RESUMO: É cediço que se faz imprescindível a derradeira manifestação do Estado em uma controvérsia eventualmente posta em juízo, e tal derradeira manifestação se dará através da coisa julgada. O fenômeno que torna indiscutível a controvérsia posta em juízo tem respaldo em toda uma ordem de princípios de base indubitavelmente constitucional. Entrementes, é necessário uma reflexão acurada sobre os entrelaces que eventualmente podem surgir da coisa julgada quando sopesada com o controle de constitucionalidade. Este controle, essencial para aferir a aptidão da norma jurídica frente aos preceitos constitucionais, também levará a um caso definitivamente julgado e que será sopesado frente às demais contendas em sociedade.
Palavras-chave: Coisa julgada; Controle de constitucionalidade; Princípios.
SUMÁRIO: 1. A relevância principiológica; 1.1 Segurança Jurídica; 1.2 Proporcionalidade; 2 Espécies de controle de constitucionalidade e reflexos na coisa julgada; 3 Conclusão; 4 Referências.
I A relevância principiológica
A análise de um tema em direito não pode quedar-se estanque sem a contraposição com o sistema jurídico. A análise tem de ser sistemática, sopesando todas as teorias do pensar jurídico, mormente as teses principiológico constitucionais.
Princípio, em uma breve conceituação, pode ser considerado como o alicerce, a base, o DNA do ordenamento jurídico. É no princípio que se encontram os caracteres fundantes, orientadores e complementares da ordem jurídica vigente.
É a preponderância principiológica, e conforme ressalta Donaldo Armelin:
Atualmente no sistema jurídico não preponderam as não preponderam as regras mas sim os princípios, de forma que o sistema jurídico é presidido precipuamente por estes, até porque a vulneração de um princípio pode implicar violação mais grave do que aquela resultante da violação de uma regra (2006, p. 72).
Essa é a linha de pensamento de Celso Antônio Bandeira de Melo afirmando que:
Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, dispositivo fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico (2000, p. 747-748)
E conclui Celso Antônio:
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra (2000, p. 747-748).
Faz-se mister então ressaltar entendimento de Dirley da Cunha Junior ao asseverar a tese da tridimensionalidade funcional dos princípios diante do ordenamento jurídico-constitucional, dizendo que “o princípio jurídico se destaca como pedra angular desse sistema de normas” (2004, p. 34).
Arrematando ainda o mesmo autor que:
Ou, poder-se-á afirmar, aqui apressadamente, que princípios de Direito consagram valore (democracia, liberdade, igualdade, segurança juridica, dignidade, estado de direito, etc.) fundamentadores do sistema jurídico, orientadores da sua exata compreensão, orientação e aplicação e, finalmente, supletivo das demais fontes do direito (tridimensionalidade funcional dos princípios) (2004, p. 34).
Na definição do mestre Willis Santiago Guerra Filho apud Pablo Stolze:
Princípios por sua vez, encontram-se em um nível superior de abstração, sendo igual e hierarquicamente superiores, dento da compreensão do ordenamento jurídico com uma ‘pirâmide normativa’(Stufenbau), e se eles não permitem uma subsunção direta de fatos, isso se dá indiretamente, colocando regras sobre o seu ‘raio de abrangência’(2005, p. 31).
Esse é também o pensar de Geraldo Ataliba apud Espindola, ao explicar a questão da prevalência principiológica estabelecida por nosso ordenemento, bem como por qualquer ordenamento pautado em um Estado Democrático de Direito asseverando que:
O sistema jurídico se estabelece mediante uma hierarquia segundo a qual algumas normas descansam em outras, as quais, por sua vez, repousam em princípios que, de seu lado, se assentam em outros princípios mais importantes. Dessa hierarquia decorre que os princípios maiores fixam as diretrizes gerais do sistema e subordinam os princípios menores. Estes subordinam certas regras que, à sua vez, submetem outras (1999, p. 165).
