I – INTRODUÇÃO
O presente artigo trata do sistema de controle abstrato de constitucionalidade onde a análise da inconstitucionalidade é examinada em tese, sendo o controle exercido em uma ação cuja finalidade é, precisamente, o exame da validade da lei em si, e não mais, incidentalmente, em um processo comum.
II – DESENVOLVIMENTO.
A Constituição austríaca de 1920 consagrou como formas de garantia suprema a Constituição, pela primeira vez, a existência de um tribunal constitucional com exclusividade para o exercício do controle judicial de constitucionalidade, em oposição ao então consagrado judicial review norte-americano, distribuído por todos os juízes e tribunais.
O controle abstrato de normas introduziu no Direito Brasileiro, a partir de 1965, a Emenda Constitucional n° 16, tendo como única finalidade a defesa do ordenamento constitucional contra as leis com ele incompatíveis. A referida emenda constitucional atribuiu ao Supremo Tribunal Federal a competência para processar e julgar originariamente a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual.
Diferentemente do controle incidental, que se limita, em um caso concreto, a subtrair alguém dos efeitos de uma lei, o controle abstrato tem o condão de expelir do sistema a lei ou o ato inconstitucionais. Por isso se diz que, no controle concentrado, a inconstitucionalidade é examinada em tese, sendo o controle exercido em uma ação cuja finalidade é, precisamente, o exame da validade da lei em si, e não mais, incidentalmente, em um processo comum.
A fiscalização abstrata de constitucionalidade será realizada através de ações específicas, nas quais a controvérsia cinge-se à própria compatibilidade de um ato (ou omissão) com a Constituição Federal. As decisões proferidas nessa espécie de controle produzem eficácia erga omnes, porque não se trata apenas de deixar de aplicar a lei, mas, sim, de retirar-lhe o efeito de regular condutas. A contrapartida à força dos efeitos é a legitimação restrita e a seletividade das normas que podem servir-lhe de objeto.
As ações diretas, instrumentos desse controle abstrato, instauram um processo objetivo, sem partes em sentido material, nas quais não se admitem reconvenção e tem o caráter dúplice ou ambivalente em suas ações, ou seja, qualquer que seja o julgamento, procedente ou improcedente, produz a mesma força jurídica estabelecida no artigo 102, § 2°, da CF – eficácia erga omnes e efeito vinculante.
Os processos das ações diretas não se confundem com o processo comum, tendo marcada conotação política. Os legitimados para as ações voltam-se para a finalidade de assegurar a supremacia constitucional e não posições jurídicas de vantagem. O curso da ação, uma vez proposto, não lhes é disponível, pois não podem desistir. Não há falar em lide, contraditório, ampla defesa, recursos ou ação rescisória. A causa petendi não vincula os julgadores, que podem decidir invocando fundamentos diversos.
O controle abstrato é de competência originária do STF, quando se visa à aferição de leis em face da CF, ou do Tribunal de Justiça em cada Estado, quando o confronto é entre as leis locais e a Constituição Estadual.
São várias as espécies de controle abstrato previstas na Constituição Federal: ação direta de inconstitucionalidade genérica; ação direta de inconstitucionalidade interventiva; ação direta de inconstitucionalidade por omissão; ação declaratória de constitucionalidade; e arguição de descumprimento de preceito fundamental.
A ação direta de inconstitucionalidade genérica (ADI) é a ação típica do controle abstrato brasileiro, tendo como escopo a defesa da ordem jurídica pela apreciação da constitucionalidade, em tese, de lei ou ato normativo, federal ou estadual, com base nas normas e princípios constitucionais vigentes.
É utilizado o termo: “genérica” apenas para diferenciar da ação direta de inconstitucionalidade interventiva.
A função precípua da ADI é a defesa da ordem constitucional, expelindo do sistema jurídico a lei ou o ato incompatível com a ordem constitucional, constituindo-se, pois, uma finalidade de legislador negativo do Supremo Tribunal Federal, nunca de legislador positivo. Assim, não poderá a ação ultrapassar seus fins de exclusão, do ordenamento jurídico, dos atos incompatíveis com a Constituição.
