadora é reconsiderar sua decisão, por ocasião da interposição do recurso administrativo, motivo pelo qual não pode extrapolar o objeto da impugnação. Assim, ao retratar-se a autoridade em sua decisão, deve respeitar os limites horizontais (extensão) inerentes ao efeito regressivo do recurso;
c) Quando o juízo de retratação for positivo, e o recurso tiver todos os pontos impugnados atendidos, não haverá mais razão para o encaminhamento do recurso à autoridade competente para julgamento, uma vez que o recorrente já teria alcançado seus objetivos por meio da decisão proferida pela autoridade recorrida em sede de juízo de retratação. Nesses casos, pode-se dizer, inclusive, que haverá perda de objeto superveniente do recurso interposto;
d) Procedimento diverso ocorrerá na hipótese de juízo de retratação parcial, em que a autoridade recorrida reconsidera apenas parte da sua decisão, restando questões do recurso que ainda necessitem de apreciação da autoridade competente para julgamento, ou na hipótese do juízo de retratação negativo, em que não há reconsideração da decisão recorrida. Nessas situações, o recurso deverá ser encaminhado ao órgão hierárquico superior para julgamento;
e) Embora o juízo de retratação confira à autoridade julgadora da decisão recorrida a possibilidade de rever sua decisão, em função da autotutela administrativa, sua reconsideração encontra limite tanto no objeto do recurso como na impossibilidade de agravar a situação do recorrente nesse momento processual. Ou seja, não se vislumbra a possibilidade de a reformatio in pejus ocorrer ainda na esfera do juízo de retratação;
f) Não será reformatio in pejus, todavia, a retratação da autoridade prolatora da decisão objeto de recurso administrativo em processos em que há polarização de partes, ou seja, em que o órgão da Administração Pública atue como mediador ou julgador de litígio administrativo existente entre dois ou mais administrados. Quando a retratação da autoridade acarretar gravame à parte que não recorreu, em virtude de ocasionar situação melhor ao recorrente, não há que se falar em reformatio in pejus, uma vez que a piora da situação da parte que não interpôs recurso decorreu da interposição de recurso pela outra parte;
g) A autoridade recorrida poderá exercer o juízo de retratação até o efetivo encaminhamento ao órgão competente para julgamento do recurso. Após esse envio, apenas o órgão competente poderá modificar a decisão contra a qual fora interposto recurso, não podendo mais se falar em juízo de retratação;
h) Se houver retratação, parcial ou total, da autoridade recorrida, deve ser proferida uma nova decisão, que substituirá a prolatada anteriormente. Trata-se do efeito substitutivo do recurso, mas com significação diferente daquela cunhada no processo civil;
i) No processo administrativo, o efeito substitutivo tem, em alguns aspectos, conotação diferente do sentido que tem no processo civil. Até mesmo porque o Código de Processo Civil, para ser aplicado subsidiariamente ao processo administrativo, necessita que exista omissão normativa sobre o tema, e compatibilidade entre os regramentos;
j) O efeito substitutivo na seara administrativa tem o sentido de que a nova decisão, a ser prolatada pelo órgão competente para julgamento do recurso, substituirá aquela que foi impugnada, independentemente da matéria que foi objeto da arguição do recorrente por ocasião do procedimento recursal;
k) Situação diversa será quanto ao efeito substitutivo que tem a decisão prolatada no âmbito do juízo de retratação, visto que, como já exposto em linhas anteriores, encontra limite na matéria impugnada. Assim, esse efeito de substituição, no juízo de retratação, terá consequência semelhante à ocorrente no Direito Processual Civil, em que a nova decisão substituirá a impugnada naquilo que tiver sido objeto de análise de mérito, desde que o exame, durante a reconsideração, tenha se limitado aos pontos abordados na peça recursal;
l) Da decisão proveniente de eventual juízo de retratação positivo, ou seja, aquele em que a autoridade reconsiderou sua decisão anterior, ou mesmo no caso de retratação parcial, deverá haver intimação do recorrente. E essa intimação serve tão-somente para dar conhecimento ao administrado dos atos processuais praticados, em razão do princípio da publicidade. Não tem o condão, portanto, de reabrir qualquer prazo recursal ao interessado, ou ainda, de permitir a complementação do seu recurso. Intimado o recorrente, deve o recurso administrativo ser encaminhado à autoridade superior competente para seu julgamento, se não tiver perdido o objeto em sede de juízo de retratação;
m) Do mesmo modo, não há necessidade de que o recorrente reitere as razões recursais após o juízo de retratação, se ainda persistir seu interesse no provimento do recurso;
n) A desistência do recurso é possível desde a sua interposição até o início do efetivo julgamento pelo órgão competente, embora seja permitido à Administração prosseguir o andamento do processo se o interesse público assim o exigir. Uma vez manifestada a desistência do recurso, cabe a autoridade competente para julgar o recurso (superior hierárquico da autoridade que proferiu a decisão recorrida), decidir se o processo deve ou não ser extinto.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Fabiano. Pedido de Reconsideração e Juízo de Retratação. In Revista de Processo. Out/2012, Vol. 212
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25 ed., rev., ampl. e atualizada. São Paulo: Atlas, 2012.
