RESUMO : O cerne da problemática encontra-se na processualística civil e constitucional, que por intermédio de análises e ponderações principiológicas por intermédio de métodos científicos foram investigados. Assim, usando o hipotético, partiu-se da criação de hipóteses que serão testadas e falseadas, tomando evidencias empíricas, para constatação na busca da realidade do que se deseja investigar, o sistêmico, partindo do pressuposto de que a análise deve envolver o todo, nesse caso em específico, todo o sistema processualístico civil e constitucional sem dispensar alusão a outros ramos do pensar jurídico, bem como o empírico dedutivo demonstrando que todo conhecimento parte da generalização da observância dos casos concretos. Sopesando tais métodos descobriu-se que a problemática da coisa julgada inconstitucional tem saído dos bancos universitários e tomado assento na jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Com isso, como não podia deixar de ser, exsurgem problemas criados por aqueles que são contrário à qualquer espécie de abrandamento da coisa julgada, tendo por fundamento a magnitude da segurança jurídica que deve nortear as relações em sociedade acima de qualquer outra premissa. Demonstrou-se que não se deseja viver em uma sociedade sem segurança jurídica, mas que porém, essa segurança deve ser a mais hialina e justa possível. Para tanto faz-se mister que a mesma se coadune com os preceitos de ordem constitucional, sob pena de injustiças gritantes ocorrerem e serem por via de conseqüência, acobertadas pela coisa julgada material sob o argumento de segurança jurídica. Para que, porém, se possa efetivar esse ideal de justiça, repugnando aqueles atos eivados de inconstitucionalidade, faz-se mister a utilização de ferramentas adequadas para impugnação. Meios processuais já existentes como a ação rescisória, os embargos à execução e a querela nullitatis, podem e devem, conforme demonstra a doutrina, ser utilizado como via de impugnação das sentenças eivadas de inconstitucionalidade para que o maior mal do Estado Democrático de Direito, ou seja a afronta à sua Carta Política.
Palavras-chave: Coisa Julgada; Inconstitucionalidade; Relativização.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Possibilidade de relativização da coisa julgada inconstitucional; 2.1. Proposições e algumas controvérsias doutrinárias; 2.2. Mecanismos para rediscutir a coisa julgada; 3. Conclusão; 4. Referencial.
INTRODUÇÃO
Vivendo em um Estado de Direito Democrático, tem-se como norte os preceitos fundadores da ordem jurídica. Assim, todo ato emanado do Estado deve está submetido à hierarquia da Carta Constitucional.
Por essa razão, de fundamental importância é o controle de constitucionalidade de leis, bem como de atos normativos do poder público. Sendo aqui o poder público de forma ampla a abranger não somente os atos administrativos, mas também os atos judiciais como expressão soberania estatal. Uma lei ou ato afrontando a constituição não pode servir de parâmetro para uma decisão que vinculará as partes envolvidas no litígio posto em juízo.
Inobstante tais preceitos, pode haver uma decisão judicial que afronte diretamente a constituição, uma vez que o juiz ao prolatar seu veredicto, está norteado pela teoria do livre convencimento motivado. Isto se não tiver sido declarada a inconstitucionalidade, da lei ou ato normativo, em sede de controle concentrado, que possui força vinculante.
Quando tal afronto jurídico acontecer, estar-se-á diante de uma sentença rescindenda, ou seja, aquela que é passível de ação rescisória, que tem por objeto a desconstituição da mesma quando tempestiva.
A problemática reside no prazo para que seja intentada a ação rescisória, pois, sendo como é um prazo decadencial de dois anos, estaria, tomando por base uma interpretação restritiva, convalescida a decisão judicial inconstitucional não mais ao interregno para a propositura de ação rescisória.
Vem à baila assim a discussão sobre o meio cabível para quebrar esse decisório que não é mais passível de ação rescisória, porém eivado de uma hialina inconstitucionalidade.
É com esse parâmetro se buscará demonstrar a existência de sentenças inconstitucionais, mesmo acobertada pela coisa julgada material, bem como de meios o procedimentos aptos para que seja alcançada e ratificada a quebra da coisa material soberanamente julgada. É, pois, o que a doutrina denomina de relativização da coisa julgada.
Pensa-se, assim, através da reflexão e da ponderação de princípios, mormente os de natureza constitucional, num modo de retirar de cena a sentença com comando baseado em preceito, declarado a posteriori, inconstitucional, bem como a desconsideração do título executivo incrustado com o mesmo defeito.
Assevera parte da doutrina que a segurança jurídica, preceito intrínseco ao tema, em virtude do comando constitucional de respeito ao ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada, torna-se um aparente obstáculo à desconstituição do comando sentencial.
Demonstrando-se, que tal conflito de preceitos é apenas aparente, prevalecerá no caso posto em debate, a supremacia da ordem pública com os seus princípios sociais correlatos.
Nesse diapasão é mister a análise das formas de inconstitucionalidade que maculam o decisório judicial para, a partir de seus meandros se chegar ao meio mais apto e coadunante com tais vicissitudes.
As razões da presente investigação, residem pois, no não aceitar que um decisório maculado, a despeito do argumento de uma ordem jurídica estável, o que não será perdido foco deixe-se claro, prevaleça no mundo jurídico, em que o ideário de justiça se faz plenamente aplicável e prevalecente ainda que no âmbito das relações privadas.
Devendo assim, por intermédio dos meios justos e coerentes, ser
quebrado o que, seja por controle concentrado, por controle difuso ratificado pelo Senado Federal, ou ainda por ponderação com os princípios informadores da ordem jurídica, padece do mal da não adequação ao que reza a carta fundamental.
Procura-se assim demonstrar de forma a dirimir dúvidas como, quando e o porque da desconstituição do julgado, relativizando tudo que se tinha como dogma de imutabilidade, sem esquecer a segurança jurídica que é fundamental para a paz social, objeto maior de um Estado Democrático de Direito.
O ponto de motivação maior, destarte, é a crença de que a paz social só é alcançada quando a justiça se faz presente.
POSSIBILIDADE DE RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL
Assunto que tem ensejado discussões na doutrina[1] e também na jurisprudência[2] é acerca da possibilidade de relativizar a coisa julgada quando eivada da mácula da inconstitucionalidade.
A rigidez que se tem dado à coisa julgada com o fito de salvaguardar a segurança jurídica confronta-se diretamente com a injustiça do decisum distoante dos preceitos de ordem constitucional.
Entende também tratar-se de uma problemática, Luiz Guilherme Marinoni, para quem:
Têm surgido questionamentos em torno da "relativização da coisa julgada material", ou melhor, da possibilidade de "relativização" da coisa julgada material independentemente do uso da ação rescisória. Tal problema, que se apresenta intimamente ligado ao princípio da segurança dos atos jurisdicionais, obviamente atinge a filosofia do direito, configurando uma das principais questões jurídicas ainda sem solução ideal. Trata-se precisamente da tensão existente entre a facticidade (Faktizität) e a validade (Geltung) do direito; a tensão entre a justiça e a segurança (2006, p. 231).
E o que se tem por relatividade? Na acepção do Albert Einstein este designativo refere-se à sua análise teórica acerca da “eletrodinâmica dos corpos em movimento” (Internet, 2006).
Porém, quando emprega-se fazendo alusão à coisa julgada, o que se quer é demonstrar a possibilidade de abrandamento da rigidez de tal instituto.
É assim também para Gisele Santos Fernandes Góis para quem:
A relativização da coisa julgada também é denominada de flexibilização da coisa julgada. Como indica o mestre Barbosa Moreira, “é que, quando se afirma que algo deve ser ‘relativizado’, logicamente se dá a entender que se está enxergando nesse algo um absoluto: não faz sentido que se pretenda ‘relativizar ‘ o que já é relativo” (2006, p. 148).
E é bom que se deixe claro que o termo em foco não apregoa qualquer espécie de insurgência contra o preceito de segurança jurídica denominado de coisa julgada. Não é isso. O que se pretende é a demonstração de que a coisa julgada, colimada do maior vício que se pode encontrar no Estado Democrático de Direito, a inconstitucionalidade, não possa se perenizar tornando-se um algo absolutamente imutável.
Humberto Theodoro, em trabalho de referencia sobre o tema, assevera:
O problema para cuja reflexão se deseja fazer um convite é o de já não mais ser a decisão judicial inconstitucional passível de impugnação recursal. Nesta hipótese, existiria um controle de constitucionalidade da coisa julgada ou esta é isenta de fiscalização? Ou reformulando o questionamento: verificando-se que uma decisão judicial sob o mando da res iudicata avilt a constituição, seja porque dirimiu o litígio aplicando lei posteriormente declarada inconstitucional, seja porque deixou de aplicar determinada norma constitucional por entendê-la inconstitucional ou, ainda, porque deliberou contrariamente a regra ou princípio diretamente contemplado na Carta Magna, poderá ser ela objeto de controle? Cuida-se, na lição de Paulo Otero, “de um problema central do actual momento do Estado de Direito” (2006, p. 160).