Nesse ensejo que se percebe o quão é importante a investigação principiológica quando do estudo, mormente quando se irá sustentar uma tese a respeito de qualquer preceito jurídico.
Nessa mesma linha é o ensinamento de Vicente Ráo apud Alexandre de Morais, para quem:
A hermenêutica tem por objetivo investigar e coordenar por modo sistemático os princípios científicos e leis decorrentes, que disciplinam a apuração do conteúdo, do sentido, e dos fins das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico do direito, para efeito de sua aplicação e interpretação; por meio de regras e processos especiais procura realizar, praticamente, estes princípios e estas leis científicas; a aplicação das normas jurídicas consiste na técnica de adaptação dos preceitos nelas contidos assim interpretados, às situações de fato que se lhe subordinam (2003, p. 43).
E é essa mesma regra de interpretação, tomando por diapasão o sistema, que será levada em conta quando o interprete se encontrar diante de um aparente conflito entre princípios. Aparente, vez que não é admissível o choque entre preceitos consignados pela norma fundante (Bonavides, 1988 p.277).
Paulo Bonavides explicitando o tema da nova hermenêutica aduz criticamente que:
Não resta dúvida que interpretar a constituição normativa é muito mais do que fazer-lhe claro o sentido: é sobretudo atualiza-la. A interpretação nos sistemas rígidos do constitucionalismo formal será tanto mais importante e necessária quanto mais altos forem os obstáculos levantados à mudança do curso da constituição ou ao processo técnico de sua reforma.
A rigidez provoca assim e faz avultar as exigências interpretativas conduzidas segundo critérios evolutivos que possam consentir uma rápida adequação histórica dos textos aos imperativos tácitos da mudança constitucional, sem violência ao ordenamento jurídico fundamental (1988, p. 324).
Vê-se pois, que avulta de fundamental importância a análise principiológica em qualquer investigação que o operador do direito pretenda fazer. Mormente quando se necessita de princípios fundantes da ordem jurídica como segurança jurídica e proporcionalidade afim de se buscar o ideal de justiça.
Isto por que os que escrevem sobre a coisa julgada, tem como seu principal argumento dissertativo, a segurança jurídica, dizendo pois que esta é fundamental em um Estado Democrático de Direito.
3.1.1 Segurança jurídica
Sentir-se seguro. Esse é um dos maiores desejos de toda a sociedade.
Em vários aspectos pode-se definir o que venha a ser segurança. Aqui se foca tal preceito sob a ótica principiológica e dentro do âmbito jurídico. Destarte, supõe-se que tal segurança seja conferida pelo Estado quando da solução dos conflitos postos sub-judice.
A aplicação efetiva da norma ao caso concreto deve ser pautada em um ideal de justiça. Essa será a fonte donde brotará o princípio da segurança jurídica, e onde o mesmo buscará a todo tempo a sua fundamentação.
Por isso mesmo que a Carta Fundamental fez questão de assegurar tal preceito. E nesse diapasão é que Donald Armelin externou que:
Por sua vez, o valor de segurança jurídica é também respaldado na Carta Magna. Se a segurança pode ser enfocada, sob o prisma psicológico, como convicção de que as coisas ocorrerão normalmente, a segurança jurídica repousa também na estabilidade das relações jurídicas e também, especialmente, das decisões que põe fim aos conflitos eclodidos na sociedade. Seu tratamento específico emerge do texto do art 5º, inciso XXXVI da lei maior da União, que assegura não só a intangibilidade do ato jurídico perfeito e do direito adquirido, como também da coisa julgada frente à lei nova, impondo a vedação da retroeficácia desta forma a obstar qualquer prejuízo ao julgado ungido pela imutabilidade panprocessual inerente a esse fenômeno de natureza processual de grande relevância para a estabilidade das relações sociais (2006, p. 73).
