I – INTRODUÇÃO.
O presente artigo trata da análise da contribuição de melhoria e do princípio da referibilidade, a fim de confirmar que esta espécie tributária está intimamente relacionada a uma contraprestação estatal prestada ao contribuinte com a valorização de seu imóvel em virtude da realização de uma obra pública.
II – DESENVOLVIMENTO.
A origem da contribuição de melhoria foi na Inglaterra, em 1605, em virtude da construção de uma grande obra pública em torno do Rio Tâmisa que beneficiou os ribeirinhos da região com a valorização de seus imóveis, como conta o professor Ricardo Alexandre, in verbis:
Em 1605, na Inglaterra, a coroa inglesa realizou uma obra de grande porte e com enorme dispêndio de dinheiro para retificar e sanear as margens do Rio Tâmisa, tornando-o mais navegável e estimulando o incremento da atividade econômica nas áreas ribeirinhas. Os proprietários dos imóveis localizados nessas áreas foram muito beneficiados, pois passaram a ter suas terras, antes sujeitas a frequentes alagamentos, bastante valorizadas. Visando a sanar o enriquecimento sem causa, foi criado, por lei, um tributo (betterment tax), a ser pago pelos beneficiários, limitado ao montante da valorização individual. Nascia a contribuição de melhoria, até hoje responsável pelo financiamento de obras de grande vulto.
Com isso, a contribuição de melhoria tem como fato gerador a valorização do imóvel do contribuinte em razão de obra pública, por exemplo, asfaltamento de rua, criação de pontes de acesso ao bairro, instalação de rede elétrica e etc. Os beneficiários diretos da obra arcam com seu custo, total ou parcialmente.
Nos termos do art. 81 do CTN, cada contribuinte não será coagido a pagar quantia superior à valorização de seu imóvel nem o total arrecadado da população pode ser superior à obra, vejamos:
Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.
Abrem-se uns parênteses aqui para observar que a Carta Magna de 1988, no art. 145, inciso III, não levantou nenhuma proibição a respeito do valor arrecadado dos particulares se limitar ao custo da obra pública, in verbis:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.
A despeito dessa redação, existe abalizado doutrinador, por exemplo, Roque Carrazza, contrário a esta arrecadação limitada ao valor da obra imposta pelo CTN, posto que essa regra infra constitucional divergente não foi recebida pela CF de 1988, vejamos:
Observamos, por outro lado, que, com a nova Constituição, caiu o limite global de arrecadação da contribuição de melhoria. No regime constitucional anterior, o total arrecadado, a título de contribuição de melhoria, não podia superar o custo total da obra pública que desencadeara a valorização dos imóveis vizinhos.
Agora, esta preocupação não precisa mais assaltar as entidades tributantes. Elas lançarão e arrecadarão o tributo e todas as pessoas que tiveram seus imóveis valorizados pela obra pública, independentemente de o total arrecadado superar, ou não, o montante das despesas realizadas.
...
De qualquer modo, o limite individual da contribuição de melhoria permanece. Não se pode cobrar, da pessoa que teve seu imóvel beneficiado pela obra pública, importância superior ao aumento de valor que ela causou, sob pena de se desvirtuar o tributo, transformando-o num imposto sobre a propriedade. Assim, a mais-valia do imóvel, decorrente de obra publica, serve de parâmetro na fixação do quantum do gravame. A base de cálculo possível, constitucionalmente traçada, da contribuição de melhoria é “o plus de valor originado pela concretização da obra pública”.
No entanto, prevalece o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que a cobrança da contribuição de melhoria deve respeitar o limite individual da valorização do imóvel particular beneficiado e o limite geral do custo total da obra pública, a fim de atender o postulado da vedação ao enriquecimento sem causa.
Com isso, verifica-se que as contribuições de melhoria, assim como as taxas, também são tributos vinculados, ou seja, necessitam de uma contraprestação estatal – obra pública que gere valorização ao imóvel – que o beneficie para ser obrigado a contribuir com os cofres públicos.
Portanto, afirma-se que esta espécie tributária também está abarcada pelo princípio da referibilidade, quer dizer, a obra pública deve trazer benefícios para o contribuinte na valorização de seu imóvel para que este seja compelido o pagar o tributo.
Não obstante isso, a contribuição de melhoria se diferencia da taxa, conforme aponta a Apostila da AVM Faculdade Integrada, quanto à exigência constitucional de vinculação do produto arrecadado com a atividade exercida pelo Estado e assinala as palavras do professor Márcio Marques, vejamos:
Mas como ambas as espécies têm a materialidade do antecedente normativo vinculada a uma atividade do Estado referida ao contribuinte (seja direta ou indiretamente), também adotamos a exigência de previsão normativa de destinação específica para o produto de sua arrecadação como critério para a identificação desses tributos, para verificação dos regimes jurídicos aplicáveis.
É que enquanto nas taxas a receita percebida tem destinação específica, concernente ao custeio da atividade estatal que legitimou sua instituição, o produto de arrecadação das contribuições de melhoria pode ser livremente utilizado pelo Estado, porque não há nenhuma previsão constitucional condicionando sua destinação (ou seja, exigindo a previsão normativa de destinação específica para o produto de sua arrecadação, como condição de validade do tributo).
O mesmo doutrinador ainda acrescenta:
Mas no que tange à destinação do produto de sua arrecadação, verificamos que não existe qualquer exigência constitucional no sentido de especificar sua destinação, não se exigindo do legislador ordinário previsão normativa nesse sentido, como acontece com as taxas. E isto porque o Estado não se utiliza daquela receita para cobrir a despesa incorrida com a obra realizada (da qual resultou valorização imobiliária), mesmo porque esta despesa já foi custeada por outros recursos, decorrentes da arrecadação de outras receitas.
