Resumo: O presente trabalho examina os elementos constitutivos que integram o plano da existência do negócio jurídico.
Palavras chave: negócio jurídico, plano da existência, elementos constitutivos.
Sumário: 1. Introdução; 2. Plano da existência - elementos constitutivos do negócio jurídico; 3. Conclusões; 4. Referências bibliográficas.
1. Introdução
A incidência da norma jurídica sobre o suporte fático que a Ciência Jurídica considerou como relevante opera uma transformação, o fato do mundo real passa a ser jurídico, despontando o negócio jurídico quando presente a manifestação de vontade direcionada a um fim específico. É nesse momento que o ele passa a existir no mundo do Direito.
No plano da existência, a pertinência do negócio jurídico está no exame da suficiência do suporte fático diante da ordem jurídica. Em outras palavras, verificar-se-á se o instituto regulador das relações intersubjetivas contém em si os elementos considerados essenciais pela norma, tanto para a conformação como categoria abstrata, quanto para sua estruturação como espécie[1].
A existência do negócio jurídico constitui, nessa linha, o pressuposto lógico e necessário de todos os demais planos na medida em que ausente qualquer um de seus elementos considerados essenciais, deixará de ingressar no mundo jurídico e será um irrelevante[2].
Realizada a configuração no plano existencial, o exame seguinte passa pela validade, embasado na conformação do suporte fático em face do negócio jurídico, isto é, se os seus requisitos não apresentam deficiência ou ausência de elemento complementar.
A validade do negócio jurídico está no sentido de perfeição, de consonância com o ordenamento elaborado pela Ciência Jurídica, conferindo a qualidade que deve ser portador ao ingressar no mundo jurídico, além da regularidade com as regras jurídicas[3].
O terceiro e último plano, o da eficácia, compreende a aptidão que o negócio jurídico deve ser portador para produzir efeitos próprios que a norma jurídica lhe atribui, efeitos esses consistentes em direitos e/ou deveres, pretensões e/ou obrigações, ações e/ou exceções.
A colocação da eficácia como terceira e última, não lhe atribui um caráter suplementar, pois, apesar dos três planos serem interdependentes, há nítida distinção entre eles, sendo plenamente admitido encontrar situações em que o negócio jurídico existe, é válido e é eficaz; existe, é válido e é ineficaz; existe, é inválido e é eficaz; existe, é inválido e é ineficaz; existe e é apenas eficaz e por fim; existe e é ineficaz.
Nesse sentido, os planos da existência, validade e eficácia compreendem as dimensões que o negócio jurídico deve ser analisado, com o fim de verificar se ele obtém plena realização[4].
Em um primeiro momento verifica-se pura e simplesmente a composição do negócio jurídico, isto é, a presença de seus elementos nucleares (plano da existência), depois se procede à análise desses elementos em conformidade com o ordenamento (plano da validade) e por fim, constata-se se há produção de efeitos jurídicos (plano da eficácia).
Para compreensão da teoria do negócio jurídico, é indispensável a análise das três dimensões que o instituto pode alcançar. No presente artigo serão considerados os elementos constitutivos do primeiro plano, o da existência.
2. Plano da existência – elementos constitutivos do negócio jurídico
O plano da existência consiste na conformação de suficiência do suporte fático em relação à norma, de modo a verificar se o negócio jurídico é portador dos elementos essenciais prescritos pelo ordenamento jurídico. Segundo Marcos Bernardes de Mello:
Ao sofrer a incidência de norma jurídica juridicizante, a parte relevante do suporte fático é transportada para o mundo jurídico, ingressando no plano da existência. Neste plano, que é o plano do ser, entram todos os fatos jurídicos, lícitos ou ilícitos. No plano da existência não se cogita de invalidade ou eficácia do fato jurídico, importa, apenas, a realidade da existência. Tudo, aqui, fica circunscrito a se saber se o suporte fático suficiente se compôs, dando ensejo à incidência. Naturalmente, se há falta, no suporte fático, de elemento nuclear, mesmo completante do núcleo, o fato não tem entrada no plano da existência, donde não haver fato jurídico[5].
Nesse exame preliminar, impõe-se a observação que o negócio jurídico é composto por categorias que repercutem na composição de seus elementos e sua análise no plano existencial prescinde de um enfoque sob a forma abstrata e concreta.
Como categoria abstrata se encontram todas as modalidades de negócios jurídicos (sentido lato) assim como a figura do contrato, gênero do qual todas as demais são espécies. Como realidade concreta, estão as diversas modalidades de negócios jurídicos in specie, a exemplo da compra e venda, da locação, do comodato, do mútuo, dentre inúmeros outros no qual se processam as relações intersubjetivas.
