Resumo: O presente artigo aborda a o Princípio da Proporcionalidade na visão do jurista alemão Robert Alexy e a sua aplicação nos tribunais brasileiros. Trata-se de um procedimento racional pelo qual se conclui que, quanto mais intensa e gravosa a intervenção de um princípio em conflito, mais importante deve ser a realização do outro. Concluindo pela desproporcionalidade de uma medida, deduziremos a sua inconstitucionalidade.
Palavras-Chave: Princípio da Proporcionalidade; Robert Alexy; Tensão entre Princípios- Adequação; Necessidade; Proporcionalidade em sentido estrito; Tribunais Brasileiros
Sumário: 1. Introdução; 2. Aspectos gerais. ; 3. Princípio da Proporcionalidade e os subprincípios 4. Aplicação nos Tribunais Brasileiros.; 5. Conclusão; 6. Bibliografia.
1. Introdução
Robert Alexy sustenta que a colisão entre princípios é resolvida pela Lei da Ponderação, na dimensão de peso, não apenas na dimensão da validade. Na defesa de tais argumentos, criou um método de ponderação denominado Princípio da Proporcionalidade, que por sua vez se encontra formado por três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Diante da colisão entre princípios, o intérprete deve utilizar o referido método de forma sistemática, sucessiva e eliminatória
O Princípio da Proporcionalidade, também chamado de Teoria da Ponderação, é composto por três subprincípios ou fases: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Trata-se de um procedimento racional, no qual, diante da colisão entre princípios, o intérprete deve utilizar o referido método de forma sistemática, sucessiva e eliminatória. Portanto, a reposta à análise de uma fase ou subprincípio condiciona a posterior. Ao final, conclui-se que os três subprincípios juntos conferem a densidade indispensável para alcançar a funcionalidade pretendida pelo operador do direito, o que é realizado pelos Tribunais Brasileiros em ocasiões de julgamentos.
2. Aspectos gerais
Robert Alexy, jurista alemã, pós positivista, é o criador da “Teoria da Ponderação” ou “Princípio da Proporcionalidade”. Esse método de interpretação dos Direitos Fundamentais nasceu da preocupação de Alexy em dar uma devida interpretação aos Direitos Fundamentais.
Em contraponto à idéia de que diante da inexistência de uma resposta retirada do sistema normativo, o arbítrio ou discricionariedade do julgador resolveria a questão, Alexy propõe um método racional para resolução de referidas questões.
A insuficiência das teorias clássicas e do método subsuntivo para resolver os delicados problemas (hard cases) que envolviam Direitos Fundamentais levou à criação da chamada “Fórmula de Peso”
A distinção entre regras e princípios é, para Alexy, o ponto de partida para solução de problemas centrais da dogmática dos Direitos Fundamentais. Posto que, diante de um caso difícil, sem solução no sistema jurídico das regras, o juiz não estará desamparado e, a ele, não cabe decidir de forma arbitrária, já que deve se ater aos princípios. O sistema jurídico normativo é, pois, um sistema de normas e princípios.
A teoria de Alexy, em análise, busca dar respostas racionais e fundamentadas ás questões que envolvam Direitos Fundamentais. E, assim, Alexy acaba por promover um verdadeiro questionamento e remodelagem de conceitos, como por exemplo: a teoria das normas jurídicas, do sistema jurídico, das fontes normativas, dos métodos hermenêuticos, das antinomias entre normas, e sua conseqüente forma de resolução de conflitos, da relação entre direito e moral, entre outras contribuições.
Partindo da distinção entre regras e princípios- para Alexy imprescindível para a construção de uma teoria adequada sobre os direitos fundamentais, suas restrições e colisão- conclui o jurista que falta uma distinção eficaz entre regras e princípios e a aplicação sistemática desta diferenciação.
Entende Alexy:
A distinção entre regras e princípios é uma das colunas- mestres do edifício da teoria dos direitos fundamentais.
Não faltam indícios de que a distinção entre regras e princípios desempenha um papel no contexto dos direitos fundamentais
Observa o referido jurista que a distinção entre regras e princípios não é nova. No entanto, esta separação carece de clareza e pode levar a algumas conclusões equivocadas. Primeiramente, esclarece que a distinção deve ser feita entre regras e princípios, e não entre normas e princípios, já que os últimos são, juntamente com as regras, espécies da primeira (gênero). Regras e princípios são normas posto que ambos transcrevem o que deve ser. A diferenciação, portanto, é entre normas.
