Resumo: Este artigo analisa a conciliação, com o objetivo de demonstrar que esta técnica de composição de conflitos deve ser prestigiada, como forma de agilizar a prestação jurisdicional. Em tempos de altos índices de litigiosidade, há a necessidade de construção de técnicas e métodos voltados para a pacificação social. Para tanto, devemos partir do pressuposto de que a sonhada decisão justa nem sempre satisfaz as partes. Além da incerteza quanto ao resultado do provimento jurisdicional, devem as partes ponderar sobre o custo-benefício de uma resolução consensual do conflito, até para que possam retomar a normalidade de suas vidas.
Palavras-chaves: Litigiosidade. Conciliação. Pacificação social.
Abstract: This article analyzes the reconciliation, aiming to demonstrate that this technique of composition conflicts should be prestigious, as a way to judicial service. In times of high rates of litigation, there is a need of building techniques and methods aimed at social peace. To do so, we must assume that the dream fair decision does not always meet the parties. Besides the uncertainty over the outcome of the jurisdictional provision, the parties should consider about the cost-benefit of a consensual resolution of the conflict until they can return to normalcy in their lives.
Keywords: Litigation. Conciliation. Social peace.
Sumário: Introdução. 1. A explosão de litigiosidade. 2. A conciliação como técnica para a resolução de conflitos. 3. Conciliadores como auxiliares do juízo. 4.Timidez das mudanças. Considerações finais. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Os meios alternativos de resolução de conflitos tem se constituído em mecanismos úteis à pacificação social, seja como equivalentes jurisdicionais, seja como meios complementares ao processo civil.
De há muito a sociedade tem percebido que os métodos tradicionais de resolução de conflitos, por si só, não são capazes de dar vazão às inúmeras controvérsias, notadamente em ambiente social marcado por litigiosidade exacerbada.
Por isso a necessidade de conjugação de esforços dos setores público e privado, visando à construção de métodos e técnicas que possam ser colocados à disposição dos litigantes para chegarem a um consenso. Dentre as técnicas existentes de resolução de conflitos existentes são dignas de nota a conciliação, a mediação, a avaliação neutra de terceiro e a arbitragem.
O objetivo do presente artigo é apresentar considerações a respeito das inovações previstas no Projeto do Novo Código de Processo Civil (PL 8.046/2010), no que tange à conciliação.
1. A EXPLOSÃO DE LITIGIOSIDADE
A Constituição Federal de 1988 a par de instituir um Estado Democrático de Direito, consagrou extensa gama de direitos fundamentais, destacando-se o direito de ação, aí compreendida a tutela jurisdicional efetiva, tempestiva e adequada, sendo atribuição do Estado propiciar meios para que este objetivo seja atingido.
Vale salientar que a positivação, por si só, do direito fundamental à tutela jurisdicional, não foi capaz de fazer com que o Estado entregasse a prestação jurisdicional ao seu tempo e modo. Também não se pode ignorar que a legislação não consegue caminhar no mesmo ritmo das mudanças sociais. Por isso as constantes reformas do sistema processual civil pátrio, que visaram atender aos reclames em torno da celeridade na tramitação processual.
Para tempos de demanda de massa e litigiosidade incontida, o sistema processual que prima apenas pelo valor segurança jurídica e o respeito ao contraditório pode estar superado. Com efeito, as garantias processuais, ainda no intuito de fazer valer a segurança jurídica, muitas vezes tornam infinita a lide, deixando, ao contrário, a sociedade sob eterna insegurança.
É nesse cenário de caos que a cada dia vai se agigantando a estrutura do Poder Judiciário, como resposta aos infindáveis conflitos, que bem reflete o atual estágio da nossa sociedade. Calmon de Passos nos brinda com uma excelente constatação, ao comparar os conflitos a uma doença. Confira-se a lição do saudoso mestre:
Daí minha convicção de que nós, profissionais do Direito, cuidamos de uma doença social – o conflito – como os médicos cuidam de uma doença do corpo. Dedução necessária: se em um país abundam médicos, hospitais, preventórios, etc., é porque a saúde do povo vai muito mal. O mesmo vale para o direito. Quando se exigem muitos juízes, muitos tribunais, muitos advogados, privados ou públicos, e há milhões de processos em curso, isso é sinal evidente de que socialmente está de mal a pior. E a doença que o direito cuida chamam-na inadequadamente de injustiça, mas devia ser mais bem qualificada como falência das instituições sociais, como a doença do corpo é falência de nossos órgãos e dos sistemas em que eles se inserem. (PASSOS, 2012, p. 217, grifou-se).
