RESUMO: O presente artigo tem como objetivo esmiuçar questões relacionadas à problemática envolvendo a aplicação do regime jurídico único aos empregados dos Conselhos Profissionais Federais e Regionais e possíveis soluções.
Palavras-chave: conselhos profissionais; regime jurídico; profissões regulamentadas; regime estatutário; regime celetista.
INTRODUÇÃO
Atualmente, os conselhos profissionais, que orientam e fiscalizam profissões regulamentadas, apesar de possuírem o Regime Jurídico Único como regime obrigatório desde o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 2135/DF, pelo Supremo, em 02 de agosto de 2007[1]1, não tem adotado um modelo definido em suas contratações. Nessas autarquias, encontram-se funcionários trabalhando tanto sob o regime celetista quanto sob o Regime Jurídico Único (RJU). [2]2
A ausência de homogeneidade no processo de contratação dessas autarquias vem causando grande insegurança jurídica e inconvenientes para os conselhos e seus funcionários. Isto posto, há a urgência em disciplinar esta matéria com o intuito de facilitar o funcionamento e a organização desses institutos.
DESENVOLVIMENTO
1. Panorama Histórico
Até a promulgação da Constituição de 1988 (CF/88), sob o amparo tanto da Constituição de 1946 como da Constituição de 1967, o regime jurídico permitido na contratação de servidores dos conselhos profissionais poderia ser tanto o celetista quanto o estatutário, nos termos do Decreto-lei 968/69.[3]3
A Constituição Cidadã, promulgada em 1988, ao redigir amplo capítulo tratando da Administração Pública[4]4 e conferindo personalidade jurídica de direito público às autarquias – inclusive corporativas – firmou entendimento referente à natureza jurídica dos conselhos profissionais. Contudo, o advento da Constituição de 1988 não acarretou a mudança imediata do regime jurídico dos servidores que estavam vinculados à Administração Pública à data da promulgação da nova Constituição. Isto, pois, o artigo 39[5]5, que tratava do novo regime aplicável aos funcionários públicos, era norma de eficácia limitada, carecendo de uma lei que o regulamentasse. Esta lei surgiu em 11 de dezembro de 1990 - Lei 8112/90 – estabelecendo o RJU para os servidores da administração pública direta, autárquica e fundacional. Dessa forma, os funcionários das autarquias federais, teoricamente, passaram do regime celetista para o estatutário, afastando-se a possibilidade de contratação destes servidores pelo regime privado.[6]6
O impasse está justamente na incongruência entre o artigo 243 da Lei 8112/90 e o disposto no artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)[7]7. Porquanto a lei que disciplina o regime jurídico único tenha pretendido transformar o regime de todos os funcionários antes celetistas em estatutário, a própria Constituição aponta um óbice a este entendimento. Dado que a CF estabelece o concurso público como requisito para efetivação no serviço público, não há que se falar em mudança automática de regime para os funcionários que não foram admitidos desta forma. Para estes, conforme preceitua o artigo 19 da ADCT, foi conferida estabilidade excepcional com a nova Constituição. Importante frisar a distinção entre a efetividade e a estabilidade, sendo o primeiro, atributo conferido apenas quando da aprovação em concurso público, enquanto o segundo foi conferido de forma excepcional, com a promulgação da Constituição de 1988, para os empregados em exercício no serviço público da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, fundações e autarquias “(...)há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição(...)”[8]8. Nesse sentido:
(…) A estabilidade é uma garantia do servidor, que, ao adquiri-la, não pode ser desinvestido do cargo ou emprego que ocupa, salvo no caso de cometimento de infração disciplinar que justifique a aplicação de pena de demissão. A efetividade, todavia, é um atributo do cargo, e cargo é um posto a ser ocupado na Administração Pública, com funções e padrão remuneratório específicos. No caso do cargo em provimento efetivo, há necessidade de concurso público para ingresso. (…) Assim, como estabilidade e efetividade não se confundem, e tendo em vista a redação do art. 19 ADCT, é evidente que os servidores celetistas que estavam no serviço público havia cinco anos ou mais à data da promulgação da Constituição de 1988 foram apenas estabilizados excepcionalmente. Para adquirirem efetividade (ou seja, para se tornarem servidores estatutários) deveriam prestar concurso público, na forma da lei. [9]9
O imbróglio surge quando, com base no art. 243 da Lei 8112/90 – materialmente inconstitucional -, houve a transposição indiscriminada dos servidores públicos celetistas ao regime estatutário. Assim, ainda que em total descompasso com a Constituição, a mudança de regime foi concretizada e o art. 243 permaneceu, até os dias atuais, sem qualquer questionamento quanto a sua constitucionalidade perante o Supremo Tribunal.