Destarte, se faz necessária a análise da posição do tema no que tange a ressonância que as discussões tem sido travadas, no intuito de se investigar a plausividade da proposta de relativização.
Proposições e algumas controvérsias doutrinárias
O que primeiramente cumpre investigar é acerca do caráter absoluto ou não da coisa julgada mormente quando a mesma é colocada em cheque, frente aos preceitos de índole constitucional.
Sabe-se que em um Estado Democrático de Direito, ou como disse o professor e Ministro Carlos Brito, em palestra proferida no II Encontro Brasil Portugal de Direito Constucional[3], Estado de Direito Democrático, a constituição é o ápice da ordem normativa. Por isso mesmo todos os atos jurídicos, ou seja, todos os atos de repercussão no mundo jurídico e emanados pelo Estado, devem guardar sintonia com a ordem constitucional.
E esse é o pensar de J. J. Gomes Canotilho apud Theodoro teorizando:
A Constituição assume-se e é reconhecida como direito superior, como ‘lei superior’, que vincula, em termos jurídicos e não apenas políticos, os titulares do poder. Través da subordinação ao Direito dos titulares do poder, pretende-se realizar o fim permanente de qualquer lei fundamental – a limitação do poder (2006, p.157).
E Santi Romano apud Theodoro segue no mesmo pensar asseverando que “a constituição é o ponto inicial do Direito Estatal, considerado como um todo, a base de todas as demais partes, sendo, precisamente, por isto, parte integrante dele” (2006, p.157).
Ora, se todo o Estado é submisso aos preceitos Magnos, conseqüentemente toda a sua expressão de poder deve guardar respaldo na Carta. Outro não deve ser, nesse diapasão, o entendimento quando se fala em atos emanados do poder judiciário, mormente a sentença, lato senso, por ser a mais alta expressão de poder do judiciário. Ela faz a lei do caso concreto, substitui a vontade das partes.
Essa sentença deve, por todo raciocínio acima disposto, ser conforme a constituição. Deve respeitar seus preceitos, deve quedar-se quando contrária aos seus valores, deve, em suma, respeitar inteiramente o princípio da constitucionalidade.
Essa obediência ao princípio acima disposto vem traçada nas precisas linhas de Theodoro ao informar que:
Diante da importância de que se reveste a Constituição no quadro de organização de um Estado e de sistematização de direitos e garantias fundamentais tornou-se corrente sustentar-se que a validade de uma norma ou ato emanado de um dos poderes públicos está condicionado à sua adequação constitucional (2006, p. 162).
Tão grave é o vício à constituição que o ato atentatório à carta padece de nulidade. É nulo, e já nasceu assim pela própria natureza de seu vício. Sendo assim não comporta convalidação, nem sequer pela eficácia preclusiva da coisa julgada (Theodoro, 2006, p.172).
E é importante falar ainda que:
O princípio da constitucionalidade e o efeito negativo que advém do ato inconstitucional não se dirige apenas, como podem pensar os mais desavisados, aos atos do poder Legislativo. Aplicam-se a toda categoria de atos emanados do Poder Público (Executivo, Legislativo e Judiciário) (THEODORO, 2006, p.163).
Como se vê não é por outro pensar que se apregoa a não ovação demasiada ao preceito da Coisa Julgada, com a intenção de salvaguardar a segurança jurídica, dando sobrevida à decisão proferida contrariamente à Constituição.
É preciso repensar os dogmas postos quanto ao instituto da coisa julgada. A sentença emanada erroneamente não pode convalescer a despeito de uma opção política do legislador.
Por isso mesmo é que Chiovenda apud Theodoro, com propriedade dispôs:
Que a lei admita a impugnação da coisa julgada, nada tem, em si, de infenso à razão; pois que, efetivamente, a própria autoridade da coisa julgada não é absoluta e necessária, senão estabelecida por propósito de utilidade e oportunidade, e de tal forma que tais propósitos mesmo podem, uma que outra vez, aconselhar-se o sacrifício, para evitar o inconveniente e o mal maior, que resultam de uma sentença intoleravelmente injusta (2006, p. 157-158).
Ora, se até mesmo uma ilegalidade explanada no decisório pode ser rebatida e retirada do mundo jurídico por via da ação rescisória ex vi art 485, V , quebrando sua imutabilidade, mais grave ainda é o mal da inconstitucionalidade, porém sem remédio imediato.
Por isso é preciso rever as verdades formadas. Não se deve engessar o direito de modo a impedir a sua evolução. Deve-se assim, repensar sobre as nuances da coisa julgada, e como assevera Alexandre Câmara “a questão que se pões diante da moderna teoria do direito processual é a reavaliação do instituto da coisa julgada” (2006, p.15).
E segue o mesmo autor entendendo que:
Entre os mais graves de sentenças erradas estão, indubitavelmente, aqueles em que o conteúdo da sentença ofende a Constituição da República. Isto porque, como notório, a inconstitucionalidade é o mais grave vício que pode acometer um ato jurídico [...] (2006, p.15).
Porém, não raras são as opiniões em sentido contrário, ou seja, quanto a supremacia do decisório, mesmo estando pautado em norma de caráter inconstitucional. Acredita tal doutrina que a coisa julgada tem um poder de sanatória geral, e ainda evocam como sustentáculo a natureza jurídica de direito fundamental de tal instituto vez que o mesmo está disposto no art 5, XXXVI da Constituição.
Assim é a posição de Gisele Santos Fernandes que argumente no que concerne à proposta de relativização que:
Pensar, desse modo, é negar o devido processo que é , nas sábias palavras de Nelson Nery Junior o “o princípio fundamental do processo civil”. Só há devido processo legal, quando inteirado à coisa julgada, dentro do fenômeno da constitucionalidade democrática. O devido processo constitucional necessita da coisa julgada, daí a razão de ser do inciso XXXVI do art. 5º da CF/88 (2006, p. 145).
E arremata mais adiante:
Em sendo assim, a coisa julgada é norma-princípio constitucional, e não mera norma regra do diploma processual civil, de conformidade com a terminologia empregada por Dworkin, como núcleo que irradia e imanta todo ordenamento jurídico, sendo sua mitigação fator de exceção, o qual deve estar peremptoriamente previsto no sistema (2006, p. 145).
Também, em sua análise, Barbosa Moreira insurge-se contra a relativização da coisa julgada. E para tanto argumenta o autor, primeiramente criticando a expressão que dá ensejo às discussões:
Já se notou que a expressão “coisa julgada inconstitucional” é tecnicamente defeituosa: na sentença, e não em sua imutabilidade é que se pode conceber a existência de contrariedade à constituição. A sentença que ofenda a Constituição comporta impugnação por meio de recursos previstos no ordenamento positivo; um deles se ordena precipuamente à esse impugnação: o recurso extraordinário ex art. 102, III, letra a, da carta da república.
Se por ventura transitar em julgado com a mácula, caberá ação rescisória para desconstituí-la: é pacífico que o texto do art. 485, nº V, do Código de Processo Civil (verbis “literal disposição de lei”) abrange a constituição. A admissibilidade da ação rescisória milita contra a tese de que tal sentença é nula (no sentido próprio): não há necessidade de ação para desconstituir o que já é nulo; e, não havendo necessidade, não há interesse na propositura (2006, p. 211-212).
No que tange à possibilidade de relativização da coisa julgada o autor enfatiza e conclui pela sua não admissibilidade, dizendo que:
Pouco adianta ressalvar que nisso apenas se consentirá em hipóteses excepcionais, quando se tratar de “situações extraordinárias”, para “afastar absurdos, injustiças fragrantes” etc. Tício, vencido, dificilmente deixará de reputar-se vítima de uma decisão absurda e de uma flagrante injustiça. Mesmo de inconstitucionalidade não será raro que cogite, haja vista o grande número de recursos extraordinários em que, sem base, se formula a alegação. Sob o regime vigente, se Tício procurar advogado e lhe pedir que reproponha a causa em juízo, a resposta que ouvirá, com maior probabilidade, é a de que não vale a pena instaurar novo feito para desafiar a coisa julgada: mero desperdício de tempo e dinheiro. Todavia, a partir do momento que se acene com alguma possibilidade de êxito, não faltará quem se anime à tentativa. Aberta que seja a porteira, por onde passa um boi poderá passar uma boiada (2006, p. 218).
