I – INTRODUÇÃO
O presente artigo trata da amplitude de cognição do processo onde se faz o controle incidental de constitucionalidade, que é contrabalançada por duas limitações essenciais: a primeira é a de que a questão constitucional não integra o pedido, ou seja, o acesso ao Judiciário não será com o objetivo de declarar a inconstitucionalidade, mas defender-se de alguma situação subjetiva; a segunda é relativa à eficácia da decisão, que só alcança as partes em litígio.
II – DESENVOLVIMENTO.
Alexandre de Moraes expõe que a ideia de controle de constitucionalidade realizado por todos os órgãos do Poder Judiciário nasceu do caso Madison versus Marbury (1803), em que o Juiz Marshall da Suprema Corte Americana afirmou que é próprio da atividade jurisdicional interpretar e aplicar a lei. E ao fazê-lo, em caso de contradição entre a legislação e a Constituição, o tribunal deve aplicar esta última por ser superior a qualquer lei ordinária do Poder Legislativo.
No Brasil, a possibilidade de controle difuso de constitucionalidade existe desde a primeira Constituição republicana de 1891. Ressalta-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, sob inspiração norte-americana, nasceu com o papel de intérprete máximo da Constituição republicana e o controle difuso de constitucionalidade instalou-se de forma efetiva no Brasil com a Lei n° 221/1894.
O controle incidental de constitucionalidade é o mais amplo mecanismo previsto na Constituição Federal (art. 97 e 102, III, “a”, “b” e “c”). Este controle é feito em um processo em que se discute um bem da vida qualquer, distinto da questão constitucional. Contudo, para resolver o litígio, qualquer órgão do Poder Judiciário pode fiscalizar a lei, declará-la inválida para o respectivo caso e sentenciar a demanda. Nestas hipóteses, a declaração de inconstitucionalidade não transita em julgado, não vale para todos, restringindo-se às partes litigantes.
A amplitude de cognição do processo onde se faz o controle incidental de constitucionalidade é contrabalançada por duas limitações essenciais: a primeira é a de que a questão constitucional não integra o pedido, ou seja, o acesso ao Judiciário não será com o objetivo de declarar a inconstitucionalidade, mas defender-se de alguma situação subjetiva; a segunda é relativa à eficácia da decisão, que só alcança as partes em litígio.
O controle difuso de constitucionalidade caracteriza-se, principalmente, pelo fato de ser exercitável somente perante um caso concreto a ser decidido pelo Poder Judiciário. Assim, posto um litígio em juízo, o Poder Judiciário poderá solucioná-lo e para tanto, incidentalmente, deverá analisar a constitucionalidade ou não de lei ou ato normativo – seja ele municipal, estadual, distrital ou federal. A declaração de inconstitucionalidade é necessária para o deslinde do caso concreto, não sendo, pois, o objeto principal da ação. (MORAES, 2005, p. 641).
A questão da constitucionalidade há de ser suscitada pelas partes ou pelo Ministério Público, podendo vir a ser reconhecida ex officio pelo juiz ou tribunal. Todavia, perante o Tribunal a declaração de inconstitucionalidade somente poderá ser pronunciada pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do órgão especial, sob pena de absoluta nulidade da decisão emanada do órgão fracionário, em respeito à previsão do artigo 97 da Carta Magna.
Alexandre de Moraes afirma que esta verdadeira cláusula de reserva de plenário atua como condição de eficácia jurídica da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público, aplicando-se para todos os Tribunais, via difusa, e para o Supremo Tribunal Federal, também no controle concentrado.
A arguição de inconstitucionalidade é prejudicial e gera um procedimento incidenter tantum, que busca a simples verificação da existência ou não do vício alegado. José Afonso comenta que a sentença é declaratória, faz coisa julgada no caso e entre as partes. Mas, no sistema brasileiro, qualquer que seja o Tribunal que a proferiu, não faz ela coisa julgada em relação à lei declarada inconstitucional, porque qualquer Tribunal ou juiz, em princípio, poderá aplicá-la por entendê-la constitucional, enquanto o Senado Federal, por resolução, não suspender sua executoriedade.
A decisão incidenter tantum desfaz-se, desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as consequências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, inclusive, os atos pretéritos com base nela praticados.
A declaração incidental de inconstitucionalidade implica em mera desaplicação da lei, ou seja, na recusa de sua aplicação para solucionar a controvérsia deduzida em juízo. A lei não é prejudicada em sua vigência ou em sua eficácia perante terceiros. Daí, porque, falar-se em eficácia inter partes. Os efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidade acompanham os efeitos da coisa julgada.