O segundo equívoco diz respeito aos inúmeros critérios diferenciadores de regras e princípios, como: generalidade, determinabilidade dos casos de aplicação, caráter explícito do seu conteúdo axiológico, referência à idéia de direito ou a uma lei jurídica suprema e a importância para a ordem jurídica.
Alexy observa que utilizando esses critérios poderíamos alcançar três teses diferentes a respeito da distinção entre regras e princípios.
A primeira diz respeito ao fato de que as normas são heterogêneas, sendo necessário estar atento para as diferenças e semelhanças na própria classe de normas. E, sendo assim, não seria difícil classificar uma norma como genérica e, ao mesmo tempo, inaplicável de pronto. Por este motivo, a tentativa de classificar regras e princípios como espécies de normas não lograria êxito.
A segunda aceita a distinção entre regras e princípios como espécies de normas, afirmando que essa diferenciação é tão somente de grau. A última tese, defendida por Alexy, sustenta uma diferença qualitativa entre regras e princípios.
Os princípios são mandamentos de otimização, normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida do possível, enquanto as regras são determinações dentro do que é fática e juridicamente possível, são mandamentos definitivos
A distinção é, pois, qualitativa, e torna-se mais visível no conflito entre regras e conflito entre princípios.
O conflito entre regras deve ser solucionado com a inserção de uma “cláusula de exceção” que elimine o conflito ou declare a invalidade de uma das regras em embate. Uma norma jurídica ou é válida, ou não é, e, assim, não há graduação.
Alexy exemplifica:
Um exemplo para um conflito entre regras que pode ser resolvido por meio de introdução de uma cláusula de exceção é aquele entre a proibição de sair da sala de aula antes que o sinal toque e o dever de deixar a sala se soar o alarme de incêndio. Se o sinal ainda não tiver sido tocado, mas o alarme de incêndio tiver soado, essas regras conduzem a juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si. Esse conflito deve ser solucionado por meio da inclusão, na primeira regra, de uma cláusula de exceção para o caso do alarme de incêndio.
Já na colisão entre princípios, um cede ao outro, e o cedente não é declarado inválido, nem deve ter incluída cláusula de exceção. Os princípios possuem peso diferentes e o com maior peso tem precedência.
Conclui-se, portanto, que as distinções entre as regras ocorrem na dimensão de validade, enquanto a distinção entre princípios ocorre na dimensão de peso.
Como exemplos de embate entre princípios, Alexy apresenta uma decisão do Tribunal Constitucional Alemão. Diz respeito à incapacidade para participar de audiência processual e a segunda envolve o famoso caso Lebach, que será analisado adiante. Ao expor essa decisão, o estudioso mencionado chega a importantes conclusões a respeito da colisão entre princípios que irão embasar a sua Teoria da Ponderação.
O caso diz respeito á admissibilidade de realização de uma audiência com a presença do acusado que, em função da tensão envolvida, corria risco de sofrer derrame cerebral ou infarto.
O Tribunal Constitucional Alemão observou que havia uma relação de tensão entre o dever estatal de aplicar adequadamente o direito penal e o interesse do acusado de ver garantido pelo Estado a sua vida e integridade física.
Pois bem, a situação de tensão descrita pelo tribunal nada mais é do que a colisão entre princípios a que se atem Alexy. Desta forma, de um lado temos o dever de garantir, na maior medida possível, a aplicação do direito penal nos ditames legais, e do outro, temos o dever de proteger, na maior medida do possível, a vida e integridade física do acusado.
Isoladamente considerados, os princípios se contradizem. Ou seja, um restringe a realização do outro. Mas essa situação não deve ser resolvida mediante a declaração de invalidade de um dos princípios, nem tampouco com a inserção de uma cláusula de exceção. A solução nada mais é do que uma ponderação entre os dois princípios no caso concreto, prevalecendo aquele que maior peso tiver, sem extirpar por completo o outro.
3. Princípio da Proporcionalidade e os subprincípios.
Alexy, visando a resolução racional do embate entre princípios, sobretudo tratando-se de hard cases, criou um método de ponderação denominado Princípio da Proporcionalidade, que por sua vez se encontra formado por três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Impende destacar, como observa o professor Virgílio Afonso da Silva, no artigo jurídico “O proporcional e o razoável”, que a expressão” princípio da proporcionalidade” não possui o mesmo significado de princípio na distinção entre regras e princípios.