Citando Miguel Reale, em monografia sobre o tema, Paulo Eduardo de Figueiredo Chacon enfatiza que:
A segurança jurídica depende da aplicação, ou melhor, da obrigatoriedade do Direito. Miguel Reale, discorrendo acerca da obrigatoriedade ou a vigência do Direito, afirma que a idéia de justiça liga-se intimamente à idéia de ordem. No próprio conceito de justiça é inerente uma ordem, que não pode deixar de ser reconhecida como valor mais urgente, o que está na raiz da escala axiológica, mas é degrau indispensável a qualquer aperfeiçoamento ético (INTERNET, 2003).
É esta noção de retidão, equidade e enfim do justo, que deve ser focada quando se fala em segurança jurídica. É o indivíduo sentir-se seguro quanto aquela decisão que será proferida, ou aquela lei que rege o seu comportamento na sociedade.
E para que tenha efetividade não só formal bem como material o sistema deve ser pautado não apenas pelo princípio em comento, bem como por outros princípios que dele emanam, tal como argumenta Paulo Eduardo quando, citando Eliezer Pereira Martins, escreve que:
Acerca dos elementos que dão efetividade ao princípio, temos que a segurança jurídica é assegurada pelos princípios seguintes: irretroatividade da lei, coisa julgada, respeito aos direitos adquiridos, respeito ao ato jurídico perfeito, outorga de ampla defesa e contraditório aos acusados em geral, ficção do conhecimento obrigatório da lei, prévia lei para a configuração de crimes e transgressões e cominação de penas, declarações de direitos e garantias individuais, justiça social, devido processo legal, independência do Poder Judiciário, vedação de tribunais de exceção, vedação de julgamentos parciais, etc (INTERNET, 2003)(grifou-se).
E conclui o mesmo autor no sentido de demonstrar a dependência do princípio da segurança jurídica para com os direitos e garantias fundamentais, afim de ter plena efetividade no mundo jurídico (INTERNET, 2003).
Nesse ponto que entra o reflexo da segurança jurídica no que tange à coisa julgada, pois, uma vez que sendo esta, uma faceta daquele princípio, assegurada, inclusive, como garantia fundamental, o que poderá ser feito quando essa coisa julgada afrontar a própria ordem constitucional que assegura o seu princípio fundante?
Assim, por via desse diapasão é que se chega ao aparente conflito entre a segurança dada pela decisão soberanamente julgada e o valor de justiça imbuído na mesma, dando margem a infindáveis combates doutrinários acerca do tema.
3.1.2 Proporcionalidade
Até mesmo o chamado homem comum do povo tem uma certa idéia de proporção. Idéia daquilo que será a medida certa, daquilo que será de cabível à uma dada situação.
Quando porém se analisa principiologicamente a idéia de proporcionalidade chega-se a algo mais profundo, chega-se à noção dada pela doutrina para explicar não só a funcionalidade, mas também a aplicabilidade e os fundamentos desde princípio.
Malgrado a sua não inclusão de maneira expressa pela norma fundante, a doutrina abalizada entende que tal princípio seria o grande norteador dos direitos e garantias fundamentais.
Na visão de Paulo Bonavides apud Marília Carvalho da Costa:
A vinculação do princípio da proporcionalidade ao Direito Constitucional ocorre por via dos direitos fundamentais. É aí que ele ganha extrema importância e aufere um prestígio e difusão tão larga quanto outros princípios cardeais e afins, nomeadamente o princípio da igualdade (IINTERNET, 2004).
E enfatiza a Marília Carvalho que:
No Brasil, o princípio da proporcionalidade não existe como norma escrita, e sua utilização pelos tribunais é alvo de questionamento por alguns doutrinadores, aduzindo-se que não se dá de forma sistemática, ou seja, através da utilização sucessiva da adequação, necessidade e proporcionalidade estrita, conforme se mostrará mais além, bem como pela confusão com a utilização da razoabilidade (IINTERNET, 2004).
