I – INTRODUÇÃO.
O presente artigo trata da análise das contribuições especiais e do princípio da referibilidade, a fim de confirmar se essa espécie tributária está relacionada ou não a uma contraprestação estatal já que o importante para caracterizar essa contribuição é a destinação específica do produto arrecadado com este tributo a uma finalidade certa, isto é, para custear a atuação estatal em determinada área.
II – DESENVOLVIMENTO.
Prevalece o entendimento de que no ordenamento jurídico pátrio existem cinco espécies tributárias, são elas: impostos, taxas, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório e contribuições especiais. Por isso, estas contribuições especiais constituem espécies tributárias autônomas, conforme já manifestou o Supremo Tribunal Federal.
No entanto, cabe ressaltar que parte considerável da doutrina acredita serem as contribuições tributos que ora se apresentam com características de impostos, ora com características de taxas, mas não perdem a natureza de tributo autônomo.
Dessa forma, as contribuições apresentam regime jurídico especial, não se confundindo com impostos e taxas. O Professor José Eduardo Soares de Melo explica bem essa característica, vejamos:
A indicação contida na Constituição (art. 145) de que tributos são ‘impostos, taxas e contribuições de melhoria’, reiterando vetusta disposição do CTN (art. 5.), por si só é insuficiente para esgotar a questão, uma vez que também se revestem de natureza tributária as contribuições. Não é fundamental a asserção de que as contribuições não são tributos porque não lhes são aplicáveis todos os princípios conferidos aos impostos e taxas. Cada tipo tributário apresenta uma conotação distinta, regras diferenciadas; enfim não são rigorosamente idênticos.
A despeito disso, uma das características específicas dessa espécie tributária é a exigência constitucional de destinação específica do produto da arrecadação, quer dizer, quando a lei cria uma contribuição, ela deve prever que o produto arrecadado terá de atender a determinada finalidade, sob pena de ser declarada inconstitucional.
Completa o raciocínio a Apostila do Curso de Pós-Graduação da área do Direito da AVM Faculdade Integrada com a transcrição do entendimento de Fabiana del Padre Tomé, que “embora não vá integrar a regra-matriz de incidência tributária, a destinação legal do produto arrecadado é requisito imposto pela norma constitucional de produção normativa tributária, no que diz respeito à instituição de contribuições. Tal caracter é, portanto, essencial para identificar a espécie em comento”.
O doutor Luciano Amaro também comenta o assunto de forma esclarecedora:
Um terceiro grupo de tributos é composto pelas exações cuja tônica não está nem no objetivo de custear as funções gerais e indivisíveis do Estado (como ocorre com os impostos) nem numa utilidade produzida pelo Estado e fruível pelo indivíduo (como ocorre com os tributos conhecidos como taxa, pedágio e contribuição de melhoria, que reunimos no segundo grupo).
A característica peculiar do regime jurídico deste terceiro grupo de exações está na destinação a determinada atividade, exercitável por entidade estatal ou paraestatal, ou por entidade não estatal reconhecida pelo Estado como necessária ou útil à realização de uma função de interesse público.
Assim, verifica-se que a contrapartida estatal e a referibilidade ao contribuinte são aspectos de menor relevância, que, assim como os empréstimos compulsórios, podem estar presentes ou não nas contribuições, eis que o importante para caracterizar uma contribuição é a destinação específica do produto arrecadado com este tributo a uma finalidade certa, isto é, para custear a atuação estatal em determinada área.
Geraldo Ataliba explica a relação das contribuições com o princípio da referibilidade afirmando que a “contribuição é o tributo vinculado cuja hipótese de incidência consiste numa atuação estatal indireta imediatamente (mediante uma circunstância intermediária) referida ao obrigado”.
