RESUMO: a jurisprudência se divide sobre a possibilidade, ou não, do ajuizamento da ação de reparação civil do Estado em face somente do particular.
PALAVRAS-CHAVES: Responsabilidade civil. Estado. Polo passivo.
DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO:
Todo aquele que causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo o dano causado. É o que se extrai da regra geral da responsabilidade civil prevista no art. 186 do Código Civil, senão vejamos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Desta forma, para que alguém seja responsabilizado civilmente deve preencher os seguintes requisitos: 1) conduta danosa; 2) nexo de causalidade; 3) dano; 4) culpa.
Nesta senda, é importante registrar que nem sempre o requisito culpa estará presente no instituto da responsabilidade civil, uma vez que o nosso ordenamento jurídico previu hipóteses em que o causador do dano responderá objetivamente, ou seja, independentemente de culpa, vg., a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço prevista no CDC:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Outra exceção reside na responsabilidade civil objetiva do Estado pelos danos causado pelos seus agentes públicos, vide o art. 37, § 6º, da Constituição Federal:
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Do parágrafo acima pode se verificar uma duplicidade de relação jurídica: a) a primeira entre o Estado e vítima em que a responsabilidade daquele, em regra, é objetiva; b) a segunda entre o Estado e o agente causador do dano em que a responsabilidade desse é subjetiva.
É justamente essa duplicidade de relação jurídica que acarreta na discussão sobre quem deve (e pode) figurar no polo passivo nas ações de responsabilidade civil do Estado.
DIVERGÊNCIA ENTRE O STJ E O STF
Os administrativistas, em sua maioria, defendem que o particular pode escolher se promove a ação: 1) em face do Estado e do agente público; 2) só do Estado; 3) 3) somente contra o agente público.
Para os defensores dessa teoria, é uma faculdade do particular escolher se pretende só ajuizar a ação contra o Estado, neste caso não precisando demonstrar /provar o dolo/culpa, mas pode ser que receba a indenização através de precatório; ou promover contra o Estado e o agente público ou só contra o agente público, devendo, nestes casos, comprovar o dolo/culpa.
O STJ[1] possui esta posição, vide o julgamento abaixo:
RESPONSABILIDADE CIVIL. SENTENÇA PUBLICADA ERRONEAMENTE. CONDENAÇÃO DO ESTADO A MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INFORMAÇÃO EQUIVOCADA. AÇÃO INDENIZATÓRIA AJUIZADA EM FACE DA SERVENTUÁRIA.LEGITIMIDADE PASSIVA. DANO MORAL. PROCURADOR DO ESTADO. INEXISTÊNCIA. MERO DISSABOR. APLICAÇÃO, ADEMAIS, DO PRINCÍPIO DODUTY TO MITIGATE THE LOSS. BOA-FÉ OBJETIVA. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO DANO.
1. O art. 37, § 6º, da CF⁄1988 prevê uma garantia para o administrado de buscar a recomposição dos danos sofridos diretamente da pessoa jurídica que, em princípio, é mais solvente que o servidor, independentemente de demonstração de culpa do agente público. Vale dizer, a Constituição, nesse particular, simplesmente impõe ônus maior ao Estado decorrente do risco administrativo; não prevê, porém, uma demanda de curso forçado em face da Administração Pública quando o particular livremente dispõe do bônus contraposto. Tampouco confere ao agente público imunidade de não ser demandado diretamente por seus atos, o qual, aliás, se ficar comprovado dolo ou culpa, responderá de outra forma, em regresso, perante aAdministração.
2. Assim, há de se franquear ao particular a possibilidade de ajuizar a ação diretamente contra o servidor, suposto causador do dano, contra o Estado ou contra ambos, se assim desejar. A avaliação quanto ao ajuizamento da ação contra o servidor público ou contra o Estado deve ser decisão do suposto lesado. Se, por um lado, o particular abre mão do sistema de responsabilidade objetiva do Estado, por outro também não se sujeita ao regime de precatórios. Doutrina e precedentes do STF e do STJ.
3. A publicação de certidão equivocada de ter sido o Estado condenado a multa por litigância de má-fé gera, quando muito, mero aborrecimento ao Procurador que atuou no feito, mesmo porque é situação absolutamente corriqueira no âmbito forense incorreções na comunicação de atos processuais, notadamente em razão do volumede processos que tramitam no Judiciário. Ademais, não é exatamente um fato excepcional que, verdadeiramente, o Estado tem sido amiúde condenado por demandas temerárias ou por recalcitrância injustificada, circunstância que, na consciência coletiva dos partícipes do cenário forense, torna desconexa a causa de aplicação da multa a uma concreta conduta maliciosa do Procurador.
