O presente artigo visa analisar brevemente o ônus da prova quando da negativa de vínculo pelo suposto empregador.
A legislação trabalhista visa tutelar o trabalhador e impor condições mínimas para o exercício da profissão com dignidade.
Neste contexto, além de outros princípios protetivos de relevo, dois são ressaltados para presumir a configuração de uma relação de trabalho, quais sejam, princípios da continuidade e da primazia da realidade.
Assim, qualquer pessoa que se ache o direito de litigar contra determinada pessoa (física) ou empresa (jurídica) poderá ajuizar uma reclamação trabalhista a fim de ver seus direitos resguardados, dentre outros, o reconhecimento judicial de vínculo trabalhista e o pagamento das respectivas verbas salariais e rescisórias.
Não obstante, via de regra, a parte reclamada poderá arguir ilegitimidade passiva para figurar no polo passivo da demanda, sob o argumento de que o(a) autor(a) jamais foi empregado(a) ou teve vínculo trabalhista. No mérito, o fundamento da defesa é no sentido de pugnar pela inversão do ônus da prova para que parte autora comprove o alegado já que se postula o reconhecimento de vínculo trabalhista pela via judicial e contestado pela defesa.
Na análise das provas, entendemos que o melhor critério a ser utilizado quando da negativa de vínculo empregatício é a observância das regras de distribuição do ônus da prova.
Neste aspecto, vale ressaltar a posição do doutrinador e Juiz do Trabalho do TRT da 5ª Região, José Cairo Júnior (Ed. JusPodivm, 4ª edição, 2011, p. 55) em seu Curso de Direito Processual do Trabalho o seguinte:
Os privilégios processuais atribuídos ao empregado não decorrem da aplicação do in dubio pro misero no processo laboral. O juiz do trabalho deve conduzir o processo e proferir a sua decisão com base na sua persuasão racional, tratando as partes com igualdade (princípio da igualdade). Na dúvida quanto à prova produzida, deve ser verificado, em cada caso concreto, a qual parte cabe o onus probandi. Assim, não há que se falar em prova dividida. Os meios de prova formam ou não o convencimento do magistrado. Se o convencimento é incompleto, não se aplica o princípio do in dubio pro operário, mas sim as regras da distribuição do ônus da prova.
Nesse sentido é a decisão a seguir transcrita:
"PROVA DIVIDIDA. HORAS EXTRAS. ÔNUS DA PROVA. A regra da distribuição do ônus da prova, nos termos do artigo 333 do CPC, é a de que cabe ao autor a prova do fato constitutivo de seu direito, e ao réu, o da existência do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Ademais, a teor do art. 818 da CLT, a prova das alegações incumbe à parte que as fizer. Em tal contexto, o princípio in dubio pro misero não pode ser aplicado no presente caso, pois, ao alegar a invalidade dos registros de ponto, porque não era permitido o registro da real jornada laborada, o reclamante efetivamente atraiu para si o ônus de provar tal alegação, do qual não se desincumbiu, já que a prova testemunhal por ele apresentada foi contraditória com a que foi produzida pelo reclamado. Recurso de revista conhecido e não provido"
Assim, cabe à parte autora demonstrar os requisitos caracterizadores de emprego, senão vejamos o art. 3° da CLT que é taxativo ao expor o seguinte, in verbis:
Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Para esclarecer o artigo citado, embora imperativo, a Ilustre Alice Monteiro de Barros (Ed. LTr, 3ª edição, 2007, p. 256) expõe com clareza e sapiência o seguinte:
Empregado pode ser conceituado como a pessoa física que presta serviços de natureza não-eventual a empregador mediante salário e subordinação jurídica. Esse serviços podem ser de natureza técnica, intelectual ou manual, integrantes das mais diversas categorias profissionais ou diferenciadas.
Daí se extraem os pressupostos do conceito de empregado, os quais poderão ser alinhado em: pessoalidade, não-eventualidade, salário e subordinação jurídica (art. 3° da CLT). Esses pressupostos deverão coexistir. Na falta de um deles a relação de trabalho não será regida pela disciplina em estudo. (grifos não originais)
Dessa forma, na falta de um dos pressupostos da relação empregatícia estará descaracterizada o vínculo empregatício, devendo ser sopesado a distribuição do ônus da prova.
