I – INTRODUÇÃO
O presente artigo trata da diferença da coisa julgada nas ações civil comuns, regidas pelo CPC, em que o limite do alcance da sentença só atinge as partes envolvidas na lide; e nas ações coletivas, orquestradas pelo CDC e LACOP, onde a formação da coisa julgada se dará (ou não) conforme o resultado do processo, podendo ser erga omnes, ultra partes ou inter partes.
II – DESENVOLVIMENTO.
A Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), em seu artigo 6°, § 3°, chama de coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso, ou porque o interessado esgotou todos os recursos admissíveis, ou porque ele deixou transcorrer in albis o prazo recursal sem interpô-lo.
A doutrina brasileira adotou a teoria de Liebman em relação à coisa julgada. Para ele, coisa julgada é “a imutabilidade do comando emergente de uma sentença”. Para esta teoria, a coisa julgada tornaria imutável a sentença, fazendo com que aquele ato processual se tornasse insuscetível de alteração em sua forma, e faria ainda imutáveis os seus efeitos.
Alexandre Freitas Câmara explica que para esta teoria a coisa julgada deve ser considerada em dois aspectos: o formal e o substancial (ou material). Assim sendo, chamar-se-ia coisa julgada formal a imutabilidade da sentença, e a coisa julgada material a imutabilidade dos seus efeitos. Todas as sentenças transitam em julgado (coisa julgada formal), mas apenas as sentenças definitivas – de mérito – alcançam a autoridade de coisa julgada (material). (CÂMARA, 2004, p. 464)
A imutabilidade é criada pela impossibilidade da decisão ser atingida por eventual recurso da parte, ou seja, ela é gerada pelo trânsito em julgado da sentença.
Alguns doutrinadores, a exemplo de Ovídio Baptista e Barbosa Moreira, criticam a teoria de Liebman, afirmam que os efeitos da sentença podem se alterar a qualquer tempo, mesmo depois da formação da coisa julgada. Os efeitos da sentença definitiva são, por natureza, mutáveis, e não se destinam a durar para sempre. Para esses autores, não são os efeitos da sentença que se tornam imutáveis com a coisa julgada material, mas sim o seu conteúdo. Barbosa Moreira afirma, ainda, que é este conteúdo, ou seja, é o ato judicial consistente na fixação da norma reguladora do caso concreto, que se torna imutável e indiscutível quando da formação da coisa julgada.
Em relação à natureza jurídica da coisa julgada, há duas correntes vigentes no Brasil: coisa julgada como efeito da sentença e coisa julgada como qualidade que adere á sentença. Barbosa Moreira afirma que a primeira corrente é equivocada, pois é possível afirmar a existência de sentenças que nenhum momento se tornam imutáveis e indiscutíveis.
Todas as sentenças transitadas em julgado geram um efeito específico, que é a extinção do processo, sendo elas definitivas ou terminativas. É o fenômeno da coisa julgada formal, consistente na imutabilidade do efeito formal de extinção dentro do próprio processo, pelo fato de a sentença não estar mais sujeita a nenhum recurso ordinário ou extraordinário.
As sentenças terminativas fazem apenas coisa julgada formal, pois não analisa a questão de direito material, ante a ausência de algum dos requisitos de admissibilidade do mérito. Uma vez sanado o vício, nada impede a propositura de nova ação.
Já na sentença definitiva de mérito, além do efeito formal de extinção do processo, uma vez transitada em julgada, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas, tornando imutáveis seus efeitos materiais, projetáveis para fora do processo. É a coisa julgada material, portanto, a imutabilidade dos efeitos materiais exclusiva da sentença de mérito, a qual impede o reexame da lide em qualquer processo.
Os limites objetivos da coisa julgada tratam-se da verificação do alcance da imutabilidade e indiscutibilidade da sentença transitada em julgado, visto em seu aspecto objetivo. Para Câmara, o CPC, no artigo 468, quis dizer que a sentença faz coisa julgada nos limites do objeto do processo, o que significa dizer, nos limites do pedido.