De toda forma, ainda que a referida lei venha a ser declarada inconstitucional, deve-se, em consideração ao princípio da segurança jurídica, atentar-se às situações consolidadas durante esses mais de 20 anos de aplicação do referido artigo. Este é o entendimento que vem sendo aplicado pelo Supremo em situações similares, em que está sendo utilizada a técnica da modulação de efeitos, preservando-se as situações passadas.
A Lei 9649/98 procurou extinguir a submissão dos conselhos profissionais ao regime estatutário quando dispôs que eles não mais seriam autarquias corporativas e estabeleceu sua natureza jurídica de direito privado. De acordo com esta lei, os conselhos profissionais, passariam a exercer suas atividades de fiscalização em caráter privado por delegação do Poder Público e romperiam com o vínculo funcional em relação à Administração Pública. Por conseguinte, os empregados das antigas autarquias corporativas passariam a submeter-se ao regime celetista. No entanto, o que se percebe é que o regime válido continuou a ser o estatutário, tendo em vista, o RJU já haver sido, prévia e validamente, estabelecido pela Lei 8112/90.
A Lei 9649/98 teve sua inconstitucionalidade decretada pela ADI n. 1717/DF[10]10, de 07 de novembro de 2002. Entretanto, o exame do § 3º do artigo 58[11]11 restou prejudicado haja vista a superveniência da EC 19/98, que, transformando a redação original do caput do artigo 39 da CF/88[12]12, possibilitou às autarquias a contratação em regime estatutário ou celetista.
A Emenda Constitucional n°19 (EC/19), de 4 de junho de 1998, modificou profundamente o artigo 39 da Constituição de 1988, extinguindo o regime jurídico único e restabelecendo a faculdade da adoção do regime celetista para a Administração Pública.
Com o amparo desse texto, foi promulgada a Lei nº 9.962/00, que disciplina 'o regime de emprego público do pessoal da Administração federal direta, autárquica e fundacional, e dá outras providências'. Dessa forma, abriu-se a possibilidade para a admissão, na Administração Direta, nas autarquias e nas fundações de Direito Público federais, de “servidores” celetistas, ou empregados públicos.
Somente com o julgamento da ADI n. 2135/DF, que declarou a inconstitucionalidade formal da EC/19, houve a repristinação da redação originária do art. 39, caput, da Constituição Federal, restabelecendo a obrigatoriedade da contratação dos servidores pelo RJU. De toda forma, a decisão reconheceu a produção de efeitos "ex-nunc", resguardando as situações consolidadas na vigência da EC 19/98.
2. Natureza Jurídica
Os conselhos de fiscalização profissional detêm personalidade jurídica de direito público pois realizam tarefa típica de Estado, sendo detentoras de prerrogativas como o poder de polícia, de tributar e de punir. São autarquias corporativas, com exceção da OAB[13]13, e gozam de autonomia administrativa e financeira. Em razão da natureza das suas atividades e da supremacia do interesse público sobre o privado, o regime jurídico aplicável a contratação de seus empregados é o regime constante da Lei n. 8112/90.
Segundo Lucas Rocha Furtado:
A particularidade dessas entidades consiste no fato de que são criadas por lei, desempenham atividade típica de Estado, correspondente ao poder de fiscalizar o exercício de atividades profissionais, gozam de prerrogativas típicas das entidades de Direito Público (tais como imunidade tributária relativa a seus bens, rendas e serviços e possibilidade de cobrança de seus créditos por meio de execução fiscal), sem que, todavia, estejam vinculadas ou subordinadas direta ou indiretamente a qualquer entidade política.[14]14
As autarquias, assim como as fundações públicas, são criadas por meio de descentralização administrativa quando há a necessidade da Administração Pública delegar atividades típicas do Estado, que não podem ser repassadas a pessoas jurídicas de direito privado. Importante frisar que a delegação dessas funções fica restrita apenas quanto a certas atividades características do Poder Público, permanecendo, portanto, uma zona de intersecção entre as atividades exercidas pelo Estado e pelos particulares.