Nessa ordem de pensamento, a autora acima citada conclui por ser o princípio da proporcionalidade verdadeiro preceito fundamental, haja vista tão grande ser a sua carga valorativa e limitadora da atuação do poder público (INTERNET, 2004).
Percebe-se também que, para se coadunar aparente contraposições harmonizando o sistema jurídico faz-se mister ao apego ao princípio em análise. E é esse o pensar de Roberta Pappem da Silva para quem:
A vinculação do princípio da proporcionalidade por via dos direitos fundamentais justifica o entendimento de que qualquer manifestação do poder público deve render-lhe obediência, pois se modera pela necessidade que o operador jurídico tem de analisar o caso concreto em cotejo com a norma aplicável, e, ao utilizá-la, deverá adequá-la à realidade vigente em determinado período e para determinada realidade. Por meio deste princípio verifica-se se os fatores de restrição tomados em consideração são adequados à realização ótima dos direitos colidentes ou concorrentes e, em razão desse motivo que o princípio da proporcionalidade aufere um grande prestígio. Afinal, o que se almeja é a garantia aos indivíduos de direitos fundamentais que não podem ser menosprezados a qualquer titulo. (INTERNET, 2005).
E, continuando o raciocínio, assevera Roberta:
A aplicação do princípio da proporcionalidade repousa, portanto, na necessidade de construir-se o Direito pela utilização da norma positivada de forma coerente, harmonizando, sempre que possível, os vários interesses antagônicos que coadjuvam uma mesma relação jurídica. Quando ocorre uma colisão de princípios é preciso verificar qual deles possui maior peso diante das circunstâncias concretas, implicando regras cujo estabelecimento depende de uma ponderação. O dever de proporcionalidade, deste modo, deve ser resultante de uma decorrência coesa do caráter principal das normas. Assim, o princípio da proporcionalidade representa a exata medida em que deve agir o Estado, em suas funções específicas. Deste modo, este não deve agir com demasia, da mesma forma que não pode agir de modo insuficiente na realização de seus objetivos. Além da força de limitação da intervenção do Estado o princípio de proporcionalidade também está relacionado à proteção substancial do indivíduo. Ocorrerá violação ao princípio da proporcionalidade sempre que o administrador, tendo dois valores legítimos a sopesar, priorizar um a partir do sacrifício exagerado do outro (INTERNET, 2005).
Conjugando essa ponderação principiológica, mormente pela carga valorativa exarada pelo princípio da proporcionalidade, que no fundo trás a idéia de justiça, Cristiano Chaves prescreve que:
Não se poderia canonizar o instituto da coisa julgada de modo afrontar até mesmo a própria sociedade. Deve ser ponderado pelo princípio da proporcionalidade qual dos interesses deve prevalecer no caso concreto. Deve se considerar se mais vale a segurança ou a justiça. E afigura-se mais importante prevalecer o valor justiça, neste caso, por que sem justiça não há liberdade qualquer (2006, p. 65).
Na mesma estrada segue Donaldo Armelin, acrescentando ainda:
Os valores para os quais tende o direito são vários, sobrelevando-se nessa constelação axiológica aqueles concernentes à idéia do direito, que são Justiça, a segurança Jurídica e o bem comum, os quais refletem no sistema normativo com maior ou menor intensidade, considerando-se as circunstancias do plano fático em que ocorre atuação do Direito. Assim, podem eventualmente as normas prestigiar valores de menor relevância em atenção a determinados resultados desejados em determinados quadrantes do tempo e do espaço. O importante, contudo, é destacar as formas pelas quais a acomodação de valores diversos se faz no sistema normativo (2006, p. 72). Deveras, composto este por regras e princípios, o conflito entre aquelas e, destarte, entre os valores por ela prestigiados faz-se pelo sistema do “tudo ou nada”, de forma que, emergindo uma antinomia entre elas, uma delas será sacrificada mediante a sua exclusão do sistema (2006, p. 72).