Superado isso, passa-se à subdivisão das contribuições (federais) em três espécies, conforme previsão do art. 149 da Constituição, são elas: a) contribuições sociais; b) contribuições de intervenção no domínio econômico; c) contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas, vejamos:
Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
A princípio, verifica-se que o STF entende que as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas deverão observar a lei complementar que dispõe sobre as normas gerais de direito tributário, mas isto não significa que deverão ser instituídas por lei complementar, isto é, a lei ordinária pode criar tais espécies tributárias já discriminadas na CF.
Ademais, essas mesmas contribuições, com exceção da CIDE-combustível e das contribuições sociais ordinária, devem observar integralmente a anterioridade anual e noventena.
Por fim, destaca que as contribuições sociais e as CIDEs não poderão incidir sobre as receitas decorrentes de exportação, mas poderão incidir sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços; bem como podem ter alíquotas ad valorem (percentagem sobre faturamento, receita bruta e etc.) e específica (tem por base a unidade de medida adotada).
Informa que se deixará de comentar sobre a contribuição para o serviço de iluminação pública (COSIP) por ela ser de competência exclusiva dos Municípios e DF, conforme dispõe o art. 149-A da Constituição Federal.
Contribuições sociais.
As contribuições sociais podem ser divididas em mais duas subespécies: contribuições sociais gerais (art. 149, caput, da CF), que se destinam ao financiamento da atuação do Estado nas áreas de cunho social; contribuições de seguridade social (art. 149, § 1 e art. 195, ambos da CF).
1. Contribuições sociais gerais.
Conforme reza o artigo 149, caput, combinado com o art. 193, ambos da CF, compete exclusivamente à União instituir as contribuições sociais, como instrumento de sua atuação no campo da ordem social, que tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça social.
O Título VIII da Constituição, que trata da Ordem Social, abrange a Seguridade Social (Capítulo II), a Educação, a Cultura e o Desporto (Capítulo III), a Ciência e Tecnologia (Capítulo IV), a Comunicação Social (Capítulo V), o Meio Ambiente (Capítulo VI), a Família, a Criança, o Adolescente e o Idoso (Capítulo VII), os Índios (Capítulo VIII).
Como diz Luciano Amaro, essas contribuições sociais têm como finalidade custear a atuação do Estado nessas áreas, de forma a instrumentalizar a atuação da União (ou dos demais entes políticos, na específica situação do § 1 do art. 149 da CF) no setor da ordem social.
Alguns doutrinadores incluem as contribuições destinadas ao custeio dos serviços sociais autônomos (SESI, SENAI, SESC, etc.) nesta modalidade de contribuições sociais, já que elas atuam nas áreas de educação e aperfeiçoamento profissional e o art. 240 da CF dispõe expressamente que essas contribuições não se destinam à Seguridade Social. Porém, outros estudiosos, as incluem nas contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas.
Mesmo diante desta polêmica, todos concordam que as contribuições ao sistema “S” não exigem respeito ao princípio da referibilidade já que as empresas são obrigadas a pagar o tributo visando o aprimoramento e a valorização do trabalho humano sem nenhuma contraprestação em troca, vejamos:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO AO SEBRAE. EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO COM OS SEBRAE'S REGIONAIS, SESC E SENAC. NATUREZA JURÍDICA DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA REFERIBILIDADE. LEI COMPLEMENTAR. 1. ... 3. Como definiu o STF, "as contribuições do art. 149, CF contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas posto estarem sujeitas à lei complementar do art. 146, III, CF, isso não quer dizer que deverão ser instituídas por lei complementar. A contribuição social do art. 195, § 4º, CF, decorrente de "outras fontes", é que, para a sua instituição, será observada a técnica da competência residual da União: CF, art. 154, I, ex vi do disposto no art. 195, § 4º. A contribuição não é imposto. Por isso, não se exige que a lei complementar defina a sua hipótese de incidência, a base imponível e contribuintes: CF, art. 146, III, ´a`." (AI-ED 518082/SC, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 17-06-2005, p 0073,EMENT VOL-02196-14, p 2825) 4. Ademais, a própria Constituição Federal em seu art. 240 ressalvou do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, o que afasta a sua natureza tributária. 