Por essa distinção, a classificação dos elementos constitutivos do negócio jurídico requer um enfoque tergêmino: (i) elementos gerais, comuns a todos os negócios jurídicos; (ii) elementos categoriais, próprios de cada tipo de negócio; e (iii) elementos particulares, existentes em um negócio determinado, não sendo comuns a todos eles ou a certos tipos[6].
Dentre os elementos gerais, comuns a todos os negócios jurídicos, uns se apresentam como extrínsecos porque dizem respeito a sua estrutura aparente e a delimitação no espaço físico e temporal, e outros são intrínsecos, pois dizem respeito ao seu conteúdo.
Os elementos gerais extrínsecos são compostos pelo agente, lugar e tempo. O negócio jurídico é espécie do qual os fatos jurídicos são gênero, no entanto o que lhe confere particularidade está na presença da manifestação de vontade voltada para determinados fins que o ordenamento jurídico disciplina, de forma que sem sujeito haverá fato jurídico e não negócio jurídico. Os outros dois elementos constituem a delimitação temporal e física do instituto, e quando ausente, não se constata sequer a existência do fato jurídico em sentido lato, muito menos o negócio jurídico.
Ao lado dos elementos gerais extrínsecos, o negócio jurídico é composto por elementos intrínsecos que constituem a declaração, o objeto e as circunstâncias negociais. A declaração é o modo pelo qual a vontade do agente se manifesta no mundo exterior, podendo revestir-se da forma escrito, oral, expressa, tácita, gestual, etc.; o objeto diz respeito ao conteúdo do negócio jurídico, as cláusulas ou disposições, ao passo que as circunstâncias negociais compõem uma manifestação de vontade em determinado momento com fins direcionados à produção de efeitos disciplinados pela ordem jurídica.
De acordo com Antonio Junqueira Azevedo:
Sem os citados elementos gerais, qualquer negócio torna-se impensável. Basta a falta de um deles para inexistir o negócio jurídico. Aliás, precisando ainda mais: se faltarem os elementos tempo ou lugar, não há sequer fato jurídico; sem agente, poderá haver fato, mas não ato jurídico; e, finalmente, sem circunstâncias negociais, forma ou objeto, poderá haver fato ou ato jurídico, mas não negócio jurídico. A falta de qualquer um desses elementos acarreta, pois, a inexistência do negócio jurídico, seja como negócio, seja até mesmo como ato ou fato jurídico; nesse sentido, são eles elementos necessários e, se nos ativermos ao negócio jurídico como categoria geral, são também suficientes[7].
Os elementos categorias são próprios de cada negócio jurídico, considerando a análise sob a perspectiva do contrato no plano abstrato. São eles que caracterizam a natureza jurídica de cada tipo negocial e por isso resultam da norma. Assim, a título exemplificativo aponta-se no contrato de compra e venda o acordo de vontades, a coisa e o preço; no casamento, a livre manifestação de vontade perante a autoridade competente com o propósito de constituir uma comunhão de bens, direitos e deveres; no testamento, a livre disposição dos bens para depois da morte do testador.
Os elementos categorias podem ser subdivididos em essenciais ou inderrogáveis e naturais ou derrogáveis. Os primeiros, de que são exemplo o acordo quanto ao preço no contrato de compra e venda ou a disposição de bens para depois da morte no testamento, não podem ser afastados pela vontade das partes sob pena de acarretar a inexistência do negócio jurídico, enquanto os demais de que são exemplos a prestação e contraprestação nos contratos onerosos ou a gratuidade no depósito ou mútuo, inseridos no âmbito da autonomia privada das partes, podem ou não estar presentes sem refletir no plano existencial[8].
Por derradeiro, se apresentam os elementos particulares, também chamados de accidentalia negotii e que são o termo, o encargo, a condição e a cláusula penal. Muito embora eles ingressam na livre disposição de vontade das partes, inexiste repercussão no plano existencial do negócio jurídico, estando relacionados ao plano da eficácia.
A temática da tricotomia do negócio jurídico se apresenta complexa aos aplicadores do direito devido à riqueza de detalhes e variedade de concepções, sendo evidenciada pelo fato do Código Civil não haver regulado o tema.
Nesse sentido, observou José Carlos Moreira Alves:
Disciplinando o negócio jurídico, não seguiu o Anteprojeto sistemática baseada na tricotomia (que não é tão moderna como pretendem alguns) existência – validade – eficácia, mas procurou respeitar, nas linhas fundamentais, a sistemática do Código em vigor, a qual se justifica se se atentar para a circunstância de que, depois de se estabelecerem os requisitos de validade do negócio jurídico, trata-se de dois aspectos ligados à manifestação de vontade: interpretação do negócio jurídico e a representação; em seguida, disciplinam-se a condição, o termo e o encargo, que são autolimitações de vontade (isto é, uma vez apostos à manifestação de vontade, tornam-se inseparáveis dela); e, finalmente, a parte patológica do negócio jurídico, seus defeitos e invalidade[9].