O autor da ADI não atua na qualidade de alguém que defenda interesse próprio, pessoal, mas, sim, na condição de defensor do interesse coletivo, traduzido na preservação do ordenamento jurídico.
Trata-se de ação de competência originária do Supremo Tribunal Federal, no qual o autor da ação pede ao STF que examine lei ou ato normativo federal ou estadual em tese, ou seja, não há caso concreto a ser analisado pelo Tribunal Superior, pois o objeto principal da ação é somente a declaração da inconstitucionalidade.
Foi com a Constituição de 1988 que o rol dos legitimados para propor a ação direta de inconstitucionalidade ampliou, ou seja, nas Constituições anteriores, somente era legitimado para tal tarefa o Procurador-Geral da República. Atualmente, são legitimados, de acordo com o art. 103: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador do Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Em regra, a decisão do STF em ADI tem eficácia contra todos (erga omnes), efeitos retroativos (ex tunc) e força vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Afirmar que uma decisão judicial possui eficácia erga omnes significa dizer que ela tem força geral, contra todos, que ela alcança todos os indivíduos sujeitos à aplicação da norma impugnada, mesmo aqueles que não foram parte na ação. As decisões proferidas pelo STF em todas as ações do controle abstrato são dotadas de eficácia erga omnes.
Falar que uma decisão do STF é dotada de efeito vinculante significa dizer que ela não poderá ser desrespeitada pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Se houver desrespeito, o prejudicado poderá se valer da ação de reclamação perante o STF, para que este assegure a autoridade de sua decisão.
Em regra, a decisão do STF em ação direta é dotada de efeitos retroativos (ex tunc), retirando a lei do ordenamento jurídico desde o seu nascimento. A Lei n° 9.868/99 passou a permitir que o STF, em situações excepcionais e mediante maioria qualificada de dois terços, manipule os efeitos de sua sentença proferida em ações diretas, ou seja, o STF escolhe a partir de que momento a lei deixa de ter eficácia.
O artigo 18 da Carta Magna afirma que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos. Assim, a regra é a autonomia entre os entes federativos, porém, excepcionalmente, a Constituição permite a intervenção, nos casos taxativos previstos no artigo 34, conforme ensina Alexandre de Moraes.
Uma das hipóteses de decretação de intervenção fundamenta-se na defesa da observância dos chamados princípios sensíveis (artigo 34, VII, Constituição Federal). Assim, qualquer lei ou ato normativo do Poder Público, no exercício de sua competência constitucionalmente deferida que venha a violar um dos princípios sensíveis constitucionais, será passível de controle concentrado de constitucionalidade, pela via de ação interventiva.
Portanto, a ação direta de inconstitucionalidade interventiva visa a declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual contrário aos princípios sensíveis da Constituição Federal (CF, art. 36, III).
Os chamados princípios sensíveis estão dispostos no art. 34, VII da Constituição Federal. São eles: forma republicana, sistema representativo e regime democrático; direitos da pessoa humana; autonomia municipal; prestação de contas da administração pública direta e indireta; e aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais.
Na chamada intervenção normativa dependerá de provimento pelo Supremo Tribunal Federal, de ação direta proposta pelo Procurador Geral da República, que detém legitimação exclusiva.
Para Alexandre de Moraes a ação direta interventiva possui dupla finalidade, pois pretende a declaração de inconstitucionalidade formal ou material da lei ou ato normativo estadual (finalidade jurídica) e a decretação de intervenção federal no Estado-membro ou Distrito Federal (finalidade política), constituindo-se, pois, um controle direto, para fins concretos, o que torna inviável a concessão de liminar (MORAES, 2005, p. 689).
Uma vez julgada procedente a ação interventiva e após seu trânsito em julgado, o Supremo comunicará a autoridade interessada bem como o Presidente da República para as providências constitucionais.
A ação direta de inconstitucionalidade por omissão foi uma nova forma de controle introduzida pela Constituição de 1988. Passou a reconhecer o texto constitucional que o desrespeito à CF pode advir não só de uma ação, de um ato positivo, quando os órgãos constituídos atuam em desconformidade com as normas e princípios daquela, mas também da omissão ou do silêncio, quando os órgãos permanecem inertes, não cumprindo com o seu dever de elaborar as leis ou os atos administrativos indispensáveis à eficácia e aplicabilidade da Lei Maior.