O chamado princípio da proporcionalidade não pode ser considerado um princípio, pelo menos não com base na classificação de Alexy, pois não tem como produzir efeitos em variadas medidas, já que é aplicado de forma constante, sem variações.
Virgílio Afonso da Silva, partindo do pressuposto de que Alexy classifica os subprincípios da proporcionalidade como regras, entende que o termo mais apropriado seria “regra da proporcionalidade”. Já Humberto Bergmann Ávila utiliza o termo “dever da proporcionalidade”.
Respeitosamente, discordamos de ambos.Tendo em vista que o termo “princípio” objetiva dar importância devida ao conceito, ou seja, ao requerimento da proporcionalidade no caso concreto, entendemos correta a expressão princípio da proporcionalidade não no sentido de princípio em contraponto á regra, mas como exigência de proporcionalidade. É como pontua o próprio Virgílio Afonso da Silva:
Não há como querer, por exemplo, que expressões como “princípio da anterioridade” ou “princípio da legalidade” sejam abandonadas, pois, quando se trata de palavras de forte carga semântica, como é o caso do termo “princípio”, qualquer tentativa de uniformidade terminológica está fadada ao fracasso
Em razão do exposto, não utilizaremos a expressão “regra da proporcionalidade”, nem tampouco o termo” dever de proporcionalidade”, mas sim Princípio da Proporcionalidade ou Teoria da Ponderação.
O princípio da proporcionalidade e seus subprincípios resulta da definição de princípios como mandamentos de otimização, posto que ordenam que algo seja realizado na maior medida do possível relativamente ás possibilidades fáticas (subprincípios da idoneidade e adequação) e jurídicas (subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito).
Frise-se, porém, que a utilização do Princípio da Proporcionalidade imprescinde de uma relação meio/fim. É como observa Humberto Bergmann Ávila:
Como se vê, a aplicabilidade do postulado da proporcionalidade depende de uma relação de causalidade entre meio e fim. Se assim é, sua força estruturadora reside na forma como podem ser precisados os efeitos da utilização do meio e como é definido o fim justificativo da medida. Um meio cujos efeitos são indefinidos e um fim cujos contornos são indeterminados, se não impedem a utilização da proporcionalidade, certamente enfraquecem seu poder de controle sobre os atos do Poder Público
Diante da colisão entre princípios, o intérprete deve utilizar o referido método de forma sistemática, sucessiva e eliminatória. Assim, a análise do segundo subprincípio, depende da aceitação do primeiro, e assim sucessivamente. Ou seja, caso uma medida seja adequada, analisaremos se é necessária, respondendo de forma afirmativa, passaremos para a fase seguinte, a proporcionalidade em sentido estrito. No entanto, caso respondêssemos de forma negativa, concluiremos, desde já, pela sua desproporcionalidade.
Portanto, a reposta à análise de uma fase ou subprincípio condiciona à posterior. O três subprincípios juntos conferem a densidade indispensável para alcançar a funcionalidade pretendida pelo operador do direito.
Uma medida é considerada adequada quando, diante da realidade fática, é capaz de realizar pelo menos um dos princípios, objeto do embate. Caso prejudique a realização de um, e não concretize o outro, a medida não é idônea, é inadequada.
Portanto, deve-se perguntar: O meio escolhido contribui para a obtenção do resultado pretendido?
Um meio, em termos quantitativos, pode promover menos, mais ou igualmente o fim do que outro meio. Pode, em termos qualitativos, promover pior, igualmente ou melhor o fim do que outro e meio. E, em termos probabilísticos, pode promover com menos, igual ou mais certeza que outro meio.
Frise-se, no entanto, que, para o exame da adequação, basta que o meio escolhido simplesmente promova o fim, e não se fora eleito o mais intenso, o melhor ou o mais seguro para atingir determinado fim.
O exame da idoneidade deve ser realizado sob o enfoque da ótica do legislador no momento da edição da lei, a fim de que se possa estimar se, naquela ocasião, os meios eram apropriados ao fim pretendido.