5. Não há, nas contribuições devidas aos denominados órgãos integrantes do sistema "S", necessidade de observância à referibilidade, relação e vinculação entre os contribuintes da exação e os beneficiários da sua arrecadação, fato que não lhe impõe qualquer mácula de ilegalidade ou de inconstitucionalidade. 6. Esta Corte adotou o entendimento firmado pelo egrégio STJ que se posicionou no sentido de que as empresas prestadoras de serviços estão sujeitas a recolher a contribuição para o SESC, SENAC e SEBRAE, porquanto referidas contribuições são compulsórias e visam a concretizar a promessa constitucional, contida no princípio da valorização do trabalho humano, constante no art. 170 da Constituição, e, ainda, que as empresas de prestação de serviço, quando auferem lucros, são estabelecimentos comerciais. 7. Precedentes desta Turma (AC 2003.34.00.017126-3/DF, Rel. DES. FEDERAL CARLOS FERNANDO MATHIAS, DJ de 19/01/2007, p.111; AMS 2002.38.03.005393-4/MG, Rel. DES. FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO, DJ de 10/05/2007, p.87; AG 2003.01.00.038225-0/PA, Rel. DES. FEDERAL LEOMAR BARROS AMORIM DE SOUSA, DJ de 20/01/2006, p.119). 8. Apelações do INSS e do SEBRAE e remessa oficial providas. Prejudicado o recuso da impetrante.
(TRF1 - AMS 200038000436096; JUIZ FEDERAL OSMANE ANTÔNIO DOS SANTOS; DJ DATA:20/07/2007 PAGINA:137)
2. Contribuições sociais para a seguridade social.
O art. 195 da CF dispõe que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta ou indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do DF e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
- do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei;
- do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social que trata o art. 201 da CF;
- sobre a receita de concursos de prognósticos;
- do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar;
- contribuição social para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP).
Assim, este dispositivo determina que as contribuições sociais e outros recursos provenientes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios são direcionados ao financiamento da seguridade social, logo se afirma que há um caráter solidário de tal financiamento.
Em face desta solidariedade social, o professor Edvaldo Nilo explica que “todos são chamados ao custeio em razão da sua relevância, não importando se a relação é direta ou indireta com os segurados, nem tampouco serem, necessariamente destinatários de benefícios da Seguridade Social”.
Desse modo, acredita-se não haver relação direta das contribuições sociais para a seguridade social com o princípio da referibilidade, já que se trata de uma espécie tributária que todos devem pagar independente de existir ou não contraprestação estatal. Esse também é o posicionamento da jurisprudência, senão:
CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO - CSL. SETOR FINANCEIRO. CUSTEIO DA SEGURIDADE SOCIAL. ART. 17, I, DA LEI Nº 11.727/08. ALÍQUOTA DIFERENCIADA. EXIGIBILIDADE. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. OFENSA. INEXISTÊNCIA. 1. A seguridade social idealizada pelo legislador constituinte está alicerçada no princípio da solidariedade social e reclama, portanto, a participação de todos os agentes econômicos, públicos ou privados, como garantia do respectivo financiamento. 2. As contribuições sociais destinadas ao seu financiamento não se fundam unicamente no critério da referibilidade, ou seja, na relação de pertinência entre a obrigação imposta e o benefício a ser usufruído, mormente porque, se um de seus objetivos é justamente permitir a universalidade da cobertura e do atendimento, à evidência, tal tributação está assentada em bases muito mais amplas. 3. Firmado o entendimento no sentido de que a contribuição em comento representa verdadeiro imposto finalístico, resta caracterizada a sua sujeição ao regime desse tributo.
