Os espaços públicos do centro de São Paulo deveriam atender a uma perspectiva de qualidade de vida da população ou ao estímulo às privatizações elitistas?
A Constituição Federal nos ajuda a entender essa questão. O artigo 5º, inciso XXIII é taxativo quando dispõe que a propriedade atenderá a sua função social. O art. 182 da Carta Magna prevê na parte da política urbana a Função Social da Cidade com vistas a garantia do bem-estar dos seus habitantes. Portanto uma cidade plural envolve o acesso aos espaços públicos por todos ricos e pobres. A Emenda Constitucional 26/2000 inseriu o direito à moradia no art. 6º entre os direitos sociais. Numa interpretação principiológica há a sinergia desse dispositivo com o princípio da dignidade da pessoa humana, mediante garantia de moradia digna para todos, e não apenas um teto. Além do direito à saúde, alimentação, trabalho, maternidade, infância, assistência aos desamparados.
A partir da perspectiva ético-jurídica o poder público deveria observar os princípios fundamentais que balizam o próprio Estado de Direito, capitalista temos as cláusulas pétreas expressas na Constituição Federal que em seu artigo 1º, caput, II, III e IV, apresenta como fundamentos do Estado Democrático de Direito: a cidadania, a dignidade da pessoa humana, aliado aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Também o artigo 3º, caput da CF/88 aponta como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e a marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, além da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Entre os direitos e garantias fundamentais do artigo 5º temos à inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Em consonância com o artigo 6º temos entre os direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade, e à infância, a assistência social aos desamparados, na forma da Constituição. Por sua vez o artigo 170 da Constituição Federal traz entre outros princípios gerais da ordem econômica e financeira a função social da propriedade, a redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego.
Contrariamente a concepção plural de cidade identifica-se um processo de “limpeza social” no centro nos últimos anos mediante as ações repressivas como “toque de despertar”, “Operação delegada”, “Operação Centro legal” ao mesmo tempo o discurso oficial associa pobreza à marginalidade, com vistas à concepção de cidade voltada aos endinheirados. Em especial pela área central ser locus privilegiado de bens, serviços, mobilidade. Embora com o discurso de cuidar da saúde dos cidadãos e para garantir-lhes o Direito à vida. Os governos locais passam a adoção de medidas que visam retirar de circulação os dependentes químicos da “Cracolândia” pela aplicação da lei 10.216/2001 que prevê a internação voluntária, involuntária ou compulsória a esses casos. No entanto, o que fazer após o período de internação? Quais políticas públicas de longo prazo são estabelecidas com vistas à dignidade da pessoa humana? A Bolsa anticrack? Que por sinal não contempla nem mesmo os dependentes da Cracolândia sob o argumento de que já a serviço adequado ao tratamento na área, como o Cratod (centro de referência de álcool, tabaco e outras drogas).
Tramita no Congresso Nacional o PL 7663/2010 que estabelece uma nova política antidrogas, incluída a internação involuntária declarada por médico a pedido da família (acrescenta e altera a Lei 11.343 de 2006). Porém, para além do endurecimento das leis, o direito à vida com dignidade diz respeito às garantias pelo Estado de que o indivíduo não lhe dê fim com seus próprios meios; além de assegurar-lhes proteção mediante condições adequadas de vida para todos.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição Federal da República Federativa do Brasil. 14. ed. Rio de Janeiro: DP & A, 2003.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. PL 7663/2010. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=483808>. Acesso em 25 de maio 2014.
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Cratod. Disponível em: <http://www.saude.sp.gov.br/cratod-centro-de-referencia-de-alcool-tabaco-e-outras-drogas/>. Acesso em 25 de maio 2014.
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