É importante salientar que a vida das pessoas não se pode resumir a um processo. Ademais, o processo deve ser visto como um acidente de percurso, em que as partes não tiveram outro caminho do que a de submeter ao Estado a apreciação do seu caso concreto. Isso é importante ser ressaltado, visto que grassa no Brasil a noção de que tudo deve ser levado ao crivo do Judiciário, o que pode ser constatado pelas estatísticas dos Tribunais, revelando verdadeira explosão de litigiosidade. É sinal de que a sociedade e seus canais extraprocessuais de resolução de conflitos não têm conseguido dar apresentar solução para os litígios. Nesse sentido:
Neste quadro, afigura-se necessário suplantar a tradição brasileira de buscar soluções de conflitos somente pelo acesso aos órgãos judiciais, em que pese sua criação e funcionamento em bases constitucionais, pois a grande maioria das controvérsias entre particulares e entre estes e a Administração Pública têm roupagem de direitos disponíveis, ou que admitem transação, e que podem e devem ser geridas por cidadãos autolegisladores e esclarecidos de suas possibilidades de Vivência Digna (TAVARES, 2013, p.60).
Com efeito, demandas não resolvidas representam prejuízos, além de configurarem a não concretização de um direito fundamental, visto que as partes têm suas vidas marcadas pela incerteza. Sobre o tema, confira-se o seguinte excerto:
Assim, enquanto o processo não é decidido em termos definitivos, as partes continuam com suas vidas dominadas por um estado de incerteza pernicioso, que as impede de programarem suas atividades, projetando os efeitos que a derrota ou vitória na lide proporciona, algo que nem mesmo pela previsão das tutelas de urgência é solucionado.
[...]
Em verdade, a demora na solução do litígio impõe a todos os litigantes um prejuízo: autor e réu perdem simultaneamente em razão do prolongamento injustificado da lide. Trata-se de um dano que não decorre da derrota em relação à pretensão deduzida, mas um “dano marginal”, na feliz expressão que foi popularizada na doutrina italiana por Enrico Finzi. O dano marginal é aquele que sofrem os litigantes em razão de deficiência na tramitação dos processos, e esta demora afeta a ambos, autor e réu, vencedor e vencido. [...](CABRAL, 2013, p. 76-77).
2. A CONCILIAÇÃO COMO TÉCNICA PARA A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
Os problemas decorrentes do acesso à jurisdição e as respostas apresentadas, vieram revelar que o Estado não pode ser chamado para decidir sobre todos os litígios, sendo necessária a construção de novos paradigmas para a solução de controvérsias. Além disso, não se pode perder de vista “a demora e o despreparo do Estado para o julgamento de determinados conflitos” (MARINONI, 2007, p. 152).
Sensível a essas constatações, o Projeto do Novo Código de Processo Civil (NCPC) prevê na sua parte geral que:
Art. 3º.
(...)
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Percebe-se, portanto, que o Projeto estimula a utilização dos meios de autocomposição do litígio. Nessa linha de raciocínio, nos termos do art. 335 do novo CPC, em regra o réu passará a ser citado não para oferecer sua defesa, mas sim para comparecer a uma audiência prévia de conciliação e/ou mediação. Desse modo, somente na hipótese de o conflito não ser resolvido consensualmente é que se iniciaria o prazo para defesa.
No novo código, a audiência de conciliação seria o procedimento inaugural. Desse modo, a participação do réu no processo não começaria com a apresentação de defesa, mas mediante o comparecimento a audiência de conciliação, oportunidade em que haverá a tentativa de solução consensual da controvérsia. Vale destacar que, se necessário, poderá haver mais de uma audiência de conciliação, num intervalo de 60 (sessenta) dias da primeira tentativa. Somente se frustrada a composição amigável, é que o réu terá o prazo de 15 dias para apresentar contestação.
3. OS CONCILIADORES COMO AUXILIARES DO JUÍZO
Importante registrar que as audiências de conciliação serão conduzidas por conciliadores e mediadores, que serão os novos auxiliares do juízo, conforme previsão do art. 149 do Projeto.
Art. 149. São auxiliares da Justiça, além de outros cujas atribuições sejam determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o conciliador judicial, o partidor, o distribuídor, o contabilista e o regulador de avarias.
Confira-se a previsão das atribuições dos conciliadores e mediadores no Projeto do Novo Código:
Art. 166. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.
§ 1º A composição e a organização do centro serão definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça.
§ 2º Em casos excepcionais, as audiências ou sessões de conciliação e mediação poderão realizar-se nos próprios juízos, desde que conduzidas por conciliadores e mediadores.
§ 3º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não tiver havido vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.
§ 4º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que tiver havido vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios , soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.
Art. 167. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada.
§ 1º A confidencialidade estende-se a todas as informações produzidas no curso do procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes.
§ 2º Em razão do dever de sigilo, inerente às suas funções, o conciliador e o mediador, assim como os membros de suas equipes, não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou da mediação.
§ 3º A aplicação de técnicas negociais, com o objetivo de proporcionar ambiente favorável à autocomposição, não ofende o dever de imparcialidade.