Se percebe, claramente, nas palavras do citado autor, que o mesmo defende com ferrenha convicção a prevalência da segurança outorgada pelo preceito da coisa julgada, frente às moléstias que a mesma poderá ocasionar quando confrontante com a constitucionalidade.
Outro crítico da teoria em voga é Marinoni para quem:
A coisa julgada material é atributo indispensável ao Estado Democrático de Direito e à efetividade do direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário – obviamente quando se pensa no processo de conhecimento. Nesse exato sentido é a lição Rosenberg-Schwab-Gottwald, quando defendem a idéia de que a "matterielle Rechtskraft is notwendige Folge des Rechts auf Rechtschutz durch die Gerichte. Sie findet ihre verfassungsgemäße Verankerung im Rechtsstaatsprinzip” (2006, p. 233-234).
E conclui Marinoni:
Ou seja, de nada adianta falar em direito de acesso à justiça sem dar ao cidadão o direito de ver o seu conflito solucionado definitivamente. Por isso, se a definitividade inerente à coisa julgada pode, em alguns casos, produzir situações indesejáveis ao próprio sistema, não é correto imaginar que, em razão disso, ela simplesmente possa ser desconsiderada (2006, p. 233-234).
Após essa defesa do instituto da coisa julgada, o autor defendendo a não relativização da coisa julgada expõe:
Está claro que as teorias que vêm se disseminando sobre a relativização da coisa julgada não podem ser aceitas. As soluções apresentadas são por demais simplistas para mercerem guarida, principalmente no atual estágio de desenvolvimento da ciência do Direito e na absoluta ausência de uma fórmula racionalmente justificável que faça prevalecer, em todos os casos, determinada teoria da justiça.
Com um apelo quase que sensacionalista, pretende-se fazer crer que os juristas nunca se preocuparam com a justiça das decisões jurisdicionais, ao mesmo tempo em que se procura ocultar que o problema sempre foi alvo de reflexão.
A ‘tese da relativização" contrapõe a coisa julgada material ao valor justiça, mas surpreendentemente não diz o que entende por "justiça" e sequer busca amparo em uma das modernas contribuições da filosofia do direito sobre o tema. Aparentemente parte de uma noção de justiça como senso comum, capaz de ser descoberto por qualquer cidadão médio (l’uomo della strada), o que a torna imprestável ao seu propósito, por sofrer de evidente inconsistência, nos termos a que se refere Canaris (2006, p. 248).
Porém, malgrado todas estas críticas tecidas à proposta de relativização da coisa julgada, o estudioso do direito não pode quedar-se inerte diante de tal gravoso problema. Não é a postura correta deitar-se na inércia das propostas sem o debate e a investigação científica.
Assim, com relação ao primeiro argumento acima disposto, ou seja, no tocante à natureza de princípio fundamental emprestada ao instituto da coisa julgada pela sua topografia na carta constitucional, assiste de toda boa razão à autora.
Diz-se isto não só com base na topografia, mas também com base no valor de segurança jurídica imbuído no art. 5º, XXVI da Constituição, resguardando a coisa julgada da retroação da lei, bem como um sucedâneo do devido processo legal e universalidade de jurisdição. É fato que a jurisdição é posta para servir ao cidadão, em sendo assim deve servi-lo com a segurança que um processo previamente normalizado oferece.
Porém, entende-se não ser possível afirmar a não de relativização da coisa julgada com base nessa argumentação principiológica. É que, sendo, como é, a coisa julgada um direito fundamental a mesma deve guardar sintonia com os demais direitos postos ao cidadão. Deve assim, quando do confronto com os demais direitos e garantias fundamentais, ser sopesada.
E sintetiza bem Alexandre Câmara asseverando que:
Em primeiro lugar devo dizer que não tenho a menos dúvida em afirmar que a coisa julgada é uma garantia constitucional e, ainda mais do que isso, um direito fundamental. E chego a essa conclusão não só em razão do fato de ser a coisa julgada um colorário da garantia constitucional da segurança jurídica, estabelecida pelo caput do art. 5º da Lei Maior, mas também em razão do disposto no inciso XXXVI do mesmo artigo constitucional (2006, p. 22).
E afirma com precisão:
A coisa julgada é, pois, garantia constitucional. Isto, porém não implica afirmar que a mesma seja absoluta. Nem mesmo as garantias constitucionais são imunes à relativização. E esta relativização, frise-se, pode ser inferida do sistema ou imposta até mesmo por norma infraconstitucional. Em primeiro lugar, infere-se como aplicação do princípio da razoabilidade, o qual é consagrado na constituição através de seu art. 5º , LIV, que trata do devido processo legal. Assim é que diante de um conflito entre valores constitucionais, está o interprete autorizado a afastar o menos relevante para proteger o mais relevante, o que fará através da ponderação de interesses em disputa.
Em segundo lugar a norma infra constitucional pode, por sua própria conta, ponderar tais interesses e estabelecer o modo como essa relativização se dará. (2006, p. 23).
E conclui Câmara que “é o que acontece, por exemplo, com a relativização do direito, constitucionalmente assegurado, à herança, que é limitado pelas normas infraconstitucionais que tratam da indignidade” (2006, p. 23).
A segunda crítica, esta do professor Barbosa Moreira, quanto ao termo em voga, ou seja, relativização da coisa julgada, conforme citado acima. Não é também, data máxima vênia ao autor, parâmetro de sustentabilidade da não relativização.
Quando se falar em relativização da coisa julgada o que quer é dizer que a sentença foi prolatada contrariamente aos preceitos constitucionais. É cediço que como qualidade que deflui da sentença, a coisa julgada não é o foco da inconstitucionalidade, esta se encontra no próprio veículo, ou seja na sentença.
Pode sim, ser um vício de linguagem, porém não possui o condão de descaracterizar a tese que se sustenta. E nisso foi bem enfático Humberto
Theodoro ao afirmar que:
Para o professor Barbosa Moreira, o correto não é afirmar-se inconstitucional uma coisa julgada, pois esta é apenas a imutabilidade daquilo que a sentença decidiu. Por isso, se se cometer ofensa à Constituição, quem a terá praticado será a sentença, e não a coisa julgada. O certo, porém, é que se costuma, freqüentemente, na linguagem tomar o continente pelo conteúdo, quando, por exemplo, se afirma que o Brasil jogou contra a Colômbia, no campeonato de futebol, ou a medicina tem incrementado as pesquisas sobre determinado vírus, quando na verdade, foi a equipe da seleção do Brasil que enfrentou a seleção da Colômbia, são os médicos que estão pesquisando. Assim, quando se fala em coisa julgada contrária à constituição, o que realmente se está afirmando é que uma sentença transitada em julgado praticou a ofensa (grifou-se) (2006, p. 193).
A posição do autor no que atine a instabilidade ocasionada pela proposta de relativização também pode ser contestada. Data máxima vênia, a proposta que aqui se pretende demonstrar não parte de mera suposições acerca do tema. Não se trata de uma proposta inconsistente apenas embasado na justiça ou não da decisão que se pretende atingir.
Há injustiça? Sim, é obvio que há. Ora, é uma ofensa à um preceito constitucional, ofensa à Carta que rege toda segurança, proporcionalidade, e razoabilidade do convívio social.
O que sustenta-se é a aplicabilidade da relativização em casos de argumentação constitucional. A justiça que muito se fala não é a noção de justo para o homem médio, é a não aceitabilidade de decisões conflitantes com a ordem constitucional, regentes da vida dos seres humanos, convalescendo a pretexto de uma segurança jurídica apregoada. Essa é a verdadeira acepção quando a doutrina se refere à justiça da decisão.
Não são, portanto, critérios sem consistência e temerários, como sustenta Barbosa. E nesse toar é que Câmara citando Othmar Jauerng, sustenta:
Diga-se, antes de tudo, que não se pode admitir a relativização diante da mera alegação de injustiça da sentença. Pronunciando-se sobre o ponto, manifestou-se um dos mais autorizados processualistas alemães contemporâneos, afirmando que a “intangibilidade da declaração transitada em julgado não pode ser aplicada sem exceções. Questiona-se sobre que pressupostos pode ser admitida a onfensa ao caso julgado. Não é permitida a revogação ou alteração da sentença por simples incorreção. Senão, bastaria a afirmação de incorreção para impugnar qualquer sentença com o transito em julgado e, assim, poderia repetir-se, novamente, qualquer processo findo. A parte vencedora no processo (anterior) seria forçada a discutir sempre de novo com a parte contrária e apenas seriam decisivos a obstinação e o poder financeiro, quando a calma chegasse. Desse modo, o caso julgado perderia seu significado. É mais suportável que uma sentença incorreta exista e deva aceitar-se, que qualquer sentença possa ser impugnada a todo momento. Assim, o caso julgado garante que, mesmo no caso concreto, domine a segurança jurídica e desse modo um elemento essencial do Estado de direito, e isto significa que um princípio constitucional do GG é realizado” (2006, p. 23).