A situação não se altera quando o controle incidental for realizado pelo Supremo. Ele pode fazê-lo no julgamento de recursos ou nas ações de sua competência originária. Se houver reconhecimento da inconstitucionalidade, deve o STF comunicar o teor da decisão do Senado Federal. Esta Casa Legislativa poderá, em prol da segurança jurídica e da diminuição das controvérsias submetidas ao Poder Judiciário, suspender, no todo ou em parte, a eficácia de lei ou ato normativo. Ele poderá fazê-lo diante de leis federais, estaduais ou municipais. Não se trata de revogação da lei, mas de retirada de sua aplicabilidade, suspende a execução da lei tida por inconstitucional.
O Senado não está obrigado a suspender a aplicabilidade da norma: isto lhe é facultativo. Se decidir pela suspensão, estará vinculado aos termos da declaração da inconstitucionalidade: os limites da suspensão podem ser mais restritos do que os da decisão do STF, mas não pode ir além dela.
Se o Senado Federal editar a resolução suspendendo no todo ou em parte lei declarada incidentalmente inconstitucional pelo Supremo, terá exaurido sua competência constitucional, não havendo possibilidade, a posteriori, de alterar seu entendimento para tornar sem efeito ou mesmo modificar o sentido da resolução.
É controversa a questão de saber a partir de quando dar-se-á a suspensão da aplicabilidade da lei feita pelo Senado. Entende-se que se trata de uma suspensão ex nunc, ou seja, a partir da publicação da resolução senatorial. A resolução terá efeito erga omnes, ou seja, atingirá a todos.
Quanto ao procedimento do controle incidental de constitucionalidade, na obra de Hely Lopes Meirelles, Gilmar Mendes comenta que o CPC introduziu, nos artigos 480 a 482, breve disciplina da declaração de inconstitucionalidade no controle incidental exercido por órgãos fracionários dos Tribunais.
Durante um processo qualquer, pode surgir em um recurso de apelação, ou mesmo em contrarrazões, uma questão sobre a inconstitucionalidade de alguma lei ou ato normativo. O desembargador do Tribunal de Justiça, diante do caso concreto, terá de submeter o incidente de inconstitucionalidade à Turma ou Câmara competente para julgar o processo, após a audiência do Ministério Público.
A Turma ou Câmara tem duas hipóteses: a) concluir que a arguição é improcedente e dá seguimento ao feito; b) caso seja acolhido o incidente, há de ser lavrado o acórdão, a fim de ser submetida ao Tribunal Pleno ou ao Órgão Especial.
A arguição de inconstitucionalidade, segundo Gilmar Mendes, poderá ser rejeitada, no órgão fracionário, por inadmissível ou improcedente quando: a) a questão há de envolver ato de natureza normativa a ser aplicado à decisão da causa, devendo ser rejeitada a arguição de inconstitucionalidade de ato que não tenha natureza normativa ou não seja oriundo do Poder Público; b) a questão de inconstitucionalidade há de ser relevante para o julgamento da causa, afigurando-se inadmissível a arguição impertinente relativa à lei ou a outro ato normativo que não dependa a decisão sobre o recurso ou a causa; c) a arguição será improcedente se o órgão fracionário, pela maioria de seus membros, rejeitar a alegação de desconformidade da lei com a norma constitucional (MEIRELLES, 2005, p. 541).
Da rejeição ou acolhimento do incidente de inconstitucionalidade pelo órgão fracionário não cabe recurso. Caso este órgão rejeite o incidente, prosseguirá o julgamento do caso concreto, podendo os julgadores aplicar a lei objeto de discussão.
A Câmara ou a Turma não pode declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, sob pena de nulidade absoluta. Remete a matéria para julgamento junto ao Órgão Especial, que discutirá tão-somente a questão da inconstitucionalidade. Nesse momento, o controle de constitucionalidade ganha um contorno abstrato, o Órgão Especial julga apenas a lei em tese para verificar sua adequação em relação à Constituição.
Barbosa Moreira diz que se for acolhida a arguição de inconstitucionalidade, que pode ser por maioria simples, haverá cisão funcional da competência: o Plenário caberá pronunciar-se sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade, e ao órgão fracionário, depois, à vista do que houver assentado o Plenário, decidir o caso concreto.
Gilmar Mendes ressalta que o Plenário somente pode pronunciar-se sobre o que efetivamente foi acolhido pelo órgão fracionário, sendo-lhe defeso emitir juízo sobre a questão julgada inadmissível ou rejeitada pela Turma ou Câmara.
Na conclusão, o mesmo professor diz que a decisão do Plenário vincula o órgão fracionário no caso concreto, incorporando-se ao julgamento do recurso ou da causa, como premissa inafastável. Publicado o acórdão, reinicia-se o julgamento da questão concreta perante o órgão fracionário (MEIRELLES, 2005, p. 542).