Isto porque é comum que uma lei seja adequada no momento de sua edição, no entanto, ao longo do tempo, revele-se inadequada, em razão, por exemplo, da não realização dos efeitos pretendidos. Assim deve-se considerar a adequação em face do contexto político-econômico ao tempo da edição da lei.
Observa-se que a inconstitucionalidade futura da lei com a constituição não é mais problema da sua adequação, mas do processo de inconstitucionalização da providência legislativa.
Conclui-se que qualquer medida restritiva deve ser idônea à consecução da finalidade perseguida, pois, caso não seja apta para tanto, será qualificada como inconstitucional.
O meio torna-se desnecessário se, para concretizar um princípio, existe outro meio que não agrave ou agrave menos o outro princípio em conflito. No plano fático, deve-se observar a existência de meio menos gravoso.
Deve-se perguntar: a medida restritiva é indispensável para a concretização do princípio de modo que não pode ser substituída por outra igualmente eficaz, mas menos gravosa?
È necessário e exigível quando o legislador não poderia ter escolhido outro meio, igualmente eficaz, que não limitasse ou limitasse de maneira, menos intensa, o outro princípio em embate. Observa-se o meio mais idôneo e a menor restrição possível. Trata-se, portanto de um juízo positivo.
É imprescindível, portanto, que concluindo pela desnecessidade da medida, o interprete indique outra medida menos gravosa (menor restrição) e, ao mesmo tempo, apta a lograr o mesmo ou até melhor resultado (meio mais idôneo).
E, por fim, enfatizando que para chegar a esta fase é necessário realizar as anteriores, analisaremos, sob argumentos jurídicos, a chamada Lei da Ponderação. Esta enuncia: quanto mais alto o grau do não cumprimento ou prejuízo de um princípio, maior deverá ser a importância de concretização do outro.
Trata-se, ao contrário do subprincípio da necessidade, sempre atinente a realidade fática, de uma otimização das possibilidades jurídicas
Assim, atribuindo valores, pesos (graus “leve”, “médio” e “ grave”) aos princípios em conflito, observaremos o grau de sacrifício de um princípio, o grau de importância do outro e se concretizar um compensa o não cumprimento do outro.
Nas palavras de Alexy:
Se está fixado, desse modo, primeiro, uma vez, a intensidade da intervenção como leve e o grau de importância do fundamento da intervenção como alto, então o resultado é fácil de reconhecer. O fundamento de intervenção grave justifica a intervenção leve
E exemplifica:
O dever dos produtores de produtos de tabaco de colocar em seus produtos referências aos perigos do fumo para a saúde é uma intervenção relativamente leve na liberdade de profissão. Uma proibição completa de todos os produtos de tabaco deveria, pelo contrário, ser classificada como intervenção grave. Entre tais casos leves e graves deixem classificar-se casos de intensidade de intervenção média. Um exemplo seria a proibição de automáticos de cigarros juntamente com a limitação da venda de produtos de tabaco a determinados negócios.
Trata-se de um procedimento racional pelo qual se conclui que, quanto mais intensa e gravosa a intervenção de um princípio em conflito, mais importante deve ser a realização do outro. Concluindo pela desproporcionalidade de uma medida, deduziremos a sua inconstitucionalidade.
Conclui-se que se a análise dos subprincípios que compõem a Teoria da Ponderação deve ser sucessiva e eliminatória, o que é adequado pode ser necessário, porém o que é necessário não pode ser inadequado. De forma semelhante, o que necessário pode ser proporcional em sentido estrito, mas o que é proporcional em sentido estrito não pode ser desnecessário.
Por fim, Alexy pontua que toda regra está adstrita a um princípio. E, desta forma, em verdade, o conflito entre regras e princípios é aparente: trata-se de um conflito entre princípios. As regras trazem princípios implícitos que a sustentam e a fundamentam.
Afirma o jurista em destaque, que os direitos fundamentais são relativos, pois, no caso concreto, o sacrifício de um princípio pode ser menor, tendo em vista a importância de concretização do outro.
Impende ressaltar que as soluções variam de acordo com a subjetividade de cada intérprete, segundo sua pré-compreensão, escala de valores e vivência. E, no ambiente discursivo, esses argumentos serão testados e discutidos, chegando, através de uma maioria, a uma decisão verossímil e racional no caso concreto.