Não é, como se percebe, a mera alegação de erro ou injustiça que justifica o pleito da parte vencida para desconstituição da coisa julgada. O que a doutrina mais abalizada sustenta é a aplicação da razoabilidade, investigando se há mácula a preceitos de índole constitucional, para que assim não ocorra a alegada injustiça proveniente do convalescer de uma inconstitucionalidade, maior mal e injustiça de uma ordem jurídica (2006, p. 23).
Essa justiça, criteriosa, que se coloca está contemplada não só no espírito do Estado de Direito Democrático, mas expressamente tratada na Carta política. E esse é o pensar de Donaldo Armelin asseverando que a referencia ao justo é uma constante no texto constitucional, e assim é que se encontra nele a exigência de justa indenização na desapropriação (inciso XXIV do art 5º e art 184), de justa causa na despedida do empregado (inciso I do art 7º) de justiça social na ordem social. Dentre outras hipóteses. O mesmo sucede com a justiça social reiterada no art. 170 como fundamento da ordem econômica (2006, p.85).
Porém, o maior alvo de ataques na teoria da relativização é na seara da segurança jurídica, conforme visto retro na posição de Barbosa Moreira, bem como de Marinoni. Ora, ao se dizer que a possibilidade de desconstituição da coisa julgada maculada irá eternizar os conflitos, diz-se que a instabilidade ocasionada atrofiará as bases do Estado de Direito Democrático. Nesse sentido é também a posição de Nelson Nery Jr ao afirmar que:
A falta de fundamentação da decisão judicial acarreta sua nulidade (CF 93 IX). Como a motivação das decisões judiciais é corolário do Estado Democrático de Direito, ainda que não houvesse previsão expressa de nulidade da sentença não fundamentada essa nulidade existiria e deveria ser proclamada quando suscitada. O subprincípio da segurança jurídica, do qual a coisa julgada material é elemento de existência, é manifestação do princípio do Estado Democrático de Direito, conforme reconhece a doutrina mundial. O processo civil é instrumento de realização do regime democrático e dos direitos e garantias fundamentais, razão pela qual reclama o comprometimento do processualista com esses preceitos fundamentais. Sem democracia e sem Estado Democrático de Direito o processo não pode garantir a proteção dos direitos humanos e dos direitos fundamentais. Desconsiderar a coisa julgada é eufemismo para esconder-se a instalação da ditadura, de esquerda ou de direita, que faria desaparecer e democracia que deve ser respeitada, buscada e praticada pelo processo (2006, p. 260).
Chega-se ao ponto de afirmar a desnecessidade de aplicação da pedra angular do princípio da proporcionalidade, afirmando que trata-se apenas de um conflito interpretativo, e não de harmonização de valores. Pede-se vênia a Marinoni para discordar desse posicionamento.
No que atine à questão da eternização das lides é interessante a defesa de Humberto Theodoro, sustentando que o problema inexiste, pois basta o sopesar no sistema jurídico para que se possa resolver tal questionamento. Assim dispõe o citado autor:
Na verdade, o problema aventado por Barbosa Moreira e Sérgio Bermudes simplesmente não existe. O próprio sistema processual vigente impede sua configuração prática, já que as questões solucionadas pela Justiça não se repetem e devem ser uma única vez solucionadas em caráter definitivo. Assim, a argüição de ofensa à Constituição, como qualquer outra, somente seria enfrentada e dirimida uma só vez em juízo. A respeito da solução que for dada operaria a preclusão pro iudicato e a res iudicata, tornando inviável o espiral sem fim em torno da matéria cogitada pelos eminentes doutrinadores. O que nos inquieta é a possibilidade de a coisa julgada formada em determinado momento representar barreira intransponível para reparação de ofensas à Constituição que nunca chegaram a ser cogitadas na sentença que acabou assumindo a autoridade da coisa julgada (2006, p. 195).
No que concerne à ponderação principiológica, ou a sua desnecessidade vale lembrar que princípio é o guia, viga mestra do ordenamento jurídico tal qual restou demonstrado alhures, quando se debateu sobre a sua relevância no mundo do Direito. Em sendo assim a interpretação de qualquer preceito deve dar-se com base nesse alicerce.
E outra, há sim um choque de valores. Conflitam-se os valores da segurança jurídica e o valor da justiça, entendida esta no sentido da gravidade do vício à coisa julgada.
Por isso que Donaldo Armelin explanou que:
Isto demonstra que, no texto constitucional, remanescem subjacentes ou explicitados princípios que albergam ou se reportam a valores que podem, em determinada circunstância, revelar-se antagônicos, impedindo, destarte, a sua harmonização até mesmo em função da segurança que deve ressumar de uma exegese inequívoca dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais integrados em um ordenamento jurídico disciplinador da sociedade. Mas esta forma de segurança há de ser obtida através de uma interpretação coesa e uniforme dos princípios em atenção direta aos valores neles prestigiados (2006, p. 74).
E ainda, J. J. Calmon de Passos, apud Donaldo Armelin defende que:
O processo persegue dois objetivos que, no final das contas, são os objetivos também buscados pela própria ordem jurídica. Nem poderia ser diversamente, visto como processo é ao lado do adimplemento (aplicação voluntária do direito) o outro modo pelo qual se efetiva ou se realiza o direito. São eles a justiça e a segurança, ou em outros termos a justa participação de todos nos bens da vida e a pacificação social. Esses objetivos deveriam se complementar, integrando-se em algo que bem poderíamos simbolizar com a palavra JUSTIÇA, assim maiúscula e proeminente. Na prática isso não ocorre. Antes eles se porfiam dialeticamente, ora um interferindo no outro, em seu prejuízo e detrimento. Porque, em verdade, como já frisamos, a ordem jurídica é a resultante da tensão dialética, nunca eliminada, entre a vocação do poder para excluir, discriminar, privilegiar, estabilizar, e a vocação da sociedade civil de obter, de modo mais acentuado, melhor participação nos bens da vida, com satisfação do maior número possível das necessidades individuais e coletivas, que a vida social engendra e a formação de cada qual particulariza. Quando a sociedade civil é frágil em termos de participação e organização, prevalecem os valores relacionados com a pacificação social e a segurança, que beneficiam o poder, visto que como privilegiam o status quo. Quando aquela sociedade logra maior participação e tem melhor organização, predominam os valores de justiça que proporcionam mais eqüitativa fruição dos bens da vida por maior número (2006, p. 74).
É com esse aparato que se socorre da proporcionalidade na ponderação dos valores a serem preponderados, bem como na aferição do melhor norte interpretativo para se relativizar ou não a coisa julgada confrontante com as direções constitucionais.
É a idéia defendida por Cristiano ao sustentar que:
O ideal seria a manutenção da segurança sem sacrifício da justiça, resguardando-se uma proporção ideal entre a atuação de um e de outro desses valores, sem se perder de vista que a justiça é o objetivo maior do sistema jurídico (2006, p. 86).
E continua, o autor, o mesmo raciocínio:
Para esse tipo de proporcionalização adequado seria evitar que casos extremos de afronto ao valor justiça pudessem remanescer intocados ad aeternum, como sucede se e quando for erigida a coisa julgada material como um resultado absoluto e intangível, quaisquer que sejam as circunstancias que geraram a sua formação e qualquer que seja o seu grau de oposição ao sistema jurídico vigente e aos princípios que o informam. O grau de descompasso entre o decidido e estes seria o critério para o afastamento dessa imutabilidade, pra que a decisão por ele tarjada perdesse o signo da injustiça coram populo (2006, p. 86).
Na mesma toada é o que aduz Candido Rangel Dinamarco, apud Humberto Theodoro, para quem:
Na doutrina brasileira merece destacar a opinião de Candido Rangel Dinamarco, para quem, à luz de precedentes da jurisprudência, e de preciosas técnicas de hermenêutica constitucional, “os princípios existem para servir à justiça e ao homem, não para serem servidos como fetiches da ordem processual”. Por isso, não se pode reconhecer “caráter absoluto à coisa julgada”, nem se pode deixar de subordinar sua autoridade aos condicionamentos dos “princípios de razoabilidade e da proporcionalidade” (2006, p. 169).