Igualmente Álvaro Villaça de Azevedo:
Para ser completo, o novo Código deveria ter cuidado da inexistência e da invalidade do negócio jurídico, acolhendo a divisão tripartite (negócios inexistentes, nulos e anuláveis). Ao contrário, manteve ele a posição anterior de considerar os negócios inválidos em duas categorias: nulos e anuláveis[10].
O Código Civil vigente, introduzindo modificações apenas quanto à disposição da matéria, perdeu a oportunidade de inovar significativamente ao manter a classificação anterior.
3. Conclusões
Feitas essas observações, é possível afirmar que a análise do plano da existência, bem assim de seus elementos constitutivos, no que diz respeito aos negócios jurídicos, se apresenta pertinente na conformação, interpretação e produção de efeitos do instituto como instrumento de regulação das relações intersubjetivas.
O exame primeiro está no campo da existência. Essa operação é resultado da incidência da regra jurídica no suporte fático, sendo pertinente nessa análise, a verificação de que o negócio jurídico é composto por elementos constitutivos da sua estrutura orgânica sem os quais o instituto não ingressa sequer no mundo jurídico.
Realizada a conformação na dimensão existencial, o exame seguinte passa pelos demais planos, interdependentes e distintos, sendo possível evidenciar situações em que o negócio jurídico existe, é válido e é eficaz; existe, é válido e é ineficaz; existe, é inválido e é eficaz; existe, é inválido e é ineficaz; existe e é apenas eficaz e por fim; existe e é ineficaz.
Existir, valer e ser eficaz são disposições inconfundíveis e assim precisam ser examinadas.
4. Referências bibliográficas
ALVES, José Carlos Moreira. A parte Geral do Projeto do Código Civil Brasileiro. 2ª edição. São Paulo: Saraiva. 2003.
AZEVEDO, Álvaro Villaça de. Código Civil Comentado. Vol. II. São Paulo: Atlas. 2003.
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico – existência, validade e eficácia. 4ª edição. São Paulo: Saraiva. 2002.
BETTI, Emilio. Teoria do negócio jurídico. Coimbra: Coimbra Editora, 1969.
MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 12ª edição. São Paulo: Saraiva. 2003.
MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Interpretação e integração dos negócios jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1989.
MIRANDA. Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. 1ª edição. Campinas: Bookseller. 2000.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 30ª edição. São Paulo: Saraiva. 1991.
RÁO, Vicente, Ato jurídico. 4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1999.
RODRIGUES. Silvio. Direito civil. Parte geral. 22ª ed. São Paulo: Saraiva. 1991.
SCHMIEDEL, Raquel Campani, Negócio jurídico – nulidades e medidas sanatórias. São Paulo: Saraiva. 1985.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 4ª edição. São Paulo: Método. 2014.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 3ª edição. São Paulo: Atlas. 2003.
[1]SCHMIEDEL, Raquel Campani, Negócio jurídico – nulidades e medidas sanatórias. São Paulo: Saraiva. 1985. p 51.
[2] Ibid. p. 51.
[3] MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico – plano da validade. 3ª edição. São Paulo: Saraiva. 1999. p. 3.
[4] AZEVEDO, Antonio Junqueira. Negócio jurídico – existência, validade e eficácia. 4ª edição. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 24.
[5] MELLO, Marcos Bernardes. Teoria de negócio jurídico – plano da existência. 12ª edição. São Paulo: Saraiva. 2003. p. 96.
[6]AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico – existência, validade e eficácia. 4ª edição. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 32.
[7] Ibid. p. 34-35.
[8] AZEVEDO, Antonio Junqueira de. ob. cit. p. 35-37.
[9] ALVES, José Carlos Moreira. A parte Geral do Projeto do Código Civil Brasileiro. 2ª edição. São Paulo: Saraiva. 2003. p. 82.
[10] AZEVEDO, Álvaro Villaça de. Código Civil Comentado. Vol. II. São Paulo: Atlas. 2003. p. 279
Procurador Federal, Mestre em Direito das Relações Econômico-empresariais, Especialista em Direito Empresarial e Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CERVO, Fernando Antonio Sacchetim. Negócio jurídico - comentários aos elementos constitutivos no plano da existência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39603/negocio-juridico-comentarios-aos-elementos-constitutivos-no-plano-da-existencia. Acesso em: 22 nov 2024.
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