Preceitua:
Porém, isso não quer dizer a ponderação, para empregar palavras de Habermas, efetiva-se “ou arbitrária ou irrefletidamente, segundo modelos e ordens hierárquicas acostumados”. As suposições, que estão na base das sentenças sobre a intensidade de intervenção e do grau de importância, não são arbitrárias. Para elas, são citados fundamentos que se deixem escutar.
Isto porque interpretar nada mais é do que densificar valores, corporificar os princípios. Já que, na ciência jurídica, não há uma solução apriorística, o intérprete é quem concretiza e realiza o Direito.
4. Aplicação nos Tribunais Brasileiros
Antes de demonstrarmos a aplicação do Princípio da Proporcionalidade na visão de Robert Alexy nos tribunais brasileiros, em especial no Supremo Tribunal Federal, faz-se necessário tecer algumas considerações e esclarecimentos a respeito das várias expressões usadas em referência ao princípio em destaque.
O termo “proibição do excesso” é utilizado, especialmente pelos alemães, como sinônimo de proporcionalidade. Pondera-se a respeito da utilização desta expressão já que excesso é um termo bastante amplo.
O excesso traduziria uma atuação do legislador para além do que é autorizado constitucionalmente e não apenas quando da elaboração de ato legislativo que invada ou restrinja direitos fundamentais.
Ainda que o princípio da proporcionalidade seja predominantemente entendido como um instrumento de controle dos excessos que podem vir a ser cometidos pelos poderes estatais, há de se pontuar uma importante distinção. Ultimamente, o princípio da proporcionalidade vem sendo utilizado também como um instrumento contra a omissão dos poderes estatais.
Assim, não podemos utilizar as expressões proibição do excesso e princípio da proporcionalidade como sinônimos, visto que a última visa coibir não apenas excessos, mas também omissões estatais.
Outra expressão utilizada pelos americanos como sinônimo de proporcionalidade é a razoabilidade
Razoabilidade traduz adequação, idoneidade, aceitabilidade, logicidade, eticidade. Engloba tudo o que é admissível. Com freqüência o STF tem utilizado o termo razoabilidade ou princípio da razoabilidade como exigência de racionalidade, inerente a qualquer argumentação jurídica.
No entanto, não se pode confundir proporcionalidade e razoabilidade. Pelo princípio da razoabilidade, nega-se o absurdo, aquilo desprovido de bom senso, já pelo princípio da proporcionalidade estabelece-se critérios de escolha entre soluções possíveis e não se nega, de pronto, o inaceitável.
Pontua Virgílio Afonso da Silva:
Aquele que se propõe analisar conceitos jurídicos tem que ter presente que nem sempre os termos utilizados no discurso jurídico guardam a mesma relação que possuem na linguagem laica. Assim, se um pai proíbe a seu filho que jogue futebol durante um ano, apenas porque este, acidentalmente, quebrara a vidraça do vizinho com uma bolada, é de se esperar que o castigo seja classificado pelo filho- ou até mesmo pelo vizinho ou por qualquer outra pessoa – como desproporcional. Poder-se-á dizer também que o pai não foi razoável ao prescrever o castigo. O mesmo raciocínio pode também valer para o âmbito jurídico, desde que ambos os termos sejam empregados no sentido laico. Mas, quando se fala, em um discurso jurídico, em princípio da razoabilidade ou em princípio ou regra da proporcionalidade, é evidente que os termos estão revestidos de uma conotação técnico-jurídica e não são mais sinônimos, pois expressam construções jurídicas diversas. Pode-se admitir que tenham objetivos semelhantes, mas isso não autoriza o tratamento de ambos como sinônimos.
Este equívoco é cometido pelos tribunais brasileiros, em especial pelo STF, ao utilizar o Princípio da Proporcionalidade na resolução dos casos difíceis.
Observa-se que os tribunais brasileiros frisam a importância da aplicação do Princípio da Proporcionalidade aos “hard cases”, no entanto, limita-se a citá-lo, sem, contudo, aplicá-lo de forma estruturada. É realizado um raciocínio bastante simplista no sentido de que a proporcionalidade é consagrada no ordenamento jurídico brasileiro, a medida do caso concreto desrespeitou este princípio, sendo, portanto inconstitucional.
Nota-se que os tribunais brasileiros tendem mais uma vez a tão somente equiparar proporcionalidade à razoabilidade, concluindo que é proporcional o que não é irrazoável, sem contudo, efetivamente, realizar o método.
