I – INTRODUÇÃO
O presente artigo trata da evolução histórica do controle de constitucionalidade, seu conceito e seus diversos sistemas.
II – DESENVOLVIMENTO.
1. Evolução Histórica.
Os principais sistemas de controle jurisdicional da constitucionalidade das leis são: o difuso de origem norte-americana e o concentrado de inspiração kelseniana. Este último apareceu na Áustria em 1920 e foi posteriormente alterado em 1929.
No sistema de controle difuso de constitucionalidade atribui-se a todos os órgãos do Poder Judiciário a possibilidade de não-aplicação de uma norma jurídica incompatível com a Constituição a um caso concreto que esteja sob sua jurisdição. Conforme a fundamentação do Chief Justice Marshall no famoso caso Madison v. Marbury, em 1803, quando duas normas conflitantes se aplicarem em litígio, e uma delas for norma constitucional, essa, por ser superior, deve ser aplicada em detrimento da outra. Sustentava, então, a tese da supremacia da lei constitucional sobre a lei ordinária, ao declarar, na espécie julgada, que todo ato do Congresso contrário à Constituição Federal deveria ser tido por nulo, inválido e ineficaz. A importância deste caso está em que pela primeira vez a Suprema Corte americana julgou uma lei inválida, impondo ao Poder Legislativo um limite baseado na supremacia e superioridade dos preceitos inseridos na Constituição. (BONAVIDES, 1997, p. 281).
Surgiu assim, o que hoje se denomina sistema difuso de controle de constitucionalidade das leis. Difuso, pois o controle de constitucionalidade é exercido por todo o Poder Judiciário, ou seja, por todo e qualquer juiz, sendo a Suprema Corte a última instância na decisão sobre a validade de uma lei.
Vale ressaltar que a Constituição americana, em nenhum momento, previu o controle de constitucionalidade. Este é resultado, conforme preceitos do common law, de ação reiterada dos magistrados, ou seja, decorre pura e simplesmente da jurisprudência americana e não de leis propriamente ditas.
Oscar Vilhena Vieira comenta que Hans Kelsen, representante maior do positivismo jurídico, formulou o sistema concentrado, também conhecido como modelo europeu, através do qual a verificação da constitucionalidade da norma legal era atribuição exclusiva de um órgão especial e não de juízes e tribunais ordinários. Além disso, Kelsen procurou superar através do desenvolvimento de tal sistema concentrado as divergências entre órgãos jurisdicionais incumbidos de aplicar a lei.
Assim, no controle concentrado, os casos de inconstitucionalidade de leis e atos normativos são analisados exclusivamente por um órgão específico, denominado Tribunal ou Corte Constitucional, que no Brasil é o Supremo Tribunal Federal.
A influência do Direito norte-americano foi decisiva para a consolidação do modelo difuso de constitucionalidade no Brasil, sendo que tal controle judicial da constitucionalidade foi consagrado na chamada Constituição Provisória de 1890. O Decreto n.º 848, de 11 de outubro de 1890 estabeleceu, em seu artigo 3º, que na guarda e aplicação da Constituição e das leis nacionais a magistratura federal só intervirá em espécie e por provocação da parte. Então, a Constituição de 1891, influenciada pelo constitucionalismo norte-americano, incorporou o critério de controle difuso por via de exceção, reconhecendo ao Supremo Tribunal Federal a competência para verificação de incidentes de inconstitucionalidade. (MENDES, 1998, p. 233).
Essa tendência foi firmada na Lei n° 221/1894 (Lei de Organização da Justiça Federal).
Gilmar Mendes, na atualização da obra “Mandado de Segurança” de Hely Lopes Meirelles, ensina que a declaração de inconstitucionalidade por via de exceção erigiu-se, inicialmente, em dogma do regime republicano. A “inconstitucionalidade – ensinava Rui Barbosa – não se aduz como alvo de ação, mas apenas como subsídio à justificação do direito, cuja reivindicação se discute”, uma vez que “o remédio judicial contra os atos inconstitucionais, ou ilegais, da autoridade política não se deve pleitear por ação direta ou principal”. E, dentre os requisitos elementares ao exercício do controle de constitucionalidade no direito brasileiro, reputava imprescindível “que a ação não tenha por objeto diretamente o ato inconstitucional do Poder Legislativo, ou Executivo, mas se refira à inconstitucionalidade dele apenas como fundamento, e não alvo, do libelo” (MEIRELLES, 2005, p. 534).
O critério adotado pela Constituição de 1891 perdurou nas Constituições sucessivas até a vigente. As Constituições brasileiras seguintes começaram a prever a competência do Judiciário e permitia a não aplicação de uma lei tida como inconstitucional. José Afonso da Silva lembra que a Constituição Federal de 1934 manteve o controle difuso, e trouxe três inovações importantes (previu o controle abstrato): ação direta de inconstitucionalidade interventiva, a regra de que só por maioria absoluta de votos dos seus membros os tribunais poderiam declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público e a atribuição ao Senado Federal de competência para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou ato declarado inconstitucional em decisão definitiva.