Entre as atividades exclusivas ao âmbito da Administração Pública estão aquelas em que é exercido poder de polícia. Estas atividades compreendem intervenções que restrinjam, condicionem ou limitem direitos com a finalidade de assegurar o interesse da coletividade. Nesse sentido é a definição de polícia administrativa pelo Código Tributário Nacional (CTN):
Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.[15]15
Dessa forma, resta claro que os conselhos profissionais, ao exercerem atividade de polícia, mediante outorga da Administração Pública, são irrefutavelmente autarquias. Tais entidades, ao efetuarem o controle da atividade profissional, exercem, por exemplo, regulação sobre quais profissionais estão aptos a exercer determinadas profissões, assim como, detêm poder fiscalizatório sobre os indivíduos que atuem na profissão regulada.
Tendo em vista se tratar de atividade que esbarra na esfera privada da liberdade dos indivíduos, havendo efetiva limitação ao exercício de direito fundamental - livre exercício profissional – tal atividade deve firmar-se em preceitos constitucionais (restrição imediata) ou em lei ordinária que retire seu fundamento próximo da Constituição (restrição mediata)[16]16. Portanto, todas as restrições legais que venham a limitar direitos devem retirar seu fundamento de autorização constitucional expressa, observando, pois, o princípio da legalidade – ínsito à Administração Pública.
Nesse sentido, o poder de polícia exercido sobre as atividades profissionais encontram seu fundamento primeiro na disposição do artigo 21 da Constituição de 1988, que estabelece em seu inciso XXIV uma das competências privativas – indelegáveis - da União:
Art. 21. Compete à União:
(…)
XXIV – organizar, manter e executar a inspeção do trabalho;
(…). [17]17
Dado que o poder de polícia é atividade típica de Estado, traduzida na forma de atos administrativos, e portanto dotada de imperatividade e coercitividade, há a impossibilidade de delegação de tais atividades a particulares. Assim preceitua Lucas Rocha Furtado:
Em sociedades democráticas, ressalvadas situações excepcionais – de legítima defesa ou de estado de necessidade – somente ao Estado é dado usar da violência para impor aos particulares o cumprimento de suas obrigações. Daí ser inquestionável a vedação de delegação a particulares do poder de polícia, posto que a outorga desta potestade poderia legitimar o uso da violência por parte de particular contra particular, o que fere a noção básica do princípio da dignidade humana.[18]18
Por todo o exposto:
(…) os conselhos de fiscalização profissional eram, são e necessariamente continuarão a ser, enquanto vigente a atual ordem constitucional, autarquias corporativas, uma vez que exercem por outorga atividade típica e indelegável do Estado na área de polícia administrativa. Norma infraconstitucional não pode alterar esta situação (…)[19]19
3. Problemáticas e Possíveis Soluções
Haja vista o panorama geral do percurso transcorrido pelos Conselhos de Fiscalização Profissional, exposto nos itens anteriores, é primordial a análise da situação dos funcionários públicos em cada um dos marcos analisados[20]20. Em todo caso, deve-se sempre atentar à proteção das situações já consolidadas, com vistas à assegurar a preservação do princípio da segurança jurídica.
Destarte, interessa-nos analisar a situação dos servidores dos Conselhos Profissionais que neles ingressaram após a Constituição de 1988 mas antes da implantação da Lei 8112/90 que regulamentou a aplicação do Regime Jurídico Único.
Em razão do artigo 39 da CF de 1988 ser uma norma de eficácia limitada, afirmação analisada em circunstância anterior, não há que se falar na sua imediata aplicação. Sendo assim, no ínterim entre a promulgação da Constituição e o advento da Lei que regulamentou a aplicação do referido artigo, o regime permaneceu sendo o da CLT.
De toda forma, é importante notar que a exigência de concurso público é válida desde a promulgação da Constituição de 1988, com base no artigo 37, II, da CF[21]21. Portanto, ainda que o regime aplicável aos funcionários admitidos nesse intervalo seja o celetista, a sua admissão restou condicionada à aprovação em concurso público. Assim, a contratação de funcionários com a inobservância desse requisito gerou uma situação de constituição de empregos públicos de maneira irregular.
A situação dos funcionários que ingressaram nos Conselhos Profissionais após a Lei 8112/90 é diversa. Isto, pois, tendo esta lei regulado a aplicação do RJU para os servidores públicos civis da União, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas federais[22]22, definiu o regime dos novos servidores que viessem a ingressar nos Conselhos Profissionais a partir de então, que passou a ser, obrigatoriamente, o regime estatutário.