(TRF3, AMS 00076994120094036100; DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MARCONDES; e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/08/2013)
Ademais, os tribunais brasileiros também já decidiram que a contribuição destinada ao INCRA e ao FUNRURAL é devida por empresas urbanas, porque visa a cobrir os riscos aos quais está sujeita toda a coletividade de trabalhadores, vejamos:
TRIBUTÁRIO - CONTRIBUIÇÃO PARA O INCRA - PRESCRIÇÃO - LEIS 7787/89 E 8.212/91 -.CONSTITUCIONALIDADE. - A contribuição para o INCRA é uma espécie de tributo sujeito à sistemática do recolhimento por homologação, logo a extinção do direito de pleitear a restituição ocorrerá após 05 (cinco) anos, contados do fato gerador, acrescido de mais 05 (cinco) anos da homologação. - Constitucionalidade da contribuição para o INCRA, mesmo após o advento da Lei 8.212/91, uma vez que a natureza tributária dessa contribuição não se enquadra na hipótese prevista no art. 18 c/c art. 11 do referido diploma legal, não se tratando, portanto, simplesmente de contribuição social, mas sim de contribuição especial de intervenção no domínio econômico - CIDE. - A nova jurisprudência do C. STJ lança por terra qualquer discussão relativa ao sujeito passivo da obrigação, no que diz respeito à atividade por ele desenvolvida, se rural ou urbana, já que de acordo com esse novo entendimento “as contribuições especiais atípicas (de intervenção no domínio econômico) são constitucionalmente destinadas a finalidades não diretamente referidas ao sujeito passivo, o qual não necessariamente é beneficiado com a atuação estatal e nem a ela dá causa (referibilidade)...” - Remessa necessária, que se considerou existente, e recursos providos.
(TRF2, APELRE 200251100005580; Desembargador Federal JOSE FERREIRA NEVES NETO; E-DJF2R - Data::05/12/2011 - Página::215)
No entanto, quando diz respeito a recolhimento de contribuição previdenciária sobre o salário de empregados, o Tribunal Regional Federal da 3. Região destacou que, in casu, só deve incidir a contribuição sobre as verbas de natureza salarial, não alcançando as verbas indenizatórias, já que estas últimas não reverterão em proveito para o empregado quando de sua aposentadoria, in verbis:
TRIBUTÁRIO E PREVIDENCIÁRIO - INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A VERBA INTITULADA "INDENIZAÇÃO POR APOSENTADORIA" - IMPOSSIBILIDADE - INOBSERVÂNCIA DA REGRA DA CONTRAPARTIDA E NATUREZA NÃO SALARIAL. I. A inteligência do artigo 195, I, da CF/88 - Constituição Federal de 1988, revela que deve incidir contribuições previdenciárias apenas sobre as verbas de natureza salarial pagas pelo empregador aos seus empregados. Assim, as parcelas não salariais, tais como as indenizatórias, não devem sofrer incidência de tal tributo. Importa notar, pois, que se entende como verbas salariais aquelas que se destinam a remunerar um serviço prestado pelo empregado. II. A par disso, o artigo 195, §5º da CF/88 positiva a regra da contrapartida ou da referibilidade, segundo a qual as contribuições previdenciárias devem incidir sobre as parcelas que se incorporam ao salário do empregado, repercutindo, conseqüentemente, na sua aposentadoria. É dizer, se uma verba não se incorpora aos salários dos trabalhadores para fins de aposentadoria, sobre ela não pode incidir contribuição previdenciária, posto que, neste caso, a regra da contrapartida ou referibilidade, de observância obrigatória pra fins de custeio previdenciário, não fica atendida; a previdência arrecadaria um produto sem, em contrapartida, proporcionar qualquer benefício. III. Os valores pagos pelo empregador ao empregado sob a rubrica de "indenização por aposentadoria" não visam a remunerar qualquer serviço prestado pelo último, até porque ela só é paga após a rescisão contratual e quando o empregado se aposenta. Não há, portanto, uma contraprestação entre essa importância e qualquer serviço prestado pelo trabalhador. Ela também não pode ser reputada habitual - o que igualmente afasta a sua caracterização como sendo de natureza salarial -, já que ela só é paga uma única vez. Por fim, referida parcela, até mesmo por não ser habitual e não se incorporar ao salário do trabalhador, não repercute na sua aposentadoria, o que repele a exação pretendida, já que não observada a regra da contrapartida.