Com o mesmo raciocínio o referido autor diz:
Diferentemente sucede quando se cuida de princípios. Estes não se excluem, mas se harmonizam, através da ponderação dos valores conflitantes, permitindo a atuação do princípio da proporcionalidade que impõe a existência adequada entre um ou vários fins determinados e os meios para a sua consecução, relacionando uma específica situação. A proporcionalidade já ressaltada por Aristóteles, é reconhecida como essencial à idéia do direito, constituído mesmo uma idéia do aspecto formal da justiça. Não foi por outra razão que Dante definia o direito como uma hominis ad homonem proportio e Legaz Lacambra reconhece no equilíbrio e proporção aquele aspecto formal da Justiça (2006, p. 72) (grifou-se).
É patente, então, analisar a necessidade de utilização do princípio mor da proporcionalidade. Tudo isso, ainda mais, quando diante da tentativa de desconstituição daquilo que sempre se teve como um algo insusceptível de qualquer espécie de discussão.
3.2 Espécies de controle de constitucionalidade e reflexos na coisa julgada
Surge então o debate em torno da não perenização da res iudicata inconstitucional. Aquela decisão que, afronta diretamente preceito constitucional. Malgrado em certo momento tenha sido proferida de acordo com uma lei, veio a sofrer abalos, em virtude dessa mesma lei que a fundamentou ter sido declarada inconstitucional, ou seja, foi julgada inconstitucional por quem de direito, que no nosso caso é o Supremo Tribunal Federal.
Alia-se aqui ainda, a alusão à sentença, que inobstante a sua sustentabilidade jurídica em uma norma de constitucionalidade não duvidosa, pela aplicação sem razoabilidade em um caso concreto, contaminou-se pelo vício da inconstitucionalidade por afrontar a dispositivo expresso da constituição.
Nessa toada, avulta de importância impar, a análise dos efeitos de uma declaração de inconstitucionalidade de lei com base nos dois modos existentes no direito pátrio, para o controle de constitucionalidade.
Em sede de controle difuso, ou seja, aquele que pode ser feito em qualquer juízo incidentalmente, o efeito será, restrito às partes, inter partes, quanto ao limite temporal, em regra ex tunc. Sendo assim, malgrado restrito àquela relação, terá efeito retroativo.
Chegando essa matéria ao Supremo, conseqüência de sua competência, pela via recursal, e sendo reconhecida tal inconstitucionalidade, poderá a suprema corte solicitar ao Senado Federal, a suspensão da norma.
Essa é a previsão do art 52, X da Constituição, que atribui ao Senado a competência privativa para tal proceder.
E assim a doutrina pátria sintetiza:
Através da interposição de recurso extraordinário, nas hipóteses constitucionalmente previstas, a questão poderá ser levada à apreciação do STF, que, também, realizará controle difuso de Constitucionalidade, de forma incidental
Declarada inconstitucional a lei pelo STF, no controle difuso, desde que tal decisão seja definitiva e deliberada pela maioria absoluta do pleno do tribunal (art. 97 da CF/88), o art. 178 do Regimento Interno do STF (RISTF) estabelece que será feita comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado bem como depois do trânsito em julgado, ao Senado Federal, para os efeitos do art. 52, da CF/88 (LENZA, 2006, p.108)(grifos do autor).
Ou seja, suspender a execução, no todo ou em parte, por meio de regulamento, da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva.
Essa suspensão se dará, de acordo com a doutrina majoritária, por um critério de discricionariedade do Senado. Cabe à este órgão a apreciação da conveniência ou oportunidade para tanto.
E segue-se aqui a idéia de Eduardo Talamini que explana assim:
Prevalece o entendimento de que o poder de “suspensão” do Senado é “discricionário”, no sentido de eminentemente político. A casa legislativa não está vinculada à decisão do Supremo. Não tem prazo para apreciar a questão. Mais ainda, ao aprecia-la, pode decidir por não retirar a norma do ordenamento. Assim, já houve ocasião em que o Senado negou-se a “suspender a execução da lei” (a) por reputar que a conclusão pela inconstitucionalidade, definida no Supremo em apertada maioria, poderia ainda ser revista e (b) por considerar excessivamente gravosos os efeitos que adviriam da retirada da norma. E o Supremo reputa legítima essa autonomia de deliberação do Senado. O único limite reside na impossibilidade de o Senado voltar através e pretender revogar a resolução através da qual ele já retirou a norma do ordenamento (2006, p. 117).
