I – INTRODUÇÃO.
O presente artigo trata da análise do imposto e do princípio da referibilidade, a fim de confirmar que esta espécie tributária não está relacionada a uma contraprestação estatal prestada direta ou indireta ao contribuinte, mas sim à capacidade econômica da pessoa.
II – DESENVOLVIMENTO.
Imposto é conceituado no Código Tributário Nacional (CTN) como “o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”.
Com isso, pode-se afirmar que imposto é uma espécie tributária exigido pelo Poder Público cujo fato gerador da cobrança não se vincula a nenhuma atuação estatal específica relativa ao particular, quer dizer, o Estado não precisa apresentar nada ao contribuinte em contraprestação para exigir dele o pagamento do mencionado tributo.
Por isso, afirma-se que o imposto é um tributo que não possui referibilidade, eis que sua exigência não está juridicamente vinculada a nenhuma atividade estatal nem a nenhuma atividade referida ao contribuinte, isto é, não se pode deixar de pagar um determinado imposto sob a tese de que o Poder Público não está prestando serviço à população.
Alguns doutrinadores do direito tributário afirmam, portanto, que o conceito de imposto é residual, ou seja, o que não é taxa (reembolso por uma atividade estatal específica e divisível), não é contribuição de melhoria (indenização pela valorização de um imóvel particular), não é empréstimo compulsório (cobrança destinada a atender despesas extraordinárias ou para investimento público), não são contribuições especiais ou previdenciárias (criadas para casos específicos), mas é exigido compulsoriamente pelo Poder Público, em virtude da existência de uma lei, sem a contraprestação estatal, só pode ser imposto.
Assim, a prestação patrimonial do contribuinte desta espécie tributária é unilateral, posto que esta prestação não faz surgir para o ente público tributante nenhum dever específico em relação ao particular. Aqui, o administrado paga o imposto sem receber nada em troca, ou seja, recolhe o valor devido aos cofres públicos e diretamente não se beneficia com nada. Mas, indiretamente, o contribuinte recebe os serviços uti universi, quer dizer, o dinheiro do imposto é destinado à manutenção dos serviços prestados para toda a coletividade.
O professor Roque Carrazza critica essa destinação dos impostos para a prestação dos serviços uti universi, in verbis:
A definição de imposto, no Direito Tributário, sofreu, por largo tempo, marcantes influências da Ciência das Finanças, que, como sabemos, estuda as exações sob a perspectiva econômica.
Não é por outro motivo que muitos autores ressaltaram que os impostos servem para custear os serviços públicos indivisíveis, destinados indistintamente a toda a coletividade e, nesta medida, usufruíveis uti civis (segurança pública, defesa nacional, iluminação pública etc.) Esta colocação, além de não ser jurídica, nem sempre é correta, já que, de uns tempos a esta parte, serviços públicos divisíveis, considerados fundamentais ao desenvolvimento da coletividade, estão sendo prestados a preços mínimos, com o fito de torná-los acessíveis a todos. Para cobrir-lhes os custos tem-se recorrido a outras entradas, dentre as quais merecem destaque as provenientes de impostos.
Ademais, por ser o imposto um tributo não vinculado a nenhuma contraprestação estatal, ele também não pode ser vinculado a nenhum fundo, órgão ou despesa específica, salvo expressa previsão constitucional em sentido contrário (que, diga-se passagem, são várias exceções, assim como os arts. 158, 159 e 212, dentre outros da Constituição Federal).
Com efeito, trata-se, portanto, do princípio da não afetação que está previsto no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal, vejamos:
Art. 167. São vedados:
...
IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo.
Ademais, o imposto tem por hipótese de incidência ou um comportamento do contribuinte (por exemplo, o ICMS – imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior – é cobrado em face de operação mercantil; e o II – imposto sobre importação de produtos estrangeiros – é exigido pela importação de produtos estrangeiros) ou uma situação na qual o contribuinte se encontre (por exemplo, o IPVA – imposto sobre propriedade de veículos automotores – é exigido de quem é proprietário de veículo automotor, e o IGF – imposto sobre grandes fortunas – é cobrado de quem tenha grande fortuna).
Os impostos podem ser classificados em:
(i) Pessoais, são os impostos que consideram as condições pessoais e familiares do contribuinte, por exemplo no IR – Imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza – diz respeito à pessoa que auferiu rendimentos líquidos, considerando a quantidade de dependentes, de despesas médicas e etc; e
(ii) Reais, quando o fato gerador da cobrança leva em consideração a coisa, o bem, por exemplo o IPTU – imposto sobre propriedade predial e territorial urbana – que considera a propriedade, o bem imóvel, para tributar e não o proprietário especificamente. Ou
(iii) Diretos, quando a carga tributária é suportada pelo próprio realizador do fato imponível, por exemplo o IR, em que o patrimônio de quem auferiu os rendimentos líquidos é atingido por essa tributação; e
(iv) Indiretos, quando a carga tributária é suportada por terceiros que não realizaram o fato impunível, por exemplo o ICMS, em que o consumidor final do produto que paga o citado imposto embutido no preço final, ou seja, não é o produtor do bem comercializado que arca com a carga tributária. Ou
(v) Federais, impostos de competência da União Federal, por exemplo o IR, o II e o IGF, entre outros;
(vi) Estaduais, impostos de competência dos Estados, por exemplo, o ICMS, o IPVA e outros; e
(vii) Municipais, impostos de competência dos Municípios, por exemplo o IPTU. Ou
(viii) Cumulativo, quando são exigidos no valor total a cada vez que incide o impostos, por exemplo o II, IGF, IPVA, IPTU e etc; e
(ix) Não cumulativo, quando se admite a compensação do valor já cobrado anteriormente, pelo mesmo imposto, em cada nova operação mercantil, por exemplo o ICMS. Ou
(x) Ordinários, são os impostos já relacionados previamente pela CF, por exemplo o II, IR, IPTU, IPA e etc; e
(xi) Extraordinários, são aqueles instituídos por lei ordinária de competência exclusiva da União na iminência ou no caso de guerra externa, por exemplo o IEG – imposto extraordinário. Ou
(xii) Fixos, são os impostos legalmente estabelecidos em quantia única; e
(xiii) Variáveis, são os impostos proporcionais, progressivos e regressivos, vejamos:
(xiii.1) Proporcionais: são os impostos que a alíquota é fixa, independente do montante da base de cálculo (IGF, ICMS, II, etc);
(xiii.2) Progressivos: são os que a alíquota aumenta em razão da elevação do valor da base de cálculo ou de fator extrafiscal protegido constitucionalmente (IR, IPVA, IPTU, etc);
(xiii.3) Regressivos: são os que diminuem a alíquota à medida que aumenta o valor da base de cálculo.
