INTRODUÇÃO
O presente artigo trata da concessão de pensão por morte previdenciária a filho ou irmão inválido, em especial nos casos em que a invalidez é posterior à maioridade/emancipação, mas anterior ao óbito do instituidor do benefício.
A exata compreensão do tema requer correta interpretação da Lei 8.213/91, Lei de Benefícios.
DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE A FILHO OU IRMÃO INVÁLIDO.
A lei 8.213/91 definiu, em seu art. 16, o rol de dependentes para fins de concessão de benefício de pensão por morte:
“Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente;
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente;”
O art. 77 previu causas de extinção da pensão por morte:
“Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais.
§ 1º Reverterá em favor dos demais a parte daquele cujo direito à pensão cessar.
§ 2º A parte individual da pensão extingue-se:
I - pela morte do pensionista;
II - para o filho, a pessoa a ele equiparada ou o irmão, de ambos os sexos, pela emancipação ou ao completar 21 (vinte e um) anos de idade, salvo se for inválido ou com deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente;
III - para o pensionista inválido pela cessação da invalidez e para o pensionista com deficiência intelectual ou mental, pelo levantamento da interdição.”
De igual forma, o Decreto 3.048/99, em seu art. 17, dentro dos preceitos da Lei 8.213/91, explicitou as causas de perda da qualidade de dependente.
“Art. 17. A perda da qualidade de dependente ocorre:
III - para o filho e o irmão, de qualquer condição, ao completarem vinte e um anos de idade, salvo se inválidos, desde que a invalidez tenha ocorrido antes:
a) de completarem vinte e um anos de idade;
b) do casamento;
c) do início do exercício de emprego público efetivo;
d) da constituição de estabelecimento civil ou comercial ou da existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria; ou
e) da concessão de emancipação, pelos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; e
O art. 108 do Decreto 3.048/99, dentro das disposições da Lei 8.213/91, igualmente explanou:
“Art. 108. A pensão por morte somente será devida ao filho e ao irmão cuja invalidez tenha ocorrido antes da emancipação ou de completar a idade de vinte e um anos, desde que reconhecida ou comprovada, pela perícia médica do INSS, a continuidade da invalidez até a data do óbito do segurado.”
Verifica-se de todo esse contexto normativo que é imprescindível que a invalidez seja anterior ao implemento da maioridade ou emancipação.
Desenvolvendo-se interpretação à luz dos princípios constitucionais que norteiam a Previdência Social, e das disposições da Lei 8.213/91, conclui-se que aquele que é acometido de doença incapacitante após a maioridade é albergado pela proteção relativa ao auxílio-doença (art. 59 da lei 8.213/91) ou à aposentadoria por invalidez (art. 42 da lei 8.213/91), mas não pela pensão por morte na qualidade de dependente quer de seu genitor, quer de seu irmão.
O art. 12 da lei 8.212/91 prevê a obrigatoriedade de filiação, bem como o art. 201 da Constituição estipula, além da obrigatoriedade, que a Previdência Social tem caráter contributivo e deve observar critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.
Como demonstrado, quando o filho/irmão completa 21 anos e não é inválido cessa a sua qualidade de dependente, passando a ser albergado por outras disposições legais, não readquirindo a qualidade de dependente a posteriori em razão de superveniente invalidez.
A doutrina dominante não foge desse entendimento, sendo importante a transcrição dos ensinamentos de Marcelo Leonardo Tavares:
"A perda da qualidade de dependente ocorre para o filho e o irmão, de qualquer condição, ao completarem vinte e um anos de idade, salvo se inválidos, ou pela emancipação, ainda que inválido, exceto, neste caso, e a emancipação for decorrente de colação de grau científico e, curso de ensino superior." (DIREITO PREVIDENCIÁRIO, 4ª edição, Editora Lumen Juris, ano 2002, pag. 52)
Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior também colocaram em sua obra:
"Os filhos são considerados dependentes até a idade de vinte e um anos, quando saudáveis, ou até cessar a invalidez, quando inválidos, desde que não sejam emancipados [...]
Em certa ocasião, apesar do filho ser inválido, considerando que este constituiu família, casou-se e teve dois filhos, percebendo inclusive aposentadoria por invalidez, considerou o Tribunal que não existia, no caso concreto, a dependência econômica, razão pela qual o benefício foi negado judicialmente (AC nº 1998.04.04.081888-4/RS, TRF 4ª R, Rel. Juiz Nylson Paim de Abreu, 6ª T., un., DJU 03.05.2000)." (Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social, 3ª edição, Livraria do Advogado, pag. 85)
André Luiz Menezes Azevedo Sette não destoa desses entendimentos:
"A perda da qualidade de dependente ocorre:
3. para o filho e o irmão de qualquer condição, ao completarem vinte e um anos de idade, salvo se inválidos, ou pela emancipação, ainda que inválido, exceto neste caso, se a emancipação for decorrente de colação de grau científico em curso de ensino superior;" (Direito Previdenciário Avançado, Editora Mandamentos, 2004, pag 185)
A jurisprudência já se posicionou a respeito do tema:
“ADMINSTRATIVO. PENSÃO POR MORTE DE SERVDOR PÚBLICO FEDERAL. INVALIDEZ DA FILHA SUPERVENIENTE À MAIORIDADE. ROMPIMENTO DO VÍNCULO DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA COM O PAI. PENSÃO POR MORTE INDEVIDA. SENTENÇA REFORMADA.