Dessa forma, e sem olvidar-se da necessidade de aprovação em concurso público, todos os servidores que ingressaram nestes Conselhos passaram a moldar-se pelo regime estatutário. O ingresso de servidores de maneira diversa à estabelecida constitucionalmente – concurso público – é irregular e ilícito, não havendo que se falar da submissão destes funcionários ao regime estatutário. São, para todos os efeitos, celetistas que integraram o serviço público de forma irregular.
Em relação aos servidores admitidos após o advento da Lei 9649/98, que abriu a possibilidade da adoção do regime celetista para os novos servidores que ingressassem nos Conselhos Profissionais, a situação é diversa. Isto, pois, mesmo com o advento dessa nova Lei, a Constituição, em seu artigo 39, e a Lei 8112/90, já haviam, validamente, estabelecido e regulado a obrigatoriedade da adoção de um regime jurídico único. Assim, mesmo com a promulgação da Lei 9649/98, o regime que deveria ser aplicado aos servidores dos conselhos após a Lei 8112/90 permaneceu sendo o regime estatutário.
Com o advento da EC/19, em 4 de junho de 1998, e da Lei 9962/00, de 22 de fevereiro de 2000, que dispôs sobre o regime de emprego público dos funcionários da Administração Federal direta, autárquica e fundacional, voltou a ser adotado, em princípio, o regime celetista nos Conselhos Profissionais.
De toda forma, deve-se atentar para a situação dos funcionários que foram admitidos após a promulgação da Lei 9962/00 e antes do julgamento da ADI 2135. Isto, pois, até que o julgamento de mérito dessa ação seja definido e o Supremo delibere acerca dos efeitos da referida lei até a sua suspensão, sua situação continua indefinida.
Por fim, com o julgamento da ADI 2135, em 2 de agosto de 2007, foi declarada a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 19, restabelecendo a redação original do artigo 39 e, por conseguinte, a obrigatoriedade da adoção do RJU para os Conselhos Profissionais, resguardadas as situações já consolidadas.
Isto posto, partiremos agora para a exposição e análise de alguns problemas no âmbito dos Conselhos Profissionais, assim como a busca por possíveis soluções.
O primeiro impasse surge quanto à necessidade constitucional de criação de leis de iniciativa privativa do Presidente da República para a formação de cargos públicos no âmbito dos conselhos profissionais (art. 61, § 1º, II, 'a' da CF/88) bem como a fixação dos subsídios e da remuneração por lei.
De acordo com o §1º , inciso II, alínea "a" do artigo 61 da Constituição Federal são de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração. Dessa forma, a ausência de lei específica criando os respectivos cargos de servidores dos Conselhos Profissionais impede o efetivo exercício de direitos garantidos constitucionalmente.
A omissão legislativa na criação de quadros de servidores efetivos para os conselhos profissionais enseja o emprego de mecanismos jurídicos capazes de assegurar o real cumprimento da legislação ou a eventual responsabilização dos gestores encarregados. Nesse sentido, o mandado de injunção se coloca como uma ferramenta de controle abstrato de constitucionalidade com o objetivo de sanar a mora legislativa que fira direitos assegurados constitucionalmente – quando a falta da norma garantida pela Constituição acarretar a inefetividade de direitos, prerrogativas e liberdades constitucionais.
Buscando resguardar o princípio da legalidade sem olvidar-se do princípio da continuação do serviço público, o legislador pode, na sentença, optar por modular os efeitos do mandado de injunção, garantindo que haja um tempo hábil à formação e estabelecimento de novos cargos e servidores.
Outrossim, nos deparamos com outros conflitos como a necessidade de normas para regulamentar a situação dos atuais empregados do conselho que ingressaram mediante aprovação em concurso público. Isto pois, uma vez implementada a vinculação apenas dos novos servidores ao regime estatutário, haveriam servidores regidos pela Lei nº 8.112/90 e empregados regidos pela CLT, aprovados em concursos públicos anteriores.
Em princípio, os empregados públicos aprovados em concursos públicos anteriores podem fazer a passagem do regime celetista para o regime estatutário. Nesse sentido são as seguintes jurisprudências:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL DE PEDRO CANÁRIO Nº 008/2008. REGIME JURÍDICO PRÓPRIO DOS SERVIDORES MUNICIPAIS. REGULAMENTAÇÃO. TRANSFORMAÇÃO DE EMPREGO PÚBLICO EM CARGO PÚBLICO. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. [...].