Em suma, todas as situações previstas na Constituição Federal que autorizam a lei a adotá-las como hipóteses de incidência dos impostos são circunstâncias da vida privada, que se limitam à esfera pessoal do contribuinte. É nesse sentido que se diz ser o imposto um tributo não vinculado. A hipótese de incidência e a base de cálculo dessa espécie de tributo não podem levar em conta nenhuma atuação do poder público em relação ao contribuinte. É esse o comando presente na Constituição segundo os arquétipos de impostos nela constituídos. (Apostila da AVM Faculdade Integrada).
Verifica-se, assim, diante deste cenário, que os impostos revelam, sempre, a capacidade econômica das pessoas tributadas, ou seja, a capacidade contributiva do particular e não a referibilidade com a atuação estatal.
Esta mencionada capacidade contributiva do particular é mais um princípio informativo dos impostos importante para ser lembrado e está previsto no art. 145, § 1., da CF, in verbis:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I - impostos;
...
§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Neste assunto, o professor Geraldo Ataliba comenta que “a necessidade de atendimento ao princípio da capacidade contributiva decorre da inexistência de vinculação entre a materialidade da norma de tributação e o exercício de uma atividade por parte do Estado referida ao contribuinte da respectiva obrigação”.
Ademais, a Apostila do Curso de Pós-Graduação da AVM Faculdade Integrada explica que
O princípio funciona, portanto, como um freio, um limite ao poder de tributar do Estado por meio dos impostos, uma vez que não há uma atividade daquela direta ou indiretamente referida ao contribuinte que possa funcionar de parâmetro para a fixação do montante das materialidades indicadas pela Constituição a serem tributadas.
O princípio da capacidade contributiva é também o caminho para que a tributação por meio de impostos atenda a outro princípio, de maior importância em nosso sistema, que é o da isonomia, conforme já estudamos na unidade anterior Extrai-se desse dispositivo uma norma de justiça fiscal, pois quem tem maior riqueza pode, em tese, pagar mais imposto. Nota-se, portanto, o quanto estão ligadas a capacidade contributiva e a pessoalidade, características que deverão, sempre que possível, ser observadas pelo legislador quando for descrever as hipóteses de incidência e as bases e cálculo dos impostos.
A despeito disso, é importante frisar que o fato gerador do imposto não poder ser um fato ou situação qualquer, mas sim um fato ou situação que revele natureza econômica, pois a CF/88 exige que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segunda a capacidade econômica do contribuinte (art. 145, § 1., CF).
Portanto, os impostos têm sustentação na ideia da solidariedade social, ou seja, os sujeitos com capacidade contributiva devem participar (pagar) dos gastos das atividades estatais por meio do seu recolhimento em benefício de toda a sociedade, inclusive de quem não tem riqueza (que é o fato gerador dos impostos) e não recolhe verbas para os cofres públicos.
Acrescenta o Professor Ricardo Alexandre que os impostos têm caráter contributivo justamente porque as pessoas que manifestam riqueza ficam obrigadas a contribuir com o Estado, fornecendo-lhes recursos de que precisa para buscar a consecução do bem comum.
Assim, verifica-se que o princípio da referibilidade inexiste na presente espécie tributária, posto que não há necessidade de uma contraprestação estatal que beneficie diretamente o particular contribuinte do imposto.
III – CONCLUSÃO.
Diante do que foi exposto acima, observa que no Brasil os impostos têm caráter pessoal, isto é, relaciona-se com a capacidade econômica da pessoa e não com a contraprestação estatal direta ou indiretamente destinada ao contribuinte.
iV – REFERÊNCIAS.
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 6. ed. São Paulo: Método, 2012.
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
Apostila do Curso de Pós-Graduação na área do Direito, tema: Garantias Constitucionais e Direito Tributário, da AVM Faculdade Integrada, Brasília/DF.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. 4. tir. São Paulo: Malheiros, 2002.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 19. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2001.
Procuradora Federal lotada na PFE/Anatel, pertencente à Gerência de Contenciosa desta Agência. Sou Especialista em Direito Administrativo e em Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORELO, Ludimila Carvalho Bitar. Imposto e o princípio da referibilidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 maio 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39130/imposto-e-o-principio-da-referibilidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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