O que não tiver sido objeto do pedido, por não integrar o objeto do processo, não será alcançado pelo manto da coisa julgada. É de se recordar, aqui, que o pedido, para ser adequadamente interpretado, depende fundamentalmente da causa de pedir, que o define e limita.
A expressão coisa julgada vem do latim res iudicata, que liga a outra expressão naquela língua: res in iudicium deducta, segundo Alexandre Freitas Câmara. No momento da propositura da ação, afirma o demandante em juízo a existência de uma relação jurídica que o une ao demandado. Esta é a res in iudicium deducta. Uma vez afirmada essa relação jurídica na petição inicial, será ela objeto da atividade cognitiva do juiz, que deverá formar um juízo de valor sobre sua existência ou não. Desta forma, uma vez proferida a decisão, a relação que havia sido deduzida no processo se torna uma relação jurídica julgada. Pode-se afirmar, segundo Chiovenda, que a res iudicata nada mais é do que a res in iudicium deducta depois que foi iudicata.
O artigo 468 do CPC leva à conclusão que apenas aquilo que foi deduzido no processo e, por conseguinte, objeto de cognição judicial, é alcançado pela autoridade de coisa julgada.
Embora esse artigo 468 limita a força da re iudicata à lide e às questões decididas, o certo é que, para o Código, “passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido” (artigo 474, CPC). Trata-se de dispositivo referente à chamada “eficácia preclusiva da coisa julgada”.
Para Humberto Theodoro Júnior, a coisa julgada material abrange o deduzido e o deduzível. Por isso, não se podem levantar, a respeito da mesma pretensão, questões arguidas ou que podiam ser, se com isto se consiga diminuir ou atingir o julgado imutável e, consequentemente, a tutela jurisdicional nele contida. (THEODORO JUNIOR, 2000, p. 474)
Para Câmara, o que se quer dizer com o artigo 474 é que, uma vez alcançada a sentença definitiva pela autoridade de coisa julgada, tornam-se irrelevantes todas as alegações que poderiam ter sido trazidas a juízo e que não o foram. Isto se dá porque os motivos não transitam em julgado, sendo, pois, irrelevante o caminho trilhado pelo raciocínio do juiz para proferir a sentença. Apenas o dispositivo da sentença transita em julgado e, por consequência, não se poderia permitir que a coisa julgada fosse infirmada toda vez que a parte vencida se lembrasse de alguma alegação que poderia ter feito, mas não o fez.
Pelo disposto no artigo 474 do CPC se torna impossível, em qualquer processo, se volte a discutir o que já ficou decidido e coberto pela autoridade de coisa julgada, mesmo que se queira agora aduzir razões novas, que poderiam ter sido alegadas no processo onde se formou a coisa julgada, mas que não o foram.
O professor Jorge Hage considera que o artigo 474 é contraditório ao artigo 469, ambos do CPC, uma vez que as alegações são feitas e discutidas na fundamentação, e o artigo 474 diz que elas (alegações) são alcançadas pela coisa julgada, e o artigo 469 diz que só faz coisa julgada o dispositivo da sentença.
Para Hage, o artigo 474 ampliou e muito os limites objetivos da coisa julgada, porque o dispositivo diz que torna imutável o dispositivo, e também as alegações feitas e as não feitas no processo, ou seja, a fundamentação faz coisa julgada.
Arruda Alvim elogia o artigo 474. Para ele, se não fosse essa norma, o bem jurídico que deveria ser protegido com a coisa julgada estaria desamparado. Se não fossem assim o bem jurídico decidido seria vulnerável e poderia ser mudado a qualquer momento.
Por outro lado, o artigo 472 do CPC trata dos limites subjetivos, estabelecendo quais são as pessoas atingidas pela coisa julgada. Assim, o artigo dispõe: “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”.