1. [...].
2. Não é inconstitucional, desde que interpretado conforme a Constituição Estadual, o artigo 264, caput, da Lei Complementar nº 008/2008 do Município de Pedro Canário, que prevê a transformação de emprego público em cargo público, se o servidor municipal celetista optar pelo regime estatutário.
3. É constitucional a transformação de emprego público em cargo público, se os ocupantes dos empregos públicos forem: (a) servidores municipais celetistas que, em 5.10.1988, contavam com, no mínimo, cinco anos ininterruptos de serviço público; e (b) servidores municipais celetistas que ingressaram no serviço público mediante concurso público. Precedentes do STF.
4. Outras interpretações são inconstitucionais e ficam afastadas.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE INTERPRETAÇÃO
CONFORME A CONSTITUIÇÃO TRANSFORMAÇÃO DOS EMPREGOS PÚBLICOS
EM CARGOS PÚBLICOS LEI MUNICIPAL N. 8.277/02 POSSIBILIDADE [...].
Vistos, relatados e discutidos os autos acima identificados, ACORDAM, os Exmos.
Desembargadores que integram o Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, por unanimidade, dar interpretação conforme a Constituição para dizer que a transformação dos empregos públicos em cargos públicos determinado [sic] pela Lei Municipal n. 8.277/02 somente é possível em no caso de servidor efetivado por meio de concurso público, sem possibilidade de provimento de forma derivada ao cargo público; e a possibilidade de migração dos empregados públicos efetivos da autarquia especial criada do regime celetistas [sic] para o estatutário municipal é opção que se enquadra na linha de constitucionalidade desde aplicável os princípios do concurso público (artigo 34, § 1º da Constituição do Estado do Pará) e da reserva legal (artigo 44, VIII da Lei Orgânica do Município de Belém); e conhecer da Ação Direta de Inconstitucionalidade e julgá-la improcedente, na conformidade do Relatório e Voto, que passam a integrar o presente Acórdão, e das Notas Taquigráficas arquivadas.
De toda forma, atentando ao princípio da segurança jurídica, o legislador pode optar por instituir um regime de transição para servidores que possuam uma expectativa de se aposentarem pelo Regime Geral da Previdência Social em um tempo próximo.
Esse regime de transição poderá se dar pela formação de quadros de empregos públicos em extinção ao se admitir que funcionários dentro de certos requisitos possam optar pela permanência no regime celetista, mantendo-se ligado ao RGPS. Em todo caso, não é possível a instauração de regimes mistos, ou seja, a admissão de um regime jurídico com um vínculo de segurado relativo a regime diverso.
Independente de submissão ao regime estatutário ou celetista, a indispensabilidade da aprovação por concurso público permanece. A promulgação da Constituição de 1988, trouxe em seu artigo 37, II, a imposição do concurso público para o ingresso na Administração Pública, e tal requisito prevaleceu por todo esse período.
Dessa forma, a entrada de funcionários de forma diversa é irregular, ainda que sob o regime celetista. Tais situações devem ser analisadas com atenção ao princípio da segurança jurídica e da razoabilidade, tendo em vista o longo período desde a promulgação da Constituição de 1988 e os dias atuais.
Nos conselhos profissionais, excepcionando-se os servidores celetistas que adquiriram estabilidade pelo art. 19 do ADCT, o restante deles permaneceu vinculado ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
Assim, com a mudança do regime celetista para o estatutário, o servidor deve efetuar uma readequação do seu tempo de contribuição, valor arrecadado pelo Regime Geral da Previdência Social, preparando a aposentadoria do novo servidor.
Primeiramente, em relação ao Fundo de Garantia por tempo de serviço - garantia própria ao regime celetista - o entendimento jurisprudencial é que com a transposição de regime rompe-se o vínculo empregatício e cessam os depósitos, situação que permite a movimentação dos valores das contas do FGTS.
Nesse sentido é a Súmula nº 178 do antigo Tribunal Federal de Recursos: "Resolvido o contrato de trabalho com a transferência do servidor do regime da CLT para o estatutário, em decorrência de lei, assiste-lhe o direito de movimentar a conta vinculada do FGTS".