Virgílio Afonso da Silva pontua que a exigência de razoabilidade, com base no devido processo legal, traduz a exigência de compatibilidade entre o meio empregado e o fim pretendido, assim como a aferição da legitimidade deste fim. O conceito de razoabilidade corresponde, portanto, apenas á exigência da adequação.
O princípio da proporcionalidade é mais amplo que a razoabilidade, já que não se limita à análise da adequação do meio ao fim pretendido, não havendo porque se falar em identidade entre eles
Há, portanto, uma diferença estrutural, como pontua o professor Virgílio Afonso da Silva:
A regra da proporcionalidade no controle das leis restritivas de direitos fundamentais surgiu por desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal Constitucional alemão e não é uma simples pauta que, vagamente, sugere que os atos estatais devem ser razoáveis, nem uma simples análise da relação meio-fim. Na forma desenvolvida pela jurisprudência constitucional alemã, tem ela uma estrutura racionalmente definida, com sub-elementos independentes - a análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito - que são aplicados em uma ordem pré-definida, e que conferem à regra da proporcionalidade a individualidade que a diferencia, claramente, da mera exigência de razoabilidade.
O referido professor sustenta a tese de que os tribunais brasileiros, em maior freqüência o STF, refere-se á proporcionalidade de forma simplista, já que, em verdade, se atém tão somente a razoabilidade, não é realizado o método de análise racional, sucessiva e eliminatórias dos três subprincípios, conforme proposto por Robert Alexy.
Da análise de julgamentos realizados pelo STF, utilizando o Princípio da Proporcionalidade, chegamos à similar conclusão defendida por Vírgilio Afonso da Silva.
Podemos elencar alguns acórdãos nos julgamentos dos quais os tribunais brasileiros se propõem a resolver os casos difíceis com base no método proposto por Alexy, sem, contudo, realizar efetivamente as três etapas da Teoria da Ponderação. E, ainda, conforme já pontuado, utilizam os termos Princípios da Proporcionalidade e Princípios da Razoabilidade como sinônimos.
Neste sentido colacionamos o acórdão do STF, Relator Ministro Octavio Gallotti, na ADI855/PR, em 06.03.2008:
EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei 10.248/93, do Estado do Paraná, que obriga os estabelecimentos que comercializem Gás Liquefeito de Petróleo - GLP a pesarem, à vista do consumidor, os botijões ou cilindros entregues ou recebidos para substituição, com abatimento proporcional do preço do produto ante a eventual verificação de diferença a menor entre o conteúdo e a quantidade líquida especificada no recipiente. 3. Inconstitucionalidade formal, por ofensa à competência privativa da União para legislar sobre o tema (CF/88, arts. 22, IV, 238). 4. Violação ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos. 5. Ação julgada procedente. (grifos aditados)
Nesta esteira, trazemos a baila o acórdão do STF, Relatora Ministra Ellen Gracie, no HC 97344/SP, em 12.05.2009:
DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 180, § 1º DO CÓDIGO PENAL. CONSTITUCIONALIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. A conduta descrita no § 1º do art. 180 do Código Penal é evidentemente mais gravosa do que aquela descrita no caput do dispositivo, eis que voltada para a prática delituosa pelo comerciante ou industrial, que, pela própria atividade profissional, possui maior facilidade para agir como receptador de mercadoria ilícita. 2. Não obstante a falta de técnica na redação do dispositivo em comento, a modalidade qualificada do § 1º abrange tanto do dolo direto como o dolo eventual, ou seja, alcança a conduta de quem "sabe" e de quem "deve saber" ser a coisa produto de crime. 3. Ora, se o tipo pune a forma mais leve de dolo (eventual), a conclusão lógica é de que, com maior razão, também o faz em relação à forma mais grave (dolo direto), ainda que não o diga expressamente. 4. Se o dolo eventual está presente no tipo penal, parece evidente que o dolo direto também esteja, pois o menor se insere no maior. 5. Deste modo, não há que se falar em violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, como pretende o impetrante. 6. Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus (grifos aditados)