A inconstitucionalidade por omissão verifica-se naqueles casos em que não sejam praticados atos legislativos ou administrativos requeridos para tornar plenamente aplicáveis normas constitucionais, já que muitas destas requerem uma lei ou uma providência administrativa ulterior para que os direitos ou situações nelas previstos se efetivem na prática. Nessas hipóteses, se tais direitos não se realizem, por omissão do legislador ou do administrador em produzir a regulamentação necessária à plena aplicação da norma constitucional, tal omissão poderá caracterizar-se como inconstitucional.
A Constituição prevê que, declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em 30 dias.
O objetivo principal da ação é suprir a omissão do Poder Público, que se absteve de elaborar a norma regulamentadora e, portanto, impossibilita o pleno exercício de um direito previsto na Constituição (CF, art. 103 §2º) .
A ação declaratória de constitucionalidade foi introduzida em nosso ordenamento jurídico constitucional com a Emenda Constitucional n.º 3, de 17.3.1993, e tem por escopo a declaração da constitucionalidade de uma lei ou ato normativo federal (CF, art.102, I, a, segunda parte).
Oscar Vieira Vilhena ressalta que o objetivo primordial dessa ação é transferir ao STF a decisão sobre a constitucionalidade de um dispositivo legal que esteja sendo duramente atacado pelos juízes e tribunais inferiores, afastando-se o controle difuso da constitucionalidade, uma vez que declarada a inconstitucionalidade da norma, o Judiciário e também o Executivo ficam vinculados à decisão proferida. Lembrando-se que, para a propositura dessa ação, é indispensável a demonstração da existência de séria divergência jurisprudencial que justifique o uso dessa forma de controle direto da constitucionalidade.
A ação declaratória de constitucionalidade, que consiste em típico processo objetivo destinado a afastar a insegurança jurídica ou o estado de incerteza sobre a validade de lei ou ato normativo federal, busca preservar a ordem jurídica constitucional.
Conforme ensina Alexandre de Moraes, a finalidade precípua da ação declaratória de constitucionalidade é transformar a presunção relativa de constitucionalidade em presunção absoluta, em virtude de seus efeitos vinculantes.
As decisões definitivas de mérito (sejam pela procedência, sejam pela improcedência), proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal.
5. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF.
A Constituição Federal determina que a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. Posteriormente, o Congresso Nacional editou a Lei n° 9.882/99, tornando-a integrante do controle concentrado de constitucionalidade.
Pode-se dizer que a ADPF vem complementar o sistema de controle de constitucionalidade abstrato perante o STF, uma vez que as questões até então não apreciadas no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade (ADI e ADC) poderão ser objeto de exame no âmbito desse novo procedimento.
Nas palavras do Ministro Gilmar Mendes “toda vez que se configurar controvérsia relevante sobre a legitimidade do direito federal, estadual ou municipal, anteriores à Constituição, em face de preceito fundamental da CF/88, poderá qualquer dos legitimados para a ADI propor ADPF”.
III – CONCLUSÃO.
Diante do que foi exposto acima, observa que no Brasil o controle abstrato de constituição é feito por meio de cinco ações de competências originária do Supremo Tribunal Federal, no qual o autor das ações pede ao STF que examine lei ou ato normativo federal ou estadual em tese (ou seja, não há caso concreto a ser analisado pelo Tribunal Superior, pois o objeto principal da ação é somente a declaração da inconstitucionalidade) e que produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal.
IV – REFERÊNCIAS.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 13. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. 905 p.
CLÈVE, Clermeson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. 235 p.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. 169 p.
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998. p. 233
__________. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2006. 240 p.
MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1255
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. 629 p.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional para concursos. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2005. 866 p.
Procuradora Federal lotada na PFE/Anatel, pertencente à Gerência de Contenciosa desta Agência. Sou Especialista em Direito Administrativo e em Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORELO, Ludimila Carvalho Bitar. Do Controle Abstrato de Constitucionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 maio 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39469/do-controle-abstrato-de-constitucionalidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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