§ 4º A mediação e a conciliação serão regidas conforme a livre autonomia dos interessados, inclusive no que diz respeito à definição das regras procedimentais.
Para a formação dos conciliadores e mediadores, levou-se em conta a necessidade de serem observados os parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na Resolução n.º 125. Os artigos 168 a 174 apresentam um regramento geral a respeito da forma de credenciamento desses auxiliares da justiça, que poderá ser precedido de concurso público, bem como os requisitos necessários à admissão, remuneração, hipóteses de suspeição e impedimento, além de apuração de responsabilidades nos casos de atuação inadequada do conciliador ou mediador.
4. TIMIDEZ DAS MUDANÇAS
O que se constata é que o legislador buscou estimular os mecanismos alternativos de resolução de conflitos, mas ainda de forma tímida, visto que o Projeto do Novo Código de Processo Civil não prevê mudanças estruturais quanto à conciliação.
Em nosso entendimento, as tímidas mudanças decorrem das nossas cultura e formação, e até mesmo da influência decorrente da nossa filiação ao tronco do civil law. No Brasil, a graduação em direito prepara o acadêmico para o litígio, o que vem resultar em profissionais do direito (advogados, juízes, promotores, defensores) sem as habilidades necessárias para a utilização da técnica da conciliação e outros meios de autocomposição. Daí a importância em se afirmar que mais importante do que as mudanças legislativas são as mudanças da nossa cultura e dos nossos valores.
Sobre o tema, vale conferir a abalizada manifestação:
A sociedade deve se conscientizar de que o acesso ao Poder Judiciário deve ser uma espécie de cláusula de reserva, descabendo sua propagação generalizada, ao risco de se incrementar o ambiente de conflituosidade geral que se tornou característica de muitos países principalmente da civil law, convertendo o direito de ação à um perigoso convite à litigância
[...]
Assim, a cultura de que qualquer interesse contrariado deve ser imediatamente submetido ao Judiciário deve ser urgentemente modificada, pois a ação é um direito do jurisdicionado e não um dever. (PINHO, 2012, p.1)
Parece-nos que mudança que poderia ser implementada seria a obrigatoriedade de constar dentre os requisitos da petição inicial, um tópico a respeito da (im)possibilidade de as partes submeter o seu litígio ao meios de autocomposição de conflitos. Embora o conteúdo dessa preliminar não pudesse se constituir em um filtro para a apreciação das demandas, isso levaria os profissionais do direito a exporem a necessidade de submissão do litígio apenas ao Estado-juiz, e não aos conciliadores, mediadores e árbitros. Teríamos, então, um interesse de agir qualificado, o que condicionaria os operadores do direito a ter um maior contato com referidas técnicas de solução de conflitos, o que por certo induziria as faculdades de Direito a colocarem em suas grades uma disciplina específica sobre o tema.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A conciliação se constitui em meio alternativo de resolução de conflitos em que as partes confiam a uma terceira pessoa a função de aproximá-las e orientá-las na construção de um acordo, de forma a cessar o litígio, permitindo-as retomarem o curso normal de suas vidas.
As partes litigantes de conflitos intersubjetivos sobre direitos ou obrigações de interesse estritamente privado poderiam ser estimuladas a buscarem meios de solução alternativos à jurisdição. Para tanto, importante superar o dogma da infalibilidade dos juízes, bem como conscientizar as pessoas da possibilidade delas mesmas resolverem a disputa, mediante técnicas e meios próprios, muitas vezes com apoio de conciliadores e mediadores, que não teriam apenas formação jurídica, mas conhecimento interdisciplinar, aí incluída a psicologia.
Portanto, foge-se a regra de vencedor e vencido, que muitas vezes não agrada a nenhuma das partes. É preciso oportunizar às partes técnicas e métodos voltados à composição do litígio consensualmente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CABRAL, Antonio do Passo. A duração razoável do processo e a gestão do tempo no projeto de novo código de processo civil. In: FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER JR, Fredie; MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda de (Coord.). Novas tendências do processo civil. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 75-99.
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
PASSOS, J. J. Calmon de. Revisitando o direito, o poder, a justiça e o processo. Reflexões de um jurista que trafega na contramão. Salvador: Jus Podivm, 2012.
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A mediação e o código de processo civil projetado. Revista de Processo | vol. 207 | p. 213 | Mai / 2012DTR201238932. Disponível em: <http://moodle.cead.unb.br/agu/course/view.php?id=9>.
TAVARES, Fernando Horta. Mediação, processo e constituição: considerações sobre autocomposição de conflitos no novo código de processo civil. In: FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER JR, Fredie; MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda de (Coord.). Novas tendências do processo civil. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 57-74.
Procurador da Fazenda Nacional. Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: EMILIANO, Eurípedes de Oliveira. A conciliação no projeto do novo Código de Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 maio 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39472/a-conciliacao-no-projeto-do-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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