Também vale a pena transcrever o acórdão do STF, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, no RE 573675/SC, em 25.03.09:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RE INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA - COSIP. ART. 149-A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI COMPLEMENTAR 7/2002, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ, SANTA CATARINA. COBRANÇA REALIZADA NA FATURA DE ENERGIA ELÉTRICA. UNIVERSO DE CONTRIBUINTES QUE NÃO COINCIDE COM O DE BENEFICIÁRIOS DO SERVIÇO. BASE DE CÁLCULO QUE LEVA EM CONSIDERAÇÃO O CUSTO DA ILUMINAÇÃO PÚBLICA E O CONSUMO DE ENERGIA. PROGRESSIVIDADE DA ALÍQUOTA QUE EXPRESSA O RATEIO DAS DESPESAS INCORRIDAS PELO MUNICÍPIO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. INOCORRÊNCIA. EXAÇÃO QUE RESPEITA OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO. I - Lei que restringe os contribuintes da COSIP aos consumidores de energia elétrica do município não ofende o princípio da isonomia, ante a impossibilidade de se identificar e tributar todos os beneficiários do serviço de iluminação pública. II - A progressividade da alíquota, que resulta do rateio do custo da iluminação pública entre os consumidores de energia elétrica, não afronta o princípio da capacidade contributiva. III - Tributo de caráter sui generis, que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte. IV - Exação que, ademais, se amolda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. V - Recurso extraordinário conhecido e improvido. ( grifos aditados)
De forma similar, trazemos trecho da decisão liminar do famoso HC 76.0604, impetrado pelo paciente pai presumido de menor nascido na constância de seu casamento, que respondia à ação ordinária de reconhecimento de filiação combinada com retificação de registro movida por terceiros que se pretendia pai biológico da criança:
O que, entretanto, não parece resistir, que mais não seja, ao confronto do princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade – de fundamental importância para o deslinde constitucional da colisão de direitos fundamentais – é que se pretenda constranger fisicamente o pai presumido ao fornecimento de uma prova de reforço contra a presunção de que é titular.(grifos aditados)
Neste caso, o Tribunal considerou que o meio alternativo- exame de DNA pelo autor da ação de paternidade- seria menos restritivo que aquele escolhido pelo Julgador a quo, qual seja o exame de DNA pelo réu da ação de investigação de paternidade.
Pela leitura dos votos dos ministros nos processos acima citados, confirmamos a tese de que os tribunais brasileiros, em especial o STF, não realizam a Teoria da Ponderação da forma como proposta pelo seu mentor, Alexy. Isto é, não realizam de forma detalhada, sucessiva e eliminatória a análise dos três subprincípios.
Caso conclua pela desnecessidade da medida, de pronto, afirma-a, sem, contudo, realizar a primeira fase, a análise da adequação. De forma similar, caso visualizem a desproporcionalidade da medida, concluem neste sentido, sem proceder ao juízo da adequação e necessidade.
Não queremos dizer que o STF não se atém ao juízo de ponderação. Realiza-o, mas, de forma simplista. Virgilio Afonso da Silva vai além, considera aplicação do Princípio da Proporcionalidade, por vezes, inexistente:
Há autores que defendem posição contrária. Ives Granda da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes, por exemplo, afirmam que o “princípio da proporcionalidade [...] tem plena aplicação entre nós. Entendimento semelhante é sustentado por Suzana de Toledo Barros, que afirma não serem raras as decisões, exaradas por diversos órgãos jurisdicionais que poderiam ser” catalogadas como manifestações do reconhecimento do princípio da proporcionalidade”
[...]
Vários são os julgados citados como exemplos de aplicação da regra da proporcionalidade entre nós, dos mais recentes até julgados do início da década de 1950. Mesmo que não nos ocupemos com o fato de que, na maioria deles, a proporcionalidade nem sequer é citada, e concentremos somente naquelas em que, pelo menos nominalmente, faz-se referência a ela, como é o caso das duas decisões já citadas, salta aos olhos um problema de difícil solução: tanto Gilmar Ferreira Mendes como Suzana de Toledo Barros, quando expõem teoricamente a regra da proporcionalidade, referem, como não poderia deixar de ser, os exames da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Contudo, quando da análise da suposta aplicação da proporcionalidade pelo STF, esses exames simplesmente desaparecem. Sempre citada é a decisão liminar do STF que declarou inconstitucional a exigência de pesagem de botijões de gás na presença do consumidor, instituída, no Paraná, por lei estadual. Não há como não se perguntar se os dispositivos considerados inconstitucionais - não só nessa, mas em várias outras decisões em que se recorreu à regra da proporcionalidade - foram considerados inadequados, desnecessários ou desproporcionais em sentido estrito. Não se sabe. E não há como se saber, visto que o STF não procedeu a nenhum desses exames de forma concreta e isolada. E se não os realizou, não foi aplicada a regra da proporcionalidade
Frise-se, por fim, que entendemos não haver óbice para que o Princípio da Proporcionalidade seja nomeado de Princípio da Razoabilidade ou Proibição de Excesso, desde que estes apresentem o conteúdo daquele, ou melhor, as etapas para que uma medida seja considerada desproporcional, estas, sim, são realmente imprescindíveis, posto que caracterizam o método de autoria do jurista em estudo.