O Supremo Tribunal Federal tem entendido que se o Plenário já afirmou que a lei é inconstitucional, as Turmas ou Câmaras já resolvem de plano os incidentes apresentados em outros processos, não precisam provocar o Plenário novamente para discutir o mesmo incidente já julgado. Caso haja algum advogado inconformado com tal decisão, pode interpor recurso extraordinário juntando cópia do julgado com as razões de seu caso específico.
Caso o STF já tenha decido que tal lei é inconstitucional, o Tribunal de Justiça não precisa arguir o incidente nem mandar para o plenário resolver a questão, uma vez que a decisão do STF vincula o julgamento das Turmas dos Tribunais (parágrafo único do art. 481 do CPC). A ação que trata da mesma matéria já decidida pelo Supremo pode ser, de plano, apreciada, conhecida e julgada pelo relator, conforme redação dada ao art. 557 e acréscimo do § 1º-A ao CPC.
Alexandre de Moraes cita um julgado que é referência em matéria de controle incidental:
“Versando a controvérsia sobre o ato normativo já declarado inconstitucional pelo guardião maior da Carta Política da República – o Supremo Tribunal Federal – descabe o deslocamento previsto no art. 97 do referido Diploma maior. O julgamento de plano pelo órgão fracionado homenageia não só a racionalidade, como também implica interpretação teleológica do art. 97 em comento, evitando a burocratização dos atos judiciais no que nefasta ao princípio da economia e da celeridade. A razão de ser do preceito está na necessidade de evitar-se que órgãos fracionados apreciem, pela primeira vez, a pecha de inconstitucionalidade argüida em relação a um certo ato normativo”
(AgRgAI 168.149, Relator: Ministro Marco Aurélio, DJ, 4-8-1995, p. 22520).
Gilmar Mendes explica que esses entendimentos jurisprudenciais marcam uma evolução no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, que passa a equiparar, ainda que de forma tímida, os efeitos das decisões proferidas nos processos de controle abstrato e concreto. A decisão do STF, tal como colocada, antecipa o efeito vinculante de seus julgados em matéria de controle de constitucionalidade incidental, permitindo que o órgão fracionário se desvincule do dever de observância da decisão do Pleno ou do Órgão Especial do Tribunal a que se encontra vinculado. Decide-se autonomamente com fundamento na declaração de inconstitucionalidade do STF proferida incidenter tantum. (MENDES, 2006, p. 254).
Em suma, o incidente de inconstitucionalidade vai gerar uma decisão parecida com o controle em abstrato, porque o Pleno analisa em abstrato, apesar de ser suscitado no caso concreto. Terá aplicação naquele caso e também nos demais casos em que a mesma situação for levantada, não se fará outra arguição quando o Plenário houver afirmado a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo. As Turmas vão estar vinculadas àquela decisão tomada no incidente de inconstitucionalidade. Aquela decisão terá efeito extraprocessual, vai valer para outros processos e não somente para as partes que estavam em conflito naquele processo. Haverá efeito vinculante para as Turmas.
As decisões do Plenário e das Turmas terão efeitos para além das partes. Os parágrafos do art. 482 do CPC vão permitir dizer que o Ministério Público terá de se manifestar nos incidentes de inconstitucionalidade e que a pessoa jurídica responsável pelo ato possa também se manifestar. Vai permitir que qualquer dos legitimados da ação direta de inconstitucionalidade possa se manifestar nos incidentes do caso concreto, que outros órgãos ou entidades que possam ser afetados pela declaração de inconstitucionalidade também se manifestem. Poderão apresentar memoriais ou contrarrazões. Isso tudo porque essa decisão no controle incidental não vai valer apenas para as partes no processo em que o incidente foi suscitado, mas também para os demais processos que chegarem ao Tribunal.
Gilmar Mendes explica que o controle de constitucionalidade encontra-se numa fase de transição, reclamando alguns aperfeiçoamentos no plano do direito positivo ou, até mesmo, no plano exclusivamente jurisprudencial.
III – CONCLUSÃO.
Diante do que foi exposto acima, observa que no Brasil a declaração de inconstitucionalidade incidental não integra o pedido principal da ação que busca um bem da vida qualquer, ele deve ser feito incidenter tantum e tem eficácia somente entre as partes.
IV – REFERÊNCIAS.
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CLÈVE, Clermeson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. 235 p.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. 169 p.
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998. p. 233
__________. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2006. 240 p.
MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1255
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. 629 p.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional para concursos. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2005. 866 p.
Procuradora Federal lotada na PFE/Anatel, pertencente à Gerência de Contenciosa desta Agência. Sou Especialista em Direito Administrativo e em Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORELO, Ludimila Carvalho Bitar. Controle de Constitucionalidade, modalidade incidental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 maio 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39426/controle-de-constitucionalidade-modalidade-incidental. Acesso em: 22 nov 2024.
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