É por esse diapasão que se rebate o argumento da perenização, ou eternização, dos conflitos. Por intermédio da ponderação de valores, e de acordo com a razoabilidade do caso concreto é que se permite relativizar aquilo que foi soberanamente decidido. Só teria, nesse sentido, objeto a ser apreciado, aquela demanda que demonstrasse grave afronto à constituição conforme raciocínio o raciocínio antes enfatizado de Alexandre Câmara. Essa é a injustiça aqui apregoada.
Alguns exemplos, ou hipóteses de cabimento da relativização, dispostos por Alexandre Câmara com base nos ensinamentos do Ministro José Augusto Delgado, são os seguintes:
a) a sentença expedida sem que o demandado tenha sido citado com as garantias exigidas pela lei processual;
b) a ofensiva à soberania estatal;
c) a violadora dos princípios guardadores da dignidade humana;
d) a provocadora de anulação dos valores sociais e da livre iniciativa;
e) a que estabeleça, em qualquer tipo de relação jurídica, preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação;
f) a que obrigue alguém a fazer ou deixar de fazer algo de forma contrária à lei;
g) a que autorize a prática de tortura, tratamento desumano ou degradante de alguém;
h) a que julga válido ato praticado sob a forma de anonimato na manifestação de pensamento ou que vede esse livre manifestação;
i) a que impeça a liberdade de atuação dos cultos religiosos;
j) a que consagra a possibilidade de violação ao direito da intimidade, da vida, da honra e da imagem da pessoa;
k) a que abra espaço para a quebra do sigilo da correspondência;
l) a que impeça alguém de associar-se ou de permanecer associado;
m) a que reduza o salário do trabalhador, salvo o caso de convenção ou de acordo coletivo;
n) a que autorize a empresa, por motivos de dificuldades financeiras, a não pagar o 13º salário do trabalhador;
o) a que estabeleça distinção entre brasileiros natos e naturalizados, além dos casos previstos na Constituição da República;
p) a que proíba a União de executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária e fazendária;
q) a que autorize alguém a assumir cargo público descumprindo os princípios fixados na Constituição da República e nas leis específicas;
r) a que ofenda, nas relações jurídicas de direito administrativo, os princípios da legalidade, da moralidade, da eficiência, da impessoalidade e da publicidade;
s) a que reconheça vitalício no cargo o juiz com, apenas, um ano de exercício;
t) a que, no trato de indenização da propriedade pelo poder publico, para qualquer fim, não atenda ao princípio da justa indenização (2006, p. 16)
E arremata com propriedade o mesmo autor que:
Em todos esses casos, e em muitos outros, a decisão judicial estaria violando a Constituição da República, o que é absolutamente inaceitável. A mera possibilidade de que decisões que afrontam a Constituição sejam proferidas torna necessária a existência, no sistema processual, de um mecanismo de controle de constitucionalidade de tais decisões (2006, p. 17).
Percebe-se assim que o supracitado autor defende a necessidade premente de um sistema eficiente que seja apto a corrigir tais aberrações após o transito em julgado das decisões, uma vez que conforme o sistema posto só há tal oportunidade como manejo de recursos bem como da rescisória. Frise-se porém que esta só será possível no interregno disposto no art. 495 do Código de Processo Civil, ou seja, 2 anos (2006, p. 17).
Conforme se deixou transparecer também ao longo desta obra, não só a afronta direta a preceito constitucional, mas também a sentença que a posteriori tornou-se inconstitucional em virtude da declaração de inconstitucionalidade da lei que a dava respaldo e sustentação, deve ser desconsiderada, no mesmo diapasão de relativização da coisa julgada, como um ato susceptível de cisão.
Ora, conforme demonstrado no capitulo 3 desta explanação, o controle de constitucionalidade em regra é engendrado com a eficácia ex tunc. Sendo assim todos os atos praticados no passado são atingidos pela declaração de inconstitucionalidade. É o chamado efeito retroativo.
No que tange ao referido efeito e sua repercussão no mundo jurídico, vem à baila mais uma vez o entender de Marinoni para quem:
Não há dúvida que, no direito brasileiro, entende-se, sem grande controvérsia, que a decisão de inconstitucionalidade produz efeitos ex tunc, e assim retroage até o momento da edição da lei. Afirma-se, nesse sentido, que tal decisão possui caráter desconstitutivo, e por isso não apenas revoga a lei. A sua natureza é declaratória, pois reconhece a nulidade da lei, vale dizer, um estado já existente (2006, p. 235).
Também Teresa Wambier, completando o raciocínio da asseverando que:
Na doutrina brasileira, sempre prevaleceu a tese de que a declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal em ação direta tem efeito retroativo. Na verdade, ocorrendo essa declaração, tem-se que a lei rigorosamente nunca teria integrado o sistema jurídico positivo, pois que colidente com a Lei Maior (2006, p. 343).
Vale lembrar que não será toda vez que for declarada a inconstitucionalidade da norma que a mesma terá o condão de atingir as decisões do passado. É o que se dispôs no capitulo 3 desta obra no que se refere à modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, com base no respeito à segurança jurídica e a paz social. É a averiguação da proporcionalidade e da razoabilidade no caso concreto.
Neste sentido também são as palavras de Paulo Henrique dos Santos Lucon:
Conforme os ditames da razoabilidade e da proporcionalidade, no entanto, nem toda declaração de inconstitucionalidade autorizará a desconstituição do título. Enquanto instrumento de efetivação do princípio da segurança jurídica, a coisa julgada é fator de extrema relevância no alcance de escopo fundamental do processo a pacificação social com justiça. A desconstituição do título apenas será possível caso, na ponderação entre o princípio da segurança jurídica e aquele albergado quando da declaração da inconstitucionalidade, esse último prevaleça no caso concreto (2006, p. 303).
Assim, fica mais que demonstrado a necessidade de mitigar a rigidez com que é vista a decisão trânsita em julgado, para que não se deixe perenizar uma aberração à constituição, que coloca em cheque os valores fundantes da ordem jurídica, a pretexto de salvaguardar a opção política da coisa julgada.
Mecanismos para rediscutir a coisa julgada
Se há, como se mostrou, plausividade na argumentação sobre a possibilidade de relativizar, ou como queira Nelson Nery Jr. (2006, p. 257), desconsiderar a coisa julgada, urge encontrar o veículo cabível para tal intento. Ou seja, é preciso saber qual o meio processual pertinente para que se possa alegar a inconstitucionalidade da sentença e na mesma esteira pedir a sua desconsideração.
O primeiro e mais óbvio instrumento de controle da constitucionalidade de uma sentença após o seu transito em julgado é certamente a Ação Rescisória. Note-se que esta vem disposta nos artigos 485 e seguintes do Código de Processo Civil, e é, por definição do próprio artigo 485 o meio que possibilita a rescisão da sentença transitada em julgado.
Assim a ação rescisória, nas palavras de Antônio Cláudio da Costa Machado, é:
Ação rescisória é a ação de competência originária dos tribunais por meio da qual se pede a anulação ou desconstituição de uma sentença ou acórdão transitado materialmente em julgado e eventual reapreciação do seu mérito. Trata-se de um outro meio de impugnação judicial colocado no sistema ao lado do recurso, mais que com este não se confunde justamente porque tem objeto uma decisão imutável dentro do processo em que foi proferida. O fundamento jurídico da rescindibilidade é o vício formal ou substancial da sentença como ato jurídico. politicamente falando, o seu fundamento é a necessidade de reparar injustiças contidas em decisões transitadas em julgado e prover a reestabilização das relações jurídicas (2004, p. 671).
Para a desconstituição da sentença transitada em julgado quando injusta, ou seja, quando atentatória aos preceitos magnos, utiliza-se o disposto no art. 485, V do Código de Ritos Civil, sendo que porém a interpretação deve ser sistemática, tal como pondera Camara, como se segue:
É sabido que este dispositivo não pode ser interpretado literalmente, sendo certo que a rescindibilidade existirá sempre que a sentença transitada em julgado “violar direito em tese”. Assim sendo, será possível rescindir-se a sentença inconstitucional transitada em julgado, proferindo-se em seguida um novo julgamento da causa (2006, p. 25).
Seguindo esse mesmo diapasão é o magistério de Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medin, explicando primeiramente a rátio legis de tal dispositivo cingir-se apenas ao choque de legalidade, asseverando os citados autores que:
No século XIX, pode se dizer que existia uma crença razoavelmente generalizada no sentido de que a lei representava a vontade do povo. Entendia-se que o texto legal era síntese das aspirações da sociedade. Confiava-se na lei como sendo a única forma de garantir o povo contra arbitrariedades (2006, p. 345).