Assim, os recursos provenientes da cobrança de contribuição de melhoria, assim como nos impostos, servem para cobrir despesas gerais do Estado, não especificadas e tampouco referidas ao contribuinte. Sua atuação – dele, Estado – é livre no que concerne à aplicação desses recursos, ao menos segundo as normas constitucionais que disciplinam este tributo.
A contribuição de melhoria também se distingue da taxa no que tange à conexão entre a atuação estatal e a situação do contribuinte. Verifica que na taxa a atuação estatal deve ser diretamente relacionado ao particular como a utilização efetiva de um serviço público específico e divisível; já na contribuição de melhoria essa relação é indireta, quer dizer, o fato gerador do tributo é a valorização do imóvel decorrente de uma obra pública.
Assim, não basta a obra pública para incidir a contribuição de melhoria, precisa haver valorização do imóvel em razão da realização da obra. Luciano Amaro em brilhante colocação acrescenta que “aquilo que decorre da obra pública não é a contribuição, mas, sim, a melhoria; e é essa melhoria (gerada pela obra) que lastreia a contribuição”.
Destaca outro ponto importante da contribuição de melhoria, relacionado ao princípio da referibilidade, qual seja a base de cálculo deste tributo. Por ser um tributo vinculado, a contribuição de melhoria tem como base de cálculo o quantum da valorização do imóvel após a realização de uma obra pública, não podendo ser o valor do imóvel já que esta é a base de cálculo do IPTU.
Carrazza explica de forma mágica essa afirmação, da seguinte forma:
Ora, na medida em que a Constituição autorizou a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal a criarem impostos, taxas e contribuição de melhoria, segue-se, logicamente, que contribuição de melhoria não é nem imposto, nem taxa. É tributo diferente de imposto. Deve, em conseguinte, ter hipótese de incidência e base de cálculo diversas das do imposto.
Logo, a contribuição de melhoria não pode se confundir com nenhum imposto; nem mesmo com o IPTU ou com o ITR. Deve, sim, levar em conta a mais-valia do imóvel, causada pela obra pública.
A hipótese de incidência da contribuição de melhoria não é ser proprietário de imóvel urbano ou rural, mas a realização de obra pública que valoriza o imóvel urbano ou rural. Sua base de cálculo, longe de ser valor do imóvel em decorrência da obra pública a ele adjacente.
Para o Supremo Tribunal Federal, na mesma esteira, o acréscimo de valor à propriedade imobiliária dos contribuintes é a base de cálculo do tributo, o que correspondente à melhoria, ou seja, para achar o valor da contribuição de melhoria leva em consideração a diferença entre os valores inicial e final do imóvel agraciado.
Neste ponto, o doutrinador Ricardo Alexandre explica a diferença entre a legalidade de se exigir contribuição de melhoria em caso de asfaltamento de uma rua e a ilegalidade da cobrança da mesma espécie tributária em caso de recapeamento de asfalto, vejamos:
É na esteira deste raciocínio que o STF considera que a “realização de pavimentação nova, suscetível de vir a caracterizar benefício direto a imóvel determinado” com incremento de seu valor pode justificar a cobrança de contribuição de melhoria, o que não acontece com o mero “recapeamento de via pública já asfaltada”, que constitui simples serviço de manutenção e conservação, não ensejando a cobrança de tributo (STF, 1.a T., RE 116.148/SP, Rel. Min.. Octavio Galloti, j. 16.02.1993, DJ 21.05.1993, p. 9.768). Na mesma linha de raciocínio, levando em consideração que as taxas e contribuições de melhoria tem fatos geradores bastantes diversos, o STF entende que não se pode instituir taxa quando for cabível a criação de contribuição de melhoria (RE 121.617).
Assim, a contribuição de melhoria está vinculada a uma atuação estatal referida ao contribuinte, qual seja auferir valorização imobiliária decorrente de obra pública.
Ademais, essa regra atende ao fundamento ético-jurídico da proibição ao enriquecimento sem causa, uma vez que determinado grupo específico enriquece com a valorização imobiliária decorrente da realização de obra pública, que, na verdade, foi custeada por toda a sociedade.
Dessa forma, pela contribuição de melhoria ter caráter contraprestacional, nem o Estado pode cobrar, a título de contribuição de melhoria, mais do que gastou com a obra, nem o particular pode ser cobrado a pagar mais que a valorização do seu imóvel sofreu com a realização da obra pública.
III – CONCLUSÃO.
Diante do que foi exposto acima, observa que no Brasil as contribuições de melhoria só podem ser cobradas se houver uma contraprestação estatal prestada ao contribuinte por meio da realização de uma obra pública que acarrete valorização de seu imóvel.
IV – REFERÊNCIAS.
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 6. ed. São Paulo: Método, 2012.
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
Apostila do Curso de Pós-Graduação na área do Direito, tema: Garantias Constitucionais e Direito Tributário, da AVM Faculdade Integrada, Brasília/DF.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. 4. tir. São Paulo: Malheiros, 2002.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 19. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2001.
MARQUES, Márcio Severo. Classificação Constitucional dos Tributos. São Paulo: Max Limona, 2000.
Procuradora Federal lotada na PFE/Anatel, pertencente à Gerência de Contenciosa desta Agência. Sou Especialista em Direito Administrativo e em Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORELO, Ludimila Carvalho Bitar. Contribuição de melhoria e o princípio da referibilidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 maio 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39301/contribuicao-de-melhoria-e-o-principio-da-referibilidade. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Magalice Cruz de Oliveira
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Precisa estar logado para fazer comentários.