Sob a Constituição de 1946 duas outras novidades surgiram por meio da Emenda Constitucional 16: a criação da ação direta de inconstitucionalidade genérica e permitiu que lei estabelecesse o processo, de competência do Tribunal de Justiça, para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal, em desarmonia com a Constituição Estadual. A Constituição de 1969 instituiu a ação direta interventiva.
A Constituição de 1988 alterou de maneira radical a situação das Constituições anteriores, pois previu a inconstitucionalidade por omissão (art.103, §2º) e ampliou a legitimação para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, por ação ou omissão (art.103), consolidando, desta forma, dois tipos de controle: o controle por via de exceção e o controle por via de ação. A última novidade veio com a Emenda Constitucional n° 3 de 1993 que estabeleceu a ação declaratória de constitucionalidade.
Antes de 1988, as Constituições davam mais ênfase ao sistema difuso ou incidental do controle de constitucionalidade, porém, com a Constituição de 1988, o sistema concentrado juntou-se àquele, permitindo a veiculação de questões constitucionais diretamente perante o Supremo Tribunal Federal, através das ações diretas de inconstitucionalidade. (MENDES, 1998, p. 250).
Em suma, hoje qualquer juiz no Brasil pode realizar essa fiscalização e declarar a inconstitucionalidade de uma norma. A diferença está que nos tribunais de justiça precisa se reunir em plenário e colher o voto da maioria absoluta de seus membros para declarar a inconstitucionalidade em face da Constituição Estadual (artigo 97, CF).
2. Controle de Constitucionalidade.
A existência de escalonamento normativo é pressuposto necessário para a supremacia constitucional, pois, ocupando a constituição a hierarquia do sistema normativo é nela que o legislador encontrará a forma de elaboração legislativa e o seu conteúdo. Além disso, nos países que possuem Constituição rígida (como o Brasil), ou seja, aquelas que preveem, para sua própria alteração, um procedimento legislativo mais gravoso do que o estipulado para as leis ordinárias, institui-se uma espécie de pirâmide normativa, em cujo ápice se localiza a Constituição Federal. Dessa maneira, todos os atos normativos infraconstitucionais devem, por princípio, guardar compatibilidade com a Carta Magna.
Esse dever de compatibilidade vertical com a Lei Maior obedece dois parâmetros: um formal e outro material. O formal diz respeito às regras constitucionais referentes ao processo legislativo. O parâmetro material, por sua vez, refere-se ao conteúdo das normas constitucionais. Assim, o conteúdo de uma norma infra ordenada não pode ser antagônico ao de sua matriz constitucional.
O controle de constitucionalidade configura-se, portanto, como garantia de supremacia dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição que, além de configurarem limites ao poder do Estado, é também uma parte de legitimação do próprio Estado, determinando seus deveres e tornando possível o processo democrático em um Estado de Direito, conforme aponta Alexandre de Moraes.
Controlar a constitucionalidade significa verificar a perfeita adequação de uma lei ou de um ato normativo com a Constituição, verificando seus requisitos formais e materiais. É sempre um exame comparativo entre um ato legislativo ou normativo e a Constituição. Daí pode-se dizer que todo ato legislativo ou normativo que contrariar a Lei Fundamental de organização do Estado deve ser declarado inconstitucional.
Alexandre de Moraes diz que a ideia de controle de constitucionalidade está ligada à Supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e, também, à de rigidez constitucional e proteção dos direitos fundamentais. A Constituição Federal não pode ser contrariada, desaplicada ou modificada, a não ser, nesse último caso, através do procedimento por ela mesma fixado.
Michel Temer explica que controlar a constitucionalidade significa impedir a subsistência da eficácia da norma contrária à Constituição Federal. Também, significa a conferência de eficácia plena a todos os preceitos constitucionais em face da previsão do controle da inconstitucionalidade por omissão.
3. Sistemas de Controle.
Apesar das várias formas de sistema, historicamente, é possível identificar três grandes modelos de justiça constitucional (e um modelo mais simplificado, que é o inglês), com base nos sistemas jurídicos adotados por diversos ordenamentos para garantia da supremacia da Constituição: sistema norte-americano, sistema austríaco e sistema francês.
3.1. Sistema Norte-americano.
O controle de constitucionalidade mundial tem como origem moderna a decisão da Suprema Corte Norte-Americana no caso Madison versus Marbury, de 1803, em que a sentença do Juiz Marshall se tornou histórica. O expediente desse controle de constitucionalidade é chamado judicial review, vez que é exercido pelo Poder Judiciário. É também conhecido como sistema difuso ou do caso concreto, pois qualquer juiz pode deixar de aplicar uma lei em uma controvérsia que lhe tenha sido submetida, se entendê-la inconstitucional.