1. Em princípio, é presumida a dependência econômica dos filhos maiores e inválidos em relação ao pai servidor. Entretanto, no caso dos autos, a apelada, que tem 32 (trinta e dois) anos (nasceu em 10/02/1977), ao tempo em que atingiu a maioridade (10/02/1998), era plenamente capaz e, inclusive, exerceu atividade econômica (trabalhou em duas empresas de corretagem de seguros) no período compreendido entre 2000 a 2003, ou seja, dos 23 aos 26 anos.
2. Ressalte-se que o distúrbio psicológico de que fora a apelada acometida apenas teve início em 2000, tendo sido declarado o termo inicial de sua incapacidade, pelo perito do juízo, a partir de 2004, quando já contava com 27 anos de idade.
3. Com efeito, ao completar 21 anos e iniciar sua vida laboral, a ora apelada deixou de ser dependente legal do seu pai, não lhe restituindo esse status o fato de, posteriormente, ter ficado doente e incapacitada para o trabalho. Ademais, também não restou comprovado que a apelada vivesse às expensas de seu genitor.
4. Imperioso frisar que o deferimento de pedidos nos termos da presente demanda abre precedentes para que inúmeras situações semelhantes, em que filho ou filha de servidor falecido, que tornaram-se incapazes após a maioridade, mesmo já tendo exercido atividade econômica, venham em juízo postular pensão em razão da "dependência superveniente", instaurando, assim, a definitividade das pensões temporárias, o que, certamente, ocasionaria enorme prejuízo ao erário, com a quebra dos sistemas previdenciários.
5. Apelação e remessa necessária providas.” (Decisão UNÂNIME AC 200883000032887 AC - Apelação Civel - 464909 Relator Desembargador Federal Francisco Cavalcanti Primeira Turma do TRF5 DJ - Data::10/07/2009, Página::457 - Nº::130)
“PREVIDENCIARIO. PENSÃO TEMPORARIA. FILHO INVALIDO DE EX-FERROVIARIO. PERDA DA QUALIDADE DE DEPENDENTE COM A MAIORIDADE. INCAPACIDADE POSTERIOR AO OBITO. AUTOR JA APOSENTADO POR INVALIDEZ, COMO SEGURADO DA PREVIDENCIA SOCIAL. DECRETO N. 83.080/79. I. Indevida a pensão temporária a filho de segurado que perdera a condição de dependente ao atingir a maioridade e cuja incapacidade só veio a ocorrer muitos anos após o óbito de seu genitor. II. Caso, ademais, em que o autor, por haver exercido, após a maioridade, atividade profissional remunerada e contribuído para a Previdência Social, dela já vem recebendo, como segurado independente que é, o benefício da aposentadoria por invalidez. III. Embargos providos. Ação improcedente. Por maioria, dar provimento aos embargos.” (EIAC 9401295123 Relator JUIZ ALDIR PASSARINHO JUNIOR - PRIMEIRA SEÇÃO do TRF1 - DJ DATA:08/04/1996 PAGINA:21882)
Frise-se, o filho/irmão perdem a qualidade de dependente quando atingem a maioridade, momento em que, ingressando no mercado de trabalho são agasalhados por novas proteções legais.
DA EVIDÊNCIA DO TEXTO LEGAL
Como se ressaltou em manifestação contrária ao pedido de antecipação de tutela (fls. 56/62), a clareza do dispositivo legal constante do art. 16, incisos I e III, da Lei 8.213/91 é meridiana ao condicionar a dependência a não emancipação do filho ou irmão, conforme se destaca novamente:
“I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente;
(...)
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente;”
Destaca-se, de imediato, que a maioridade, nesse sentido, é mais que a emancipação, pois a emancipação antecipa a capacidade plena antes da maioridade, enquanto esta, salvo invalidez anterior, implica automaticamente e, em momento normal, a plena capacidade.
Ora, a opção legítima do legislador foi resguardar a possibilidade de pensão como decorrência da invalidez do filho ou irmão enquanto estes não tivessem construído suas próprias vidas, enquanto não tivesse economia própria, enquanto não estivessem casados, enquanto não tivessem graduação em curso superior, ou enquanto não fossem maiores de idade.
Insiste-se, após tal momento, o legislador não abandonou tal cidadão à própria sorte, mas passa a exigir dele que, assim como todos os demais cidadãos maiores e capazes, contribua com a previdência para gozar de benefícios por incapacidade laborativa. Mantém-se, ainda, sistema de Assistência Social.
Assim, se em algum momento a pessoa foi maior não inválido ou emancipado não inválido caberia a ela seguir o mesmo procedimento aplicável a todos na sociedade: o recolhimento de contribuição previdenciária.