Na mesma obra, em passagem posterior os autores asseveram a possibilidade de utilização da ação para confrontar não apenas a legalidade estrita, mas também a lei considerada em seu sentido amplo, dizendo que:
A expressão lei diz respeito a lei federal, complementar, ordinária, Constituição Federal, leis estaduais, municipais, medidas provisórias, decretos legislativos etc... E, em nosso entender, abrange também os princípios jurídicos (2006, p. 347).
É importante destacar que tal entender não é apenas doutrinário mas também jurisprudencial consagrado no seguinte acórdão do Superior Tribunal de Justiça citado por Humberto Theodoro Jr:
PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO RESCISÓRIA – INTERPRETAÇÃO DE TEXTO CONSTITUCIONAL – CABIMENTO – SÚMULA 343/ STF – INAPLICABILIDADE – VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI (CPC, ART. 485, V) FNT – SOBRETARIFA – LEI 6.093/74 – INCONSTITUCIONALIDADE (RE 117315/RS) – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL SUPERADA – SÚMULA 83/STJ - PRECEDENTETES.
O entendimento desta corte, quanto ao cabimento da ação rescisória nas hipóteses de declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei é no sentido de que a conformidade, ou não, da lei com a constituição é um juízo sobre a validade da lei; uma decisão contra a lei ou que lhe negue a vigência supõe lei válida. A lei pode ter uma ou mais interpretações mas ela não pode ser válida ou inválida, dependendo de quem seja o encarregado de aplica-la.
Por isso, se a lei é conforme à Constituição e o acórdão deixa de aplica-la à guisa de inconstitucionalidade, o julgado se sujeita à ação rescisória ainda que na época os tribunais divergissem a respeito. Do mesmo modo se o acórdão aplica lei que o Supremo Tribunal Federal, mais tarde, declare inconstitucional.
A eg. Corte Especial deste Tribunal pacificou o entendimento, sem discrepância, no sentido de que é admissível a ação rescisória, mesmo que à época da decisão rescindenda, fosse controvertida a interpretação de texto constitucional, afastada a aplicação da súmula 343/STF (Resp. 155.654/RS, D.J. de 23.08.99) (RESP 36017/PE, 2ª T., Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJU 11/12/200, P. 185) (2006, p. 171).
Outro meio, não menos controvertido, para discussão e desconsideração da sentença eivada de inconstitucionalidade é o artigo 741, parágrafo único, do CPC. Deste ainda derivou o novel artigo 475-L, disposto pela Lei 11.232. Diga-se desde logo que não se entrará aqui no mérito da reforma do Código de Processo Civil.
Primeiramente, no que tange ao artigo 741, bem como seu Parágrafo Único, tem a seguinte redação dada pela Lei 11.232:
Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre:
I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;
II - inexigibilidade do título;
III - ilegitimidade das partes;
IV - cumulação indevida de execuções;
V – excesso de execução;
VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença;
Vll - incompetência do juízo da execução, bem como suspeição ou impedimento do juiz.
Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal (grifou-se).
Como se percebe, malgrado esteja adstrito, pela nova redação, às contendas contra a fazenda pública em sua redação original estava disposto para toda e qualquer execução de obrigação de pagar. Isso se infere pela simples leitura da redação original do caput do citado artigo que assim prescrevia “Art. 741 Na execução fundada em título judicial, os embargos só poderão versar sobre:”.
É cediço que os embargos à execução tem natureza de ação autônoma, tendo uma autuação em apartado e abrindo toda uma dilação probatória no intento de se desconstituir o título exeqüendo.
Esse é o entender de Antônio Cláudio da Costa Machado para quem:
Os embargos do devedor (ou embargos à execução – v. o título do Capítulo II adiante) são uma ação de conhecimento incidende ao processo de execução (ou processo incidente) pela qual o devedor se defende contra a execução ajuizada, buscando o proferimento de uma sentença que a extinga. Tal ação incidente – que gera autuação própria em apenso, diz o texto, corresponde à forma processual que o exercício do direito de defesa assume in executivis, já que em relação a este não existe contestação. Contudo, por se tratar de ação de caráter incidental, alguns requisitos diferenciados de admissibilidade se tornam exigíveis, quais sejam, a segurança do juízo (art.737), a tempestividade da sua oposição (art. 738) e o cabimento da ateria deduzida (art. 741 – requisito exclusivo dos embargos contra a execução fundada em título judicial – v. art. 745) (2004, p. 1104).
Portanto, fica patente a manifestação do legislador entendendo a necessidade de mecanismos de controle, a posteriori, da sentença fundada em norma declarada ou entendida como inconstitucional pelo guardião da constituição, ou seja, pelo Supremo Tribunal Federal.
E esse raciocínio é com fulcro nas palavras de Donaldo Armelin que:
Entretanto manifestação legislativa recente afetou de maneira inequívoca a intangibilidade da coisa julgada material, autorizando a eficácia retroativa de decisões do Supremo Tribunal Federal para tornar inexigíveis os títulos executivos judiciais lastreados em lei ou ato normativos declarados por ele inconstitucionais.
É do que resulta do parágrafo único supra reportado do artigo 741 do CPC, inserido pela Medida Provisória 21.180/2001. Esse diploma não prima pela precisão e clareza ao permitir que o título executivo fundado também em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal suporte o mesmo efeito da declaração de inconstitucionalidade, tornando-se, assim, inexigível, vale dizer, ex vi do art. 618 do CPC, perdendo a qualidade de título executivo por que carente de aptidão para incoar um processo de execução válido (2006, p. 94).
Vale advertir que esse mecanismo está disposto para as hipóteses previamente estabelecidas. São abarcados pela regra da lei, textualmente, os títulos fundados em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em interpretação ou aplicação de ou interpretação de lei ou ato normativo, tida pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição federal.
Comentando tal inovação do sistema jurídico processual Antônio Cláudio assevera que:
Observa-se, desde logo, que o mais importante neste regramento é que ele subverte por completo, a disciplina da coisa julgada material que neste código institui ao estabelecer a imutabilidade dos efeitos da sentença de mérito (no art. 467) e a exclusão dos “motivos, ainda que importantes” do âmbito daquilo que faz a coisa julgada, que é apenas o dispositivo da sentença (art. 469, I – v. notas aos arts. 467 a 474). A subversão que apontamos está no fato de que presente dispositivo, ao declarar “inexigível o título judicial fundado [...]“, o mesmo que declarar inexeqüível a sentença transitada em julgado quando..., ele acaba por relativizar aquela imutabilidade em virtude a feição que assumam os motivos sobre os quais a decisão foi construída (lei declarada inconstitucional ou aplicação ou interpretação de lei reconhecida como incompatível com a CF) (2004, 1121 e 1122).
E Eduardo Talamini no mesmo sentido:
A regra inova ao conceber uma hipótese de matéria veiculável em embargos à execução de título judicial que é anterior à formação do título. Antes, a única com essa característica era a do art. 741, I, que envolve a própria “inexistência jurídica” ou “ineficácia” do processo em que se formou o título – o que, como se vê adiante (n.2), em princípio não se tem na nova hipótese. Constitui tambem uma inovação a possibilidade de revisar inclusive títulos executivos acobertados pela coisa julgada material, independentemente de ação rescisória (e, mesmo, fora do prazo dessa) (2006, p. 101).
Destarte, tão vultuosa é a discussão acerca da relativização da coisa julgada que hoje tem-se como positivada tal possibilidade. Resultou neste meio processual de resistência à sentença apoiada em título fundado em norma declarada ou entendida como interpretação inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Ora, como já se afirmou em passagem retro, em regra o efeito da declaração de inconstitucionalidade possui efeitos retroativos. Em sendo assim todos os atos praticados sob a égide da norma declarada inconstitucional não podem convalescer.
E a legitimidade do STF para tanto deriva da própria Carta, uma vez que ela própria que outorgou àquela corte e legitimidade para o controle de constitucionalidade de lei e ato normativo.
E esse é o entender do Superior Tribunal de Justiça conforme se observa na sua jurisprudência, que como afirmou, Teori Albino Zavascki, trata-se do “princípio da autoridade do STF”.[4]
A necessidade de tal disposição expressa se deu pela orientação predominante na jurisprudência e doutrina pátria, de que o controle de constitucionalidade, malgrado de natureza declaratória, não tem o condão de por si só, desconstituir a coisa julgada. É necessária uma ação nesse sentido, é necessária a utilização dos embargos à execução tal qual está disposto no artigo 741, P.U. do CPC. É o entender de Eduardo Talamini (2006, p. 109).
Destaque-se por oportuno, que:
A inconstitucionalidade de uma norma apenas poderá acarretar propriamente a nulidade da sentença quando se tratar de norma processual reguladora de requisitos de validade da sentença ou de atos que repercutam necessariamente sobre a sentença (TALAMINI 2006, p. 109).