(TRF3, APELREEX 00253483919974036100; JUÍZA CONVOCADA RENATA LOTUFO; e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/02/2011 PÁGINA: 254)
Desse modo, em regra, pode-se concluir que a seguridade social está fixada no princípio da solidariedade social, qual seja universalização da cobertura e do atendimento, portanto exige participação de todos os agentes econômicos, públicos e privados, para financiar o sistema. Assim, as contribuições sociais destinadas ao financiamento da seguridade social não exige relação de pertinência entre a obrigação imposta e o benefício a ser usufruído pelo contribuinte, logo não atende ao princípio da referibilidade.
Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico.
A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, conhecida como CIDE, foi inicialmente prevista na CF/88 apenas em seu aspecto finalístico, que é custear a atuação da União no domínio econômico. Posteriormente, vieram as Emendas Constitucionais n. 33/2001 e 42/2003 para estabelecer as materialidades possíveis para a tributação por meio dessas contribuições, quais sejam: a) importação de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível (art. 149, § 2, e art. 177, § 4); e b) importação de produtos estrangeiros ou serviços (art. 149, § 2).
As CIDEs são instituídas pela União, conforme art. 149 da Constituição Federal (CF), como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas econômicas. Isto significa que uma CIDE pode ser instituída quando a lei própria apontar uma das finalidades previstas na Constituição como de necessária atuação do Estado.
Assim sendo, para alguns doutrinadores, esta contribuição é instituída pela União no intuito de intervir em um certo domínio econômico, de modo que a referida atuação estatal, necessariamente, deve se reverter em favor do próprio grupo que paga esta espécie tributária. É o que se chama de referibilidade entre a contribuição interventiva e a atuação estatal.
Em lado oposto, parte da doutrina entende que a mencionada referibilidade, isto é, reversão da arrecadação desta espécie tributária em benefício do próprio contribuinte, não é requisito para a instituição da CIDE, eis que a CF não traz tal exigência. Para eles, a referibilidade é requisito somente da contribuição de interesse de categoria profissional e econômica.
Continuam a explicar que, quando a Constituição delineia a referibilidade a determinado grupo de contribuintes, não quer dizer que haverá um benefício pessoal, como se de taxa ou de outro tributo vinculado se tratasse, mas, sim, que haverá um comprometimento, de acordo com o que dispuser a lei, de que os recursos arrecadados terão um destino certo.
Marco Aurélio Greco, sobre o assunto, explica de forma bastante clara o tema:
“(...) A idéia de benefício ou vantagem surge na doutrina como o contraponto da noção de despesa. Se o Poder Público tem determinada despesa para exercer certa atividade que beneficia o contribuinte, este ‘concorre’ para tal despesa, suportando o encargo correspondente ao seu rateio entre os beneficiários ou causadores. (...)
Lembre-se, apenas, que nem sempre é possível identificar a existência de uma ‘vantagem’ para o contribuinte, no modelo da contribuição. Assim, por exemplo, na contribuição de interesse de categoria profissional ou econômica, não há nenhuma vantagem direta; existe apenas um grupo institucionalizado que exerce certa profissão ou integra a categoria econômica e uma entidade com atribuições no respectivo âmbito...