Para cada tipo de regime há uma forma característica de averbação previdenciária. O regime aplicável aos servidores celetistas dos Conselhos Profissionais está previsto na Lei 8213/91 – é o Regime Geral da Previdência Social.
CONCLUSÃO
Por fim, é possível perceber que a matéria que trata da aplicação do regime jurídico único no âmbito dos conselhos profissionais ainda é bastante controvertida e cercada por problemáticas. Alguns dos principais problemas em relação à aplicação do Regime Jurídico Único aos funcionários dos Conselhos Profissionais são a ausência de lei específica criando cargos públicos e a necessidade de regulamentar a condição dos empregados públicos dos conselhos profissionais que foram aprovados em concurso público e continuam atualmente regidos pela CLT, assim como dos demais funcionários em situação irregular. Há que se observar também a dependência de normas de transição de regimes previdenciários para a efetivação do regime jurídico estatutário no contexto dos conselhos e, ainda, as futuras resoluções da ADI 2135-4/DF, que trata-se de provimento de natureza provisória.
Desta forma, até que haja a criação de lei específica, estabelecendo os cargos dos servidores no âmbito dos conselhos profissionais regionais e federais e regulamentando as questões correlatas, como a transição do regime previdenciário, restará a impossibilidade do cumprimento da decisão do Supremo, ou seja, a transição efetiva do regime jurídico dos servidores dos conselhos profissionais permanecerá impraticável.
REFERÊNCIAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo/ José dos Santos Carvalho Filho – 25. ed. Rev., ampl. - São Paulo: Atlas, 2012
FURTADO, Lucas Rocha – Curso de Direito Administrativo. 3. ed. Fórum, 2012
MAURIQUE, Jorge Antonio. Conselhos de Fiscalização Profissional: doutrina e jurisprudência/ participam desta edição Jorge Antonio Maurique, Luísa Hickel Gamba, Otávio Roberto Pamplona, Ricardo Teixeira do Valle Pereira ; coordenador Vladimir Passos de Freitas – 3. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo : Editoria Revista dos Tribunais, 2013.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional/ Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. - 8. ed. Rev. E atual. - São Paulo: Saraiva, 2013
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo – 26. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
Notas:
[1] MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PODER CONSTITUINTE REFORMADOR. PROCESSO LEGISLATIVO. EMENDA CONSTITUCIONAL 19, DE 04.06.1998. ART. 39, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME JURÍDICO ÚNICO. PROPOSTA DE IMPLEMENTAÇÃO, DURANTE A ATIVIDADE CONSTITUINTE DERIVADA, DA FIGURA DO CONTRATO DE EMPREGO PÚBLICO. INOVAÇÃO QUE NÃO OBTEVE A APROVAÇÃO DA MAIORIA DE TRÊS QUINTOS DOS MEMBROS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS QUANDO DA APRECIAÇÃO, EM PRIMEIRO TURNO, DO DESTAQUE PARA VOTAÇÃO EM SEPARADO (DVS) Nº 9. SUBSTITUIÇÃO, NA ELABORAÇÃO DA PROPOSTA LEVADA A SEGUNDO TURNO, DA REDAÇÃO ORIGINAL DO CAPUT DO ART. 39 PELO TEXTO INICIALMENTE PREVISTO PARA O PARÁGRAFO 2º DO MESMO DISPOSITIVO, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO APROVADO. SUPRESSÃO, DO TEXTO CONSTITUCIONAL, DA EXPRESSA MENÇÃO AO SISTEMA DE REGIME JURÍDICO ÚNICO DOS SERVIDORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECONHECIMENTO, PELA MAIORIA DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DA PLAUSIBILIDADE DA ALEGAÇÃO DE VÍCIO FORMAL POR OFENSA AO ART. 60, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RELEVÂNCIA JURÍDICA DAS DEMAIS ALEGAÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL REJEITADA POR UNANIMIDADE.
3. Pedido de medida cautelar deferido, dessa forma, quanto ao caput do art. 39 da Constituição Federal, ressalvando-se, em decorrência dos efeitos “ex nunc” da decisão, a subsistência, até o julgamento definitivo da ação, da validade dos atos anteriormente praticados com base em legislações eventualmente editadas durante a vigência do dispositivo ora suspenso. (STF, ADI 2135-4/DF, Rel. Néri da Silveira, Acórdão, DJ 07.03.2008.)