Ao Poder Judiciário é permitido, mediante casos concretos postos em julgamento, interpretar a Constituição, adequando e compatibilizando os demais atos normativos com suas superiores normas. Com isso, haverá supremacia jurisdicional sobre todos os atos dos poderes constituídos, inclusive sobre o Congresso.
3.2. Sistema Austríaco.
Outro sistema de controle de constitucionalidade é o chamado de austríaco ou concentrado, que foi criado por inspiração de Hans Kelsen e integrou a Constituição da Áustria de 1920. Nele, a atividade de controle de constitucionalidade é exercida por um tribunal específico, não integrante da estrutura do Poder Judiciário. É o Tribunal Constitucional. Sua função é julgar a constitucionalidade das leis, por meio de ações que são propostas com esse objetivo determinado ou através de incidente de inconstitucionalidade.
Alexandre de Moraes completa dizendo que o controle exercido pelos Tribunais Constitucionais, longe de configurar um desrespeito à vontade popular emanada por órgãos eleitos, seja no Executivo seja no Legislativo, constitui um delicado sistema de complementaridade entre a Democracia e o Estado de Direito, que para manter-se balanceado, deve possuir claras e precisas regras sobre sua composição, competências e poderes.
3.3. Sistema Francês.
Merece menção o sistema francês ou político de controle de constitucionalidade, que não é realizado pelo Poder Judiciário e só tem lugar antes da promulgação da lei. Existe o Conselho Constitucional, que é um órgão político e não judicial, ao qual devem ser submetidas algumas espécies normativas. Suas decisões não admitem recursos. Apenas se o Conselho considerar os projetos constitucionais é que serão promulgados e entrarão em vigência. Trata-se, portanto, de um sistema preventivo e político de controle.
3.4. Sistema Inglês.
Na Inglaterra, em razão do princípio da soberania do parlamento, não há controle de constitucionalidade.
3.5. Sistema Brasileiro.
O sistema brasileiro aceita que o controle seja difuso, de competência de todo e qualquer juiz no julgamento de uma controvérsia, ou seja abstrato, através de ações diretas propostas perante o STF ou, no caso dos Estados, perante o tribunal de justiça. O STF não é, entretanto, um Tribunal Constitucional nos moldes austríaco, pois integra, como órgão de cúpula, o Poder Judiciário e suas competências não se restringem ao controle de constitucionalidade.
José Afonso da Silva pensa que o constitucionalismo brasileiro estruturou técnicas peculiares de controle, que não comporta o sistema norte-americano. Milita presunção de validade constitucional em favor de leis e atos normativos do Poder Público, que só se desfaz quando incide o mecanismo de controle jurisdicional estatuído na Constituição. Essa presunção foi reforçada pela Constituição, pelo teor do artigo 103, § 3° da CF, que estabeleceu um contraditório no processo de declaração de inconstitucionalidade, em tese, impondo o dever de audiência do Advogado-Geral da União que obrigatoriamente defenderá o ato ou texto impugnado. A declaração de inconstitucionalidade, na via indireta, não anula a lei nem a revoga; teoricamente, a lei continua em vigor, eficaz e aplicável, até que o Senado Federal suspenda sua executoriedade nos termos do artigo 52, X, da CF. A declaração na via direta tem efeito diverso, importa suprimir a eficácia e aplicabilidade da lei ou ato (SILVA, 2005, p. 53).
III – CONCLUSÃO.
Diante do que foi exposto acima, observa que as Constituições anteriores a 1988 enfatizavam o sistema difuso, porém, com a atual Carta Magna, o sistema concentrado ganhou relevância, permitindo o ingresso de questões constitucionais diretamente no Supremo Tribunal Federal.
Este controle de constitucionalidade configura-se, portanto, como garantia de supremacia dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição que, além de configurarem limites ao poder do Estado, é também uma parte de legitimação do próprio Estado, determinando seus deveres e tornando possível o processo democrático em um Estado de Direito, conforme aponta Alexandre de Moraes.
IV – REFERÊNCIAS.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 13. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. 905 p.
CLÈVE, Clermeson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. 235 p.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. 169 p.
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998. p. 233
__________. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2006. 240 p.
MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1255
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. 629 p.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional para concursos. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2005. 866 p.
Procuradora Federal lotada na PFE/Anatel, pertencente à Gerência de Contenciosa desta Agência. Sou Especialista em Direito Administrativo e em Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORELO, Ludimila Carvalho Bitar. Histórico e sistemas do controle de constitucionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39587/historico-e-sistemas-do-controle-de-constitucionalidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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