Alexandre Freitas Câmara fala que tem de considerar os limites subjetivos da coisa julgada nas hipóteses de substituição processual, ou seja, naqueles casos em que a parte era um legitimado extraordinário, o qual se encontrava em juízo atuando, em nome próprio, na defesa de interesse alheio, sendo certo que o legitimado ordinário não foi parte no processo. (CÂMARA, 2004, p. 477)
Não parece haver dúvidas na doutrina de que a coisa julgada que se forma para o substituto processual se forma, também, para o substituído. Isto se dá porque o substituído não é verdadeiro terceiro, já que é ele o titular do interesse substancial levado a juízo.
Superada a demonstração a coisa julgada no processo civil comum, a coisa julgada nas ações coletivas é secundum eventum litis, ou seja, a formação da coisa julgada se dará (ou não) conforme o resultado do processo. Embora tenha sido intensamente criticada pela doutrina clássica, afigura-se esse sistema como essencial à adequada tutela jurisdicional dos interesses difusos e coletivos.
Há que se fazer referência à ação coletiva em que busca a tutela dos interesses dos consumidores, e que tanto se destina à proteção de interesses difusos e coletivos como de interesses individuais homogêneos.
Este tema está tratado no artigo 103 do CDC, que dispõe que a sentença fará coisa julgada erga omnes, exceto se for de improcedência por insuficiência de provas, quando a demanda versar sobre interesses difusos; ultra partes, limitadamente ao grupo categoria ou classe, salvo se de improcedência por insuficiência de provas, quando versar a demanda sobre interesses coletivos; e erga omnes, apenas nos casos de procedência do pedido, para beneficiar as vítimas e seus sucessores, nas demandas que versarem sobre interesses individuais homogêneos.
Segundo Alexandre Câmara, é de se notar que a única diferença entre o sistema da coisa julgada tradicional, regido pelo CPC, e o sistema de demandas coletivas, encontra-se na previsão de formação da coisa julgada secundum eventum litis. Não há, na extensão erga omnes ou ultra partes da coisa julgada, qualquer exceção aos princípios gerais. Isto porque, como se sabe, nas demandas coletivas ocorre substituição processual, com o demandante tutelando em juízo interesses que não lhe são próprios. Ora, sabe-se que a coisa julgada que se forma para o substituto processual atinge também o substituído, o que explica a extensão subjetiva da coisa julgada.
Entre outras peculiaridades da ação civil pública (processo coletivo), tem-se, naturalmente, a extensão da imutabilidade – coisa julgada – do decisum para além das partes formais do processo, é o sistema da coisa julgada erga omnes. Hugo Nigro Mazzilli diz que talvez se quisesse questionar a própria constitucionalidade da coisa julgada que se forma em matéria de interesses transindividuais, sem que os titulares do direito material participem diretamente do processo.
Essa objeção, porém, não pareceria pertinente, se é a própria Constituição Federal que admite por expresso a existência das ações civis públicas, coletivas e ações populares, e até legitima o Ministério Público, alguns entes e algumas entidades para a defesa de interesses difusos e coletivos, como o são os interesses de grupos, classes ou categorias de pessoas, por evidente supondo que a decisão da lide aproveita a todo o grupo lesado. De sua parte, a lei infraconstitucional cuidou da coisa julgada apenas in utilibus (na medida que for útil), para beneficiar as vítimas ou sucessores, não para prejudicá-los, e, de qualquer forma, ao menos assegura a possibilidade de participação do lesado nessas ações. (MAZZILLI, 2005, p. 499).
Para Mazzilli a coisa julgada foi um dos grandes problemas para instituir-se a defesa coletiva em juízo. De acordo com a teoria clássica, a coisa julgada significa a imutabilidade do que foi definitivamente decidido, limitadamente às partes do processo. Se a coisa julgada fica circunscrita às partes, então de que adiantariam as ações civis públicas e coletivas? Se a coisa julgada no processo coletivo ficasse classicamente limitada apenas às partes formais do processo onde foi proferida, então, qualquer co-legitimado poderia propor novamente a mesma ação, discutindo os mesmos fatos e fazendo o mesmo pedido. Se a coisa julgada no processo coletivo não ultrapassasse as barreiras formadas pelas próprias partes formais do processo de conhecimento, de que adiantaria formar-se um título executivo que não iria sequer beneficiar os lesados individuais, que não forem partes no processo? (MAZZILLI, 2005, p. 484).