[2] Os motivos de tal perplexidade serão melhor explicados no tópico 'Panorama Histórico' em que será feita uma breve retrospectiva dos regimes adotados pelos Conselhos Profissionais ao longo do tempo e das legislações correspondentes.
[3] Art 1º - As entidades criadas por lei com atribuições de fiscalização do exercício de profissões liberais que sejam mantidas com recursos próprios e não recebam subvenções ou transferências à conta do orçamento da União, regular-se-ão pela respectiva legislação específica, não se lhes aplicando as normas legais sobre pessoal e demais disposições de caráter-geral, relativas à administração interna das autarquias federais. (Decreto-lei 968/69)
[4] Capítulo VII, Título III – artigos 37 a 43 da Constituição Federal de 1988.
[5] Art. 39 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.
[6] Lei 8112/90, art. 243 – Ficam submetidos ao regime jurídico instituído por esta Lei, na qualidade de servidores públicos, os servidores dos poderes da União, dos ex-Territórios, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas, regidos pela Lei 1.711, de 28 de outubro de 1952 – Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, ou pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei 5.452, de 1.º de maio de 1943, exceto os contratados por prazo determinado, cujos contratos não poderão ser prorrogados após o vencimento do prazo de prorrogação.
§ 1º Os empregados ocupados pelos servidores incluídos no regime instituído por esta Lei ficam transformados em cargos, na data de sua publicação.
(...)
[7] ADCT, art. 19 – Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.
§ 1º O tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.
[8] art. 19, ADCT.
[9] MAURIQUE, Jorge Antonio. Conselhos de Fiscalização Profissional: doutrina e jurisprudência/ participam desta edição Jorge Antonio Maurique, Luísa Hickel Gamba, Otávio Roberto Pamplona, Ricardo Teixeira do Valle Pereira ; coordenador Vladimir Passos de Freitas – 3. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo : Editoria Revista dos Tribunais, 2013. página 92.
[10] EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime. (STF, ADI 1717/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, Acórdão, DJ 28.03.2003)
[11] Art. 58. Os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa.
§ 3o Os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são regidos pela legislação trabalhista, sendo vedada qualquer forma de transposição, transferência ou deslocamento para o quadro da Administração Pública direta ou indireta.
[12] Nova redação do Art. 39 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.
[13] EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 1º DO ARTIGO 79 DA LEI N. 8.906, 2ª PARTE. “SERVIDORES” DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. PRECEITO QUE POSSIBILITA A OPÇÃO PELO REGIME CELESTISTA. COMPENSAÇÃO PELA ESCOLHA DO REGIME JURÍDICO NO MOMENTO DA APOSENTADORIA. INDENIZAÇÃO. IMPOSIÇÃO DOS DITAMES INERENTES À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). INEXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO PARA A ADMISSÃO DOS CONTRATADOS PELA OAB. AUTARQUIAS ESPECIAIS E AGÊNCIAS. CARÁTER JURÍDICO DA OAB. ENTIDADE PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO
[14] FURTADO, Lucas Rocha – Curso de Direito Administrativo. 3. ed. Fórum, 2012. p. 159
[15] Artigo 78 do Código de Trânsito Nacional
[16] Estes conceitos foram retirados do cap. 3, item II: “Limitações dos Direitos Fundamentais” do livro Curso de Direito Constitucional: Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco – 8. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2013
[17] Artigo 21, inciso XXIV, da Constituição Federal
[18] FURTADO, Lucas Rocha – Curso de Direito Administrativo. 3. ed. Fórum, 2012. p. 556
[19] MAURIQUE, Jorge Antonio. Conselhos de Fiscalização Profissional: doutrina e jurisprudência/ participam desta edição Jorge Antonio Maurique, Luísa Hickel Gamba, Otávio Roberto Pamplona, Ricardo Teixeira do Valle Pereira ; coordenador Vladimir Passos de Freitas – 3. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo : Editoria Revista dos Tribunais, 2013. página 56
[20] Esta análise se baseia no estudo feito pelo livro: Conselhos de Fiscalização Profissional: doutrina e jurisprudência – 3. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo : Editoria Revista dos Tribunais, 2013.
[21] Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte: (redação original)
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (redação original)
(...)
[22] Assim dispõe o art. 1º da Lei 8112/90.
Estudante de Direito na Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARRETTO, Fernanda Miranda e Silva Mattos. Regime jurídico dos conselhos profissionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 abr 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39084/regime-juridico-dos-conselhos-profissionais. Acesso em: 22 nov 2024.
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