4. Não fosse por isso, é incontroverso nos autos que o recorrente, depois da publicação equivocada, manejou embargos contra a sentença sem nada mencionar quanto ao erro, não fez também nenhuma menção na apelação que se seguiu e não requereu administrativamente a correção da publicação. Assim, aplica-se magistério de doutrina de vanguarda e a jurisprudência que têm reconhecido como decorrência da boa-fé objetiva o princípio do Duty to mitigate the loss, um dever de mitigar o próprio dano, segundo o qual a parte que invoca violações a um dever legal ou contratual deve proceder a medidas possíveis e razoáveis para limitar seu prejuízo. É consectário direto dos deveres conexos à boa-fé o encargo de que a parte a quem a perda aproveita não se mantenha inerte diante da possibilidade de agravamento desnecessário do próprio dano, na esperança de se ressarcir posteriormente com uma ação indenizatória, comportamento esse que afronta, a toda evidência, os deveres de cooperação e de eticidade.
5. Recurso especial não provido (Resp 1325862/PR. Relator Ministro Luis Felipe Salomão. Data do julgamento 05.09.2013. Quarta Turma)
Malgrado o STJ defender que compete à vítima escolher contra quem quer litigar no caso de responsabilidade civil do Estado, o STF[2], em sentido contrário, possui decisão que entende que a vítima deve ajuizar a ação de reparação civil somente contra o Estado, senão vejamos:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37 DA MAGNA CARTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PRÓPRIO DA FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO.
O § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (Rext 327904/SP. Relator Carlos Britto. Data do julgamento 15.98.2006. Primeira Turma)
Este posicionamento do STF está agasalhado na tese da dupla garantia que significa: a) a primeira garantia em favor do particular, já que ao demandar exclusivamente contra o Estado aquele tem a garantia de que irá receber a indenização, ainda que através de precatório; b) a segunda garantia em favor do agente público, já que, para os defensores dessa tese, o agente público só responde subjetivamente no caso de regresso promovido pelo Estado.
DENUNCIAÇÃO DA LIDE
Sobre a denunciação da lide nas hipóteses de responsabilidade civil do estado há uma divergência na doutrina e jurisprudência.
Uns entendem que é possível a denunciação da lide, mas esta não seria obrigatória. Então, não havendo a denunciação, o processo seria válido e caberia a ação de regresso, se fosse o caso, contra o agente.
Sobre o assunto, assim defendeu o STJ[3]:
PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO - DENUNCIAÇÃO À LIDE DO AGENTE CAUSADOR DO DANO - NÃO-OBRIGATORIEDADE - POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO REGRESSIVA - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA - RISTJ, ART. 255 E PARÁGRAFOS - PRECEDENTES DA 1ª SEÇÃO.
- Fundando-se a ação em responsabilidade objetiva, o juiz pode rejeitar a denunciação da lide sem acarretar nulidade do processo, pois o preponente, podendo acionar regressivamente o seu preposto, não sofre qualquer prejuízo.
- Entendimento consagrado pela 1ª Seção.
- Divergência jurisprudencial que desatende à determinações legais não se presta ao fim proposto.
- Recurso especial não conhecido.
(Resp 328284/RJ. Relator Ministro Francisco Peçanha Martins. Julgamento em 26.04.2005. Segunda Turma)
Entretanto, outros entendem que não é possível a denunciação da lide, uma vez que a responsabilidade civil do Estado, nesse caso, é especial, já que a própria CF determinou a sua responsabilidade objetiva em prol do particular lesado, sendo que, caso fosse admitida a denunciação, a vítima deveria comprovar a culpa do agente público, fato que lhe seria prejudicial.
CONCLUSÃO
A matéria enfrentada no presente artigo é bastante controversa tanto na doutrina como na jurisprudência, com argumentos relevantes em todos os casos. Por isso os candidatos de concursos públicos, em particular, devem prestar atenção como a questão está sendo cobrada pela banca examinadora, principalmente em relação ao posicionamento de cada Tribunal.
[1] Jurisprudência extraída do site: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24807632/recurso-especial-resp-1325862-pr-2011-0252719-0-stj
[2] Jurisprudência extraída do site: http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/759916/recurso-extraordinario-re-327904-sp
[3] Jurisprudência extraída do site: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7226411/recurso-especial-resp-328284-rj-2001-0074986-1-stj
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: IURI RIBEIRO GONçALVES, . Do sujeito passivo na lide na responsabilidade civil do Estado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39698/do-sujeito-passivo-na-lide-na-responsabilidade-civil-do-estado. Acesso em: 22 nov 2024.
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