5. Conclusão
Desta forma, para Robert Alexy, uma situação de tensão entre princípios deve ser solucionada à luz do Princípio da Proporcionalidade ou Teoria da Ponderação.
Em contraponto à idéia de que diante da inexistência de uma resposta retirada do sistema normativo, o arbítrio ou discricionariedade do julgador resolveria a questão, Alexy propõe um método racional para resolução de referidas questões.Partindo da distinção entre regras e princípios, para Alexy imprescindível à construção de uma teoria adequada sobre os direitos fundamentais, suas restrições e colisão, conclui o jurista que falta uma distinção eficaz entre regras e princípios e a aplicação sistemática desta diferenciação
O conflito entre regras deve ser solucionado com a inserção de uma “cláusula de exceção” que elimine o conflito ou declare a invalidade de uma das regras em embate. Uma norma jurídica ou é válida, ou não é, e, assim, não há graduação. Já na colisão entre princípios, um cede ao outro, e o cedente não é declarado inválido, nem deve ter incluída cláusula de exceção. Os princípios possuem pesos diferentes e o com maior peso tem precedência.Pontua-se, portanto, que a distinção entre as regras ocorre na dimensão de validade, enquanto a distinção entre princípios ocorre na dimensão de peso.
Diante da colisão entre princípios, o intérprete deve utilizar o referido método de forma sistemática, sucessiva e eliminatória. Assim, a análise do segundo subprincípio, depende da aceitação do primeiro, e assim sucessivamente. Ou seja, caso uma medida seja adequada, analisaremos se é necessária, respondendo de forma afirmativa, passaremos para a fase seguinte, a proporcionalidade em sentido estrito. No entanto, caso respondêssemos de forma negativa, concluiremos, desde já, pela sua desproporcionalidade.
Uma medida é considerada adequada quando, diante da realidade fática, é capaz de realizar pelo menos um dos princípios, objeto do embate. Caso prejudique a realização de um, e não concretize o outro, a medida não é idônea, é inadequada.O meio torna-se desnecessário se, para concretizar um princípio, existe outro meio que não agrave ou agrave menos o outro princípio em conflito. No plano fático, deve-se observar a existência de meio menos gravoso. A última fase consiste na análise da Lei da Ponderação. Esta enuncia: quanto mais alto o grau do não cumprimento ou prejuízo de um princípio, maior deverá ser a importância de concretização do outro. Atribuindo valores, pesos (graus “leve”, “médio” e “ grave”) aos princípios em conflito, observaremos o grau de sacrifício de um princípio, o grau de importância do outro e se concretizar um compensa o não cumprimento do outro.
Trata-se de um procedimento racional pelo qual se conclui que, quanto mais intensa e gravosa a intervenção de um princípio em conflito, mais importante deve ser a realização do outro. Concluindo pela desproporcionalidade de uma medida, deduziremos a sua inconstitucionalidade.
Observa-se, por fim, que os tribunais brasileiros frisam a importância da aplicação do Princípio da Proporcionalidade aos “hard cases”.
6. Bibliografia
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5 ed. alemã. São Paulo: Malheiros, 2006
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Disponível em http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/1495/1179.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2008
ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Tradução: Luís Afonso Heck. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2 ed, Brasília: Brasília Jurídica, 2000
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SAMPAIO, Clara Meira Costa. Principais aspectos do princípio da proporcionalidade e aplicação pelos tribunais brasileiros Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 maio 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39490/principais-aspectos-do-principio-da-proporcionalidade-e-aplicacao-pelos-tribunais-brasileiros. Acesso em: 22 nov 2024.
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