Também nas contribuições de intervenção no domínio econômico, freqüentemente, não há nenhuma vantagem auferida pelo contribuinte; ao revés, ele paga e ao mesmo tempo sofre os efeitos e eventualmente as restrições impostas pela intervenção. Também nas contribuições para a seguridade social, a pessoa jurídica, só de uma forma muito fugaz é que pode afirmar ter uma ‘vantagem’ pela existência e funcionamento do sistema de seguridade social, especialmente porque sua cobertura alcança toda a sociedade e não apenas os empregados do contribuinte (artigo 194 e parágrafo único).
A isto se acrescente que, na CF-88, o conceito básico consagrado nos artigos 194 e 195 é o de ‘participação’ de toda a coletividade no custeio da segurança social e não o de vantagem. Em todos estes casos, embora não exista a figura da vantagem, existe claramente a idéia de integração a um grupo e de engajamento dos participantes em busca de determinados objetivos, finalidades, ou implementação de determinados valores”.
Nessa linha de entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui o seguinte precedente:
“TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO DESTINADA AO INCRA – LEI 2.613/55 (ART. 6º, § 4º) – DL 1.146/70 – LC 11/71 – NATUREZA JURÍDICA E DESTINAÇÃO CONSTITUCIONAL – CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO – CIDE – LEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA MESMO APÓS AS LEIS 8.212/91 E 8.213/91 – PREJUDICADO O EXAME DAS DEMAIS ALEGAÇÕES DA AUTORA. 1. ... 2. Naquele julgamento discutiu-se a natureza jurídica da contribuição e sua destinação constitucional e, após análise detida da legislação pertinente, concluiu-se que a exação não teria sido extinta, subsistindo até os dias atuais e, para as demandas em que não mais se discutia a legitimidade da cobrança, afastou-se a possibilidade de compensação dos valores indevidamente pagos a título de contribuição destinada ao INCRA com as contribuições devidas sobre a folha de salários. 3. Em síntese, estes foram os fundamentos acolhidos pela Primeira Seção: a) a referibilidade direta não é elemento constitutivo das CIDE's; b) as contribuições especiais atípicas (de intervenção no domínio econômico) são constitucionalmente destinadas a finalidades não diretamente referidas ao sujeito passivo, o qual não necessariamente é beneficiado com a atuação estatal e nem a ela dá causa (referibilidade). Esse é o traço característico que as distingue das contribuições de interesse de categorias profissionais e de categorias econômicas; c) as CIDE's afetam toda a sociedade e obedecem ao princípio da solidariedade e da capacidade contributiva, refletindo políticas econômicas de governo. Por isso, não podem ser utilizadas como forma de atendimento ao interesse de grupos de operadores econômicos; d) a contribuição destinada ao INCRA, desde sua concepção, caracteriza-se como contribuição especial de intervenção no domínio econômico, classificada doutrinariamente como contribuição especial atípica (CF/67, CF/69 e CF/88 - art. 149); e) (...); f) a contribuição do INCRA tem finalidade específica (elemento finalístico) constitucionalmente determinada de promoção da reforma agrária e de colonização, visando atender aos princípios da função social da propriedade e a diminuição das desigualdades regionais e sociais (art. 170, III e VII, da CF/88); g) a contribuição do INCRA não possui referibilidade direta com o sujeito passivo, por isso se distingue das contribuições de interesse das categorias profissionais e de categorias econômicas; h) (...); i) (...); j) (...); 4. Prejudicado o exame das demais alegações da empresa autora. 5. Recurso especial improvido.”
(RESP nº 895.596/SC, Relª. Minª. Eliana Calmin, j. em 08.05.2007, DJU 23.05.2007)
Diante deste cenário, tem-se que a referibilidade não é requisito da contribuição de intervenção no domínio econômico.
Contribuições Corporativas ou de Interesse de Categorias Profissionais ou Econômicas.
O professor Ricardo Alexandre explica que, como o art. 5., inc. XII, da CF, declara livre o exercício de qualquer trabalho ou profissão, mas prevê a possibilidade de a lei estabelecer as qualificações profissionais necessárias para o exercício de tal direito, permitiu-se a criação de entes descentralizados que fiscalizassem o exercício de determinadas profissões.