Para resolver esses problemas atinentes à extensão subjetiva da imutabilidade dos efeitos da coisa julgada, adveio a Lei da Ação Civil Pública – LACP e inspirou-se no modelo que já existia em nosso Direito e era aplicado em matéria das ações populares. Baseada, pois, no art. 18 da Lei da Ação Popular (Lei n° 4.717/65), a redação originária do art. 16 da LACP previa que a sentença proferida em ação civil pública faria coisa julgada erga omnes, exceto se a ação tivesse sido julgada improcedente por falta de provas, caso em que outra ação poderia ser movida, sob idêntico fundamento, desde que instruída com nova prova.
A redação originária do art. 16 da LACP sofreu, entretanto, uma alteração trazida pelo art. 2° da Lei n° 9.494/97, com o intuito de restringir o alcance da coisa julgada aos limites territoriais da competência do juízo prolator.
Embora nas ações civis públicas e coletivas, para fixar os limites da coisa julgada, seja necessário examinar o objeto da ação (natureza do interesse controvertido) e o fundamento do decisum (ou seja, o motivo da improcedência), mesmo assim a imutabilidade da coisa julgada alcançará apenas o dispositivo da sentença, e não seus fundamentos (CPC, art. 469). Para que a imutabilidade também alcance algum dos fundamentos da sentença, é mister valer-se, quando cabível, da ação declaratória incidental (CPC, art. 5° e 470). Normalmente, a causa de pedir próxima (fundamentos de fato) e a remota (fundamentos jurídicos) não são cobertas pela coisa julgada.
III – CONCLUSÃO.
Diante do que foi exposto acima, observa que no Brasil é de se notar que a única diferença entre o sistema da coisa julgada tradicional, regido pelo CPC, e o sistema de demandas coletivas, orquestrado pelo CDC e LACP, encontra-se na previsão de formação da coisa julgada secundum eventum litis.
Como a coisa julgada significa a imutabilidade do que foi definitivamente decidido: no CPC, ela é limitada às partes do processo; no CDC e na LACP, ela é extensível erga omnes (nos casos de procedência do pedido, para beneficiar as vítimas e seus sucessores, nas demandas que versarem sobre interesses individuais homogêneos) ou ultra parte, (limitadamente ao grupo categoria ou classe, salvo se de improcedência por insuficiência de provas, quando versar a demanda sobre interesses coletivos) ou inter partes (se for de improcedência por insuficiência de provas, quando a demanda versar sobre interesses difusos).
IV – REFERÊNCIAS.
BATISTA, Roberto Carlos. Coisa Julgada Nas Ações Civis Públicas: Direitos Humanos e Garantismo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. 182 p.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 10. ed. rev. atual. vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. 492 p.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 13. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. 905 p.
__________. Ação Civil Pública. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. 399 p.
DIDIER Jr, Fredie. ZANETI Jr, Hermes. Curso de Direito Processual Civil, Processo Coletivo. vol. 4. Bahia: Podivm, 2007.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 5. ed. rev. atual. vol. II. São Paulo: Malheiros, 2005. 303 p.
__________. Instituições de direito processual civil. 5. ed. rev. atual. vol. III. São Paulo: Malheiros, 2005. 695 p.
LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 362 p.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 18. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2005. 656 p.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. 169 p.
Procuradora Federal lotada na PFE/Anatel, pertencente à Gerência de Contenciosa desta Agência. Sou Especialista em Direito Administrativo e em Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORELO, Ludimila Carvalho Bitar. Coisa julgada no Processo Civil e no Processo Coletivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 maio 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39445/coisa-julgada-no-processo-civil-e-no-processo-coletivo. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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