Não obstante, o princípio da continuidade da relação de emprego norteia no sentido de que, via de regra, o contrato de trabalho é celebrado por prazo indeterminado. Ou seja, os contratos de trabalho por prazo determinado são admitidos de forma excepcional. Neste sentido, o art. 443 da CLT expõe o seguinte:
Art. 443 - O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado.
§ 1º - Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada.
§ 2º - O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando:
a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo;
b) de atividades empresariais de caráter transitório;
c) de contrato de experiência.
Logo, na ausência de assinatura na Carteira de Trabalho ou de Contrato de Trabalho, servirão como meios de prova do vínculo empregatício o livro de registro de empregados e outras provas documentais, testemunhais, periciais ou a confissão do reclamado (BARROS, p.255).
Segundo o entendimento jurisprudencial por meio do enunciado da súmula n. 212 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, o ônus de provar o término do contrato de trabalho é do empregador, aludindo expressamente ao princípio da continuidade da relação de emprego, senão vejamos:
TST, Súmula nº 212.
O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.
Assim, poder-se-ia entender que a orientação do C. TST seria de que o ônus de provar a inexistência de vínculo empregatício seria do empregador, com base no princípio da continuidade da relação empregatícia. Ocorre que, quando contestada a ação, o suposto empregador fica em situação difícil, pois constituiria no ônus da prova negativo, a não ser que houvesse, ao menos, alguma prestação de serviços ainda que de forma eventual. Entretanto, entendemos que a presunção do princípio protetivo não deve ser aplicada em caso de negativa de vínculo, pois o enunciado da súmula esclarece que o ônus de provar o “término do contrato de trabalho” e não o início, ou seja, não pode haver uma interpretação extensiva da súmula que expõe sobre a obrigação de provar o término de uma relação de trabalho, por exemplos, dispensa sem justa causa, com justa causa, término do contrato de trabalho por prazo determinado, rescisão antecipada de contrato, etc.
Dessa forma, conforme citado acima através da doutrina de José Cairo Júnior, para a formação do convencimento do magistrado deve ser aplicado as regras da distribuição do ônus da prova e não o princípio do in dubio pro operário.
Sendo assim, aplicam-se os artigos 818 da Consolidação das Leis do Trabalho e 333, I, do Código de Processo Civil, in verbis:
CLT. Art. 818.
A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.
CPC. Art. 333, I.
O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Ademais, não é outro entendimento da doutrina (BARROS, p. 255), senão vejamos:
Aplica-se o Direito do Trabalho à atividade humana, em geral. Se o reclamado (réu) nega que o reclamante (autor) lhe tenha prestado serviços, compete a este último o ônus da prova do fato constitutivo de seu direito (art. 818 da CLT).
Portanto, a conclusão a que se chega, é a de que nos casos em que se postula um vínculo empregatício contra uma pessoa física ou jurídica e esta nega o vínculo, o ônus da prova recai sobre quem alega, de modo que cabe a parte autora provar os requisitos elencados no art. 3º consolidado com base nas regras da distribuição do ônus da prova. Por outro lado, uma vez existente uma relação empregatícia, constitui ônus do reclamado de provar a forma ou modalidade de dispensa do empregado.
REFERÊNCIAS
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo : LTr, 2007.
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 27 de março de 2014.
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 27 de março de 2014.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n° 212. Disponível em: http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_201_250.html#SUM-212. Acesso em: 27 de março de 2014.
JÚNIOR, José Cairo. Curso de Direito Processual do Trabalho. Editora JusPodivm, 4ª edição, 2011.
Advogado militante na área de direito empresarial desde 2010. Possui graduação em Direito (2010) pela Faculdade Boa Viagem. É pós-graduado em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Previdenciário pela Universidade Cândido Mendes/RJ (UCAM/RJ) e Pós-graduando (2016) em Direito Processual Civil (com foco no novo CPC) pela Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do Vale do São Francisco (FACESF). Desde 2014 atua como advogado do Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito da Faculdade Marista do Recife (UBEC). É membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/PE (2016). Foi aprovado no Exame de Ordem Unificado 2010.1 realizado pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (CESPE).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHUNG, Rodrigo Silveira. Inversão do ônus da prova diante a negativa de vínculo sob a ótica da Súmula 212 do C. TST Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 abr 2014, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38885/inversao-do-onus-da-prova-diante-a-negativa-de-vinculo-sob-a-otica-da-sumula-212-do-c-tst. Acesso em: 22 nov 2024.
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