No que atine aos efeitos dessa decisão do Senado explana ainda Pedro Lenza, o seguinte raciocínio:
Assim, desde que o Senado Federal suspenda a execução, no todo ou em parte da lei levada a controle de constitucionalidade de maneira incidental e não principal, a referida suspensão atingirá a todos, porém valerá a partir do momento em que a resolução do Senado for publicada no diário oficial (2006, p. 108).
E Eduardo Talamini indo mais afundo no tema discorre:
Conseqüentemente o Senado pode mudar a eficácia da retirada da nosma do ordenamento. Se lhe é dado até recusar a retirada da norma, nada impede que a retire com eficácia ex-nunc ou fixando algum outro termo que não o do surgimento na inconstitucionalidade. De resto, a expressa menção à possibilidade de retirada “em parte” certamente abrange o aspecto temporal (2006, p. 117).
Nesse caso, sendo o efeito pró-futuro, não atingirá o que foi julgado sob a égide da lei que perdeu seus efeitos face o vício de inconstitucionalidade. Sendo assim, nesse caso não há falar em retroação para atingir aquilo que fora materialmente julgado.
É no controle concentrado que há a percepção do fenômeno da retroatividade atingindo todas as relações pretéritas, estabelecidas sob o manto da lei declarada inconstitucional.
Esse controle, conforme dito alhures, compete ao Supremo Tribunal Federal, após a interposição de uma ação direta de constitucionalidade, na qual aquele órgão, apreciará meritoriamente acerca da compatibilidade ou não, da lei ou ato normativo, com o ordenamento constitucional.
Percebe-se, pois, que a diferença fundamental entre os dois modos de controle, reside na abstração do chamado controle concentrado. É feito, não diante de um caso concreto, como incidental, mas em um controle dotado de maior abstração.
É aí que mora toda a problemática atinente aos efeitos e seus reflexos no mundo jurídico por meio das relações estabelecidas sob a vigência da lei declarada inconstitucional.
Sobre o assunto dos efeitos concernentes à declaração de inconstitucionalidade diz Alexandre de Morais que:
Declarada a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a decisão terá efeito retroativo (ex tunc) e para todos (erga omnes), desfazendo, desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as conseqüências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, inclusive, os atos pretéritos com base nelas praticados (efeito ex tunc) (2003, p. 625)(grifos do autor).
Vislumbra-se pois, de maneira hialina, que todo ato emanado pelo Estado, com base no preceito normativo declarado inconstitucional, deve padecer de nulidade. Com a coisa julgada, não podendo ser diferente.
É o princípio da segurança jurídica da coisa julgada, cedendo espaço à aplicabilidade da proporcionalidade e razoabilidade, com o fim de banir uma decisão contrária ao ideal de justiça concretizado no princípio da constitucionalidade.
Nesse sentir é que coadunando a ponderação principiológica, com os preceitos processuais, a parte que saiu vencida, ou até mesmo sucumbiu em parte, irá buscar do judiciário, resposta ao pleito de justiça, tendo em vista que a decisão que a prejudicou teve um alicerce inconstitucional.
Vale ressaltar que aqui se está considerando que a declaração de inconstitucionalidade possua eficácia retroativa, posto que como se sabe, com a edição da Lei 9868, lei esta que versa sobre o procedimento do controle de constitucionalidade tanto por via da Ação Direta de Inconstitucionalidade, como pela via da Ação declaratória de Constitucionalidade, possibilitou-se que Supremo modulasse os efeitos temporais da sua declaração.