____________. Processo Administrativo Federal. 5ª ed. rev., ampl. e atual. até 31.03.2013, São Paulo: Atlas.
DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3, 10ª ed. Salvador: Editora Jus PODIVM, 2012.
GUEDES, Murilo Carrara. Linhas gerais sobre os principais efeitos dos recursos no sistema processual civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3526, 25 fev. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23811/linhas-gerais-sobre-os-principais-efeitos-dos-recursos-no-sistema-processual-civil-brasileiro>. Acesso em: 18 fev. 2014.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 19. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1994.
SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória. 4. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. 2. ed., reform. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25 ed., rev., ampl. e atualizada. São Paulo: Atlas, 2012, p. 158.
[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 19. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 566.
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Obra citada, p. 185.
[4] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3, 10ª ed. Salvador: Editora Jus PODIVM, 2012, p. 83.
[5] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil: processo de conhecimento, v. 01. 5ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 413, citado por GUEDES, Murilo Carrara. Linhas gerais sobre os principais efeitos dos recursos no sistema processual civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3526, 25 fev. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23811/linhas-gerais-sobre-os-principais-efeitos-dos-recursos-no-sistema-processual-civil-brasileiro>. Acesso em: 18 fev. 2014.
[6] SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória. 4. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 16-17.
[7] SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória. 4. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 17.
[8] GUEDES, Murilo Carrara. Linhas gerais sobre os principais efeitos dos recursos no sistema processual civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3526, 25 fev. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23811/linhas-gerais-sobre-os-principais-efeitos-dos-recursos-no-sistema-processual-civil-brasileiro>. Acesso em: 18 fev. 2014.
[9] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal. 5ª ed. rev., ampl. e atual. até 31.03.2013, São Paulo: Atlas, pp. 297-298.
[10] Teresa ARRUDA ALVIM WAMBIER, Os agravos no CPC brasileiro. São Paulo: Ed. RT, 2005, n. 8.2, pp. 416-417, citado por CARVALHO, Fabiano. Pedido de Reconsideração e Juízo de Retratação. In Revista de Processo. Out/2012, Vol. 212, p. 421.
[11] Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO RESCISÓRIA. PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. ART. 485, INCISO V, IX DO CPC. ACÓRDÃO DO STJ QUE NÃO APRECIA MÉRITO DA DEMANDA, APENAS A ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. INCOMPETÊNCIA DO STJ. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. ARQUIVAMENTO DOS AUTOS. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar tão somente as ações rescisórias de seus próprios julgados, não sendo esta a hipótese em apreço. 2. Os recursos, quando não conhecidos, deixam de produzir o efeito substitutivo, de modo que o decisum apropriado a ser rescindido é aquele proferido pelo órgão da instância inferior. 3. No presente caso, ainda que a ementa do acórdão tido por rescindendo, tenha abrangido a tese relativa à GDAFA, negou seguimento ao recurso especial sob o óbice da Súmula 211/STJ, razão pela qual não se mostra acórdão de mérito. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ. AGRAR 4295, Rel. Des. Convocado do TJ/SP Celso Limongi, Terceira Seção, DJE de 3.9.2009).
[12] SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória. 4. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 17-18. Nessa mesma linha, confiram-se também as lições de Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha: “Julgamento substitutivo é o que, acolhendo ou não error in iudicando, ou não acolhendo error in procedendo, opera a substituição da decisão recorrida pela decisão que julgou o recurso, exatamente porque não podem ‘subsistir duas decisões com o mesmo objeto’. Só se pode falar de julgamento substitutivo se o recurso for conhecido. É o que afirma o art. 512 do CPC: ‘O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida’. Eventual ação rescisória deve dirigir-se contra a última decisão (a que substituiu por último).” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3, 10ª ed. Salvador: Editora Jus PODIVM, 2012, p. 83).
[13] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. 2. ed., reform. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, pp. 345-346.
[14] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal. 5ª ed. rev., ampl. e atual. até 31.03.2013, São Paulo: Atlas, pp. 316-317.
[15] Cf. Resp 776.265/SC, Rel. p/ acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 18.4.2007.
[16] Nesse sentido, Bernardo Pimentel Souza: “Por força do artigo 501, a desistência expressa pode ser formulada a ‘qualquer tempo’ após a interposição do recurso, desde que antes do respectivo julgamento.” (Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória. 4. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 57). E, ainda, Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha: “O recurso é uma demanda e, nessa qualidade, pode ser revogada pelo recorrente. A revogação chama-se desistência. A desistência do recurso pode ser parcial ou total, e pode ocorrer até o início do julgamento”. (Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3, 10ª ed. Salvador: Editora Jus PODIVM, 2012, p. 36).
[17] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal. 5ª ed. rev., ampl. e atual. até 31.03.2013, São Paulo: Atlas, p. 257.
Procurador Federal em Brasília/DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINTO, Leandro de Carvalho. Juízo de retratação no processo administrativo federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 mar 2014, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38816/juizo-de-retratacao-no-processo-administrativo-federal. Acesso em: 22 nov 2024.
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