Não se entende porque o Estado deixaria de conceder uma aposentadoria por invalidez a uma pessoa sem qualidade de segurado mesmo quando tomado pelas mais graves das enfermidades, mas garantiria a outros que optaram por não contribuir, quando poderiam, a qualidade de dependente de seus pais para efeito de pensão por morte.
Ciente disso, sabedor da mínima coerência que deve ter um sistema previdenciário público, o legislador estabeleceu tal condição legal, isto é, a de que para ser considerado dependente em razão da invalidez o filho ou o irmão não podem ter adquirido em algum momento a capacidade civil plena conjuntamente com a plena capacidade laborativa.
DA ISONOMIA
Seguindo tal raciocínio, observa-se que a concessão de pensão por morte em casos tais não promove a igualdade ou justiça social, mas a desigualdade, o tratamento privilegiado de alguns pelo poder público.
Basta imaginar o seguinte exemplo:
Uma pessoa A, que acaba de completar 21 anos, continua seu primeiro emprego na informalidade – como ocorre com milhões de brasileiros. Após três anos de duro trabalho, resta acometido de doença gravíssima, precisa, então, deixar o trabalho. Como tem pais que eram contribuintes quando vivos, mas já mortos nesse momento, e como não contribuiu para a Previdência Social, não receberá qualquer benefício previdenciário, apenas podendo receber amparo social se satisfizer os demais requisitos legais para tanto.
Já uma pessoa B, que também acabara de completar 21 anos, trabalhava no mesmo comércio informal, após o mesmo tempo de duro trabalho, adquire a mesmíssima doença grave, afasta-se do trabalho. A pessoa B não contribuía para a Previdência Social, ora era de se imaginar que para esta resultado seria o mesmo apontado acima.
No entanto, a pessoa B tinha pai vivo aposentado. Eis a diferença, B tem pai vivo.
O legislador, como apontado acima, não entende que B, por ter pai vivo, deveria voltar a condição de dependente.
Ora, na linha do defendido por Celso Antonio Bandeira de Mello, as pessoas e situações desiguais merecem distinção na medida de suas desigualdades, no entanto a diferenciação precisa partir de um elemento racional e razoável de distinção.
Isto é, precisa-se de uma justificação lógica e ponderada para o tratamento desigual, mesmo quando feito pelo legislador.
No caso em tela, o elemento diferenciador, ter pais ou irmãos vivos, não satisfaz a ditos requisitos. Assim, realizar distinção em tal base é agir de modo arbitrário.
O fato de uma pessoa não ter irmão ou pai vivo e a outra ter não pode ser o único elemento para que o Estado, especialmente, a Previdência lhe confira tratamento diferenciado.
Diz-se único porque nos demais casos de pensão por morte a razão de uns receberem e outros não refere-se à aptidão do dependente de se manter só e ao fato de o instituidor manter, ou não qualidade de segurado na data de seu óbito. Todos esses elementos lógico-razoáveis, diverso do que ocorre em distinguir pessoas inválidas meramente pela pré-morte ou não de seus pais.
Assim, sábio foi o legislador ao evitar a possibilidade de o emancipado ou o maior voltar a condição de dependente por restar inválido, tudo para não ampliar uma situação de desigualdade entre uma pessoa que tem pais ou irmãos vivos e uma que não tem. Diversa opção do legislador tenderia a restar eivada de inconstitucionalidade.
Certamente, a solução ideal seria não apenas o amparo da pessoa A e da pessoa B, mas de todos pelo Estado, só que, para isso, existe e deve ser fortalecida a Assistência Social e não a Previdência Social, que não prescinde do caráter contributivo segundo o texto constitucional.
O legislador compreendeu o sistema, por isso emprega esforços para a cobertura dos inválidos e portadores de deficiência pela assistência social.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, fica claro que o filho/irmão perdem a qualidade de dependente quando atingem a maioridade, momento em que, ingressando no mercado de trabalho são agasalhados por novas proteções legais.
Após tal momento, o legislador não abandonou tal cidadão à própria sorte, mas passa a exigir dele que, assim como todos os demais cidadãos maiores e capazes, contribua com a previdência para gozar de benefícios por incapacidade laborativa. Mantém-se, ainda, sistema de Assistência Social.
A condição legal é: para ser considerado dependente em razão da invalidez, o filho ou o irmão não podem ter adquirido em algum momento a capacidade civil plena conjuntamente com a plena capacidade laborativa.
ROCHA, Daniel Machado. “Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social”, 3ª edição: Livraria do Advogado.
SETTE, André Luiz Menezes Azevedo. “Direito Previdenciário Avançado”, Editora Mandamentos, 2004.
TAVARES, Marcelo Leonardo. “Direito Previdenciário”, 4ª edição: Editora Lumen Juris, 2002.
Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARENSI, Marcela de Andrade Soares. Aspectos da concessão de pensão por morte previdenciária a filho/irmão maior inválido Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39655/aspectos-da-concessao-de-pensao-por-morte-previdenciaria-a-filho-irmao-maior-invalido. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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