No final de 2005 a Lei 11232 na esteira das reformas do Código de Processo Civil, acrescentou o artigo 475-L. Este, no mesmo diapasão do artigo 741, P.U., consigna a inexigibilidade da sentença fundada em norma inconstitucional, ou de interpretação tida por inconstitucional, pelo Supremo.
É a positivação da relativização da coisa julgada cada vez mais presente e ratificando o entendimento deste trabalho quanto a inexigibilidade e injustiça da sentença contrária ao ordenamento constitucional.
Pela simples leitura do novo dispositivo, malgrado não enseje o nascedouro de uma ação autônoma tal qual no manejo de embargos, percebe-se que ambos, o 741 parágrafo único e 475-L, §1º, têm o mesmo objetivo, qual seja, o de tornar ineficaz a sentença lastreada em preceito incompatível com a Constituição, sendo que, como pressuposto lógico, para o manejo da impugnação ou dos embargos, faz-se necessária a prévia manifestação do Supremo Tribunal Federal.
É por essa clarividência que Araken de Assis asseverou:
Em tal contingência, tão intensa e profunda se revela a inconstitucionalidade, pronunciada pelo STF, que desaparece a indiscutibilidade do título, decorrente da coisa julgada, e, conseguintemente, sua exeqüibilidade. Assim o art. 741, parágrafo único, e o 475-L, §1.º, tornam sub conditione a eficácia da coisa julgada do título judicial que, preponderante ou exclusivamente, serviu de fundamento da resolução do juiz. Pode-se, dizer, então, que toda sentença assumirá uma transparência eventual, sempre passível de ataque via embargos ou impugnação. E a coisa julgada em qualquer processo adquiriu a incomum e a insólita característica de surgir a subsistir sub conditione (2006, p. 46).
A qualquer momento, pronunciada a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em que se baseou o pronunciamento judicial, desaparecerá a eficácia do at. 467. e isto se verificará ainda que a corte constitucional se manifeste após o prazo de dois anos da rescisória (art. 495) (2006, p. 46).
Como se percebe pelas palavras acima e quando da leitura do art. 741, parágrafo único, se percebe que não há um interregno preestabelecido tal qual se passa com a rescisória. Se houver uma declaração ou pronunciamento do STF quando a constitucionalidade da norma ou de sua interpretação, mesmo aquelas decisões já transitadas em julgado há mais de dois anos, ou há qualquer outro intervalo de tempo, poderão ter sua ineficácia executiva declarada.
Porém o mesmo não se passa com o 475-L, bem como o seu §1º. Acontece que para a análise de tal dispositivo faz-se necessária a leitura do 475-J, também novo, que em seu § 1º prescreve um prazo de 15 dias, após a intimação do auto de penhora e avaliação, para impugnação por tal remédio.
Pergunta que se impõe é se em casos como o do §1º do art. 475-L, não havendo a impugnação em virtude de ainda não haver se pronunciado o STF, tendo pois passado o prazo de 15 dias, qual o meio de impugnação que poderá ser utilizado? Irá convalescer tal sentença? Tais indagações serão em momento oportuno, retomadas.
Comentando tal dispositivo assevera Antônio Cláudio que:
Este §1º sob enfoque corresponde à reprodução, com pequenas alterações redacionais, do parágrafo único do art. 741 em sua versão anterior à Reforma da Execução (Lei n. 11.232/2005). A seu respeito, é necessário dizer, desde logo, que ele institui a perda da eficácia do título executivo judicial, quando este possuir como fundamento aplicação da lei ou ato normativo que tenha sido declarado inconstitucional pelo STF, ou quando tiver como fundamento a aplicação ou interpretação (ainda, de lei ou atp normativo) reputada incompatível com a Constituição Federal pelo mesmo STF (2006, p. 731).
Assevera ainda Antônio Cláudio da Costa Machado, que:
Observe-se, desde logo, que o mais importante nesse regramento é que ele subverte por completo a disciplina da coisa julgada material que este Código institui ao estabelecer a imutabilidade dos efeitos da sentença de mérito (no art. 467) e a exclusão dos “motivos, ainda que importantes” do âmbito daquilo que faz coisa julgada, que é apenas o dispositivo da sentença (art. 469, I – v.notas aos arts. 467 e 474). A subversão que apontamos está no fato de que o presente dispositivo ao declarar “inexigível o título judicial fundado [...]” – o mesmo que declarar inexeqüível a sentença transitada em julgado quando estribada em ato normativo reputado inconstitucional - , ele acaba por relativizar aquela imutabilidade em virtude da feição que assumam os motivos sobre os quais a decisão foi construída (lei declarada inconstitucional ou aplicação ou interpretação de lei reconhecida como incompatível com a CF) (2006, p. 731).
Em nota introdutória aos comentários sobre tais inovações do Código de Processo Civil, Teori Albino Zavascki disse que:
A teor do §1º do art. 475-L, com a redação dada pela Lei 11.232, “para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação de lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a constituição Federal” (2006, p. 329).
E prossegue o mesmo autor:
Redação idêntica foi atribuída ao parágrafo único do art. 741 do CPC, alterando, no particular, com pequenas modificações, a redação que lhe fora dada pela Medida Provisória 2.180-35/2001. Os dispositivos, como se percebe, estabelecem uma causa de inexigibilidade (inibindo, portanto, a exeqüibilidade) dos título executivos judiciais, aqui referidos genericamente como sentenças (2006, p. 329).
Quanto à constitucionalidade, que por muitos é contestada (v.g Gisele Santos Fernandes Góes), bem asseverou Teori Albino Zavaski:
A constitucionalidade da norma inserta no parágrafo único do art. 741 do CPC e no §1º do art. 475-L do CPC decorre de seu significado e de sua função. Trata-se de preceito normativo que, buscando harmonizar a garantia da coisa julgada com o princípio da Constituição, veio apenas agregar ao sistema um mecanismo processual com eficácia rescisória de certas sentenças inconstitucionais. Até o seu advento, o meio apropriado para rescindir tais sentenças era o da ação rescisória (art. 485 V). Agora, para hipóteses especialmente selecionadas pelo legislador, conferiu-se força semelhante à impugnação e aos embargos à execução. Não há inconstitucionalidade alguma nisso (2006, p. 331).
A curiosidade neste ponto que aguça a pesquisa, é a de se saber se existe uma maneira de se insurgir contra uma decisão confrontante com a Constituição quando fora das hipóteses acima descritas. Como poderia, nesse diapasão, ser quebrada a autoridade de uma sentença inconstitucional, acobertada pelo manto da coisa soberanamente julgada, ou seja, ultrapassados os dois anos para o manejo da rescisória, e não sendo ela susceptível de impugnação (art. 475-L, §1º) ou de oposição de embargos (art. 741, P.U.)?
Solução dada pela doutrina é quanto a possibilidade de utilização da querela nullitatis.[5]
Não obstante a controvérsia acerca de quando e como tenha surgido o instituto da querela nullitatis, o certo é que em sua gênese visa a declaração de nulidade daquele ato processual maculado por algum vício que não comporte sanatória.
Ocorre que, a sentença que afronta a Constituição, conforme o entender de Humberto Theodoro, é nula. Sendo assim, carecedora é, de reconhecimento dessa nulidade (2006, p.187).
O meio pois para que seja reconhecida essa nulidade é por via de uma ação declaratória. Nada melhor do que esse veículo, a querella, para se buscar perante o judiciário uma posição quanto a tal nulidade.
Sobre essa ação assevera Carlos Valder Do Nascimento apud Rodrigo Murad do Prado:
A querela nullitatis foi concebida com o escopo de atacar a imutabilidade da sentença convertida em res iudicata, sob o fundamento, consoante Moacyr Amaral Santos, de achar-se contaminada de vícios que a inquinasse de nulidade, visando a um indicium rescinders. Este, uma vez obtido, ficava o querelante na situação de poder colher uma nova decisão sobre o mérito da causa. A decisão judicial impugnada de injustiça desse modo, posta contra expressa disposição constitucional, não pode prevalecer. Neste caso, configurando o julgado nulo de pleno direito, tem cabimento de ação própria no sentido de promover sua modificação, com vistas a restaurar o direito ofendido. Contradiz a lógica do ordenamento jurídico a sentença que, indo de encontro a Constituição, prejudica uma das partes da relação jurídico-processual.