Pois bem, como a lei entendeu que determinadas profissões são de interesse público a ponto de autorizar a criação de certas pessoas jurídicas, o Estado viu-se obrigado a instituir tributos cujo produto da arrecadação deve ser destinado a elas. Tem-se, aqui, portanto, um tributo de natureza eminentemente parafiscal já que se trata de um caso onde o Estado cria o tributo e atribui a arrecadação a essa terceira pessoa que realiza atividade de interesse público.
Assim, essas contribuições destinam-se ao custeio das atividades fiscalizadoras e representativas de categorias econômicas ou profissionais que exerçam funções legalmente reputadas como de interesse público. Pode-se citar o CREA, o CRM e etc como exemplo de conselhos fiscalizadores profissionais regulamentados que recebem esta espécie de contribuição.
A hipótese de incidência dessas exações consiste no exercício, pelo contribuinte, de determinada atividade profissional ou econômica, a que se atrelam as funções (de interesse público) exercidas pela entidade credora das contribuições (fiscalização, representatividade, defesa de interesse etc).
Portanto, aqui sim há a necessidade de o contribuinte só ser obrigado a recolher a contribuição quando lhe houver um benefício em contrapartida, ou seja, há necessidade de respeito ao princípio da referibilidade.
III – CONCLUSÃO.
Desse modo, as contribuições sociais gerais, a título de exemplo, as contribuições ao sistema “S”, não exigem respeito ao princípio da referibilidade já que as empresas são obrigadas a pagar o tributo visando o aprimoramento e a valorização do trabalho humano sem nenhuma contraprestação em troca.
Assim como a seguridade social está fixada no princípio da solidariedade social, qual seja universalização da cobertura e do atendimento, exige-se participação de todos os agentes econômicos, públicos e privados, para financiar o sistema. Portanto, as contribuições sociais destinadas ao financiamento da seguridade social não exige relação de pertinência entre a obrigação imposta e o benefício a ser usufruído pelo contribuinte, logo não atende ao princípio da referibilidade.
Na mesma esteira, as contribuições de intervenção no domínio econômico são constitucionalmente destinadas a finalidades não diretamente referidas ao sujeito passivo, o qual não necessariamente é beneficiado com a atuação estatal e nem a ela dá causa (referibilidade), uma vez que as CIDE's afetam toda a sociedade e obedecem ao princípio da solidariedade e da capacidade contributiva, refletindo políticas econômicas de governo.
Já nas contribuições corporativas há a necessidade de o contribuinte só ser obrigado a recolher este tributo, quando lhe houver um benefício em contrapartida tal como fiscalização pelo conselho profissional, ou seja, há necessidade de respeito ao princípio da referibilidade.
IV – REFERÊNCIAS.
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 6. ed. São Paulo: Método, 2012.
ALMEIDA, Edvaldo Nilo de. Direito Tributário. 2. ed. rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2012.
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
Apostila do Curso de Pós-Graduação na área do Direito, tema: Garantias Constitucionais e Direito Tributário, da AVM Faculdade Integrada, Brasília/DF.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. 4. tir. São Paulo: Malheiros, 2002.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura “sui generis”). São Paulo: Dialética, 2000.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 19. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2001.
MARQUES, Márcio Severo. Classificação Constitucional dos Tributos. São Paulo: Max Limona, 2000.
MELO, José Eduardo Soares de. A Importação no Direito Tributário: impostos, taxas e contribuições. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
Procuradora Federal lotada na PFE/Anatel, pertencente à Gerência de Contenciosa desta Agência. Sou Especialista em Direito Administrativo e em Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORELO, Ludimila Carvalho Bitar. Contribuições especiais e o princípio da referibilidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39771/contribuicoes-especiais-e-o-principio-da-referibilidade. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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