Esse preceito está contido no art. 27 da citada Lei e tem por objeto a salvaguarda de situações excepcionais, em que a depender da eficácia estabelecida no provimento da Suprema Corte, poder-se-ia ensejar uma grave comoção e instabilidade jurídica.
É por isso que Talamini ressalta que:
O dispositivo apenas explicita a necessidade de aplicação do princípio da proporcionalidade por ocasião de controle das normas em via abstrata. Caberá ao supremo ponderar se, em certas hipóteses a supremacia da Constituição e a isonomia, princípios que justificam a atribuição de efeitos ex tunc, ao provimento declaratório de inconstitucionalidade, não devem ceder espaço a outros valores constitucionais também relevantes (dignidade humana, boa fé, segurança jurídica...). Além disso a possibilidade de excepcionalmente restringir os efeitos retroativos ou até mesmo atribuir apenas efeitos prospectivos à declaração de inconstitucionalidade – ao contrário do que se possa parecer – confere maior operacionalidade ao sistema de controle abstrato.
A regra da retroatividade absoluta e sem exceções acaba fazendo com que o tribunal constitucional, naquelas situações de conflito de valores acima mencionados, acabe muitas vezes simplesmente deixando de declarar a inconstitucionalidade da norma, para assim evitar gravíssimas conseqüências que adviriam da eficácia ex-tunc, dessa declaração. O poder de modulação dos efeitos do juízo de inconstitucionalidade afasta as soluções à base do “ou tudo ou nada” – permitindo o reconhecimento da inconstitucionalidade mesmo em casos como esses últimos [...] (2006, p.111).
E acrescenta, ainda, o mesmo autor, no que tange à modulação dos efeitos da ADI, que:
O supremo pode exercer de várias maneiras a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade: fixando marcos temporais (pretérito mas posteriores ao início da inconstitucionalidade; ou, ainda posteriores ao trânsito em julgado) excluído dos feitos da decisão certas situações específicas (“...restringiros efeitos...” da decisão, diz o art. 27); ou, por fim, apenas ressalvando determinadas diretrizes que precisarão depois ser consideradas em concreto [...] (2006, p.113).
Portanto, percebe-se que sendo aplicado o efeito retroativo, em sede de controle de constitucionalidade, muitas repercussões irão surgir no que tange à eficácia dos atos praticados com alicerce na Lei declarada inconstitucional, mormente as sentenças, posto que dessas espera-se uma expressão de justiça e compatibilização com o sistema.
CONCLUSÃO
Para se estudar a temática referente ao controle de constitucionalidade é fundamental a análise da principiologia que está subjacente ao tema. A relevância principiológica resta ainda mais evidente quando o estudioso do direito tiver de sopesar os reflexos eventuais que o caso julgado em definitivo em sede de controle – seja ele difuso ou concentrado – irá trazer para a definição da imutabilidade dos demais casos postos à solução estatal.
Assim, restou insofismável que a base de sustentação do controle de constitucionalidade se mostra a mesma que reveste a coisa julgada, ou seja, ambos os institutos lastreiam-se nos parâmetros de proporcionalidade e segurança jurídica.
Ao fim, considerando a mesma matriz que reveste as ferramentas jurídicas, conclui-se pela inevitável imbricação dos institutos com reflexos inevitáveis e que merecem estudo em apartado e exclusivamente dedicado ao tema.
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Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes em Sergipe (conclusão em 2006.2). Advogado em causas cíveis e direito público. Analista Jurídico da Previdência Social. Pós-Graduado em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Pós Graduando em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Montenegro da Bahia. Palestrante do PEP - Programa de Educação Previdenciária.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIANA, Arlei Bruno. Controle de constitucionalidade e coisa julgada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jun 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39633/controle-de-constitucionalidade-e-coisa-julgada. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: JAQUELINA LEITE DA SILVA MITRE
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Por: Hannah Sayuri Kamogari Baldan
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