São por conseguintes, passíveis de ser desconstituídas as sentenças que põem termo ao processo, por ter decidido o mérito da demanda, enquadrando-se também, na hipótese, os acórdãos dos tribunais. Isso se persegue mediante ação autônoma que engendra uma prestação jurisdicional resolutória da sentença hostilizava, [sic], cujo efeitos objetiva desconstituir. Nisso é que reside sua razão fundamental: anulação de sentença de mérito que fez coisa julgada inconstitucional (INTERNET, 2005).
Para tanto conclui Teresa Wambier:
Portanto, segundo o que nos parece, tendo sido atendido o pedido formulado pela parte com base em lei inconstitucional, seria rigorosamente desnecessária a propositura da ação rescisória, já que a decisão que seria alvo de impugnação seria juridicamente inexistente, pois que baseada em “lei” (lei inexistente) (2006, p. 344).
E prossegue a mesma autora:
Portanto, em nosso entender, a parte interessada deveria, sem necessidade de se submeter ao prazo do art. 495 do CPC, intentar ação de natureza declaratória, com o único objetivo de gerar maior grau de segurança jurídica à sua situação. O interesse de agir, em casos como esse, nasceria, não da necessidade, mas da utilidade da obtenção de uma decisão nesse sentido, que tornaria indiscutível o assunto, sobre o qual passaria a pesar a autoridade da coisa julgada (2006, p. 344).
Nesse mister, porém, malgrado concorde com a utilização da querela nullitatis como via adequada à obtenção da declaração de nulidade na sentença maculada, discorda-se do fundamento alegado, uma vez que não se trata de sentença inexistente, mas sim de um ato nulo. Não se vê como possível que um ato que tenha sido exarado conforme os moldes da lei processual, ou seja, um ato que foi produzido segundo os seus requisitos de objeto e competência, possa ser inexistente.
A sentença existe, porém, é nula de pleno direito por o vício insanável da inconstitucionalidade.
Nesse diapasão colaciona-se a seguinte conclusão de Humberto Theodoro Junior:
A decisão judicial transitada em julgado desconforme com a constituição padece do vício da inconstitucionalidade que, nos mais diversos ordenamentos jurídicos, lhe impõe a nulidade. Ou seja, a coisa julgada inconstitucional é nula e, como tal, não se sujeita a prazos prescricionais ou decadenciais. Ora, no sistema das nulidades, os atos judiciais nulos independem de rescisória para eliminação do vício respectivo. Destarte pode “a qualquer tempo ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução” (STJ, Resp 7.556/RO, 3ªT., rel. Min. Eduardo Ribeiro, RSTJ25/439) (2006, p. 172).
E rebatendo críticas de Barbosa Moreira, assevera o mesmo autor que:
Ora, para se obter o afastamento do curto prazo decadencial da rescisória, basta considerar como nula a sentença que infringe a norma constitucional e tratar seu vício como matéria de embargos à execução ou de ação declaratória comum (querela nullitatis), como em outros casos de nulidade da sentença, de menor gravidade, já vem sendo admitido pela jurisprudência (ações de paternidade, petição de herança do herdeiro omitido na partilha, ofensa a litisconsórcio necessário etc.) (2006, p. 194).
O fundamento, como se percebe, é pela própria vultuosidade do vício que inquina a sentença. Ou seja, é um vício tal que sobrevive à própria autoridade da coisa julgada (LIEBMAN apud TEODORO, 2006, p. 190).
Se há uma irregularidade, diga-se, uma ameaça a direito, pela própria Constituição esta não passará despercebida quando se invocar a apreciação do judiciário (art. 5º, XXXV), faz-se mister a existência de uma tutela efetiva, de um meio e de uma resposta plausível a esse meio. Se vê, então, como mais plausível para tal intento, o pedido de declaração de nulidade por intermédio da querela nullitatis.
É nesse sentido que se encontra a resposta para as indagações deixadas ao longo do presente trabalho. Ou seja, para atingir a sentença incrustada de inconstitucionalidade, afora o interstício bienal da ação rescisória, e a oposição de embargos ou impugnação, seria a ação intentada no intuito de se buscar do judiciário a declaração de nulidade daquele decisório.
Por fim tal como observou Miguel Reale apud Donaldo Armelin “se não conseguimos definir a justiça, não podemos viver sem ela” (2006, p. 99).
CONCLUSÃO
A necessidade de se buscar resposta, mormente quando a indagação é tão profunda a ponto de repercutir sobre tudo que se tem como verdade. É uma premente necessidade do ser humano, ser esse que se inquieta diante de algo novo e com a sua aguçada curiosidade posta-se a investigar.
Outro não foi o sentido desse trabalho monográfico que buscou demonstrar que as verdades formuladas ao longo do tempo podem ser confrontadas com o novo, e este pode mostrar que tais verdades são passíveis de mutação diante de novas contingências criadas.
Com isso é se que mostrou o que é tido por coisa julgada, bem como a sua natureza jurídica e nuances da doutrina pátria sopesadas ainda com alguns pensadores de doutrinas alienígenas. O objeto desta análise foi firmar um conceito e uma anatomia do instituto para saber se seria possível uma mudança de paradigma.
Consectário que é da segurança jurídica, mesmo este sendo um princípio constitucional, a coisa julgada, por meio de uma ponderação principiológica, é posta em xeque, tendo em vista que diante de um conflito princípiológico, deve prevalecer aquele com maior carga valorativa, conforme restou provado.
É nesse mister que se demonstra a necessidade premente de revisão da imutabilidade da coisa julgada quando posta diante da maior injustiça que acomete o Estado Democrático de Direito, a inconstitucionalidade.
Esta, pois, que não obstante sofra a aversão de parte da doutrina, ainda arraigada com os preceitos de imutabilidade e com apego à idéia de segurança jurídica, existe e pode existir, uma vez que os atos estatais provém de premissas normativas que podem razoavelmente estar em rota de colisão com os ditames da Carta Fundamental.
Daí é que se fez necessário o exame da inconstitucionalidade e suas formas de declaração pelo guardião da Constituição, o STF. Nesse sentido porém, não só a mácula declarada pelo STF, bem como a afronta direta a preceitos de ordem constitucional, devem ser extirpadas da ordem jurídica.
E assim, fazendo, o magistrado, uma análise proporcional por meio da razoabilidade, é que se buscará no sentido da norma posta inter partes (sentença), se a mesma está condizente com a ordem normativa constitucional, que como já bem frisado, é a viga mestra do Estado Democrático de Direito.
Como o processo se exsurge por iniciativa das partes, princípio da inércia, é necessário, conforme se demonstrou, que seja manejado uma via processual adequada, pleiteando do judiciário a resposta à indagação formulada.
Pela universalidade de jurisdição, ou inafastabilidade do judiciário, consignada na Constituição Federal como uma garantia fundamental, artigo 5º, XXXV, não pode, outrossim deve, o Poder Judiciário responder a tais questionamentos, dando procedência a ações desse jaez.
Reafirme-se que não se está com essa explanação, apregoando o caos jurídico. Não é isso que se quer.
O que se busca incessantemente é que a verdade externada pelo Judiciário na sentença, se aproxime o mais possível da verdade real. Esta, porém, só é conseguida se estiver o mais próxima possível dos ditames do justo e do razoável.
Destarte, propondo critérios objetivos, busca-se a fulminação de todo e qualquer ato incrustado de inconstitucionalidade, pela crença de que a constituição é a base de todo o Estado Democrático de Direito, e deve ser respeitada acima de tudo.
Essa adequação constitucional só é feita, destarte, com a proporcionalidade e a coragem de encarar as mudanças da sociedade, dando o direito e o justo a quem lho mereça.
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[1] V.g. Alexandre Câmara, Araken de Assis, Donaldo Armelin, Humberto Theodoro, José Carlos Barbosa Moreira, Luis Guilherme Marinoni, entre outros.
[2] V.g. STJ- 1ª T. Resp. n. 240.712/SP, 15.02; TJ-DF A.C. n. 46.400/97.
[3] Realizado nos dias 28 a 30 de agosto de 2003 no Centro de Convenções de Salvador Bahia.
[4] Resp. 479909, DJ de 23.08.2004
[5] Nesse sentido é a opinião de Humberto Theodoro Junior, Alexandre Freitas Câmara, Teresa Arruda Alvim Wambier, entre outros.
Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes em Sergipe (conclusão em 2006.2). Advogado em causas cíveis e direito público. Analista Jurídico da Previdência Social. Pós-Graduado em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Pós Graduando em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Montenegro da Bahia. Palestrante do PEP - Programa de Educação Previdenciária.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIANA, Arlei Bruno. Coisa julgada inconstitucional: possibilidade de relativização Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2014, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39651/coisa-julgada-inconstitucional-possibilidade-de-relativizacao. Acesso em: 22 nov 2024.
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